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RELATÓRIO DE RESENHA CRÍTICA E RESUMO

LIVRO: DISCURSO DO MÉTODO – RENÉ DESCARTES

GILBERTO MIRANDA JUNIOR

R.A. 1133837 - FILOSOFIA

CARAGUATATUBA

Junho/2015
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1 INTRODUÇÃO

A obra o Discurso do Método pode ser vista como uma sistemática reflexão sobre
seu tempo através de uma tomada de posição específica frente a uma crise que, a
partir do posicionamento pessoal de Descartes inaugurou uma nova epistemologia e
uma nova maneira de olhar a realidade.

É preciso assumir uma perspectiva hermenêutica na leitura da obra de Descartes


a partir do momento em que sua época se desprendia de uma visão de mundo
centralizada na autoridade e no poder da religião. Porém, essa perspectiva
hermenêutica não pode deixar de levar em conta que o que ele pensou também foi
assumido pela tradição como forma de conciliar os dogmas religiosos com a ciência
que despontava na modernidade. Notório é salientar que foi um processo gradual
essa conciliação.

Assumindo, de certa forma, o espírito moderno de sua época e centralizando a


capacidade racional humana na busca do conhecimento, Descartes preocupou-se
fundamentalmente em construir um modo para que pudéssemos chegar a um
conhecimento que fosse seguro. Esse modo é o caminho: o método.

Para esse objetivo, notamos que ele incorporou o espírito que se formava na
época e diferenciou seu discurso dos tratados filosóficos medievais impessoais e
abstratos, escrevendo na maioria das vezes na primeira pessoa e exemplificando
suas ideias a partir de suas experiências pessoais.

Seu estilo pessoal, quase confessional, mescla sentenças de cunho afirmativo-


perceptivo de caráter universal e, logo em seguida, são justificadas em sua validade
a partir da narrativa de sua experiência pessoal racional. Vemos esse exemplo nesse
trecho:

As maiores almas são capazes dos maiores vícios, como também das
maiores virtudes, e aqueles que só andam muito devagar podem avançar
bem mais, se seguirem sempre pelo caminho reto, do que aqueles que
correm e dele se afastam.

Quanto a mim, nunca cheguei a supor que meu espírito fosse em nada mais
perfeito do que os dos outros em geral. Muitas vezes cheguei mesmo a
desejar ter o pensamento tão rápido, ou a imaginação tão nítida e diferente,
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ou a memória tão abrangente ou tão presente, quanto alguns outros .


(DESCARTES, 2006, p. 13)

É com esse tom pessoal e de certa forma intimista, embora tente sempre
universalizar os conceitos que decorrem de seu raciocínio pessoal, que Descartes
começa seu Discurso do Método com uma das frases mais emblemáticas da
modernidade; não tanto por seu caráter axiomático, mas por seu caráter aforístico:

O bom senso é a coisa do mundo mais bem distribuída, porquanto cada um


acredita estar tão bem provido dele que, mesmo aqueles que são os mais
difíceis de contentar em qualquer outra coisa, não costumam desejar tê -lo
mais do que já o têm. (Idem)

Descartes usa esse enunciado para argumentar a ideia de que todos são
dotados igualmente de razão e que só chegam a opiniões diferentes por que não
possuem um método adequado. É claro que, embora aforisticamente seja
interessante, é difícil imaginar que cada homem não veja necessidade de ter mais
bom senso do que julga ter como evidência de que todo de fato tenha. Mas essa
ideia se configura como pedra basilar de um consenso de que se forma na época, já
formulado no final do medievo por Nicolau de Cusa, de que o homem seria um
microcosmo, reproduzindo em si, sinteticamente, a totalidade da natureza.

2 DESENVOLVIMENTO

Descartes introduz a temática do sujeito que conhece como fundamento de sua


epistemologia. Essa temática irá deslocar o questionamento sobre o Objeto que se
mostra a uma razão capaz de captar a ordem efetiva das coisas para o Sujeito que
volitivamente se direciona para o Objeto na intenção de captar essa ordem. A
preocupação moderna, inaugurada por Descartes é como esse Sujeito pode
assegurar um conhecimento verdadeiro e seguro do Objeto.

Descartes então parte da premissa que, antes de voltar-se ao Objeto, esse


Sujeito precisa voltar-se para si mesmo e fundamentar nele a possibilidade desse
conhecimento. Quem é esse sujeito que conhece? Quais suas potencialidades e
limitações? É possível sair do ceticismo e alcançar a verdade sobre algo? Eis os
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pontos tematizados a partir de Descartes em seu Discurso do Método.

A perspectiva ontológica que Descartes tematiza o Sujeito do conhecimento só


seria abandonada pelo empirismo e depois por Kant. Descartes confia na capacidade
fundante da Razão como possibilidade de conhecer e descarta a possibilidade de
qualquer conhecimento seguro a partir do sensível, reeditando a tradição iniciada em
Platão.

Embora liberte a epistemologia da fundamentação teológica e centralize no


racionalismo toda a nossa possibilidade de conhecimento, inclusive o teológico,
Descartes postula uma participação divina em nós, e a exemplo de Platão, separa o
Sujeito em duas instâncias substanciais que formaria o Ser Humano: a res cogitans e
a res extensa. A fundamentação racional desse dualismo contribuirá para avanços
científicos, onde a noção de corpo como uma máquina a serviço da alma racional irá
proporcionar a permissão para autópsias, por exemplo.

Descartes chega a seu método assumindo uma postura cética, porém postula um
ceticismo que não duvida para negar, e sim para chegar através da dúvida metódica
ao verdadeiro conhecimento. Seu método estabelece que tanto os sentidos quanto a
percepção não se configuram como um conhecimento seguro, e estabelece o
caminho para esse segurança pelos quatro preceitos básicos:

1. Evidência: aquilo que aparece imediatamente ao entendimento;


2. Análise: divisão do problema em partes menores;
3. Síntese: ordenar o pensamento do mais simples ao mais complexo;
4. Evidência do Conjunto ou Intuição Geral: enumeração dos dados e revisões
gerais.

O caminho cético proposto por Descartes procura desestruturar a própria postura


cética ao usar o ceticismo para buscar algo que fundamente a possibilidade do
conhecimento seguro. Ela, portanto, é propedêutica. Para isso ele cria o argumento
do Cogito, cujo objetivo é estabelecer os fundamentos do conhecimento e encontrar
uma certeza imune a qualquer questionamento cético.

Propondo esvaziar-se de todas as crenças e conhecimento adquiridos, Descartes


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encontra a questão que garante a certeza segura de algo: “Penso, logo existo”. A
existência, a partir dessa constatação, se torna a pedra basilar da certeza de que
podemos conhecer de fato algo sem qualquer tipo de questionamento que possa
negá-lo. Se sabemos que pensamos, é por que necessariamente existimos.

O Cogito, portanto, a partir da descoberta de uma realidade primária, necessária


e indubitável, nos dará a base para a construção do conhecimento possível humano.
A existência de Deus, para Descartes, a partir da constatação do Eu Penso, se
circunscreve a partir da ideia que temos dela. A ssim ele argumenta ontologicamente
sobre a existência de Deus.

Sendo a dúvida metódica o único método possível de conhecimento humano,


Descartes postula que duvidar é menos perfeito que conhecer. Ao não possuirmos
um conhecimento direto que nos exime da dúvida como método, só poderíamos ter
ideia da perfeição se houvesse alguma natureza que fosse mais perfeita e acima de
nós. Essa natureza é Deus. Não sou só eu que existo, pois não sou perfeito e se
tenho ideia da perfeição, além de mim devem existir outras coisas.

A ponte entre o pensamento subjetivo na busca de uma certeza indubitável e o


pensamento objetivo que pode proferir conhecimento sobre um objeto está na
fundamentação última da realidade que independe da experiência sensível, isto é, na
razão pura inata que confirma a existência de Deus como realidade objetiva.

Só haverá ciência, para Descartes, quando a razão puder explicar através de leis
e princípios indubitáveis como a realidade se configura e funciona. A ponte para fora
de si mesmo e o rompimento com o solipsismo no pensamento cartesiano é
justamente sua argumentação sobre a existência de Deus. Deus existindo, as coisas
existem fora do nosso pensamento, e é caminhando em direção a Deus através de
nossa razão é que posso conhecer as coisas. O método cartesiano também é
metafísico.

Nesse ponto há uma crítica à escolástica aristotélica que preconizava chegarmos


a Deus através do sensível. Nunca mais a ciência seria a mesma com a publicação do
Discurso do Método de Descartes, embora o empirismo fosse dar um caráter
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comprobatório mais robusto ao conhecimento possível humano e também iria mudar


as características do fazer ciência.

3 CONCLUSÃO

O argumento de Descartes para a prova da existência de Deus, que tiraria da


circularidade o argumento do cogito nos garantindo uma certeza indubitável, se
circunscreve nos mesmos problemas vistos nos pensamentos anteriores que tentam
argumentar a existência de Deus sob uma perspectiva ontológica.

Pensar o conceito como determinante da realidade e não a realidade sensível


como determinante do uso intuitivo racional para se construir um conceito, parece
permitir digressões que passam a por em dúvida a legitimidade do raciocínio.

O argumento do cogito cai em circularidade, como já denunciou Leibniz, na


medida em que ao deduzir a existência pelo fato de algo saber que pensa, eu
também deduzo o pensar por sentir que existo. Se sei que existo, é por que penso.
Existo, logo penso.

Outro problema também é depreender daí que, se cheguei a essa certeza


através da dúvida sistemática, e a dúvida é menos perfeita que o conhecimento
direto, significa que não sou perfeito e que seja necessário que exista algo mais
perfeito, que por ser perfeito, precisa necessariamente existir.

Ora, o que justifica que o caminho direto é melhor que o dialético? Só uma ideia
de perfeição, que já carrega em si julgamentos de valores que à época de Descartes
não se questionava. Logo, a dúvida dele não chegou tão longe e não é tão metódica
assim, pois nada justifica, a não ser a presunção de que exista uma perfeição e
ordem reguladora no Universo, que partamos do pressuposto de que existe um norte
a ser seguido e que leve necessariamente a algum lugar.

Por isso o alerta de que é necessário manter a perspectiva hermenêutica na


leitura de Descartes. Por mais que ele se predispusesse a colocar em dúvida todas as
crenças e certezas que ele alimentava, as mais arraigadas e que permeiam toda a
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ocidentalidade desde a antiguidade, não foi sequer resvalada. Logo, ele não foi tão
metódico quanto achou que tivesse sido no ceticismo que quis imprimir em suas
investigações.

A crença renascentista e iluminista no progresso e no caminho direcionado será a


tônica do pensamento humano até depois do iluminismo de Kant, desembocando no
positivismo lógico e só começando a sofrer um questionamento efetivo na Escola de
Frankfurt e mais tarde nos filósofos contemporâneos.

Pensar sobre Descartes é pensar sobre nossa condição atual. Mesmo hoje a
própria ciência aceitando outras abordagens epistemológicas, o senso-comum ainda
se enxerga dentro de um dualismo dicotômico e fixo que nos embota firmes como
instrumento de dominação e controle numa sociedade que insiste em nos
fragmentar.

A ‘retotalização’ do ser humano, dialético com a própria condição de seres-no-


mundo, rompe esse paradigma e nos torna mais conscientes e autônomos para que
exerçamos nossa liberdade rumo ao destino que escolhermos e não a um pacote
pronto de crenças e preconceitos legados por autoridade.

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DESCARTES, R. Discurso do Método. Tradução de Ciro Mioranza. São Paulo:


Editora Escala, 2006.

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