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Faustino Vaz
Empirismo e racionalismo
Questões de revisão
Descartes
O Cogito
Questões de revisão
Deus
Chegado aqui, Descartes pode dizer que tem certezas na primeira pessoa acerca
de si próprio como eu pensante. Mas isto é pouco. Subsiste a questão de saber se
o mundo exterior existe. Daí que Descartes precise de uma ligação ou “ponte”
que lhe permita vencer a distância entre este eu pensante e o mundo. A
premissa “Deus existe e não é enganador” irá desempenhar esse papel. Ora, a
existência deste Deus que não é enganador precisa, por sua vez, de ser provada.
Sem essa prova não há maneira de refutar o ceticismo. Descartes teria nesse
caso apenas umas quantas verdades acerca de si próprio e nada mais seria
seguro. Destruindo a hipótese do génio maligno ao estabelecer a existência de
um Deus sumamente bom e sábio, Descartes obtém a garantia absoluta de que o
mundo é como pensamos que é, na condição de usarmos corretamente as
faculdades com que Deus equipou o homem.
Para o fazer, Descartes apresenta argumentos a priori a favor da existência de
Deus que supõe conclusivos. Esses argumentos são a priori porque se baseiam
na ideia de Deus que Descartes descobre em si apenas com a ajuda da razão. O
facto de Descartes não ter optado por argumentos a posteriori a favor da
existência de Deus quando os tinha à sua disposição, poderá mais uma vez
indicar a importância que depositava no uso da razão. Neste contexto, esses
argumentos não serão analisados. O que é importante saberes é que, segundo
Descartes, também este conhecimento de Deus resulta do raciocínio, e não da
experiência; Deus, tal como o Cogito, não pode ser provado recorrendo à
observação. Nenhum indício sensorial ou experimental pode mostrar que as
proposições “Existo como ser pensante quando estou a pensar” e “Deus existe”
são verdadeiras, ou justificar que acredites nelas.
O mundo exterior
Sustentado o mundo no pilar de Deus, Descartes irá tratar das coisas físicas. A
questão que o ocupa é a de saber qual é a natureza das coisas físicas. Para isso,
sujeita à nossa consideração o seguinte exemplo. Temos um pedaço de cera com
uma certa forma, tamanho, cor, perfume; através dos sentidos, temos
experiência destas propriedades; mas se o aproximares do fogo, estas
propriedades alteram-se, embora o pedaço de cera seja o mesmo. Logo, estas
propriedades não pertencem à natureza ou essência da cera. Isto quer dizer que
a experiência não me permite captar a essência da cera e o mesmo sucede com
qualquer outra coisa física. Deste modo, só o raciocínio descobre a essência da
cera; assim, a cera muda de forma, tamanho, cor, perfume e o mesmo se dirá de
qualquer outra propriedade de que temos experiência através dos sentidos; mas
se deixar de ser uma coisa extensa no espaço deixará de ser o que é. Logo, a
extensão pertence à sua essência e à de qualquer outra coisa física.
O que fazer a partir daqui? Que coisas podemos saber acerca do mundo
exterior e de que modo adquirimos esse conhecimento? Partindo desta
descoberta metafísica, Descartes recorre à imutabilidade de Deus para
estabelecer as leis básicas da física. Parece seguro dizer que a imutabilidade de
Deus impõe algumas restrições ao que estas leis deviam ser. Assim, as duas
primeiras leis da física, que são leis do movimento, são as que têm uma conexão
mais íntima com a imutabilidade de Deus. A primeira diz que um corpo
permanece no estado em que se encontra, a menos que alguma coisa o altere; e
a segunda diz que um corpo em movimento, se as condições se mantiverem,
continua a mover-se em linha reta, o que antecipa a lei da inércia retilínea de
Newton.
À medida que o conhecimento progride a partir destas leis básicas, mais
necessária se torna a observação e a experiência. Como leis alternativas podem
ser deduzidas das leis básicas, a experiência será indispensável para se decidir
qual delas exprime o mecanismo de que resulta um determinado fenómeno. É
assim abusivo atribuir a Descartes a ideia de que estas leis podem ser deduzidas
da natureza de Deus através de um raciocínio puramente lógico.
Esta descoberta metafísica de que toda a matéria é extensão contribui para
derrubar a conceção aristotélica de natureza. Segundo esta conceção, os céus
não são feitos da mesma matéria que a Terra; além disso, a matéria dos céus
tem um grau de perfeição superior à matéria da Terra. Como esta extensão é
homogénea, não há lugar para matérias diferentes e graus diferentes de
perfeição. Estão assim criadas as condições para que se unifique a explicação
astronómica dos céus e a explicação mecânica da Terra. Um mundo que na sua
essência é extensão tridimensional só é conhecível através de uma física
matematizada. Nesta física não há definitivamente lugar para noções
qualitativas, como a de graus de perfeição. E também parece não haver para as
noções qualitativas e pré-filosóficas do homem comum; este, apesar de ter
experiência de fenómenos como a gravidade e relações entre massas, tempos e
velocidades, não está em condições de os explicar de maneira objetiva.
Questões de revisão
Conclusão
Questões de discussão
Hume
Impressões e ideias
Questões de revisão
Questões de revisão
1. Por que razão pensa Hume que a causalidade não pode ser definida como
uma conexão necessária entre duas coisas?
2. Em que se baseiam as inferências causais, segundo Hume?
3. Por que razão pensa Hume que o eu não é um substrato permanente?
4. Em que confusão pensa Hume que se baseia a ideia de eu como substrato
permanente?
5. Será que, segundo Hume, podemos justificar a nossa crença em objetos
estáveis? Porquê?
Conclusão
Como acabaste de ver, a redefinição levada a cabo por Hume de crenças tão
fundamentais como as de causalidade, inferência indutiva, eu e mundo externo
pode abalar seriamente a tua confiança nas nossas capacidades de justificação
racional. Essa é a razão que leva alguns filósofos a dizer que os seus argumentos
são um exercício de ceticismo. Mas talvez Hume esteja apenas a dizer que o
nosso conhecimento é mais limitado do que os racionalistas julgaram. Esta é
precisamente a opinião de outros filósofos. Para eles, Hume é cético em relação
às afirmações de conhecimento a priori dos racionalistas, o que é muito
diferente de ser cético em relação à possibilidade global do conhecimento.
Assim, em vez de ser um cético, Hume é um “naturalista”, alguém que
argumenta a favor da ideia de que as nossas noções centrais não são
estabelecidas pela razão, mas pelo funcionamento da natureza humana. Somos
simplesmente feitos dessa maneira e isso é contingente, o que quer dizer que
podíamos não ser feitos dessa maneira. Se Hume é cético ou “naturalista”, é
uma questão que te cabe avaliar criticamente e tomar posição.
Hume mantém-se fiel à sua teoria empirista do conhecimento. Parece que a
única justificação plausível do conhecimento genuíno é empírica. Mas afinal que
conhecimento temos? Vimos no início desta lição que Hume só admitia frases
empíricas ou analíticas. Mas como as verdades analíticas (segundo Hume, as
verdades lógicas e matemáticas) dependem exclusivamente dos significados dos
termos e apenas exprimem conhecimento linguístico e não substancial, o único
conhecimento genuíno acerca do mundo é empírico. De fora deste quadro
apertado é deixado um conjunto significativo de noções filosóficas fundamentais
até aí aceites, como as noções já discutidas de eu, mundo e causalidade. Como
não têm justificação empírica, estas noções terão de ser abandonadas. Diz-se,
por isso, que Hume foi revolucionário e que a sua filosofia teve o saudável efeito
de obrigar a discutir e redefinir noções fundamentais.
Questões de discussão
Faustino Vaz