Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Dejalma Cremonese
TEORIA
POLÍTICA
Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
2
TEORIA POLÍTICA
Sumário
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 9
3
TEORIA POLÍTICA
4
TEORIA POLÍTICA
Seção 9.1 – O liberalismo de Locke: o cidadão com direitos naturais ................................ 142
Seção 10.2 – Participação na obra A Democracia na América de Aléxis de Tocqueville .... 162
Seção 11.1 – Brasil colonial: ausência de direitos e de poder público ................................ 171
Seção 11.3 – Os vícios das instituições e da cultura política brasileira ............................. 180
Seção 11.4 – Os direitos sociais emergem quando os direitos civis e políticos fenecem .. 184
5
TEORIA POLÍTICA
6
TEORIA POLÍTICA
Conhecendo o professor
7
TEORIA POLÍTICA
8
TEORIA POLÍTICA
Introdução
O homem é, por natureza, “um animal social e político” (zoon politikon). “Aquele que
não precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou é
Arendt, constante na obra A condição humana (1995, p. 31), enaltecendo o caráter social e
político do homem: “Nenhuma vida humana, nem mesmo a vida de um eremita em meio à
ilha, que necessitamos e carecemos da presença do outro para a nossa realização e, mais
ainda, toda ação do homem depende, inexoravelmente, da presença de outros.
caracterizar nosso aspecto social e comunitário, pois desta forma também vivem as formigas
e as abelhas. O que, então, pode nos diferenciar dos outros seres do mundo? Aristóteles
têm o desejo de saber ”, pois só o homem conhece e tem consciência de si mesmo.1 Além do
aspecto racional, o homem diferencia-se dos demais seres pelo senso ético (bem e mal, certo
e errado), senso estético (culto ao belo) e, o mais importante de todos, por viver na cidade
(pólis), pela politicidade (vida cívica).
O homem foi feito, assim, para a vida da cidade (bios politikós, derivado de pólis, a
comunidade política), ou seja, o fim último do homem é viver na pólis, onde se realiza como
cidadão (politai), manifestando a sua natureza, o termo de um processo de constituição de
sua essência, a sua natureza. Então, é próprio do homem não apenas viver em sociedade,
mas viver na “politicidade”. A verdadeira vida humana deve almejar a organização política,
que é uma forma superior e até oposta à simples vida do convívio social da casa (oikia) ou de
1
Conferir Aristóteles (1969, I, 980a 1-2).
9
TEORIA POLÍTICA
dos aspectos da vida social adquirem um estatuto essencialmente político, tais como as
próprio.
Por fim, é possível perceber que a reflexão de Aristóteles sobre a política não se separa
da ética, pois a vida individual está imbricada na vida comunitária; esta é a razão pela qual
viverem em comum, mas para viver “bem” ou para a “boa vida”. O fim da cidade, portanto,
é não só assegurar aos cidadãos a vida e sua conservação (zein), mas o viver bem (euzein)
(Prélot, 1973, Livro 1, p. 135). Deste modo, a vida política destina-se a garantir a qualidade
e a perfeição da vida. Para que isso ocorra, é necessário que os cidadãos vivam o bem co-
Este livro-texto serve como uma introdução ao pensamento político ocidental. Preten-
de forma sucinta, as teorias mais significativas sobre o tema em questão. Mesmo o leitor
com pouco contato com este componente curricular verificará que muitas discussões ocorri-
das, algumas há mais de dois mil anos, ainda contribuem muito para a compreensão da
Carregamos, ainda, muito das civilizações passadas, principalmente dos gregos e romanos.
Sem contar a contribuição de mais de dois mil anos de religião cristã sobre nós. Conheça, a
das visões sociais de mundo: ideologia e utopia. Trata-se de um apanhado das formas de
abordar o tema ideologia neste capítulo para que se perceba que nos influenciamos por
nossos valores e outros interesses que, aparentemente, não fazem parte do objeto a ser co-
10
TEORIA POLÍTICA
A Unidade 2 discorre sobre as concepções gerais do Estado. Neste capítulo você co-
nhecerá a etimologia do termo e dos diferentes entendimentos sobre o Estado: seus elemen-
tos, forma de poder, funções, além das relações de classes em seu interior. Há, também, uma
rápida exposição sobre os quatro paradigmas que justificam o Estado. O capítulo é uma
introdução às diversas teorias que justificam o Estado, dando ênfase à teoria contratualista,
Na terceira Unidade você conhecerá um pouco mais sobre a organização política das
sociedades primitivas. Ela começa abordando uma teoria sobre o Estado primitivo, logo a
poder do Estado antigo. Importante destacar que a fundamentação teórica deste capítulo
ampara-se, basicamente, nos argumentos das Lições sobre a Filosofia da História, do filósofo
estudará a etimologia do termo política, além de conhecer uma melhor elucidação do con-
ceito de democracia. Por exemplo, a “democracia escravista” dos gregos. Também será abor-
Unidade deve ser bem compreendida para que se note a influência dessa civilização sobre o
dade seguinte.
A quinta unidade versa sobre o pensamento político da sociedade romana. Você des-
cobrirá que a idéia de que os romanos apenas assimilaram a cultura grega não se confirma.
Os romanos, por exemplo, deram grande contribuição ao Direito moderno e à política mo-
derna, por meio das teorias e idéias dos grandes pensadores. Você constatará ainda que com
o declínio do Império Romano o Ocidente vê surgir o cristianismo primitivo.
grande influência da Igreja neste período, em todos os setores da vida. Nesta Unidade você
to Agostinho, e como o autor do livro Cidade de Deus e Cidade dos Homens aproveitou e
adaptou para o pensamento cristão a teoria de Platão. Por fim, você fará o estudo a respeito
11
TEORIA POLÍTICA
do pensamento cristão, que só perderá influência no século 15, com as pesquisas experi-
renascentista.
compreenderá por que este período foi denominado de Renascimento, o que os pensadores
da época buscavam e contra o que “se opuseram”. A Unidade também trata da teoria de um
dos maiores pensadores políticos da História: Maquiavel. É por meio dessa leitura que você
compreenderá por que a teoria política é dividida em antes e depois de Maquiavel. É impor-
tante lembrar que Maquiavel viveu num período de reunificação dos Estados, e a ele tam-
ção sobre o maior teórico do Estado absolutista: Thomas Hobbes. A partir do estudo desta
unidade você terá condições de definir o que é o estado de natureza para este pensador, por
que Hobbes é um contratualista, qual a sua justificativa para o Estado. Hobbes viveu num
período conturbado da Inglaterra, e sua preocupação maior era com a melhor forma de
são seus maiores teóricos, quais as diferenças entre o pensamento de John Locke e de
contratualistas, o que significa o estado de natureza para esses pensadores e o que enten-
dem sobre sociedade civil. Note que o pensamento liberal é o que vai comandar a política
moderna. Até hoje esses autores são referências para o Estado moderno. É a partir desta
unidade que você perceberá a importância, por exemplo, do pensamento de Rousseau para
maiores defensores dessas duas escolas de pensamento e compreenderá por que esse tema
tem tanta relevância para os debates atuais em torno da melhor forma de democracia.
12
TEORIA POLÍTICA
nosso pais; como o tema da cidadania foi tratado nos diferentes períodos da história do
Brasil. É realizado um percurso histórico desde o Brasil Colônia, passando pela Independên-
cia e República até os dias atuais. Concluindo a Unidade você encontrará uma distinção
entre direitos civis e direitos sociais.
A última Unidade traz um olhar crítico da política brasileira atual. Você acompanhará
o quadro político brasileiro, os políticos de hoje e seus comportamentos perante o país. Te-
mas recorrentes, como ética na política, fidelidade partidária, reforma política, partidos, pre-
sidente da República, reforma agrária, serão abordados. Enfim, temas que não saem dos
noticiários. Assuntos que, pelo fato de estarmos habituados a eles – e, talvez, por isso mes-
mo, pelo hábito –, não damos a devida atenção.
Lembrando sempre que este livro serve de introdução ao tema da política ao tratar da
na última parte deste livro. Que a leitura seja proveitosa não só para a formação acadêmica,
mas que contribua para todos que se interessam pelo tema da política: das origens ao deba-
te atual.
13
TEORIA POLÍTICA
14
TEORIA POLÍTICA
Unidade 1
Seção 1.1
Já Aristóteles (Metafísica, 1969, I, 980a 1-2) expressava que “todos os homens têm o
desejo natural de conhecer ”, que é próprio do homem a descoberta, e a curiosidade sobre as
coisas faz com que o mesmo se realize no mundo. O homem, como ser-no-mundo, difere-se
dos demais animais e das coisas pelo seu aspecto pensante: conhece e tem consciência de si
mesmo. Ao pensar ele desoculta, desvela o sentido das coisas, se aproxima da essência, do
âmago, do ser das coisas. Além de conhecer, o homem tem a capacidade de criar e inovar,
por isso busca incansavelmente o novo, possibilitando o progresso com o avanço das ciências
e das novas tecnologias. Ontem, o homem vivia isolado nas cavernas, sofrendo as mais
variadas privações; hoje, vive organizado em sociedade, usufruindo comodidades, organiza-
do politicamente, criando e inovando tecnologias. E mais, avanços na aviação e na
informática fazem do homem um ser global: o mundo tornou-se uma pequena aldeia. Um
exemplo disso é a rede mundial de computadores (Internet), que possibilitou a aproximação
entre as pessoas das mais variadas partes do mundo.1
É notório também que, com o passar do tempo, o homem foi acumulando conhecimen-
to. Sabemos hoje muito mais do que os nossos antepassados sabiam graças ao espírito ino-
vador do homem e ao seu espírito de conquista. Se o homem pensa, cria o conhecimento,
quer dizer que é capaz de pensar por si mesmo, em síntese: que pode decidir o seu destino e
os rumos da humanidade.
1
Este primeiro capítulo foi inspirado nas aulas do saudoso professor doutor Dom Edmundo Luís Kunz, quando tive a oportunidade de
conhecê-lo e ser seu aluno na Faculdade de Filosofia Imaculada Conceição de Viamão (RS) (primeiro semestre de 1988). Foi a última
turma a que Dom Edmundo ministrou suas aulas. Logo após veio a falecer, no dia 12 de setembro do mesmo ano. Conferir, igualmente,
Kunz (1986).
15
TEORIA POLÍTICA
Âmago
Pensar é buscar o âmago das coisas, é se apossar da essência
filosoficamente falando, está
ligado à essência, ao ser das do objeto, do ser (aquilo que há de mais profundo). Para os filóso-
coisas.
fos gregos o ser era denominado de logos,2 a alma das coisas, o
2
Conferir o trabalho de Abbagnano (2003, p. 630).
3
Conferir a obra clássica de Gaarder (1995, p. 45-60).
16
TEORIA POLÍTICA
Por milhares de anos o ser humano se pautou por essa forma de conhecimento. O
homem de outrora carecia de informações mais apuradas (conhecimento filosófico ou cien-
tífico), por isso recorria à experiência dos mais velhos para solucionar questões de ordem
natural ou existencial. Dentro da comunidade os homens mais velhos detinham o saber,
sendo por isso mesmo respeitados e valorizados. Por essa razão hoje costumamos dizer: “vi-
vendo e aprendendo”, “Fulano ou Beltrano é um homem de experiência”, “a experiência é a
mestra da vida”, o que caracteriza esta forma de conhecimento.
O conhecimento empírico apresenta algumas características que lhe são próprias. Ini-
cialmente, é um conhecimento acima de tudo pragmático: brota das necessidades e dos inte-
resses da vida; conhecemos aquilo de que temos necessidade para viver: conhecer para viver
e não conhecer por conhecer. Segundo, é um conhecimento individual – não universal – que
vale rigorosamente só para casos vividos. Por exemplo: se uma determinada erva “curou” as
dores de fígado ou estômago de Maria ou Pedro, não significa que os resultados sejam alcan-
çados de maneira geral e universal e possam curar os males hepáticos e estomacais de toda a
humanidade. Terceiro, é um conhecimento trazido pela vida e não buscado intencionalmen-
te, como o conhecimento científico; por isso, é um conhecimento alógico, ametódico,
desordenado, assistemático e acrítico. Por fim, pode-se afirmar que o conhecimento empírico
fundamenta-se no senso comum, que consiste na apreensão de certos princípios e verdades
por todos que possuem uma natureza racional normal, pois brota espontaneamente da natu-
reza de todos os homens: são princípios ou verdades “sentidos” como evidentes.
17
TEORIA POLÍTICA
não conseguiu responder às questões ligadas à origem e ao destino das coisas e da humani-
dade. A grande questão era: qual é o sentido da vida humana e da natureza? É assim que
surge o homem da palavra sagrada (homem religioso), aquele que recorre ao sobrenatural
para explicar os fatos da vida, do cotidiano. No decorrer da História, a religião sempre teve
um papel fundamental, pois ditou regras morais, estabeleceu juízos de valor (bem e mal),
“salvou” e “condenou” os hereges, enfim, foi capaz de determinar o caminho a ser seguido,
segundo os critérios das elites hierárquicas de cada instituição religiosa. Foi assim nas soci-
edades primitivas com o comando dos sacerdotes (xamãs), da mesma forma nas sociedades
rir diretamente na vida dos homens (considerados mortais). Por fim, a Igreja Católica Apostó-
lica Romana (cristianismo), bem como outras grandes religiões do mundo (hinduísmo,
cindir do aspecto sagrado? A fé advém do temor (medo)? Como podemos explicar tais fatos?
O mito não é apenas uma história fantasiosa, ou uma narração fictícia. O mito pode
consistir em uma história que traz consigo um fundo de verdade, uma mensagem. Quase
sempre é imbuída de um princípio de valor de cunho ético, cujo objetivo é reger e manter
uma comunidade unida e organizada. O mito, nesse sentido, é buscado pela reflexão, para
chegar ao conhecimento.4 Platão empregou esse recurso na célebre passagem da República,
na alegoria da caverna, na qual o referido filósofo fez uma clara distinção entre o mundo
sensível (mundo real) e o mundo inteligível (mundo ideal). Os gregos por muito tempo se
4
Para um estudo mais aprofundado sobre o mito ver Vernant (1973).
18
TEORIA POLÍTICA
Disponível em:
rança para os problemas da vida. Pode, no entanto, conduzir, <http://pt.wikipedia.org/wiki/
ditar valores e comportamentos em uma sociedade. Assim, o mito Mito_da_caverna>.
Acesso em: 10 jan. 2008.
não é mera ilusão ou fantasia, ele precisa ser examinado, desafi-
Dramaturgos
ado e refletido. Só a reflexão pode explicar o mundo e entender a
Autores de peças de teatro;
vida. Caso contrário, crenças e estereótipos, costumes e hábitos dramatista (D. Houaiss)
5
Ver o trabalho de Campbell (1990).
6
Conferir Horkheimer (1976).
19
TEORIA POLÍTICA
um alto preço pelo consumo de boa parte dos recursos minerais e naturais, além da degra-
dação do meio ambiente. Vive-se como se esta fosse a última geração a habitar o planeta
Terra. O progresso fugiu do controle. A ciência que emancipou o homem pode destruí-lo a
qualquer momento, o perigo nuclear é iminente. Além disso, o progresso veio para uma
pequena parcela da população na medida em que cresce, a cada dia, o abismo entre ricos
e pobres.
cada vez mais isolados, fragmentados, órfãos de esperanças. Não se tem um projeto de “co-
Apesar de todo o avanço dos últimos séculos, vê-se aumentar a angústia, a ansiedade
tes. Ninguém pode fugir do peso da própria existência humana. Para tentar preencher este
vazio surge, a cada dia, uma nova droga, uma nova crença, seita religiosa, ou uma nova
Nunca as clínicas médicas de cirurgia plástica tiveram tanta procura. Lutando contra
a natureza, ou contra a lei da gravidade, milhares de pessoas estão na lista de espera por
uma cirurgia que as faça sentir melhor (mais jovens), ou parecer com aquela modelo ou atriz
famosa. Se os meus heróis são belos, tenho de parecer com eles, por isso a padronização de
narizes, seios e bumbuns. O ser da pessoa foi substituído pelo “aparecer ”, pois a “imagem é
tudo”. Por isso, “todos para a academia”. Não para formar e moldar o cérebro e a razão,
como faziam os gregos (embora também cultuassem o corpo belo), mas para malhar e mol-
dar os músculos. O que importa é a massa muscular, um corpo turbinado em detrimento dos
neurônios.
20
TEORIA POLÍTICA
mos de uma nova roupa, um novo carro, uma nova casa. Quando não podemos consumir
nos sentimos fracassados e inúteis. Paga-se caro pelo lazer, mas sem jamais descansar. O
que importa é o hedonismo (prazer a qualquer custo), curtir a vida o máximo possível, pois
só temos o “hoje”, o amanhã é uma incógnita.7
uma razão instrumental individualizada. É possível uma nova razão que se possa definir
para além dos mitos e da instrumentalidade? O desafio está lançado.
cimento mitológico para explicar as origens das coisas. Aos poucos, no entanto, o homem
mem do conhecimento filosófico que conheceremos agora, aquele que procura explicar os
fatos com argumentos lógicos, utilizando a razão como princípio fundamental, procurando
desvelar o ser alethéia (desocultação – desvelamento). Foi o filósofo grego Tales de Mileto
quem primeiro buscou elementos racionais para explicar a realidade cósmica. Tales, assim
7
“Vivemos presos ao imediato. À medida que o homem mais desconhece a razão de ser de sua vida, tanto mais ele se agarra às pequeninas
coisas do cotidiano. Tanto menos ele conhece o sentido de sua vida, e mais é tomado de uma angústia e paixão, que deixam a impressão
de uma pressa de chegar sem que ele saiba onde” (Mendonça, 1991, p. 17).
8
Conferir Barnes (1997) e Os Pensadores (1999).
21
TEORIA POLÍTICA
Sofistas
mitido pela tradição e baseada nas crenças e mitos; segundo, um
Na Grécia Clássica (século 4º a.
C.) existiam mestres itinerantes conhecimento que desoculta, desvela, busca a essência (arché);
que ensinavam a arte da
terceiro, uma visão de totalidade (não parcial) que atinge a todos
oratória (persuasão) aos filhos
dos atenienses, ou seja, as os homens e não a alguns em particular. Ou é uma verdade uni-
táticas de como vencer os seus
oponentes nos debates versal ou não é verdade (assim pensavam e se defendiam do
públicos.
relativismo dos sofistas). O debate do conhecimento filosófico se
Zoologia fará presente nos capítulos subseqüentes deste trabalho. Por ora,
A zoologia (proveniente do ainda é pertinente discutir dois temas que integram as visões so-
grego Æþï, zoon “animal”, e
logos “estudo”) é a ciência que ciais de mundo dos nossos tempos: a questão da ideologia e da
estuda os animais.
utopia.
Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/
Zoologia>.
Acesso em: 10 jan. 2008.
Seção 1.2
22
TEORIA POLÍTICA
Processo de coisificação
que apresenta o imaginário como se fosse um ente real, num pro-
O quarto aspecto da alienação
cesso de coisificação do ser humano. A “falsa consciência” é a do trabalho estudado por
Marx. Quando há uma inversão
estrutura reificada da qual se sobressai o pensamento burguês.
de valores e os seres humanos
O proletariado é contaminado por elementos da consciência bur- passam a se tornar coisas/
instrumentos, servindo apenas
guesa reificada, tal como se evidencia em sua separação entre para produzir objetos no
sistema capitalista.
luta econômica e luta política (Apud McDonough, 1983, p. 53).
É necessário, portanto, ultrapassar a falsa consciência para che- Superestruturas complexas
gar à consciência de classe.9 O difícil é “matar ” o pequeno bur- Conceito marxista. Donos dos
meios de produção (terra,
guês que existe dentro de cada trabalhador, dentro de cada um indústria), donos do poder
econômico.
de nós.
9
A ideologia no sentido pejorativo esteve sempre ligada às idéias de que serviria para obscurecer a verdade e manipular as pessoas por meio
do engano. Neste sentido, a ideologia quase sempre leva à defesa do status quo (Outhwaite, W.; Bottomore, T., 1996, p. 371).
23
TEORIA POLÍTICA
maneiras de ocupar-se com a vida cotidiana – o que ele chama de “senso comum” (Hall,
1983, p. 65).
Estado (AIE). Esses aparelhos ou instituições se utilizam das idéias e da persuasão (arte do
citar muitas instituições que são encarregadas pelo sistema de reproduzir as idéias domi-
ais (MCS), dentre os quais a televisão, o rádio, o jornal, as revistas (a propaganda, o consu-
Estado (AIE), o poder dominante detém, ainda, o poder da coerção, da força e da violência.
Essas instituições são chamadas de Aparelhos Repressivos de Estado (ARE), prestando, com
seu aparato logístico e bélico, todo apoio necessário em caso de convulsão social. Pode-se
citar as Forças Armadas (Exército, Marinha, Aeronáutica), bem como os diferentes tipos de
polícia que existem para defender a propriedade privada ou os interesses dos poderosos ca-
pitalistas.
ma semelhante à de Lenin, porém o autor restringe o conceito definindo como “os sistemas
vigente”. Em outras palavras, para ele, a ideologia é o conjunto das concepções, idéias,
dução da ordem estabelecida. Ou seja, são todas aquelas doutrinas que têm certo caráter
24
TEORIA POLÍTICA
Michael Löwy, na obra Ideologias e Ciências Sociais, assim diferencia as visões sociais
de mundo:
Utópicas Ideológicas
Visões
sociais de
mundo
Quando legitimam, justificam,
Quando têm uma função crítica,
defendem e mantêm a ordem
negativa, subversiva, quando
social do mundo.
apontam para uma realidade ainda
não existente (Löwy, apud
Corrêa, 1999, p. 23).
Para Bourdieu, as diferentes classes sociais estão envolvidas numa luta propriamente
simbólica para imporem a definição do mundo social conforme os seus interesses... As ideo-
logias (...), produto coletivo e coletivamente apropriado, servem a interesses universais, co-
Por fim, a palavra utopia vem da etimologia grega topos = lugar + eu/ou (em parte
alguma – espaço que não existe). Sem lugar, lugar inexistente, ainda não existente, mas
que pode vir a existir. Um exemplo de utopia é a obra de Thomas Morus intitulada A Utopia
(1516). Mais tarde, nos séculos 18 e 19 surgem outros filósofos utópicos: Charles Fourier,
Saint-Simon, Etiénne Cabet. No século 20, para Mannheim e Bloch, a utopia passa a ser
25
TEORIA POLÍTICA
Para você aprofundar seus nos) e Huxley: Admirável Mundo Novo como exemplo de pensa-
estudos e entendimento sobre
“utopia” não deixe de ler dores utópicos. Para Löwy e Herkennhoff, a utopia é a represen-
alguns clássicos sobre o tema:
tação daquilo que não existe ainda, mas que poderá existir se o
Os Pensadores (1999),
especialmente o capítulo homem lutar para a sua concretização. Nesse sentido, a utopia é
Utopia: a arte de cultivar
o grande motor das revoluções.
sonhos?
A Utopia,
de Thomas Morus (1516). As seções desta Unidade discorreram sobre as diferentes for-
O princípio da Esperança
mas de conhecimento e as visões sociais de mundo. O importan-
(Sonhos diurnos),
de Bloch. te, ao concluir este estudo, é perceber como os valores e interes-
Admirável Mundo Novo,
ses desempenham funções-chave no ato de conhecer. Não esque-
de Huxley.
ça que é de fundamental importância a assimilação deste con-
26
TEORIA POLÍTICA
Unidade 2
Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/
De pólis advém o conceito de política, que é a ciência/arte de
Etimologia>.
governar a cidade. Para os romanos, a civitas ou res pública é cha- Acesso em: 10 jan. 2008.
para a palavra (em francês Estado será État, Staat para o alemão,
Stato para o italiano e Estado para o espanhol e para o português),
1
Segundo Schwartzman (1970), Portugal em 1600 já era Estado absoluto.
27
TEORIA POLÍTICA
Direito Positivo
Maquiavel, na obra O Príncipe (1513), inicia a discussão teórica
Entende-se por Direito Positivo
o conjunto de normas sobre o Estado: “Todos os Estados, todos os governos que tive-
estatuídas oficialmente pelo
ram e têm autoridade sobre os homens, foram e são ou repúblicas
Estado (por meio das leis), ou
reconhecidas pelas pessoas ou principados”.2 Isso não significa, entretanto, que antes da for-
mediante os costumes. Direito
Positivo é o ordenamento mação do Estado moderno não existissem outras formas de go-
jurídico em vigor em determi-
nado país e em determinada verno e de poder. A partir das seções seguintes conheceremos mais
época; é o Direito posto.
sobre o assunto.
Direito Positivo é apenas a
norma legal emanada do
Estado; divide-se em nacional
e internacional.
Seção 2.2
2
Conferir a obra O Príncipe, de Maquiavel (1983), principalmente o Capítulo 1 De quantas espécies são os principados e de que modos
se adquirem.
28
TEORIA POLÍTICA
razão e a vontade criam e organizam (1971, p. 3).3 O Estado, então, é uma criação artificial
do homem. O homem, desde seu nascimento, encontra-se submetido à tutela do Estado.
Mesmo contra a sua própria vontade o homem é obrigado a seguir os ditames do Estado,
razão pela qual “da tutela do Estado o homem não se emancipa jamais” (p. 3). Se eventual-
mente o homem transgredir as normas do Estado, ou não acatá-las, sofrerá as sanções de tal
procedimento. O Estado impõe pesados impostos, obriga ao serviço militar (sacrificar a vida
em uma guerra, “morrer pela pátria”), impõe a lei mesmo contra a vontade dos cidadãos: “O
Estado aparece, assim, aos indivíduos e à sociedade, como um poder de mando, como gover-
no e dominação. O aspecto coativo e a generalidade é que distinguem as normas por ele
editadas, suas decisões obrigam a todos os que habitam o seu território” (p. 5). Por fim,
Azambuja sintetiza a sua noção de Estado como “a organização político-jurídica de uma
sociedade para realizar o bem público, com governo próprio e território determinado”.
Os termos nação e Estado também são tratados por Euzébio Queiroz Lima (1957).
Para este autor o “Estado é uma nação organizada”. O referido autor, ao iniciar sua obra,
começa pela definição do termo nação, entendendo-o como um conceito vasto e como a
mais complexa das formas por que as sociedades humanas se apresentam (1957, p. 2). O
que antecede a nação é uma ordem civil, não existe nacionalidade onde não existir
ordenamento civil. O conceito de nacionalidade, em Queiroz, fica subentendido nos con-
ceitos apresentados pelo mesmo nas afirmações de outros escritores. Assim, Queiroz Lima
cita H. Hauriou, que define o termo nação “como uma população fixada no solo, na qual
um laço de parentesco espiritual desenvolve o pensamento da unidade do grupamento”.
Cita, igualmente, o conceito de nação segundo o entendimento de Jellinek: “quando um
grande número de homens adquire a consciência de que existe entre eles um conjunto de
elementos comuns de civilização, e que esses elementos lhe são próprios (...). O conceito de
nação é essencialmente subjetivo, é resultante de um certo estado de consciência” (1957, p. 4).
3
“Assim, a causa primária da sociedade política reside na natureza humana, racional e perfectível” (Azambuja, 1971, p. 3).
29
TEORIA POLÍTICA
30
TEORIA POLÍTICA
Estamentais
de um centro para cobrir uma área demarcada territorialmente,
Conceito ligado ao Estado
sobre a qual ele exerce o monopólio do estabelecimento de leis entendido como poder político.
Seção 2.3
Os elementos do Estado
31
TEORIA POLÍTICA
Bascos
Cada elemento é essencial, “não pode existir Estado sem um de-
Grupo étnico que habita parte
do norte da Espanha e do les” (p. 18). Da mesma forma Azambuja define os conceitos povo
Sudeste da França. São nativos
e nação como sendo integrantes da população de um Estado.
de Navarra. A intenção dessa
nação é formar um Estado Povo é, segundo o autor, o grupo humano encarado na sua
independente (Pátria Basca e
Liberdade, mais conhecidos integralidade, numa ordem estatal determinada, é o conjunto de
pela sigla ETA, grupo que
utiliza a prática da luta armada indivíduos sujeitos às mesmas leis. O elemento humano do Esta-
e o terrorismo como meio de
do é sempre um povo, ainda que com ideais e aspirações diferen-
alcançar a independência da
região do país Basco). tes. Já o conceito de nação é entendido como “indivíduos que se
Disponível em:
sentem unidos pela origem comum, pelos interesses comuns e,
<wikipédia.org/wiki/ETA>.
Acesso em: 3 de mar. 2008. principalmente, por ideais e aspirações comuns” (p. 19). O povo
é uma entidade jurídica, nação é uma entidade moral, é uma co-
senta a massa total dos indivíduos que vivem dentro dos limites
territoriais de um país, incluindo os nacionais e os não-nacio-
4
Para Maluf, os elementos que constituem o Estado são os materiais, compostos pela população e território; os elementos formais,
constituídos por um governo soberano (poder) e um ordenamento jurídico; e o elemento final, o bem comum (1995, p. 23).
32
TEORIA POLÍTICA
nais. É importante que a população de um determinado Estado torne-se uma nação. Por
nação entende-se o conjunto homogêneo de pessoas ligadas entre si por vínculos perma-
sentem unidos pela origem comum, pelos interesses comuns e, principalmente, por ideais e
aspirações comuns.
(Catalunha); os judeus até 1948 não haviam constituído um Estado; os bascos na França e
croatas – Guerra da Bósnia (Bálcãs), gregos e turcos (Chipre), os curdos, muçulmanos (há
no mundo cerca 1,3 bilhão de muçulmanos, que formam a maioria da população ou mino-
– membros). Dessa forma é possível afirmar que não existe Estado sem nação, mas há mui-
dita, o âmbito geográfico da nação, onde ocorre a validade da sua origem jurídica. Também
não existe Estado sem território. Integram o território: o solo, o subsolo, o espaço aéreo, as
embaixadas, os navios e aviões de uso comercial ou civil e o mar territorial (200 milhas, no
caso brasileiro). Azambuja cita os judeus como um exemplo de povo que até há pouco tem-
po era uma nação, mas não consistia ainda um Estado, por faltar-lhe um território. Somen-
temporário) responsável pela efetivação de políticas públicas. O governo pode estar nas
mãos de um partido mais à esquerda, centro ou direita, nas mãos de líderes religiosos, chefes
tribais ou soldados armados. O governo é uma das mais antigas instituições humanas. Para
isso sempre nos voltamos para as primeiras civilizações orientais da Babilônia, Síria e do
Egito (6 mil anos atrás...). O governo é, positivamente, o conjunto das funções necessárias
33
TEORIA POLÍTICA
nidade dos Estados Independentes, como os extintos em 1991 após a queda da União So-
viética, é um exemplo de Confederação.
joritário ou pela coalizão de partidos que fizeram maior número de assentos no Parla-
mento.
Por fim, temos o último elemento do Estado, denominado de soberania. Por sobera-
nia entende-se, segundo Pinto (1975), “a capacidade de impor a vontade própria, em últi-
ma instância, para a realização do direito justo”. Em outras palavras, a soberania signifi-
uma população, criar, executar e aplicar o seu ordenamento jurídico visando ao bem co-
mum.
Como veremos na próxima seção, dos elementos que constituem o Estado, o governo
será sempre o palco das maiores disputas e das decisões que mais repercutem na vida dos
indivíduos.
34
TEORIA POLÍTICA
Seção 2.4
O Estado e o poder
O Estado, sede do poder, torna-se palco de lutas políticas. Pelo fato de aqueles que
estão no poder gozarem de legitimidade, a oposição às vezes encontra-se na alternativa de
É preciso ressaltar que nunca tivemos na História um Estado que interviesse tanto no
cotidiano pessoal do indivíduo como na atualidade. Michael Mann (1992, p. 169) descreve que
...o Estado pode avaliar e taxar nossa renda e riqueza na fonte, sem o nosso consentimento ou o
de nossos próximos ou parentes (o que o Estado, antes de 1850, nunca fora capaz de fazer); ele
estoca e pode usar imediatamente uma maciça quantidade de informações sobre cada um de
nós; pode fazer cumprir a sua vontade no mesmo dia em quase todos os lugares sob o seu domí-
nio; sua influência sobre a economia global é enorme; ele até provê diretamente a subsistência
da maioria de nós (via os empregos que oferece, as pensões previdenciárias, etc.).
O Estado atual penetra na vida cotidiana mais do que qualquer Estado histórico. Seu
poder infra-estrutural cresceu enormemente. Não há um lugar para se esconder do alcance
Mann (p. 168-169) enumera duas características do poder do Estado. A primeira seria
o poder despótico da elite estatal. O autor apresenta o exemplo do imperador chinês, que,
como filho do Sol, “possuía” a totalidade da China e podia fazer o que desejasse com qual-
quer indivíduo ou grupo dentro de seu domínio. O imperador romano, apenas um “deus”
menor, adquiriu poderes que, em princípio, também eram ilimitados fora da área restrita de
afazeres nominalmente controlada pelo Senado.
35
TEORIA POLÍTICA
O poder econômico é aquele que se vale da posse de certos bens, necessários ou perce-
bidos como tais, numa situação de escassez, para induzir os que não os possuem a adota-
rem uma certa conduta. Na posse dos meios de produção reside uma enorme fonte de poder
por parte daqueles que os possuem contra os que não os detêm.
O poder ideológico é aquele que se vale da posse de certas formas de saber, doutrinas, co-
nhecimentos, às vezes apenas de informações, ou de códigos de conduta, para exercer uma influên-
cia sobre o comportamento alheio e induzir os membros do grupo a realizar ou não uma ação.
O poder político está ligado aos que detêm o poder de mandar ou comandar (uma minoria),
enquanto que aos demais (maioria) cabe obedecer e seguir os ditames do grupo que governa.
Essas três formas de poder contribuem, conjuntamente, para instituir e para manter
sociedades de desiguais, divididas em fortes e fracos, com base no poder econômico, e em
sábios e ignorantes, com base no poder ideológico. Mann (1992, p. 179) apresenta outras
funções do Estado, como a da manutenção da ordem interna, servindo diretamente à classe
dominante; a de defesa, a de agressão militar, dirigida contra o ataque dos inimigos estran-
geiros; a da manutenção das infra-estruturas de comunicação (estradas, rios, sistema de
mensagens, cunhagens, pesos, mercados...). A próxima seção abordará esse tema de forma
mais aprofundada.
36
TEORIA POLÍTICA
Seção 2.5
A função do Estado
Estado a partir da análise das classes que o compõem. Assim, o Estado goza de certa autono-
mia. Ele tem a função de direção, que implica pensar a longo prazo. Como estudamos na
seção anterior, as funções do Estado podem ser: a) técnico-econômica: tem por objetivo
viabilizar o objeto econômico da(s) classe(s) dominante(s); b) função ideológica: de criar o
consenso e, c) função política: manutenção do nível da luta de classes por meio da coerção.
Para Max Weber, por Estado se há de entender uma empresa institucional de caráter
político, em que o aparelho administrativo leva adiante, em certa medida e com êxito, a
pretensão do monopólio da legítima coerção física, visando ao cumprimento das leis (eco-
nomia e sociedade).
Os objetivos da política são tantos quantas forem as metas a que se propõem os deten-
tores do poder em um determinado momento. Logo, o Estado não pode ser definido pelos
fins a que se propõe, mas pelos meios utilizados para a execução desses fins. O fim último da
política é a manutenção da ordem pública nas relações internas e da integridade territorial
O Estado legitimaria a divisão de classes sociais? Certamente. Esta foi a crítica feita
E por classes sociais entende-se, segundo Theotônio dos Santos (1991, p. 41), os agre-
gados básicos de indivíduos numa sociedade, os quais se opõem entre si pelo papel que
desempenham no processo produtivo do ponto de vista das relações que estabelecem entre
5
Analisar a obra de Santos (1991).
37
TEORIA POLÍTICA
comunidade de interesses em oposição aos outros agregados sociais (da mesma formação
rios (prestação de serviços, alfaiates, taxistas, profissionais liberais). Por fim, existem as ca-
madas excluídas (sacoleiros, catadores de papel, bóias-frias, camelôs).
Seção 2.6
Através dos séculos historiadores e teóricos da política, entre outros, têm-se questio-
nado sobre qual a possível origem do Estado, mas poucos chegaram a um consenso. O que
temos é uma resposta aproximada, porém não-conclusiva sobre a sua origem. Vamos elencar
as principais teorias que tentam responder a esta controversa questão.
5
Analisar a obra de Santos (1991).
38
TEORIA POLÍTICA
Governos absolutistas
A primeira trata da Teoria da força. Esta teoria defende que
Henrique VIII
o Estado nasceu da força, quando uma pessoa ou grupo contro- e Luís XIV:
6
Da mesma forma, para Pateman, “o Estado está inescapavelmente comprometido com a manutenção e reprodução das desigualdades
da vida cotidiana, enviesando decisões em favor de interesses particulares” (Apud Held, 1991, p. 149).
39
TEORIA POLÍTICA
Jean Bodin e Bossuet defendiam o poder divino dos reis para administrar o Estado.
Afirma Bodin:
Nada havendo de maior sobre a Terra, depois de Deus, que os príncipes soberanos, e sendo por
Ele estabelecidos como seus representantes para governarem os outros homens, é necessário
lembrar-se de sua qualidade, a fim de respeitar-lhes e reverenciar-lhes a majestade com toda a
obediência, a fim de sentir e falar deles com toda a honra, pois quem despreza seu príncipe
soberano, despreza a Deus, de quem ele é a imagem na Terra (Bodin, apud Chevallier, 1986, p. 61).
Considerai o príncipe em seu gabinete. Dali partem as ordens graças às quais procedem
harmonicamente os magistrados e os capitães, os cidadãos e os soldados, as províncias e os
exércitos, por mar e por terra. Eis a imagem de Deus que, assentado em seu trono no mais alto dos
céus, governa a natureza inteira... Enfim, reuni tudo quanto dissemos de grande e augusto sobre
a autoridade real. Vede um povo imenso reunido numa só pessoa, considerai esse poder sagrado,
paternal e absoluto; considerai a razão secreta, que governa todo o corpo do Estado, encerrada
numa só cabeça: vereis a imagem de Deus nos reis, e tereis idéia da majestade real (Bossuet, apud
Chevallier, 1986, p. 97-98).
Por fim, a Teoria do contrato social, a mais significativa das teorias da origem do Esta-
do. O Estado nasce do contrato social. Nos séculos 17 e 18 os filósofos John Locke, Thomas
Hobbes e Jean-Jacques Rousseau desenvolveram esta teoria. Do “Estado de natureza” para
o “Estado civil”,7 sobre os quais aprofundaremos nosso estudo nas Unidades 8 e 9.
Como você pode constatar, esta Unidade teve por objetivo conceituar o Estado. Por isso
insistimos na análise do Estado (funções, poderes, forma de poder, relações de classe), e aborda-
mos, também, as principais teorias que o justificam. Na próxima Unidade vamos conhecer o
pensamento político das sociedades primitivas e também das sociedades orientais. Vamos lá?
7
As unidades 8 e 9 deste trabalho irão discorrer sobre a Teoria do contrato social. Para entender a evolução do Estado conferir,
igualmente, o trabalho de Pasold (2004).
40
TEORIA POLÍTICA
Unidade 3
Seção 3.1
O Estado primitivo
líticas, as quais eram muito diferentes daquelas que conhecemos na atualidade. Inicialmen-
te é pertinente definir alguns conceitos, como bando, tribo, caçadores e coletores, agriculto-
res e pastores, que julgamos consistirem passos fundamentais para compreender a evolução
Patrícia Crone (1992, p. 84) afirma que a primeira civilização da História, ainda em
tempos remotos, foi produto da religião, isto é, as suas relações não estavam submetidas aos
poderes de um chefe de ordem material, mas sim sob o domínio de uma imaginação detento-
ra de autoridade suprema: “Quem detinha o poder eram os deuses, e não seus escravos, que
fenômenos da natureza, ou seja, tudo o que fosse misterioso, tudo o que o homem não
entendesse, o inexplicável, era atribuído à força divina: o sol, as estrelas, a lua, o trovão,
considerada o segundo estágio dessa evolução, pois são sociedades ordenadas em referên-
1
Importante lembrar que o Estado, como nós o conhecemos na atualidade, é uma criação da modernidade (séculos 16 e 17). Alguns
autores, no entanto, defendem que o Estado surgiu juntamente com a própria civilização. Esta evolução é evidenciada nesta unidade.
41
TEORIA POLÍTICA
cia a parentesco, sexo e idade. Embora sendo um estágio superior ao bando, a tribo ainda
não alcança uma organização capaz de estruturar a comunidade no aspecto social e econô-
mico, nem mesmo no aspecto coercitivo: todos tomam as decisões ao mesmo tempo (1992, p.
84). Em conseqüência, há desunião, destruição e morte, pois “a atividade humana não pode
ser coordenada em larga escala e a fissão é uma parte normal do processo político” (p. 82).
Após iniciar pelo bando e chegar à condição de tribo, é necessário que a mesma seja destruída
para que realmente ocorra a estruturação do Estado.
É possível perceber então as origens neolíticas como fases importantes, em que aparece
a domesticação dos animais e plantas como fator central na transformação da sociedade em
relação à estatitude final. Surge, então, a transição da selvageria para a parceria decorrente
da revolução econômica e científica, oriundas das relações, primeiramente, dos caçadores e
coletores, para a agricultura e pastoris. A partir do desenvolvimento da agricultura e de seu
acúmulo, passa-se à criação de normas, direitos e deveres decorrentes dessa realidade.
42
TEORIA POLÍTICA
Neolítico
privilégios. Assim, com o passar do tempo o homem, aos poucos,
O Neolítico, também chamado
desenvolve sua inteligência, o que proporciona o avanço de Idade da Pedra Polida (por
causa de alguns instrumentos,
tecnológico, igualando-se ao detentor do poder por meio da for-
feitos de pedra lascada e pedra
ça física: nessa fase, quem detém o machado ou as lanças tem, polida), é o período da Pré-
História compreendido
igualmente, o poder, pois são utensílios que serão usados para a aproximadamente entre 12.000
a.C. e 4.000 a.C. Durante este
caça (garantindo a sobrevivência), para a proteção do grupo e período surge a agricultura. A
fixação inerente ao cultivo da
para a conquista de novos territórios. A tecnologia estenderá seus
terra provoca o sedentarismo
benefícios ao homem na produção eficiente dos alimentos e dos (moradia fixa em aldeias) e o
desenvolvimento da vida em
agasalhos e, ainda, na incrementação do cultivo intencional e sociedade, assim como o
avanço cultural e o aumento da
organizado de plantas comestíveis (cultivo do arroz e do milho e, população.
Seção 3.2
O Estado oriental
rosa.
43
TEORIA POLÍTICA
Povos arianos
2
Mapa da Crescente Fértil. Disponível em: <http://www.ff.ul.pt/paginas/jpsdias/histfarm/crescentefertil.gif>. Acesso em: dez. 2007.
44
TEORIA POLÍTICA
Código de Hamurábi
1ª) o chefe do Estado era, ao mesmo tempo, chefe militar, juiz su-
O Código de Hamurábi é um
premo e coletor de impostos; dos mais antigos conjuntos de
leis já encontrados, e um dos
exemplos mais bem preserva-
2ª) as dimensões territoriais eram grandiosas, o que favorecia a dos deste tipo de documento.
diferenciação entre as classes, que acabavam subordinando-se Proveniente da antiga
Mesopotâmia e, segundo os
umas às outras. cálculos, estima-se que tenha
sido elaborado por Hamurábi
por volta de 1700 a.C.
O império dos persas foi o primeiro Estado a conseguir uni- Disponível em:
ficar todos os países de civilização mais ou menos antiga, que se <http://pt.wikipedia.org/wiki/
C%C3%B3digo_de_Hamurabi>.
estendiam do mar Egeu até os confins da Índia, compreendendo Acesso em: 10 jan. 2008.
45
TEORIA POLÍTICA
O poder teocrático significa o governo de Deus (teo = Deus + cracia = governo, po-
der), ou seja, o imperador, faraó, patriarca, monarca, exerce o poder seguindo a vontade
divina, o que o torna um ser transcendente, imortal, imbatível, infalível, e conseqüentemen-
te incontestável, restando aos demais súditos acatar suas ordens.3 A teocracia, segundo
Queiroz Lima (1957), é a participação da autoridade divina no governo dos homens. Assim,
com poderes ilimitados sobre a pessoa, a vida e a propriedade dos súditos; ora o poder do
monarca é subordinado ao poder divino e por ele rigorosamente limitado”. O autor conclui
afirmando que o Egito é o exemplo mais perfeito da primeira forma e o povo judeu é o
exemplo da segunda.
China, Índia e Pérsia, que desembocariam na Grécia (territórios compostos pelas realezas
micenas e cretenses) e em Roma (formada por realezas etruscas). Como características prin-
cipais desse modelo de Estado podemos citar: a larga extensão territorial; o Estado unitário,
centralizado no rei (monarquia teocrática); o regime autoritário e totalitário e a ausência
3
A palavra teocracia foi criada por Flavius Josephus, historiador judeu que viveu entre os anos 37 e 100 da Era Cristã, tendo chegado a
assumir o posto de general e a exercer grande influência na Judéia. Josephus teve atuação muito importante como intermediário entre
romanos e judeus, tendo, no final de sua vida, após a queda de Jerusalém, no ano 70, adotado a cidadania romana, vivendo em Roma e
recebendo uma pensão do Estado. Sua principal obra, Antiguidade dos judeus, de caráter histórico, é um repositório de informações
sobre a vida do povo judeu desde a criação do mundo; encontram-se aí também referências à organização e à vida de outros povos
antigos (Jellinek apud Dallari, 1995, p. 53).
46
TEORIA POLÍTICA
O poder nos impérios orientais era, segundo Chauí (1994), exercido por um chefe de
família ou de famílias (clã, tribo, aldeia), cuja autoridade era pessoal e arbitrária, decidindo
sobre a vida e a morte de todos os membros do grupo, sobre a posse e distribuição das
riquezas, a guerra e a paz, as alianças, o proibido e o permitido. O poder estava sempre nas
mãos dos que detinham o poder econômico (proprietários da terra e dos rebanhos). Além
disso, detinha o poder religioso, que servia de aparato ideológico para a perpetuação e a
incontestável supremacia do poder; e o poder militar, concentrando a chefia do exército e a
decisão sobre a guerra e a paz. Em decorrência disso, o chefe era rei, sacerdote e capitão.
a) despótico ou patriarcal: exercido pelo chefe de família sobre um conjunto de famílias a ele
ligadas por laços de dependência econômica e militar e por alianças matrimoniais;
b) total: o detentor da autoridade possuía poder supremo inquestionável para decidir quan-
to ao permitido e ao proibido (a lei exprime a vontade pessoal do chefe): “Aquilo que
apraz ao Rei tem força de lei”. Chefe do poder religioso, militar e econômico;
e) transcendente: por ser de origem divina, o rei era divinizado e acreditava-se em sua imor-
talidade, como condição da preservação da comunidade. Essa divinização o situava aci-
ma e fora da comunidade;
4
Classificação de Chauí (1994).
47
TEORIA POLÍTICA
Hegel, em Lições sobre a Filosofia da História (1975), defende que a História universal
segue um caminho definido, inicia-se no leste e termina no oeste, tendo a Europa como
centro: “a Europa é o fim da História universal, e a Ásia é o começo”.5 Podemos entender
o Novo Mundo (as Américas). Para o pensador germânico, esses povos estão submersos no
“puramente particular ” (fechados aos conceitos universais), bárbaros, a-históricos, atrasa-
romano alguns são livres em decorrência da participação efetiva dos cidadãos nas decisões
da pólis, e, finalmente, no mundo europeu moderno (impérios germânicos) todos são livres.
Dessa forma temos, inicialmente, o despotismo; logo após, surgem a democracia e a aristo-
cracia e, por último, a monarquia.
O Oriente é considerado por Hegel como a infância da humanidade, por estar subordi-
nado às determinações do soberano, que está no centro do poder exercendo o comando
5
Doravante a obra de Hegel Lições sobre a Filosofia da História Universal aparecerá no texto como LiFH.
6
Para um maior aprofundamento da teoria de Hegel sobre a Filosofia da História, conferir o trabalho de Hyppolite (1971).
48
TEORIA POLÍTICA
Se Roma conquistou a Grécia pelas “armas”, a Grécia conquista Roma pela cultura,
pelo saber e pela religião. Comprova-se tal afirmação analisando-se as divindades romanas,
que são as mesmas gregas: Roma torna-se um panteão de divindades e de todas as
espiritualidades herdadas da cultura grega. À internacionalização da cultura grega chama-
mos de helenismo.
Pode-se afirmar que o Estado, para Hegel, é a base e o centro dos demais elementos
concretos da vida de um povo, uma vez que totaliza a Arte, o Direito, a Moral, a Religião e
a Ciência. O Estado é o “Todo Moral”, a “Realidade da Liberdade”, a “Objetividade do
Espírito”, a “Idéia Divina, tal como existe sobre a Terra”. Dessa maneira, o ápice da liberda-
de é o Estado, ou a Cultura Nacional, como verdadeiro “indivíduo histórico”, que é o objeto
de estudo próprio da Filosofia da História de Hegel.7
7
Conferir, igualmente, a explanação e o entendimento de Hegel sobre o Estado nas LiFH (1975, p. 101-126).
49
TEORIA POLÍTICA
despotismo, do qual apenas um é livre, o chefe. O espírito dos demais encontra-se submerso
o déspota, o teocrata” (Florez, 1983, p. 264). A figura do chefe é confundida com a própria
divindade, como se o próprio Deus fosse personificado para reger e comandar o Estado.
Três nações fazem parte do mundo oriental: a China, a Índia e a Pérsia. Somente a
última, contudo, terá a capacidade de intuir o “ser em si”, isto é, terá capacidade de chegar
a uma subjetividade. A China e a Índia não chegarão de forma alguma a atingir o status de
povos históricos do mundo, visto que, para Hegel, a história propriamente dita de um povo
começa quando este se eleva à consciência. Como não há consciência nesses povos, não há
China, comenta Hegel, é uma história fechada em si mesma, tendo pouca relação com o
mundo exterior. A dependência do indivíduo perante o Estado é total, visto que este Estado
concepção de Hegel, ter algo mais interior, como o pensamento que penetra prontamente
no objeto, sendo que existe algo pensado que se transforma em algo universal e, num modo
50
TEORIA POLÍTICA
Os povos orientais não tiveram uma concepção definida sobre o Estado. A preocupa-
ção essencial da época não contemplava esse aspecto polarizador. É mister entender tam-
bém que a concepção de Estado que conhecemos na atualidade só passa a vigorar com o
Segundo Hegel, o império chinês é o mais antigo de que se tem notícia e, desde o
princípio, encontra-se fora do processo que o pensador chama de histórico, por lhe faltar a
mutabilidade, e o estático que sempre ressurge substitui aquilo que chamaríamos de histó-
rico” (1975, p. 105). Dessa maneira, Hegel exclui a China da História Universal à medida
que não existe a subjetividade da pessoa, uma vez que o substancial (que se apresenta
como moral) não é parte integrante do sujeito, mas subordinado ao despotismo do chefe
do governo.
Neste caso o indivíduo não possui liberdade e vontade, está inteiramente subordinado
ao chefe, “por isso, o elemento da subjetividade falta nesse todo do Estado, assim como este
não se baseia na convicção” (1975, p. 108). Quem representa a convicção neste Estado é
somente um sujeito, o imperador, e ao povo cabe acatar as suas ordens. O povo chinês
encontra-se subordinado ao poder estatal, pois “no Estado, eles têm ainda menos persona-
lidade, pois nele predomina a relação patriarcal, e o governo baseia-se no exercício do cui-
cal despótico exercido na China. Não existem castas ou classes que defendam seus interes-
ses, mas sim o chefe, aquele que comanda e determina as leis, versus os súditos. A depen-
dência dos súditos afeta, igualmente, a dimensão religiosa, “o imperador é, ao mesmo tem-
po, o chefe do governo e da religião” (1975, p. 116). O que resta, então, é uma religião
estatal, isto é, assumida e direcionada pelo chefe. Hegel afirma que este não é o tipo de
religião que o homem moderno europeu cristianizado conhece, pois inexiste “o recolhimen-
51
TEORIA POLÍTICA
Panteísta
Ao fazer referência à Índia, Hegel afirma que esta nação
Segundo o dicionário Houaiss,
o termo foi criado em 1705 tem muitas semelhanças com a China, ou seja, fechada em si
por J. Toland, filósofo inglês, a
mesma e estagnada. A Índia, contudo, tem relações externas com
partir do gr. pân, pantós
“cada um, totalidade” e gr. a História Universal, e esta nação é considerada como depósito
Theós, ou “Deus, deus,
divindade”. de riquezas que, desde os tempos mais remotos, tem servido para
(1975, p. 280).
como deuses.
minação e riqueza.
52
TEORIA POLÍTICA
agricultura, indústria e comércio. A quarta é a classe dos sudras, a classe do serviço, “cujo
objetivo é trabalhar para os outros, a troco de um salário que lhe garanta um meio de subsis-
como lei” (1975, p. 139). Essa realidade não está presente na China, pois a lei é a vontade
despotismo sem qualquer princípio, sem regra de moralidade objetiva e a religião tem por
No mundo oriental o princípio de evolução inicia-se, de fato, com a história da Pérsia, por
isso esta história constitui o verdadeiro começo da História Universal. Com o império persa come-
ça a franca conexão com a História Universal. Esta conexão, afirma Hegel, “não é aparente nem
externa, mas uma conexão de conceitos” (1975, p. 323). Sendo assim, o império persa é o primeiro
povo histórico submetido às evoluções e revoluções, únicos testemunhos de uma vida histórica.
Na Pérsia o homem pode separar-se da natureza, visto que sua religião não é a idolatria, não
mas, a Pérsia está “sujeita aos desenvolvimentos e transformações que por si só já demons-
tram uma situação histórica” (1975, p. 149). Por tal razão a Pérsia é considerada o império
que se inicia e desenvolve juntamente com o conceito de História Universal. Fazem parte do
Ainda como Estado teocrático, temos o exemplo do Estado israelita, que tem a presen-
ça de Deus (Javé) como poder supremo, em que o rei era apenas chefe civil e militar, estan-
do, juntamente com os demais súditos, subordinado aos preceitos da lei ditadas por Deus
53
TEORIA POLÍTICA
Os princípios da Grécia e de Roma, por exemplo, são vistos como formas antitéticas de uma
tentativa de expressar a idéia de liberdade na sociedade, sendo a última uma reação contra
a visão da primeira. Nesse confronto dialético surge o quarto momento do espírito, o qual
dade livre dos gregos e do legalismo abstrato dos romanos. Graças ao cristianismo é que o
de absoluta, como autodeterminação infinita da liberdade, que tem como conteúdo sua
própria forma absoluta... O princípio do império germânico deve ser ajustado à religião cris-
tã (Hegel, 1975, p. 571). Vê-se que, dessa forma, Hegel coloca o Estado germânico num
O que uniu os povos germânicos foi o cristianismo e, com a religião cristã, o espírito
em sua universalidade e infinitude. “O espírito realizou-se e, por isso, o fim dos dias chegou:
com a vontade subjetiva, estabelecendo, assim, a moralidade entre os indivíduos, pois so-
mente o Estado tem no homem existência racional... Somente neste tem sua essência. Todo
o valor que o homem tem, toda sua realidade espiritual, a tem mediante o Estado...”
O Estado é o fim e os cidadãos são os instrumentos (p. 101). O Estado, dessa forma, é
o momento mais elevado em que o espírito se realiza em um determinado povo, e esse povo
Europa, Ásia e África, como totalidades que estão unidas pelo Mar Mediterrâneo, mas a
exclui da História Universal. “A África não tem interesse histórico próprio, é o país filho,
54
TEORIA POLÍTICA
Por fim, Hegel faz distinção entre o Velho do Novo Mundo, pelo fato de este ser pouco
conhecido dos europeus. O Novo Mundo compreende as Américas do Sul e do Norte e a
Austrália. É essencial a separação do Velho Mundo do Novo, pois este último é novo não
somente no relativo, mas em seu absoluto, evidenciado até mesmo nos caracteres próprios,
físicos e políticos.
Hegel reconhece que os povos que habitaram as terras no Novo Mundo tinham entre
si uma cultura, embora rude, limitada por suas tradições, leis adivinhatórias, seus ritos,
cultos, deuses, os quais repetem em sua consciência, mas ao entrarem em contato com os
8
Sobre a ligação entre religião protestante e capitalismo ver Weber (2004).
55
TEORIA POLÍTICA
europeus, pelos quais foram “descobertos”, perderam a sua individualidade cultural. “A con-
quista desses países assinalou a ruína de sua cultura da qual conservamos notícia” (1975,
p. 171).
O Novo Mundo, assim como a África, ficará também fora da História Universal, pois é
necessário que estes povos deixem o espírito dos interesses particulares e orientem-se pelo
espírito da razão e da liberdade. Os americanos não desejam formar Estados jurídicos e uma
lei jurídica formal. Para Hegel, um verdadeiro Estado e um verdadeiro governo somente se
produzem quando já existem diferenças de classes, “quando for grande a riqueza e a pobre-
za, e se der uma relação tal que uma grande massa já não possa satisfazer suas necessida-
Outro exemplo de teocracia foi o Egito. Predominou neste povo a monarquia despóti-
ca, em que o soberano era considerado um Deus (Chauí, 1994, p. 96). O soberano era dono
de todas as terras dos círculos aristocráticos; estes eram responsáveis pelo culto das divinda-
des, acumularam poder e riqueza e desfrutavam de privilégios (isenção de impostos).
No Egito temos, igualmente, o poder teocrático, exercido pelo faraó, o grande rei, que
detinha o poder do Estado dominando os demais. O Estado detinha o poder de administrar
a irrigação da agricultura a partir do Rio Nilo, onde controlava a produção dos alimentos.
O rei dirigia o Estado como divindade, detinha o poder centralizando-o em suas mãos;
da mesma forma incutia a ideologia de que tudo dependia dele; comandava a natureza,
protegia e castigava os cidadãos, exercia poder sobre o tempo de bonança e miséria; por isso
o faraó era chamado de o “Filho do Sol”.10 É importante lembrar que o faraó detinha, igual-
mente, o poder religioso, nomeando os demais sacerdotes como assistentes do “grande”
sacerdote, e o poder militar, decidindo sobre a arte da guerra e da paz.
9
Conferir a crítica de Enrique Dussel sobre o preconceito de Hegel ao se referir à África e às Américas como povos que não alcançaram
a consciência histórica (Dussel, 1993, p. 13-58).
10
O faraó era um deus, filho de deuses, e sua autoridade era divina. No Egito, entretanto, a existência simultânea de muitos deuses
determinava um engenhoso sistema de limitações das prerrogativas reais. Se o faraó tinha sobre as outras divindades a incontestável
superioridade de ser uma entidade viva, nem por isso lhe era fácil invadir o campo de privilégios dos outros deuses, defendidos por
poderosos colégios sacerdotais, pouco dispostos a consentir em tais invasões. E como as diversas divindades tinham competência
especializada, a ação de uma criava para outras limitações intransponíveis (Villeneuve apud Queiroz Lima, 1957, p. 61).
56
TEORIA POLÍTICA
e os que participam dele automaticamente podem usufruir dos seus benefícios, o que não
acontece ao restante do povo, do qual convém servir ao Estado, ser explorado, pagar impos-
épocas e em condições diferenciadas. E, para confirmar essa tese, constata-se que o Estado
milênio antes da nossa era, quando se iniciou a irrigação com as águas do Rio Nilo propician-
do o cultivo agrícola em seu vale. A produção excedente absorvida pelo Estado tornou pos-
mas à vontade do déspota real (encarnação visível de deus) (Marx, apud Pinsky, 1984, p. 14).
ria, serviu aos interesses da classe dominante: “uma máquina destinada a reprimir a classe
oprimida e explorada” (Engels, apud Pinsky, 1984, p. 21). O que faz a História mover-se,
desde os tempos mais antigos, é a ambição: “seu objetivo determinante é a riqueza – mas
que possibilita a uma classe exercer sua dominação violenta sobre as demais (Clastres, apud
sociedade em classes sociais antagônicas, ligadas entre si por relação de exploração”, o que
significa que a classe dominante exerça uma relação de exploração sobre a classe domina-
da. Tal situação será possível em sociedades que ultrapassarem o necessário para a sua
57
TEORIA POLÍTICA
civilizadas, então toda sociedade não-primitiva é uma sociedade de Estado, não importan-
Nas sociedades primitivas, o chefe não dispõe de “nenhum poder de coerção, de nenhum
meio de dar uma ordem”, não é desse modelo que surgirá o poder despótico.
Esta Unidade procurou analisar a “evolução” do Estado. Trouxe pensadores das ciên-
cias políticas e da Filosofia que discorreram sobre o tema, especialmente Hegel e sua Lições
58
TEORIA POLÍTICA
Unidade 4
Seção 4.1
Partimos para a análise do mundo grego e, à medida que o conhecemos, vamos aos
poucos notando as razões que nos aproximam desse povo. Os conceitos de Filosofia, Histó-
ria, arte e política que conhecemos na atualidade têm sua origem na civilização grega. Por
tal razão, como vimos na unidade anterior, Hegel, nas Lições sobre a Filosofia da História
Universal, afirmava que, “entre os gregos, sentimo-nos de imediato em casa, pois nos en-
contramos na região do espírito” e no referido povo dá-se a “verdadeira ascensão e por real
A história grega é dividida por Hegel em três momentos decisivos: inicialmente, com a
entrecortado e o mar favoreceram o intercâmbio comercial e cultural com outros povos (na-
Ao se falar em Estado grego consideramos que o mesmo inexistia como Estado úni-
co, isto é, que englobasse toda a civilização helênica. A característica que realmente har-
século 6º a.C. como o início da civilização grega e o século 3º a.C. como o término da
mesma.
59
TEORIA POLÍTICA
a) em oposição ao Estado oriental, temos na Grécia uma reduzida expressão territorial (na
forma de pólis ou cidade-Estado);
dessa forma, a visão mítica pela qual o homem, até então, se orientava. Os aspectos geográ-
ficos, políticos e sociais contribuíram, intensamente, para que a antiga Grécia fosse o berço
A História começa com os gregos, porque com eles se inicia a consciência e a realiza-
ção de um fim de natureza universal e não de qualquer fim, ao contrário das nações do
Oriente, nas quais a História encontra-se submersa em uma consciência natural e particu-
lar. Assim, como os orientais são considerados povos infantis, isto é, devem aprender o cami-
nho para alcançar a História Universal, a Grécia é considerada a adolescência, que começa
nil, porque começam a fazer-se livres por meio da consciência. Com a juventude iniciam-se,
propriamente, as contradições. Superá-las significa elevá-las e guardá-las num nível superior
60
TEORIA POLÍTICA
Para que os cidadãos gregos exercessem a participação efetiva na pólis, seriam neces-
sárias a permanência e a perpetuação de escravos para mantê-los e sustentá-los. Argumen-
ta Hegel: A escravidão era a condição necessária de semelhante democracia, onde todo
cidadão tinha o direito e o dever de escutar e pronunciar na praça pública discursos sobre a
administração do Estado, de exercitar-se nos estádios e tomar parte das festas (1975, p.
460). O homem grego, para alcançar sua plena cidadania, deveria estar livre dos trabalhos
A palavra “política” provém dos vocábulos gregos pólis, politeia, política, politikè, ê
Pólis: a cidade, a região, ou ainda a reunião dos cidadãos que formam a cidade; – ê politeia:
o Estado, a Constituição, o regime político, a República, a cidadania (no sentido do direito
dos cidadãos); – ta política: plural neutro de políticos, as coisas políticas, as coisas cívicas,
tudo o que é inerente ao Estado, à Constituição, ao regime político, à República, à sobera-
nia; – ê politikè (techné): a arte da política (Prélot, 1964, p. 7). Em sentido comum, a política
é essencialmente a vida política, a luta em torno do poder; é o fenômeno em si mesmo.1
Para Kitto (1970), a formação da pólis grega resulta, entre outros fatores, de migrações
dos dórios, beócios e tessálios (1200 a.C. em diante). Os núcleos urbanos, construídos em
torno das fortalezas micênicas, se transformam em comunidades político-religiosas autôno-
mas. Ática, Argos, Atenas, Esparta, Tebas, Mileto e Corinto estabelecem relações comerciais
entre si e através de todo o Mediterrâneo. Em torno de 1000 a.C., o intercâmbio comercial
não se assemelhava muito a uma cidade e era muito mais que um Estado” (p. 107).
1
Para Moses Finley os gregos foram os verdadeiros fundadores da política (1998, p. 31-32).
61
TEORIA POLÍTICA
Erário público
Na concepção de Chauí (1994, p. 371), pólis significa cida-
Erário = Fazenda, fisco.
Público = relativo ou perten- de, entendida como comunidade organizada, formada pelos ci-
cente ao governo de um país;
repartição pública; cargo
dadãos (politikos), isto é, pelos homens nascidos no solo da cida-
público. de, livres e iguais, portadores de dois direitos inquestionáveis: a
2
Sobre a “palavra” (a importância da discussão), observa Aristóteles (Pol. I; 2): “É evidente que o homem é um animal mais político do
que as abelhas ou qualquer outro ser gregário. A natureza, como se afirma freqüentemente, não faz nada em vão, e o homem é o único
animal que tem o dom da palavra. E mesmo que a mera voz sirva para nada mais do que uma indicação de prazer ou de dor, e seja
encontrada em outros animais..., o poder da palavra tende a expor o conveniente e o inconveniente, assim como o justo e o injusto.
Essa é uma característica do ser humano, o único a ter noção do bem e do mal, da justiça e da injustiça. E é a associação de seres que têm
uma opinião comum acerca desses assuntos que faz uma família ou uma cidade”.
3
O trabalho de Minogue (1998) é uma excelente síntese do pensamento político ocidental.
62
TEORIA POLÍTICA
Civitas é a tradução latina de pólis, portanto, a cidade, como ente público e coletivo.
Res publica é a tradução latina para ta politika, significando, portanto, os negócios públicos
dirigidos pelo populus romanus, isto é, os patrícios ou cidadãos livres e iguais, nascidos no
solo de Roma.
chamamos de Estado: o conjunto das instituições públicas (leis, erário público, serviços
políticas, referindo-se ao modo de participação no poder, aos conflitos e acordos nas to-
madas de decisão e na definição das leis e de sua aplicação, no reconhecimento dos direi-
Afirmar que os gregos e romanos inventaram a política não significa dizer que, antes
deles, não existissem o poder e a autoridade política propriamente dita.5 Para compreender-
mos o que se pretende dizer com isso, convém examinarmos como era concebido e praticado
Chauí afirma que os gregos e romanos foram os pioneiros na política, mesmo que, no
patriarcal, próprio das civilizações orientais (1994, p. 374). Assim, um conjunto de medidas
do poder e da autoridade nas mãos de um rei, senhor da terra, da justiça, das armas, repre-
sentante da divindade.7
4
Para Châtelet (1985, p. 13), a pólis, a cidade grega, é entendida como um dos produtos mais marcantes do “milagre grego”.
5
Segundo Minogue (1998, p. 20), os gregos foram os pioneiros na política. O que vem antes deles, o despotismo oriental, não é política.
6
Conferir a análise de Chauí (1994, p. 371-381) sobre o conceito de política, segundo a etimologia. A invenção da política, segundo a
autora, dá-se com os gregos e romanos, bem como todo o vocabulário político que conhecemos atualmente refere-se aos gregos e
romanos. A política é entendida pelos gregos como “vida boa”, como racional, feliz e justa, própria dos homens livres. Para os gregos,
a finalidade da vida política é a justiça (entendida como concórdia) na comunidade.
7
Não apenas a política inicia-se com os gregos, mas “a poesia épica, a história, o drama, a filosofia com todos os seus ramos, desde a
metafísica até a economia, a matemática e muitas das ciências naturais – tudo isto começa com os gregos” (Kitto, 1970, p. 14).
63
TEORIA POLÍTICA
Afirmar que os gregos e romanos foram os inventores da política não significa a insti-
tuição de uma “sociedade e uma política cujos valores e princípios fossem idênticos aos
nossos” (Chauí, 1994, p. 376). Em primeiro lugar, a “economia era agrária e escravista, de
sorte que uma parte da sociedade – os escravos – estava excluída dos direitos políticos e da
res também estavam excluídas da cidadania e da vida pública. A exclusão atingia também
Quem realmente participava da pólis? A cidadania era exclusiva dos homens adultos,
livres e nascidos no território da cidade. Como nos esclarece Chauí (1994, p. 377):
A diferença de classe social nunca era apagada, mesmo que os pobres tivessem direitos políticos.
Assim, para muitos cargos, o pré-requisito da riqueza vigorava e havia mesmo atividades porta-
doras de prestígio que somente os ricos poderiam realizar. Era o caso, por exemplo, da liturgia
grega e do evergetismo romano, isto é, de grandes doações em dinheiro à cidade para festas,
construção de templos e teatros, patrocínios de jogos esportivos, de trabalhos artísticos.
cidade e tudo o que se refere a ela; conseqüentemente, a tudo que é urbano, civil e público.
as formas ideais e degeneradas de política. Também Aristóteles tratou sobre o tema na obra
A Política. Este foi o primeiro tratado sobre a natureza, funções e divisões do Estado sobre as
Aristóteles tratou das três formas de poder: o poder paterno, pelo interesse dos filhos; o poder
despótico, pelo interesse do senhor, e o poder político, pelo interesse de governantes e gover-
8
Sobre a questão do Estado em Platão, Jaeger, na Paidéia (2003, p. 1.330) afirma que: “... para Platão o Estado nunca é o mero poder,
mas sempre a estrutura espiritual do homem que o representa”. E o governante, para Platão, deve conhecer os valores supremos, “...
isto é, das coisas de que vale a pena preocupar-se na ação” (Jaeger, 2003, p. 1.372).
64
TEORIA POLÍTICA
kratein – governar. Foi o historiador Heródoto quem utilizou o termo democracia pela pri-
meira vez no século 5 antes de Cristo (Outhwaite; Bottomore, 1996, p. 179).9
local [...] depende das condições favoráveis” (Dahl, 2001, p. 19). Grécia e Roma consolida-
ram por séculos seus sistemas de governos, possibilitando e permitindo a participação de um
A democracia grega era uma democracia direta em que os próprios cidadãos tomavam
as decisões políticas na pólis. O modelo de democracia dos antigos foi denominado de de-
mocracia pura, pois consistia em uma sociedade com um número pequeno de cidadãos, que
se reunia e administrava o governo de forma direta. Já as democracias modernas nascem
com a formação dos Estados nacionais e tendem a se configurar de maneira um tanto di-
ferenciada. A complexidade da sociedade moderna exige uma outra forma de organização
Baixos, na Suíça e em qualquer outro canto ao norte do mediterrâneo” (Dahl, 2001, p. 29).
Já do ano 600 ao ano 1000 d.C., os vikings, na Noruega, faziam experiências com Assem-
bléias locais, mas só os homens livres participavam: “abaixo dos homens livres estariam os
escravos” (p. 29). Também na Inglaterra, ainda no período medieval, emerge o Parlamento
Representativo das Assembléias, convocadas esporadicamente, sob a pressão de necessida-
des, durante o reinado de Eduardo I, de 1272 a 1307.
9
O propósito deste capítulo não é aprofundar o debate sobre a origem da democracia clássica dos gregos e romanos (democracia antiga),
no entanto sugerimos alguns autores que tratam o tema: Anderson (1998), Arendt (1995), Hegel (1975), Minogue (1998), Kitto
(1970), Jaeger (s.d), Chauí (1994), Aranha e Martins (1993), Barker (1978), Aquino et al (1988), Pinsky (1984) e Coulanges (s.d.). O
desdobramento dos debates sobre o desenvolvimento do conceito de democracia, bem como os limites de seus pressupostos desde a
democracia clássica ateniense até as vertentes contemporâneas, já foram muito bem expostos nos trabalho de Held (1987) e Dahl
(2001), entre outros.
65
TEORIA POLÍTICA
Bem mais tarde, nos séculos 15 e 16, a democracia reaparece gradativamente nas ci-
Durante mais de dois séculos, essas repúblicas floresceram em uma série de cidades italianas. Uma
boa parte dessas repúblicas, como Florença e Veneza, eram centros de extraordinária prosperida-
de, refinado artesanato, arte e arquitetura soberba, desenho urbano incomparável, música e poesia
magnífica, e a entusiástica redescoberta do mundo antigo da Grécia e de Roma (Dahl, 2001, p. 25).
(1789), o homem moderno passa a ver garantida, nas suas respectivas Constituições, a defe-
sa dos direitos individuais (vida, liberdade e propriedade). Tem-se aí a consolidação da de-
mocracia liberal, defendida, principalmente, por John Locke. É certo, porém, que tais direi-
tos foram restritos a uma pequena parcela da população e que a desigualdade perdurou por
muito tempo: na Inglaterra, em 1832, o direito de voto era para apenas 5% da população
acima dos 20 anos de idade. O que está em jogo nas Constituições liberais e nos sistemas
Nota-se que, mesmo que a democracia inventada pelos gregos nos séculos 5º e 4º a.C.
fosse elitista e escravista (participação restrita), ela não deixou de significar um avanço em
relação às tiranias teocráticas das civilizações orientais que a antecederam. Logo após esse
período, a democracia desapareceu por séculos e, depois disso, foi só no final do século 18 e
no século 19 que a idéia voltou a se tornar importante; e apenas no século 20 ela se viu
10
É claro que houve muitas experiências democráticas, como vimos anteriormente, mas a afirmação da democracia é recente.
66
TEORIA POLÍTICA
mar, pois o mesmo era, segundo Anderson, “condutor do brilho duvidoso da Antiguidade”
(Idem, p. 21).
Como vimos, a democracia foi uma criação da genialidade dos gregos, mais precisa-
mente da pólis (cidade-Estado) de Atenas. O termo foi concebido a partir das profundas
reformas sociais e políticas de Clístenes, no final do século 6º a.C. É importante ressaltar
que o termo “democracia” não pode ser entendido sob a tradução cômoda e reducionista de
“governo do povo”. Para os gregos, “democracia” representava o governo dos demos, que
eram um tipo de distrito territorial composto por homens livres, capazes de tomar as decisões
da “cidade” (pólis), isto é, uma forma direta de exercer a ação política, sem as formas repre-
sentativas das democracias modernas.11
aristocracia (donos de terras) para o mundo urbano vem acompanhada de outras mutações
igualmente importantes, como o surgimento da escrita, da moeda, das leis escritas, e culmi-
nou com o aparecimento de uma nova racionalidade, a Filosofia (logos), que deu autono-
mia ao homem grego de pensar por si só. A origem do cosmos e do homem não será mais
explicada a partir dos mitos e das divindades, mas a partir da própria razão do homem.
ção à idéia aristocrática de poder, o cidadão poderia e deveria atuar na vida pública inde-
pendentemente da origem familiar, classe ou função.13 Todos são iguais, tendo o mesmo
11
Conferir o artigo de Karnikowski (2000).
12
No século 5º havia talvez de uns 80 mil a 100 mil escravos em Atenas para 30 a 40 mil cidadãos (Wetermann, apud Anderson, 1998,
p. 176).
13
Hannah Arendt (1995, p. 41) apresenta uma diferença substancial entre a pólis e a família. Na pólis todos são iguais, na família há
diferenças: “A pólis diferenciava-se da família pelo fato de somente conhecer ‘iguais’, ao passo que a família era o centro da mais
severa desigualdade”.
67
TEORIA POLÍTICA
Panegíricos
Na verdade, eram considerados cidadãos aproximadamen-
Discurso público em louvor a
alguém ou a um ser abstrato. te 10% da população ativa da cidade, sendo excluídos os estran-
Elogio solene. Que louva, que
geiros, as mulheres e os escravos.14 O importante, no entanto, é
contém louvor; elogioso,
laudatório. A etimologia do que se desenvolveu uma nova concepção do poder, opondo a de-
termo, segundo o dicionário
Houaiss, vem do gr. mocracia à aristocracia e o ideal do cidadão ao do guerreiro.15
panégurikós, é, ón “que diz
respeito a uma festa nacional,
em assembléia geral, daí festa O homem (cidadão) era detentor do saber – o ser da Filosofia
solene; elogio público pronun-
ciado em festa nacional”, pelo tinha direito de filosofar, de participar da academia (culto à beleza
lat. panegyrìcus, i “discurso
laudativo”. física), do estudo e do poder (direito de comandar politicamente
todos os interesses da pólis, por meio da sugestão/criação de leis e
14
Os dados sobre o número exato de habitantes (cidadãos, escravos e bárbaros) de cada cidade-Estado são divergentes entre os estudiosos.
Diz Kitto (1970, p. 110) que “só três poleis tinham mais de 20 mil cidadãos – Siracusa, Acragas (Agrimento), na Sicília, e Atenas”.
Segundo Anderson (1998, p. 176), Atenas talvez tivesse uma população de 250 mil pessoas.
15
Segundo Aranha e Martins (1993, p. 191), apenas 10% dos atenienses eram considerados cidadãos (cerca de meio milhão de
habitantes), trezentos mil eram escravos e cinqüenta mil metecos (estrangeiros).
68
TEORIA POLÍTICA
quer direitos políticos (Aquino et al, 1988, p. 200).16 A mulher era considerada o “não-
ser ”. Equiparada aos escravos, cuidava dos afazeres “domésticos”, servia como instru-
mento de procriação, não participando, portanto, das decisões da pólis.17 O filho, de prefe-
rência, deveria ser homem, sendo candidato em potencial a exercer a cidadania. O escravo
servia de mão-de-obra para sustento e manutenção dos cidadãos (60 mil para 30 mil cida-
dãos). 18
tro da vida política é o povo, ou o conjunto dos cidadãos; surge nas cidades-Estado gregas,
pela primeira vez na História, o conceito e a prática da democracia ateniense (no tempo de
cia, o homem dado aos debates na Agora, aos discursos e às discussões políticas (Prélot,
16
“O cidadão era o homem cujos pais fossem ambos atenienses natos, sendo 20% da população, os outros 80% eram considerados
‘bárbaros ou comuns’ (Thomas, 1967, p. 62); “É verdade que havia ali uns 80.000 escravos de ambos os sexos, e apenas 40.000
cidadãos, o que daria dois escravos para cada cidadão” (Barker, 1978, p. 45). Ainda sobre a população de Atenas: “A população total
de Atenas na época pode ser estimada de 300.000 a 400.000 habitantes. Este total inclui: i) cidadãos, suas esposas e seus filhos,
totalizando mais de 160.000 pessoas; ii) os metecos, ou estrangeiros residentes, a quem os atenienses dispensavam tratamento
generoso, e que chegavam a 45.000, contanto só os adultos, ou a mais de 90.000, incluindo as crianças; iii) os escravos, cujo número
se estima em 80.000”.
17
A função essencial das mulheres, na Grécia, era apenas a procriação, além de serem equiparadas aos escravos: Aristóteles descreve que
mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do público, eram os trabalhadores que “com o seu corpo, cuidavam das necessidades
(físicas), da vida” (Política 1254b25). “As mulheres que, com seu corpo, garantem a sobrevivência física da espécie. Mulheres e
escravos pertenciam à mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias – não somente porque eram propriedade de outrem,
mas porque a sua vida era “laboriosa”, dedicada a funções corporais” (Aristóteles, apud Arendt, 1995, p. 82-83).
18
A democracia ateniense, segundo Aquino et al (1988, p. 196), era uma democracia escravista, pois o trabalho escravo era a base da vida
econômica da sociedade, e os trabalhadores escravos, que consistiam senão a maioria, pelo menos uma parcela considerável da
população da Ática, não possuíam quaisquer direitos civis ou políticos.
19
Péricles faz o elogio da democracia. Segundo o estadista, a democracia ateniense é a escola da Grécia e ressalta seu aspecto original:
“não imitamos a Lei dos nossos vizinhos” (Prélot, 1973, Livro 1, p. 56). Também Eurípedes e Isócrates deixaram seu testemunho em
favor da democracia. Diz Isócrates: “Estabelecemos entre os outros a nossa Constituição” (p. 64).
69
TEORIA POLÍTICA
20
Ao centro a Agora (praça pública = debate público), acima, à direita, vê-se o Parthenon, símbolo do poder ateniense no fim do século
5º. O Parthenon era um dos templos da acrópole de Atenas. Ictinos e Calícrates foram os arquitetos; Fídias foi o diretor da obra, viveu
entre os anos de 447/433 a. C.
70
TEORIA POLÍTICA
Jaime Pinsky (1984) relata, no capítulo primeiro de sua obra, 100 Textos da História
Antiga, que o comércio de escravos era uma prática comum entre os amoritas já no século
19 a.C. e que o Código de Hamurábi justificava a escravidão: “Se um homem comprou um
escravo ou escrava e (se) este não tiver cumprido um mês (de serviço) e (se) uma moléstia
(dos membros) se apossou dele, ele retornará a seu vendedor e o comprador que despendeu.
Se um homem comprou um escravo ou uma escrava e (se) surgir reclamação, seu vendedor
satisfará a reclamação” (Código de Hamurábi, GG. 278 / 282, apud Pinsky, 1984, p. 9).
libertos (ano sabático). Segunda: os escravos não poderiam ser maltratados, vindo, se isso
acontecesse, o seu dono (o patrão) a sofrer duras penas. Geralmente os escravos provinham
dos hebreus de outras nações ou eram comprados como forasteiros que peregrinavam por
terras hebraicas.21
Até mesmo o grande filósofo grego Aristóteles justificava a escravidão por considerar
que há homens escravos pela sua própria natureza e somente um poder despótico (legítimo)
é capaz de governar.22
não bastava. Só o Estado poderia dar ao indivíduo proteção para que ele realizasse seus
ideais éticos, morais e políticos.
21
Pode-se conferir o Livro do Êxodo (21.1-11, 20-21, 26-27); Levítico (25.39-52). (In: Bíblia Sagrada).
22
A visão que Aristóteles tem sobre a mulher, os escravos e os estrangeiros (bárbaros) é de seres excluídos da cidadania. Conferir Minogue
(1998, p. 22).
71
TEORIA POLÍTICA
O escravo, para Aristóteles, era considerado um bem animado que estava a serviço de
é propriedade de seu senhor, isto é, faz parte do mesmo, então pertence ao senhor por com-
pleto. Por natureza, “o escravo não pertence a si mesmo, senão a outro, sendo homem, esse
é naturalmente escravo; é coisa de outro, aquele homem que, a despeito de sua condição de
homem, é uma propriedade e uma propriedade sendo de outra, apenas instrumento de ação,
bem distinta do proprietário” (Aristóteles, A política, Livro I, 4, 1253b 25ss, apud Pinsky,
1984, p. 12).
dos ao poder de seus amos. Esta norma já estava estabelecida como direito dos povos, “pois
podemos observar que, de um modo geral, em todos os povos, o amo tem sobre os escravos
poder de vida e de morte, e tudo aquilo que se adquire por intermédio do escravo pertence ao
amo” (Pinsky, 1984, p. 15). O bárbaro que, sendo estrangeiro,23 não tendo sangue grego,
A Grécia, entretanto, não se tornou importante referência apenas por ser precursora
23
Se ao cidadão dá-se o direito de participar das decisões e dos cultos da cidade, ao estrangeiro, o contrário: “O estrangeiro é aquele que
não tem acesso ao culto, a quem os deuses da cidade não protegem e nem sequer tem o direito de invocá-los” (Coulanges, s/d, p. 135).
“Admitir um estrangeiro entre os cidadãos é ‘dar-lhe participação na religião e nos sacrifícios’” (Demóstenes, in: Neaeram, 89, 91,
92, 113, 114, apud Coulanges, s/d, p. 136); “Ninguém podia naturalizar-se cidadão de Atenas, quando já o fosse de outra cidade”
(Plutarco, Sólon, 24. Cícero, Pro Caecina, 34, apud Coulanges, s/d, p. 136): “O estrangeiro não tinha direito algum. Se entrava no
recinto sagrado que o sacerdote havia delimitado para a assembléia, era punido com a morte. As leis da cidade não existiam para ele.
Se cometesse algum delito, tratavam-no como um escravo e puniam-no sem processo, pois a cidade não lhe devia nenhuma justiça”
(Aristóteles, A Política, III, I,3. Platão, Leis, VI, apud Coulanges, s/d, p. 136): “Podia-se acolher bem o estrangeiro, velar por ele,
estimá-lo mesmo se fosse rico ou honrado, mas não se lhe dava parte na religião e no direito. O escravo, de certa maneira, era mais
bem tratado que o estrangeiro; na verdade, sendo membro de uma família, da qual participava do culto, estava ligado à cidade por
intermédio de seu senhor; os deuses protegiam-no. Por isso a religião romana dizia que o túmulo do escravo era sagrado, mas não
considerava igualmente sagrado o do estrangeiro” (Digesto, liv. XI, tít. 7, 2; Liv. XLVII, tít. 12, 4, apud Coulanges, s/d, p. 137).
24
É importante mencionar que a palavra bárbaro, para os gregos, não contém o mesmo significado que lhe damos atualmente, não era
um termo de desprezo ou repugnância, mas apenas era considerado bárbaro “aquele que não falava grego”, ou “pertencesse a alguma
tribo selvagem da Trácia, ou a uma das luxuosas cidades do Oriente, ou do Egito, que, como os gregos bem sabiam, tinha sido um país
organizado e civilizado muitos séculos antes de a Grécia existir (Kitto, 1970, p. 12); “O estrangeiro (bárbaro) não era cidadão” (Aquino
et al, 1988, p. 191).
72
TEORIA POLÍTICA
Paidéia
Seção 4.2
segundo Werner Jaeger, era o
“processo de educação em sua
Disponível em:
Para Werner Jaeger (2003, p. 1.062), “[em] última instân- <http://pt.wikipedia.org/wiki/
Paid%C3%A9ia>.
cia, foi do ventre materno da poesia, a mais antiga paidéia dos Acesso em: 10 jan. 2008.
25
Sobre os gregos e a história da Filosofia conferir o trabalho de Finley (1998), especialmente o capítulo 8º.
26
Para Platão, por exemplo, há um paralelismo entre Estado e homem. Nas “formas estatais da timocracia, da oligarquia, da democracia
e da tirania, Platão distingue um tipo de homem timocrático, oligárquico, democrático e tirânico; e entre esses tipos de Homem, tal
como as diversas formas de Estado, estabelece diferentes graus de valor, até chegar ao tirano, último grau da escala e reverso do homem
justo” (Jaeger, 2003, p. 928-929).
73
TEORIA POLÍTICA
Heráclito de Éfeso
cia, 27 a existência de concepções elitistas acerca da natureza
4.2.2. OS PRÉ-SOCRÁTICOS
27
Sobre a concepção de “Homem Democrático” para Platão: “Tão cedo viverá entre canções e vinho, como beberá água e emagrecerá;
tão cedo se dedicará ao esporte como se sentirá mole e inativo ou entregue apenas aos interesses especiais. Às vezes lança-se na
política, levanta-se e fala, outras vezes retira-se para o campo, por achar formosa a vida rural, ou então dedica-se à especulação. A sua
vida carece de ordem, mas ele a chama de vida formosa, liberal e feliz. Este homem é uma antologia de diversos caracteres e alberga
um tesouro de ideais que se excluem uns aos outros” (Platão, apud Jaeger, 2003, p. 950).
28
Ser filósofo é ser, segundo Castoriadis (1987, p. 114), cidadão por excelência: “O filósofo foi, na Grécia, durante um longo período
inicial, nada mais nada menos que um cidadão. Por isso, às vezes, foi chamado a “dar leis” à sua cidade ou a uma outra. Sólon é o
exemplo mais célebre”.
74
TEORIA POLÍTICA
século 6º29 , que procurou, pela razão, o primeiro princípio – a arché – que pudesse explicar
toda a realidade cósmica. Foi o primeiro a lançar as bases do materialismo espontâneo ou
fecundidade e todos os seres vivos têm necessidade de umidade, é a água o elemento pri-
mordial de onde nascem todos os seres e que compõe os mesmos.
Para Parmênides de Eléia (que vivei na 1ª metade do século 5º a.C.), o ser é e o não-ser
não é (o devir é impossível). Procurou distinguir aquilo que era objeto puramente da razão
(o que chamou Verdade) e o que era dado pela observação, pelos sentidos – o que denomi-
nou opinião. Na visão de Aquino et al (1988, p. 213), Parmênides abriu discussões que
ainda hoje persistem, como as questões entre a razão e a experiência, entre teoria e prática,
idealismo e materialismo.
29
Ver também Os Pensadores. História da Filosofia. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. Especialmente, cap. Os Primeiros
Filósofos.
30
Para Jaeger (2003, p. 183), Anaximandro é a figura mais importante dos físicos milesianos, para elucidarmos o espírito daquela
Filosofia arcaica. É o único de cuja concepção do mundo podemos obter uma representação exata. Nele se revela a prodigiosa
amplitude do pensamento jônico. Foi ele quem primeiro criou uma imagem do mundo de verdadeira profundidade metafísica e rigorosa
unidade arquitetônica. Foi ele também o criador do primeiro mapa da Terra e da Geografia científica. Remonta, igualmente, aos
tempos da Filosofia nascida em Mileto, a origem da Matemática grega.
31
Pitágoras também esboça uma teoria da harmonia musical, ligada aos números: “Conta-se que Pitágoras, examinando a música, teria
descoberto que o som varia de acordo com o comprimento da corda, numa relação proporcional simples: diminuindo pela metade o
comprimento da corda obtém-se uma oitava acima; um acorde (ou harmonia) mais simples é produzido quando o comprimento das
cordas está na razão de 3:4:5. a música, em suma, é uma relação numérica, e se desagradável, sem harmonia, é porque a relação entre
os números não se encontra em uma proporção justa” (Os Pensadores, 1999, p. 28).
75
TEORIA POLÍTICA
Protágoras
Por fim ainda podemos citar Demócrito (470 a.C. – 370 a.C),
O mais eminente sofista. A partir da metade do século 5º, após as guerras persas até
Disponível em:
o final do século seguinte, o poder político da antiga aristocracia
<http://www.mundocitas.com/
fotos/968.jpg>. e da tirania foi substituído, em várias cidades gregas, pela demo-
Acesso em: 27 nov. 2007.
cracia escravocrata, comandada pela oligarquia32 que, pela pri-
meira vez, assume a vida política de Atenas. Atenas é o centro da
32
Ricos proprietários de terras (Os Pensadores, 1999, p. 16).
76
TEORIA POLÍTICA
ra, tinham acesso a várias formas culturais, aos usos e costumes de diferentes povos e luga-
sem as quais um político estava privado de sua principal virtude. Esta é a capacidade da
oratória de cada um que determina o que é justo e não o conhecimento profundo das leis. As
técnicas de discurso não procuravam a verdade, mas provar um determinado ponto de vista;
em alguns casos, falseavam-na conscientemente. Essa indiferença ao tema de que se trata-
va e a tese que se defendesse levou ao desprezo às doutrinas, devendo o aluno ser capaz de
defender qualquer tese, verdadeira ou falsa, boa ou ruim. Assim, atribuíram relatividade a
todas as noções, regras básicas e valores humanos. O aluno deveria conhecer as disciplinas
que consideravam a palavra como tal: Gramática e Retórica. Persuadir era tão importante
que Protágoras chegou a afirmar: “Devemos tornar a parte mais fraca em mais forte”. E,
segundo Górgias, a palavra é o dom com o qual podemos fazer tudo, envenenar e encantar.
O trabalho com a palavra dependia do ensino da gramática, de que eles são os iniciadores,
da crítica literária, da prosa artística, com o ritmo próprio e distinto da poesia, que é também
criação deles, tudo isso tendo em vista a eloqüência. Não descuravam, porém, da Matemá-
tica, Aritmética, Geometria, Astronomia e Música.
33
“Os sofistas foram considerados os fundadores da ciência da educação. Com efeito, estabeleceram os fundamentos pedagógicos, e ainda
hoje a formação intelectual trilha, em grande parte, os mesmos caminhos” (Jaeger, 2003, p. 349).
34
Ver o livro de Cotrim (2002).
35
Escreve Jaeger (2003, p. 366): “Antes dos sofistas não se fala de gramática, de retórica ou de dialética. Devem ter sido eles os seus
criadores.” Ainda Jaeger (p. 368): “Unida à gramática e à dialética, a retórica tornou-se fundamento da formação formal do Ocidente.
Desde os últimos tempos da Antiguidade formam juntas o chamado trivium, que juntamente com o quadrivium constituíra as sete artes
liberais, que, sob esta forma escolar, sobreviveram a todo o esplendor da arte e cultura gregas...”. O quadrivium dizia respeito à
Aritmética, Geometria, Música e Astronomia.
77
TEORIA POLÍTICA
mas também pelas necessidades criadas pela prática democrática da sociedade ateniense. O
já não bastava a linhagem, mas a liderança política passava pela aceitação popular. Numa
sociedade em que as decisões são tomadas pela assembléia do povo e onde a máxima aspi-
ração é o triunfo, o poder político, depressa se fez sentir a necessidade de se preparar para
ele. Qual era a preparação idônea para o ateniense que pretendia triunfar na política? Um
político necessitava, indubitavelmente, ser um bom orador para manipular as massas. Ne-
cessitava, ainda, possuir algumas idéias acerca da lei, sobre o que é justo e conveniente,
saber objetivo, universal, de modo que “tudo é relativo”. Esta posição – o relativismo – combina-
va com a sua forma de ensinar a argumentar: não interessava tanto o conteúdo científico, mas a
capacidade de convencer os demais. Os filósofos foram severos adversários dos sofistas, exata-
mente por não concordarem com o seu relativismo. Outra característica era o convencionalismo
das instituições políticas e das idéias morais (tudo se resolve por convenções).
ra-se o eterno debate acerca das normas morais, acerca da lei natural (phisis) e da lei posi-
tiva (nomos). O debate começa com os sofistas na Filosofia Grega, mas não termina com
Sócrates (470-399 a.C.) foi considerado o homem mais sábio da Antiguidade clássi-
ca. Era filho de Sofronisco (escultor) e Fenarete (parteira). A profissão de sua mãe o influ-
enciou a ser “parteiro”, não de crianças, mas de idéias, de conhecimento (ajudou os seus
78
TEORIA POLÍTICA
Sócrates
discípulos a pensar de maneira diferente). Sócrates não fundou
36
Para maiores informações sobre a vida e a Filosofia de Sócrates conferir a obra de Sócrates: Vida e obra (1999).
37
“No diálogo Ménon, Platão descreve Sócrates praticando a maiêutica com um escravo e levando-o a conceber noções sobre intrincada
questão matemática (relativa aos ‘irracionais’). Mesmo que não se trate, no caso, do relato de uma fato efetivamente ocorrido, ou se
teria sido outro o conteúdo da conversação de Sócrates e o escravo, não importa: a situação descrita por Platão é certamente
representativa do menosprezo de Sócrates pelos preconceitos sociais da própria democracia ateniense. Demonstrar publicamente que
um escravo era capaz, se bem conduzido pelo processo educativo, de ter acesso às mais importantes e difíceis questões científicas era
sem dúvida provar que ele era pelo menos igual, em sua alma, a qualquer cidadão” (Sócrates. In: Os Pensadores, 1999, p. 27).
79
TEORIA POLÍTICA
Platão
A característica da Filosofia socrática é a introspecção: “co-
nhece-te a ti mesmo” (torna-te consciente de tua ignorância), que
foi retirado do oráculo de Delfos (templo). É preciso, diz Sócrates,
“bem pensar para bem viver”. Sócrates não deixou nada escrito,
conhecemos sua obra graças aos seus discípulos Platão e
Xenofonte.
Disponível em:
<http://upload.wikimedia.org/
Sócrates tomou parte dos assuntos políticos de sua época,
wikipedia/commons/4/4a/Plato- foi um combativo guerreiro. Foi também um crítico da democra-
raphael.jpg>.
Acesso em: 28 nov. 2007. cia de sua época, combateu os vícios existentes na pólis, por isso
foi perseguido e condenado à morte. Teve a oportunidade de fugir
(pena do ostracismo = exílio político), mas preferiu morrer. O sábio
grego foi condenado à morte sob a acusação de corromper os jo-
vens e pregar falsos deuses (ateísmo). Quem o condenou foram
os poderosos da época (os acusadores: Anito, Mileto e Licon).
Foi obrigado a ingerir um veneno mortal chamado cicuta. 38
38
Para acompanhar os últimos momentos da vida de Sócrates é necessário ler a Apologia de Sócrates escrita por Platão (Lisboa: Ed. 70,
2000).
80
TEORIA POLÍTICA
sofo. Sabe-se que no ano 380 Platão funda uma Academia (Escola de Formação Filosófi-
ca).39 O filósofo não tomou parte em assuntos políticos.40 Teve como mestre Sócrates, cuja
preocupação era, exclusivamente, as questões humanas, ao contrário dos filósofos anterio-
Uma das principais passagens da Filosofia platônica está expressa na alegoria da ca-
verna, na qual Platão faz oposição entre o mundo ideal e o real. Para Platão, o mundo ideal
é o verdadeiro: “A terra é uma profunda caverna que a luz da razão não consegue atravessar.
Somos prisioneiros acorrentados nessa caverna e os objetos que vemos são meras sombras
da realidade, a passar nas paredes escuras, diante de nossa vida. O mundo perfeito, o mun-
do real, existe numa idéia (no céu) e o mundo em que vivemos é apenas uma imagem imper-
feita”.42
Após a leitura da obra A República, escrita por ele, pode-se concluir que o diálogo da
obra é uma descrição da república ideal, que consiste na composição harmônica de três
categorias (os governantes filósofos, os guerreiros e os que se dedicam aos trabalhos produ-
tivos). Conclui-se, igualmente, que o Estado de Platão inexiste no plano terreno, existe
apenas no plano ideal, ou seja, o Estado ideal de Platão é o perfeitamente justo. Platão, no
Livro VIII da República, trata sobre as formas de governo e as classifica em ideais e corrom-
pidas. As formas ideais de governo são: a monarquia, considerada a melhor de todas (é o
de um só), a oligarquia (governo mau de um grupo, governo dos ricos) e, por fim, a repúbli-
39
Platão argumenta que todo processo educativo de uma criança, ou a iniciação cultural da mesma, esbarra na falta de interesse em
aprender. Platão menciona que esta falta de interesse não deve ser combatida pela coação ou por medo servil ou por castigo, mas deve-
se aplicar métodos condizentes aos alunos à medida que “aprendem como quem brinca” (Jaeger, 2003, p. 915).
40
Platão é um crítico da pólis: “Platão calunia Atenas o máximo possível: graças a seu imenso gênio de diretor de teatro, de retórico, de
sofista e demagogo, conseguirá impor, por séculos futuros, esta imagem: os homens políticos de Atenas – Temístocles, Péricles – eram
demagogos; seus pensadores, sofistas (no sentido que ele impôs); seus poetas, corruptores da cidade; seu povo, um vil entregue às
paixões e às ilusões. Platão falsifica, com conhecimento de causa, a história” (Castoriadis, 1987, p. 115).
41
“Platão permanecerá, segundo se crê, oito anos ao pé do mestre” (Prélot, 1973, Livro 1, p. 89).
42
Sobre a filosofia política, Platão elaborou três obras que mencionam e enfocam a política: – A República, O Político e As Leis (mais
especificamente em A República e As Leis). Embora tenha tratado de temas políticos em outras obras, é sobretudo nessas duas que
ele desenvolve uma teoria do Estado, na qual princípios éticos e políticos são combinados. Considera, Platão, a política como arte
de tornar os homens justos e virtuosos, porém sob o governo dos melhores). Na obra Política, Platão apenas questiona se a
autoridade final no Estado deve recair num indivíduo – alguém que personifique a arte de governar – ou na lei. Conferir Rowe (1989,
p. 26).
81
TEORIA POLÍTICA
ca/democracia (governo das multidões). A democracia é a pior das boas e a melhor das más
formas de governo.43 Platão distingue um governo bom de um ruim pelo consenso e a força
(legalidade ou ilegalidade).
No Estado platônico, não há propriedade privada nem laços familiares. Para assegurar
uma “sadia” descendência, o Estado é que decidia quem poderia ter ou não ter filhos. Era de
competência do Estado, também, preparar física e intelectualmente a juventude. Os magistrados
fiscalizavam a educação para que o indivíduo fosse preparado a fim de exercer uma função para
a qual tivesse melhor capacidade. Eram os magistrados que escolhiam os mais notáveis para
participar do grupo de filósofos e governantes. Platão entendia que só os mais inteligentes seriam
capazes de governar e, entre os mais capazes, ele incluía o filósofo.44 Vê-se, assim, que Platão era
adepto da sofocracia, ou seja, o poder dos sábios. Somente eles teriam condições de administrar
e comandar o Estado. O poeta, no entanto, não estava incluído na condução do Estado.45
43
Norberto Bobbio (1997, p. 45-48), capítulo II, referente a Platão; Prélot (1973, Livro I, p. 87-120); Durant (2000, p. 29-68).
44
Platão defende, no livro A República, que o governo ideal seria o governo dos filósofos. “A proposta de Platão, no que se refere ao
governo filosófico: que os filósofos se tornassem governantes, ou os atuais governantes se tornassem filósofos” (Rowe, in: Rechead,
1989, p. 17-28).
45
Para Platão, a poesia fala às paixões e instintos humanos, e o homem moralmente superior domina os seus sentimentos e, quando se
vê submetido a fortes emoções esforça-se por refreá-las (Jaeger, 2003, p. 985).
46
Thomas (1967, p. 72-82), no capítulo VIII, “Platão, que sonhou com um mundo melhor,” apresenta o idealismo platônico, Platão
como discípulo de Sócrates e menciona a obra A República como a primeira utopia da História.
82
TEORIA POLÍTICA
Aristóteles
Assim como Sócrates, Platão teceu acaloradas críticas às
Livro I, p. 104).
Disponível em:
<http://mundofilosofico.
arteblog.com.br/images/mn/
4.2.6. A CIDADE COMO REALIDADE 1181965835.jpg>.
PERFEITA EM ARISTÓTELES Acesso em: 28 nov. 2007.
47
Aristóteles pode ser considerado o fundador da Ciência Política, tal a sua observação metódica da realidade. Foi o primeiro autor do
Direito Constitucional. Escreveu A Constituição de Atenas, na qual registrou as várias formas e alterações constitucionais por que
passou a cidade de Atenas (Prélot, 1973, Livro 1, p. 175). A obra também pode ser lida como uma história política de Atenas.
83
TEORIA POLÍTICA
Para Aristóteles, assim como Platão, três são as formas de governo e três são os desvios
e corrupções dessas formas: as formas boas são a monarquia (governo bom de um só); a
aristocracia (governo bom de um grupo) e a terceira aquela que se baseia sobre a vontade
popular, que parece apropriado chamar de “timocracia”, mas que a maioria chama apenas
de “politie”, que significa Estado ou Constituição. As formas más ou as degeneradas são: a
tirania (governo ruim de um só); oligarquia (governo mau de poucos) e a democracia. Três
são as formas boas de governo e três são os desvios e corrupção dessas formas: o reino e o
A reflexão de Aristóteles sobre a política é de que ela não se separa da ética, pois a vida
individual está imbricada na vida comunitária. Afirma Aristóteles que o objeto da ética é
uma espécie de política.48 A razão pela qual os indivíduos se reúnem nas cidades (e formam
comunidades políticas) não é apenas a de um viver em comum, mas a de viver “bem” ou a
boa vida.49 Para que isso aconteça é necessário que os cidadãos vivam o bem comum, ou em
conjunto ou por intermédio dos seus governantes; se ocorrer o contrário (a busca do interes-
48
“E vê-se que esta conclusão está em conformidade com o que dizíamos, no início, isto é, que a finalidade da vida política é o melhor
dos fins, e que o principal empenho dessa ciência é fazer com que os cidadãos sejam bons e capazes de nobres ações” (Aristóteles. Ética
a Nicômaco, 1099b, p. 30).
49
O fim da cidade, conforme a descrição de Prélot (1973, Livro 1, p. 135), é não só assegurar aos cidadãos a vida e a sua conservação
(zein), mas o viver bem (euzein). A vida política destina-se a garantir a qualidade e a perfeição da vida.
50
Aristóteles define a cidade grega como aquela que condiz em “viver como convém que um homem viva” (Aristóteles, apud Châtellet,
1985, p. 14).
84
TEORIA POLÍTICA
gregos, sendo que os “bárbaros” não viviam assim.51 Para Aristóteles, a vida política desti-
nava-se a garantir a qualidade e a perfeição da vida (Prélot, 1973, Livro 1, p. 135). O homem
é o verdadeiro cidadão: “corajoso, moderado e liberal, magnânimo, praticando a justiça,
Nota-se que os filósofos gregos tratavam a política como um valor e não como um
simples fato, considerando a existência política como finalidade superior da vida humana,
como a vida boa, entendida como racional, feliz e justa, própria dos homens livres. A vida
superior só existe na cidade justa e, por isso mesmo, o filósofo deve oferecer os conceitos
Aristóteles justifica a escravidão por considerar que há homens escravos pela sua pró-
pria natureza53 e somente um poder despótico (legítimo) é capaz de governar.54 Seu pensa-
mento político está registrado nas obras A Política e Ética a Nicômaco, e também nas 150
constituições que elaborou, das quais só restam fragmentos. O estilo prático, lógico e siste-
mático de Aristóteles contrasta com o de Platão, que era imaginativo, literário, poético e
alegórico.
A política (pólis – cidade), para Aristóteles, é uma ciência que deve procurar o bem-
estar do homem.55 Ela deve oferecer aos governantes condições para adaptar sua forma de
nistrativas. O seu livro A Política é resultado da observação dos governos de Creta, Cartago,
51
A pólis, para Aristóteles, é, segundo a descrição de Kitto (1970, p. 129), “o único ambiente dentro do qual o homem pode concretizar
as suas capacidades morais, espirituais e intelectuais”; Barker (1978, p. 16), afirma que a “pólis era uma sociedade ética”.
52
Uma das razões para que o homem se una na pólis, “não é apenas a de viver em comum, mas a de viver bem” (Aristóteles, apud Bobbio,
1997, p. 58).
53
“É evidente, portanto, que alguns homens são livres por natureza, enquanto outros são escravos, e que para estes últimos a escravidão
é conveniente e justa” (Aristóteles, A Poítica, I, p. 20).
54
A visão que Aristóteles tem sobre a mulher, os escravos e os estrangeiros (bárbaros) é a de seres excluídos da cidadania. Conferir
Minogue (1998, p. 22).
55
“Cumpre-nos tentar determinar mesmo que em linhas gerais, o que seja esse bem e de que ciências ou faculdades ele é objeto. E, ao que
parece, ele é objeto da ciência mais prestigiosa e que prevalece sobre tudo. Ora, parece que esta é a ciência política, pois é ela que
determina quais as ciências políticas que devem ser estudadas em uma cidade-estado...” (Aristóteles. Ética a Nicômaco, 1094a, p. 25).
85
TEORIA POLÍTICA
e Platão. A obra é um tratado da arte de governar. Sugere medidas práticas para superar
impasses e mostra os defeitos dos sistemas políticos nas sociedades gregas.
Quanto à propriedade privada, Aristóteles não comungava com Platão, que defendia
sua abolição; ao contrário, pugnava por uma organização adequada da propriedade dentro
do Estado. Para que o indivíduo pudesse realizar o seu bem-estar, o Estado deveria favorecer
Para Aristóteles, cada povo é que deve escolher a sua forma de governo. Isso porque
bom governo é necessário bem distribuir o poder entre os órgãos que administram esse ente
público. A idéia de um poder Legislativo, Executivo e Judiciário nasceu dessa concepção
administrativa.58
56
“A prova de que o Estado é uma criação da natureza e tem prioridade sobre o indivíduo é que o indivíduo, quando isolado, não é auto-
suficiente; no entanto, ele o é como parte relacionada com o conjunto. Mas aquele que for incapaz de viver em sociedade, ou que não
tiver necessidade disso por ser auto-suficiente, será uma besta ou um deus, não uma parte do Estado” (Aristóteles, A Política, II, p. 10).
57
Ver Aristóteles. A Política, II, p. 5-24.
58
“Obviamente, as atividades do estadista e do legislador concernem de perto ao Estado. A constituição é um modo de organizar aqueles
que vivem no Estado”. “... O Estado é a soma total dos cidadãos” (Aristóteles, Política, III, 1-2).
86
TEORIA POLÍTICA
território, com poucos habitantes, para que todos pudessem se conhecer e ter acesso à vida
pública. Com isso, evitar-se-ia que uns se tornassem muito ricos e outros, extremamente
pobres. Para Aristóteles, a desigualdade social é fonte de injustiça. Ele não deu, contudo,
maiores atenções às questões tributárias, às dívidas públicas, ao custo dos exércitos, às
A Grécia clássica, com sua política, sua democracia, seus pensadores, serve de referên-
cia até os nossos dias. É, portanto, um capítulo que você deverá compreender muito bem
para que perceba a influência dessa civilização sobre o pensamento ocidental. Na próxima
59
Para um aprofundamento da teoria política de Aristóteles, conferir o Capítulo II de Durant (2000, p. 69-107)
87
TEORIA POLÍTICA
88
TEORIA POLÍTICA
Unidade 5
da união de bandos predadores nômades e, na sua origem, sua permanência tornava neces-
sária a mais severa disciplina e o sacrifício pessoal em prol do grande objetivo: a união de
todos.
Todo cidadão, no período inicial, era incentivado à carreira militar, com o objetivo de
fortalecer o Estado, visando à conquista de outros povos por meio da luta armada. Com o
reflexão elevam-se ao nível universal. Há, no mundo romano, uma submissão do indiví-
duo [...] não existe aqui alegria e brincadeira, senão duro e amargo labor (Florez, 1983, p.
266).
submersa ainda no despotismo; o mundo grego, como a juventude; a idade adulta é repre-
sentada pelos impérios romano e germânico; o mundo cristão corresponde à velhice. Aqui,
diz Hegel, não se deve tomar o exemplo biológico ao pé da letra. A velhice natural é a
fraqueza, mas a velhice do espírito é a sua maturidade perfeita. Assim, somente o povo
o homem é livre como homem e que a liberdade de espírito constitui sua mais própria natu-
89
TEORIA POLÍTICA
O Coliseu Romano
Seção 5.1
1
Segundo Arendt (1995, p. 69), ser filósofo não tinha muita importância na república romana.
2
Ver Funari (1993), especialmente o capítulo 2º.
90
TEORIA POLÍTICA
atual, chama-se de Estado: o conjunto das instituições públicas (leis, erário público, serviços
públicos) e sua administração pelos membros da cidade. Ta politika e res publica correspondem
(imperfeitamente) ao que se designa contemporaneamente por práticas políticas, referindo-se
ao modo de participação no poder, aos conflitos e acordos nas tomadas de decisão e na defini-
ção das leis e de sua aplicação, no reconhecimento dos direitos e das obrigações dos membros
da comunidade política às decisões concernentes ao erário ou fundo público.
3
Disponível em: <http://www.pilb.t5.com.br/mapas/mapa11.jpg>. Acesso em: 4 dez. 2007.
91
TEORIA POLÍTICA
O termo Direito, etimologicamente, vem da palavra latina jus e significa aquilo que é
ordenado, consagrado e sagrado. Da mesma raiz vem justo, justiça. Justo é o que está de
acordo com jus, e justiça é a “vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu”.
Em latim existe a palavra directus, que significa ficar em linha reta, direito, sem desvio.
A expressão “Direito Romano” designa pelo menos três fatos: a) o conjunto de leis
que vigoraram no Império Romano por cerca de 12 séculos, desde a fundação de Roma,
em 753 a.C., até a morte do Imperador Justiniano, em 565 d.C.; b) o Direito privado, que
atingiu grande esplendor, o mesmo não ocorrendo com o Direito público; c) o corpo jurídi-
co organizado por Justiniano, no século 6º, que se tornou conhecido como Corpus Juris
Civilis.4
Nos 12 séculos de existência do Direito Romano, ele não permaneceu imutável, pelo
da “classe dominante”, que se revezava no poder. O Direito Romano também não era o
mesmo nas diferentes regiões do Império. Sem contar que também as lutas sociais contribu-
políticas, o Direito Romano pode ser dividido nos seguintes períodos: Realeza (754 a.C. a
510 a.C.); República no Alto Império (510 a.C. a 27 a.C.); Principado no Baixo Império (27
a.C. a 284 d.C.) e Dominato (284 a.C. a 564 d.C.). O Direito Romano formado nesses 12
séculos pode ser dividido em: Jus publicum (público) e privatum (privado). O jus privado
divide-se em jus civile (Direito Civil), jus naturale (Direito Natural) e jus gentium (Direito dos
Povos).
Os exércitos formados por tropas mercenárias ou próprios eram os mais bem treinados
e preparados. Da força do exército romano emergiu o grande Império Romano. Mais tarde,
4
“A grande obra do pensamento romano é o Direito. Ao contrário das leis da Grécia clássica – (...) –, o Direito Romano tem um caráter
impessoal e técnico. Forma um todo coerente e sistemático, de forma que cada parte não conflita com as demais. Nesse sentido, porém,
ele é de certo modo herdeiro do pensamento abstrato dos gregos, com seu ideal de um todo harmônico e bem proporcionado” (Os
Pensadores, 1999, p. 85).
92
TEORIA POLÍTICA
Seção 5.2
Cícero (106-43 a.C.) foi um patrício romano e governante da República, escritor, ora-
atividade filosófica, como o gosto pela especulação e pela abstração, dedicou-se aos proble-
mas políticos, procurando agir sobre a opinião pública. Escreveu, no entanto, várias obras
morais, políticas e metafísicas, quase sempre relativas à situação vivida pelos romanos na-
quela época.5
expõe a melhor forma de governo. Conclui que a República Romana é a melhor. Afirma,
também, que o Direito Natural provém da natureza racional do homem, e que este é fonte
de todos os direitos, como também todos os homens são iguais por compartilhar da mesma
ideal. Nesse livro distingue: a) jus naturale (Direito Natural), lei de acordo com a natureza
racional e a ética do homem; b) jus gentium (Direitos dos Povos), são leis de cada Estado,
cidade, povo; c) jus civile (Direito Civil), é a legislação elaborada pelo Estado.
Divide-as em: realeza (todos os assuntos públicos estão na mão de um só); aristocracia
que o poder pertence ao povo). O fim do Estado é, para Cícero, tal como para Aristóteles, o
5
Para Prélot (1973, Livro 1, p.179), Cícero é um romano helenizado. Considerado o maior orador latino, escreveu As Leis e A
República, em que estudou o Estado, o ideal do melhor governo e do melhor cidadão (p.192). Ver capítulo“A Filosofia de Cícero (p. 83
a 85) em: Os Pensadores (1999), e Chevallier (1982), especialmente o Livro II: Dos Impérios aos Estados-Nações.
93
TEORIA POLÍTICA
Pronunciamento de Cícero.6
Seção 5.3
Políbio
Políbio (201-120 a.C.) foi um homem de ação e historiador. Foi discípulo de Aristóteles.
Era de origem grega, mas sofreu a influência direta da cultura romana. A obra principal de
Políbio é Histórias, em que descreve os acontecimentos desde o princípio da II Guerra Púnica
(no ano 221 a.C.) até a tomada de Corinto (146 a.C.). Acrescenta uma introdução até a
época da I Guerra Púnica (246 a.C.), tornando-se assim o historiador da Roma vitoriosa
sobre sua rival Cartago (Prélot, 1973, Livro 1, p. 182).
Grego de nascimento, foi deportado para Roma depois da conquista da Grécia. Em Histó-
rias, o autor faz uma exposição pormenorizada da Constituição Romana, redigindo um peque-
no tratado de Direito Público Romano, no qual descreve as várias funções públicas. O motivo
da descrição da constituição do povo, cuja história narra, é explicitado: “Deve-se considerar a
constituição de um povo como causa primordial do êxito ou do insucesso de todas as ações”.7
6
Cícero denunciando Catilina. Afresco de Cesare Maccari (1840/1919). Data: 1882/1888. Roma, Senatto della Repubblica. Disponível
em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/biografia_hbernardelli_arquivos/cicero.jpg>. Acesso em: 28 nov. 2007.
7
Escreve Chevallier (1982, p. 149): “Esse grego romanizado (...) busca em suas histórias explicações para a superioridade de Roma, que, em
meio século, subjugou quase toda a terra habitada. Encontra-a em sua Constituição e fez da análise desta a preocupação central de sua obra”.
94
TEORIA POLÍTICA
para explicar o sucesso da política de um povo que em menos de 53 anos conquistou todos
os outros Estados, impondo-lhes o seu domínio.
Políbio vê a História como cíclica (repetição contínua de eventos que tornam sempre
sobre si mesmos – o eterno retorno do mesmo). O mesmo ocorre com as formas políticas, que
se transformam com o tempo. A teoria das formas políticas como ciclo é deduzida da história
das cidades gregas (crescimento, esplendor, decadência). Políbio aposta no governo misto
Malgrado a influência dos gregos sobre Roma, pode-se notar que os romanos deram
próxima unidade.
8
“De resto os romanos não haviam chegado a esta forma mista, produto da mistura feliz de três formas puras, através apenas do
raciocínio. A experiência tivera seu papel... Foi em meio às numerosas lutas e dificuldades que os romanos aprenderam, à sua própria
custa, qual o melhor partido a seguir” (Chevallier, 1982, p. 149).
95
TEORIA POLÍTICA
96
TEORIA POLÍTICA
Unidade 6
97
TEORIA POLÍTICA
Pádua (1280-1341), que defendeu novos valores desligados da tutela religiosa e fundados
na vontade do povo. Nas palavras de Prélot (1973, Livro 3, p.13), Marsílio era um inimigo
irreconciliável da hegemonia sacerdotal – precursor da liberdade de pensamento e da demo-
cracia moderna. Teria sido, segundo certos autores, o primeiro a “libertar a sociedade laica
da pressão do clero”.
Seção 6.1
O cristianismo primitivo
valer na política e na economia, com o governador sendo nomeado pelo próprio imperador
romano. As taxas de impostos cobradas eram altas. Elas deveriam ser depositadas direta-
mente nos cofres do Império. Os israelitas habitavam a Palestina e tinham como crença
religiosa a fé no Deus Javé (onipresente, onisciente, mas, ao mesmo tempo, fazendo parte
da luta de seu povo). Esse povo era regido por patriarcas (inspirados por Deus) que tinham
a função de unir o povo e manter a crença no Deus Javé (desde Abraão, Isaac, Jacó e
descendência). Por muito tempo esse povo esperava o Messias (enviado de Deus, o escolhi-
do, o ungido), que teria a missão de salvar e redimir os pecados da humanidade. Esse mo-
mento chegou. Boa parte do povo de Israel acreditou que um homem chamado Jesus seria o
messias, o Salvador.3
Este “enviado” de Deus deixou, no curto período de sua vida pública, por um lado
uma mensagem de amor e fraternidade, mas por outro fez denúncias contra os poderes reli-
giosos, econômicos e políticos da época. O ativismo profético e libertador de Jesus o levou
intromissão do poder eclesiástico na comunidade civil (numa palavra: Estado). Visa absorver ao máximo o eclesiástico no secular,
substituindo, por uma notável inversão do estado das coisas, o monismo ‘teocrático’ por uma monismo laico” (Chevallier, 1982, p.
240).
2
Como sabemos, a religião oficial dos romanos era o politeísmo panteísta (diversidade de deuses), herdado da cultura grega. Ver Funari
(1993, p. 15-20), cap. “Os Homens e o Sobrenatural”.
3
Jesus Cristo nasce sob o reinado de César Augusto (Prélot, 1973, Livro I, p. 208).
98
TEORIA POLÍTICA
aos tribunais, sendo julgado e condenado à crucificação (pena capital romana). Ao morrer,
o “Messias” deixou aos seus amigos mais próximos (apóstolos e discípulos) a missão de
levar adiante seu projeto.4 Foram os apóstolos e discípulos que formaram as primeiras co-
munidades cristãs. São Pedro e São Paulo (romano convertido ao cristianismo) foram os
mais importantes arquitetos do cristianismo primitivo.5 O cristianismo surge, assim, como
Nos primeiros séculos da era cristã, havia uma grande interação entre fé e política ou
entre fé e vida cotidiana. O próprio Livro dos Atos dos Apóstolos evidencia isso ao afirmar
que os cristãos tinham uma vida em comum, partilhavam o pão, eram unidos pela oração e
refletiam sobre a palavra de Deus. Esse estilo de vida e empenho social foi motivo de muitas
perseguições contra os cristãos.
Essas perseguições levaram à morte milhares de cristãos. No início do século 4º, entre-
tanto, o Império Romano começa a sua decadência, os dias estão contados para a sua gran-
de ruína, os bárbaros (godos, visigodos e estrogodos) estão prestes a tomar a grande capital
condicional para exercer seu culto livremente, algo inédito até então. Claro que o ato de
Constantino foi mais de natureza política do que propriamente de bondade. Vendo que o
4
“Antes de voltar ao Pai, no dia da Ascensão, Jesus ordenou aos discípulos que pregassem o Evangelho a toda a criatura através do mundo
inteiro” (Nunes, 1978, p. 1). “Essa doutrina revelada por Jesus Cristo foi ensinada e difundida pelos seus Apóstolos nos quatro
Evangelhos, nos Atos, nas Epístolas e no Apocalipse” (Nunes, 1978, p. 3). É bem clara a mensagem de Cristo para os cristãos:
conquistem todas as almas do mundo. O mundo inteiro deve ouvir a palavra de Deus.
5
No Novo Testamento aparecem as cartas de São Paulo e São Pedro às comunidades cristãs recém-formadas: Coríntios, Efésios,
Tessalonicenses, Gálatas, Romanos...).
6
Prélot (1973, Livro 2, p. 238) afirma que as primeiras comunidades cristãs eram células clandestinas, que não tinham nenhuma
organização no plano jurídico.
7
O trabalho de Lot (1980) discute de maneira detalhada o fim do mundo antigo e o princípio da Idade Média.
8
O Edito de Milão, emitido pelo imperador romano Constantino, marca o fim das perseguições e inaugura a era da tolerância para com
o culto cristão, o dever de obediência às ordens do soberano (Prélot, 1973, Livro 2, p. 238-239).
9
“Pelo documento de 313 (Edito de Milão), a religião cristã torna-se legal, lícita, adquirindo finalmente o direito de existência, após
renhido e prolongado combate. O culto cristão passa a ter a mesma liberdade concedida aos demais. Restituem-se às Igrejas os lugares
de culto que foram objeto de confisco e alienação, assim como outros arrestados. Cristãos e pagão são colocados em pé de igualdade”
(Chevallier, 1982, p. 170).
99
TEORIA POLÍTICA
dos apóstolos) Romana. A partir de então, tem-se a unificação entre Igreja e Estado. Unifi-
cam-se os poderes temporais e espirituais. Adotando as palavras de Prélot (1973, Livro 2, p.
religião fará parte da totalidade da vida do homem europeu, incluindo o latim (língua oficial
da Igreja), a música (gregoriana), até a arte (gótica). A visão do homem será marcada pelo
medieval de cristandade pela cooperação harmônica dos dois poderes supremos, o poder do
império no temporal e o poder do papado no espiritual. Só mais tarde acontecerá a ruptura
Seção 6.2
O homem romano não conseguiu dar continuidade ao seu poderoso Império. A grande
extensão territorial, razão do sucesso imperial, foi, ao mesmo tempo, o ponto fraco da sua
própria administração política. Muitos povos acabaram reconquistando a sua emancipa-
ção. Outra razão da decadência seria o desleixo de alguns imperadores, voltados apenas
para a satisfação de seus interesses pessoais (pão e circo ao povo). Em 410 da Era Cristã, os
10
“A Idade Média é caracterizada como uma era de obscurantismo pela época seguinte, que, arrogante, se autodenomina Renascimento. A
própria expressão “Idade Média” já traz embutida essa carga de desprezo: indica que o período, que se estende por cerca de mil anos, não
passa de um intervalo entre o esplendor do mundo greco-romano e seu “renascimento” posterior... É impossível, porém, ignorar as
realizações culturais dessa época. A própria Igreja, quase sempre acusada como a principal culpada pelo retrocesso da cultura, é também
responsável pela conservação de quase tudo o que se preservou do pensamento clássico greco-romano” (Os Pensadores, 1999, p. 104).
100
TEORIA POLÍTICA
476, a queda do Império.11 Neste momento surge o homem da transição, que haveria de
“salvar ” a humanidade do colapso total: o último dos romanos e o primeiro medieval na
pessoa de Santo Agostinho. Cai, neste sentido, o homem da segurança exterior e surge o
homem da segurança interior.
Como vimos, o imperador Constantino, no século 4º, concedendo a paz à Igreja, une-
a com o Estado. Desde então, o governo e a Igreja começaram a se ajudar. Aos poucos, por
O corpo era coisa ruim e só servia como morada do espírito. Essas idéias afetaram fortemen-
te a Igreja, que começou a praticar um tipo de religião que desligava a fé da vida diária do
cristão. Segundo esta concepção, o cristão poderia viver a fé sem se comprometer com a
realidade em que estivesse inserido. Criou-se, assim, a prática de uma fé sem ação e uma
pelos bárbaros do Norte da Europa, do qual foi decretada a queda final em meados do ano
de 476.
Não custa lembrar que o Império Romano foi o centro e o coração do mundo, construído
por um homem com espírito prático, que desde a infância fora treinado para a arte da guerra
e o respeito à pátria. Esse homem conquistador fez de Roma sua própria casa e o mundo
estava subjugado aos seus pés. Sobre a religião, os romanos a herdaram dos gregos (politeísmo
panteísta). Uma das virtudes dos guerreiros romanos era a conquista de povos vizinhos sem
destruir-lhes a cultura (herdavam o que o povo havia conquistado de melhor).
11
“A voz fica-me na garganta e os soluços interrompem-me ao ditar estas palavras. Foi conquistada a cidade que conquistou o mundo”.
Assim São Jerônimo (347-420) anuncia a invasão e a pilhagem de Roma (Os Pensadores, 1999, p. 103).
101
TEORIA POLÍTICA
Santo Agostinho
12
“A vida de Santo Agostinho, minuciosamente narrada por ele próprio em Confissões, é quase uma demonstração, na prática, de seu
pensamento: experimentou o ceticismo quanto ao conhecimento, sofreu o abismo do homem em pecado, reencontrou a esperança na
graça divina, conheceu a felicidade e a certeza da verdade na fé” (Os Pensadores, 1999, p. 97).
102
TEORIA POLÍTICA
As Cruzadas
Em termos filosóficos, aparece a Filosofia como serva da
Chama-se Cruzada a qualquer
Teologia. São necessários argumentos racionais para fundamen- um dos movimentos militares,
de caráter parcialmente cristão,
tar a fé; assim, temos a conciliação entre fé e razão.13 Duas cor- que partiram da Europa
Ocidental e cujo objetivo era
rentes de pensamento destacam-se no período medieval: a colocar a Terra Santa (nome
pelo qual os cristãos denomi-
patrística, formada pelos padres da Igreja e a escolástica. A
navam a Palestina) e a cidade
patrística tinha como objetivo de defender os ideais cristãos pe- de Jerusalém sob a soberania
dos cristãos. Estes movimen-
rante os pagãos e convertê-los ao cristianismo, os padres herda- tos estenderam-se entre os
séculos 11 e 13, época em que
ram essencialmente a Filosofia de Platão. Entre os nomes mais a Palestina estava sob controle
dos turcos muçulmanos.
proeminentes, citamos Santo Agostinho, Boécio, Isidoro, João
Disponível em:
Damaceno. A Escolástica retoma a Filosofia aristotélica. São <http://pt.wikipedia.org/wiki/
Cruzadas>.
Tomás de Aquino elaborou a síntese magistral do cristianismo Acesso em: 10 jan. 2008.
13
Ver Os Pensadores (1999), capítulo “Entre a Fé e a Razão”.
103
TEORIA POLÍTICA
Seção 6.4
O Deus medieval, religioso-cristão, aos poucos foi ultrapassado por outra “divinda-
de”, a razão, que ordenara uma mudança radical na visão de mundo na modernidade. A
razão não será a contemplativ4a ou teológica, que dava sustentação à revelação divina e ao
poder da Igreja sobre os homens; ela será instrumental, a fim de objetivar, modificar e trans-
formar a natureza que, antes, era intocável. A confiança na razão impulsionou a pesquisa
pelo método experimental, que favoreceu a ciência. Em conseqüência, temos a tecnologia e
o progresso. Se antes tínhamos o geocentrismo (a terra como centro do universo), no
Renascimento teremos o heliocentrismo (o Sol como centro) desde o método experimental
de Copérnico (1473-1543) e da sua comprovação por Galileu Galilei (1564-1642).14
A razão traz consigo uma nova imagem do mundo: com a invenção da bússola e a
descoberta da pólvora, o homem europeu lançou-se à navegação, conquistando as terras do
Ocidente, ou o “Novo Mundo”, possibilitando o comércio (mercantilismo) com outros po-
vos. Com as revoluções astronômicas de Copérnico e Kepler e a Física de Galileu, o desco-
brimento das Índias, a inovação da tipografia (imprensa), surge a era das técnicas, substitu-
indo a era medieval da contemplação, orientada e dominada pela figura de Deus.15 Os fenô-
14
Ver Nicola Abbagnano (1982), vol. 6º, especialmente o capítulo 7º.
15
“O resultado último do naturalismo do Renascimento é a ciência. Nela confluem: as pesquisas naturalísticas dos últimos Escolásticos
que tinham dirigido a sua atenção para a natureza, desviando-a do mundo sobrenatural considerado desde então inacessível à pesquisa
humana; o aristotelismo renascentista, que elabora o conceito de ordem necessária da natureza; o platonismo antigo e novo, que
insistira na estrutura matemática da natureza; a magia, que havia patenteado e difundido as técnicas especulativas destinadas a
subordinar a natureza ao homem; e, finalmente, a doutrina de Telésio, que afirma a autonomia da natureza, a exigência de explicar a
natureza por meio da natureza” (Abbagnano, 1982, p. 7).
104
TEORIA POLÍTICA
menos naturais não serão explicados pela Teologia ou pela “vontade de Deus”, mas por eles
mesmos: “A natureza é um livro aberto pronto para ser pesquisado e explorado”, não se
cansam de afirmar os pensadores. Defende-se, assim, a observação e a experimentação uti-
lizando hipóteses lógico-racionais, cálculos matemáticos e princípios geométricos como ins-
trumentos fundamentais para a compreensão dos fenômenos naturais.
É preciso lembrar que a passagem de uma mentalidade para outra sempre gera a crise
no ser humano, uma vez que as idéias do passado são colocadas em xeque e busca-se uma
nova fórmula para dar sustentação ao novo pensamento. O homem passa e, passando, não
leva consigo a bagagem dos velhos valores, e é urgentemente necessário solidificar e fun-
damentar a sua vida em novos valores que dêem segurança a este “novo” homem. Os anti-
gos valores vão-se desmantelando, o sonho da cidade eterna não se concretiza, grandes
rupturas ocorrem na Igreja, como o Cisma da Cristandade (1379-1417), quando um papa
comanda a Igreja de Roma e outro lidera a de Avinhão. A Reforma Protestante coopera com
a fragmentação religiosa.16 Novas formas de interpretações bíblicas fazem do homem um ser
com novas possibilidades diante do mundo.
A marca referencial da política moderna será a laicização, ou seja, uma política laica,
desligada dos ditames autoritários da tradição da Igreja. Como vimos anteriormente, a polí-
tica estava diretamente ligada à Igreja, não diferindo muito um príncipe de um bispo, ou um
rei de um papa. Na modernidade o poder político não é fruto de favor divino. Na Modernidade
tem-se a afirmação dos grandes Estados monárquicos unificados (exemplo: França, Ingla-
terra, Espanha). Pela primeira vez na História aparece expresso o vocábulo “Estado”, como
o entendemos hoje, na expressão de Nicolau Maquiavel, com O Príncipe (1513/1514): “to-
dos os domínios que tiveram e têm impérios sobre os homens são Estados, e são Repúblicas
ou Principados” (O Príncipe, 1983, cap. I).
16
Reforma liderada por Martinho Lutero (1483-1546). “O individualismo religioso de Lutero é uma reação ao forte enraizamento social
da Igreja, que progressivamente foi adotando padrões mundanos de organização. Isso, em certo sentido, explica-se pelas necessidades
políticas do papado, que passa a ressaltar os rituais e as aparências em detrimento do conteúdo sobrenatural da religião”. Lutero
contesta a autoridade papal e dos “representantes de Deus” na Terra (Os Pensadores, 1999, p. 176-177).
105
TEORIA POLÍTICA
moi” (O Estado sou eu). Aparece, igualmente, o conceito de soberania de Jean Bodin (1576)
como poder supremo na ordem interna.17 Contra o feudalismo e o regime senhorial, contra a
submissão ao papado e ao império, a razão do Estado cresce em decorrência desses teóricos.
Depois de mil anos tendo o poder teocêntrico sido hegemônico na mentalidade do ho-
mem ocidental, surge na História o Renascimento (séculos 15-16), considerado por alguns
cientistas como marco intermediário entre a Idade Média e a Modernidade. Uns apresentam
as particularidades desse período afirmando que o mesmo traz características próprias. Outros
destacam que o Renascimento representa um retorno às tradições greco-romanas, ou seja,
uma redescoberta da Antiguidade clássica pelos humanistas, que buscam fontes para argu-
mentos históricos, culturais, políticos e filosóficos visando à fundamentação desse novo saber.
No período renascentista, como já vimos, o homem viverá uma profunda crise, pois
vai, aos poucos, perdendo os “valores” que lhe davam segurança e ainda não conseguia
alcançar um porto seguro. O mundo europeu religioso, fechado, dá sinais de esgotamento.
As transformações ocorrem em diversas áreas: nas artes (do gótico para o humanismo); nos
conflitos entre os intelectuais ateus e religiosos nas universidades religiosas e laicas (cultu-
ral); na formação dos Estados nacionais, separação entre Igreja e Estado (política); na visão
de mundo (do geocentrismo = Terra no centro do universo, para o heliocentrismo = Sol
como centro do universo, com a revolução de Copérnico e de Galileu Galilei); na economia,
em que o feudalismo é substituído gradativamente pelo mercantilismo, possibilitando o en-
riquecimento da burguesia favorecido pelas navegações, ao descobrirem novas rotas comer-
ciais com o Oriente e, posteriormente, com as Américas.18
17
“Assim como o navio não é mais do que a madeira, sem forma de embarcação, quando lhe tiramos a quilha, que sustenta o costado, a
proa, a popa e o convés, também a República”, sem um poder soberano que una todos os seus membros e partes, e todos os lares e
colégios, num só corpo, não é mais República’. Tal é, para Bodin, o ponto principal e mais necessário para que se compreenda bem,
partindo da definição notável e clássica que ele deu de república (evidentemente no sentido de coisa pública, ou comunidade política,
ou, em suma: Estado): República é um reto governo de vários lares e do que lhes é comum, com poder soberano” (Bodin, apud
Chevallier, 1982, p. 316).
18
Estado Moderno como detentor da força/autoridade racional e territorialmente universal foi um fator-chave no desenvolvimento dos
Estados capitalistas contemporâneos. Conferir o trabalho de Nunes (2003).
106
TEORIA POLÍTICA
novação política. Pretende-se renovar o homem não apenas na sua individualidade, mas
também na sua vida em sociedade. O regresso às origens é, por um lado, entendido como o
regresso de uma comunidade histórica determinada, povo ou nação, as suas origens históri-
cas, nas quais poderá ir buscar nova força e novo vigor, e, por outro, como regresso à base
107
TEORIA POLÍTICA
108
TEORIA POLÍTICA
Unidade 7
o regime feudal entra em falência, porque termina a segurança dos castelos. As nações,
originárias da Idade Média, organizam-se em Estados e conquistam autonomia completa.
Os filósofos da época dão início a um novo tipo de pensar (cultura) baseado na expe-
riência de um homem que buscava a verdade na própria natureza e não somente na revela-
ção divina. A experiência desvenda os segredos da natureza, desocultada a partir de si mes-
ma. Pode-se afirmar que o homem moderno é o homem da razão experimental, pois exalta a
razão natural e a natureza. Galileu Galilei, Giordano Bruno1 e Campanella inovam no mé-
todo de explorar a natureza mediante a experimentação. Antes, a natureza era apenas con-
A verificação dos fenômenos e dos fatos é o novo caminho para se chegar ao conheci-
mento da realidade, pois a razão humana introduz, agora, um novo modo de compreender o
universo. Dessacralizou-se o mundo, que perdeu o senso de mistério e não apela para uma
causa transcendente de explicação: explica-se por si mesmo e para si mesmo. Deus, na
Idade Moderna, é uma causa supérflua, pois a visão exclusivamente experimental e positiva
não tem lugar para valores espirituais (Deus), que não é objeto físico, atingível pela experiên-
cia externa.2 “Deus está morto; nós o matamos”, nos dirá Nietzsche, mais tarde; o Deus da
1
“Mas... se a terra não é o centro do universo, por que insistir num centro? Se a hierarquia do mundo se rompe, para que buscar uma
hierarquia? Por que não haveria outro mundo com outros sóis e outras vidas?... As indagações são de Giordano Bruno” (Os Pensadores,
1999, p. 153). São questões representativas do “espírito” do Renascimento.
2
“Galileu pretende desimpedir a via da investigação científica dos obstáculos da tradição cultural e teleológica. Por um lado, polemiza
contra ‘o mundo de papel’ dos aristotélicos; por outro, quer subtrair a investigação do mundo natural aos limites e aos estorvos da
autoridade eclesiástica. Contra os aristotélicos, afirmava a necessidade do estudo direto da natureza. Nada é mais vergonhoso nas
disputas científicas, diz ele (VII, p. 139), do que recorrer a textos que amiúde foram escritos com outro propósito e pretender utilizá-los
para responder a observações e experiências diretas” (Abbagnano, 1982, p. 14).
109
TEORIA POLÍTICA
Nicolau Maquiavel
ordem moral morreu. O que é válido é a razão “penso, logo exis-
Seção 7.1
3
Ver Sadek (1991, p. 14-17).
4
Sobre a concepção de Estado em Maquiavel, Hobbes, Locke e Marx, conferir o trabalho de Gruppi (1996).
110
TEORIA POLÍTICA
Maquiavel buscava a unificação da Itália, que então era dividida em uma série de pe-
quenos principados, com regimes políticos, desenvolvimento econômico e cultura variados.
Isso fazia com que ela fosse alvo de constantes conflitos e invasões por parte dos estrangeiros.
Aos 29 anos, durante o governo de Soderini, ele passou a ocupar o posto da Segunda Chan-
celaria, na qual cumpriu uma série de missões, tanto fora da Itália como internamente, desta-
cando-se sua preocupação em instituir uma milícia nacional. Com o retorno dos Médicis ao
poder, no entanto, e com o exílio de Soderini, suas tarefas diplomáticas sofreram uma brusca
interrupção. Em 1512 ele foi demitido e, ainda, proibido de abandonar o território florentino
por um ano e de freqüentar qualquer prédio público. Em fevereiro de 1513 foi considerado
suspeito de participar de uma conspiração contra o governo dos Médicis, sendo por isso tortu-
rado e condenado à prisão e a pagar uma pesada multa. Ainda nesse ano ele sai da prisão,
mas não consegue retornar à vida pública. Exilado em sua própria terra, impedido de exercer
sua profissão, passa a morar na propriedade que herdara de seu pai em San Casciano. No
tempo em que ficou retirado em sua propriedade, ele escreveu suas obras, textos que resultam
de sua experiência prática e do convívio com os clássicos.
111
TEORIA POLÍTICA
do poder (cada cidade tinha uma família no poder).5 O Vaticano estabelecia a unidade.
Maquiavel propõe a unificação da Itália criando um centro único de poder, o que traria a
Maquiavel era filho de Bernardo, um advogado pertencente aos ramos mais pobres da
nobreza. Possuía estatura média, magro, fronte larga, olhos penetrantes e lábios finos.7 Muito
pouco se sabe de sua infância, apenas que leu muito os clássicos latinos e italianos, mas
que não dominou o grego. Do fim da adolescência em diante sua biografia se confunde com
a história de Florença e da Itália. Amava, sobretudo, a cidade que o viu nascer e os assuntos
de Estado. Por isso faz o possível para voltar à vida pública, da qual foi excluído em 1513.
Nesse ano, na cidade italiana de San Casciano, este exilado político ocupa-se todas as
manhãs em administrar a pequena propriedade a que estava confinado e, à tarde, joga car-
tas numa hospedaria com pessoas simples do povoado. A noite, vestia trajes de cerimônia e
passava a conviver, por meio da leitura, com homens ilustres do passado. A oportunidade de
voltar à política chegou em 1526, quando foi nomeado secretário dos Cinco Provedores das
Muralhas, cargo no qual deveria cuidar das fortificações da cidade e tratar da defesa em
geral.
êxito. Isso debilita sua saúde e provoca seu óbito no dia 21 de junho de 1527, com 58 anos
de idade. Maquiavel morreu sem ver realizados os ideais pelos quais lutou toda a sua vida.
Deixou, porém, um valioso legado: o conjunto de idéias elaboradas no seu exílio. Talvez
nem ele mesmo soubesse a importância desses pensamentos. Apesar disso, revolucionou a
5
A Itália no tempo de Maquiavel estava dividida, muito semelhante às cidades-Estados dos gregos.
6
Enquanto a Itália permanecia dividida, semelhantes às cidades-Estados gregas, a França, Espanha e Inglaterra já haviam se unificado.
7
Ver Maquiavel – vida e obra. In: Maquiavel, Nicolau. O príncipe: escritos políticos. São Paulo: Abril, 1983. (Os Pensadores).
112
TEORIA POLÍTICA
Nicolau Maquiavel não foi apenas filósofo, foi também historiador, estudioso, estrate-
gista, poeta e artista. Com boa parte dos intelectuais renascentistas pesquisou sobre as
guerras que ocorreram em momentos passados de sua época.
Seção 7.2
Como desatcamos na seção anterior, Maquiavel viveu num período de constantes guer-
isso em 1507, quando foi indicado como chanceler. Maquiavel também tornou-se um espe-
cialista em assuntos militares.9 A Renascença italiana, além de ser reconhecida pelo seu
brilhantismo artístico, foi marcada pelo interesse literário, filosófico e tático pela guerra. A
guerra nesse tempo surgirá como um trabalho de arte, a guerra começa a ser uma preocupa-
ção essencial de mentes privilegiadas que a consideram como qualquer outra coisa a sua
volta. Os homens influentes das mais diferentes áreas, dramaturgos, poetas, músicos, pinto-
res ou escultores, “escreveram sobre estratégias e táticas de guerra e sobre isso davam con-
selhos” (Nisbet, 1982, p. 70).
guerra era o esporte de uma pequena classe: a cavalaria. No século 15, porém, especialmen-
te na Itália, a arte da guerra tornou cada vez mais importante o trabalho de soldados e
oficiais mercenários. Muitas tropas mercenárias eram contratadas por cidades-Estados e
principados, a guerra era “providenciada” no sentido de tirar proveito de tal acontecimento:
8
Conferir o trabalho de Sartori (1965, p.47), principalmente o capítulo 3º “O Qüiproquó do realismo político”.
9
Ver Sadek (1991).
113
TEORIA POLÍTICA
Guilda
mero suficiente, com suas oportunidades de pilhagem e saques”
Associação que agrupava, em
certos países da Europa (Nisbet, 1982, p. 70). Maquiavel propõe algo diferente ao escre-
durante a Idade Média,
ver A Arte da Guerra, pois até então as batalhas eram feitas por
indivíduos com interesses
comuns (negociantes, mercenários que lutavam para quem pagasse mais.
artesãos, artistas) e visava a
proporcionar assistência e
proteção aos seus membros
A Itália foi pioneira na utilização das tropas mercenárias
(D. Houaiss).
como organização, assim como no emprego de armas de fogo, o
que transformou a guerra numa atividade democrática, ou seja,
a arte da guerra.
114
TEORIA POLÍTICA
Seção 7.3
Maquiavel foi um realista, não se preocupou com o que se deveria fazer, mas com o
que se faz. Até então a teoria do Estado e da sociedade não ultrapassava os limites da
especulação filosófica. Em Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino ou Dante, o estudo desses
assuntos vinculava-se à moral, constituindo-se em uma teoria de ideais de organização
política e social. À mesma regra não fogem seus contemporâneos, como Erasmo de Rotterdam,
no Manual do Príncipe Cristão, ou Thomas More, na Utopia, que constroem modelos ideais
do bom governante com base em um humanismo abstrato. Em todas as obras sua preocupa-
ção era a construção do Estado italiano, por isso tratou a política tal qual ela é, sendo um
seguidor de Tácito, Políbio, Tucídides e Tito Lívio, examinando a verdade como ela é.
115
TEORIA POLÍTICA
fatos do passado pode prever o futuro em qualquer república e usar os remédios aplicados
desde a Antiguidade. Atualmente os estudos têm procurado romper com a tradição de críti-
ca do ponto de vista moral, ou com a utilização da obra de Maquiavel como instrumento
ideológico. Procura-se mais amplamente determinar a contribuição específica que ele deu à
história das idéias, especialmente no que se refere à ciência política.
Maquiavel lia muito sobre os antigos historiadores. Ele rejeitava o idealismo de Platão,
Aristóteles e São Tomás de Aquino. Acreditava numa realidade concreta, tal como ela é, e
não como se gostaria que ela fosse. A história política se divide em duas partes, uma antes e
outra pós– Maquiavel. Os valores que antecedem a Maquiavel são de ordem religiosa: Deus
era o centro, a política seguia em segunda ordem e, por último, o indivíduo. Após Maquiavel,
a política torna-se o valor mais importante, juntamente com a valorização do indivíduo, e
Rompendo com todos os dogmas da tradição religiosa, o autor florentino afirma que
qualquer um pode chegar ao poder, tendo dinheiro, é claro. Considerou o homem como
podem destinar recursos que nenhuma outra pode, mandar atacar, fazer isto ou aquilo. Já a
religião é pouco citada em sua obra, mas o autor a percebia como um valor, uma vez que
poderia ser manipulada e utilizada como argumento político, por lidar com paixões e dese-
jos humanos.
Diferentemente dos teólogos, que partiam da Bíblia e do Direito Romano para formu-
lar teorias políticas, e também dos renascentistas, que partiam das obras dos filósofos clás-
sicos para construir suas teorias políticas, Maquiavel parte da experiência real do seu tem-
po. O fundamento do seu pensamento político é o contexto moderno, porque busca oferecer
10
“A política tem uma ética e uma lógica próprias. Maquiavel descortina um horizonte para se pensar e fazer política que não se enquadra
no tradicional moralismo piedoso. A resistência à aceitação da radicalidade de suas proposições é seguramente o que dá origem ao
‘maquiavelismo’. A evidência fulgurante deste adjetivo acaba velando a riqueza das descobertas substantivas” (Sadek, 1991, p. 24).
116
TEORIA POLÍTICA
respostas novas a uma situação histórica nova, que seus contemporâneos tentavam com-
preender lendo autores antigos, deixando escapar a observação dos acontecimentos que
ocorriam diante de seus olhos.
Quando Maquiavel eternizou seus conhecimentos, ele apenas observou o passado (as
guerras), localizou onde estavam os erros e acertos das mesmas: neste contexto, analisou como
os reis e príncipes agiam antes, durante e depois das conquistas. Enviando suas conslusões à
família Médicis, expressou o que um príncipe deveria ou não fazer para conquistar novos reinos
e mantê-los. Assim mudou a forma de fazer política, só que isso rendeu-lhe várias críticas a sua
obra mais conhecida, O Príncipe, na qual relata suas “experiências” de governos.
11
Extraído de Chauí (1994).
117
TEORIA POLÍTICA
Condottiere
Maquiavel, tendo convicções republicanas, participa do
“capitães-de-aventura”, como
governo, é atuante e circula diplomaticamente pelos países vizi-
se chamavam os chefes das
tropas mercenárias na época nhos e internamente em seu país. Vislumbra um modelo a ser
de Maquiavel. Especialistas na
técnica militar. seguido em César Borgia, condottiere empenhado na ampliação
dos Estados pontifícios. De regra, era o que a Itália precisaria
seguir para chegar à unificação. Defensor das idéias republica-
nas, Maquiavel admite que a extrema corrupção (como a “insta-
lada” na Itália) é a causa e o efeito da queda dos impérios, e que
com a virtude (virtú) de um grande homem, de “pulso quase real”,
somente assim poder-se-ia restabelecer a ordem.
Seção 7.4
A natureza humana
118
TEORIA POLÍTICA
A contradição básica está na sua visão da natureza humana. Os homens fazem o bem
apenas por coação. São mentirosos e facilmente iludidos, sentem inveja, são mais propen-
sos para o mal do que para o bem... “Os homens ‘são ingratos, volúveis, simuladores, covar-
des ante os perígos, ávidos de lucro’” (O Príncipe, apud Sadek, 1991, p. 19).
Com base em sua leitura e reinterpretação de textos clássicos da história humana, Maquiavel
conclui que as pessoas não mudam; em todos os tempos, os homens são iguais, movidos pela
apaixonada e intuitiva busca de poder, prestígio e posses, que os faz serem “ingratos, volúveis,
simuladores, covardes ante os perigos, ávidos de lucro”. Nesta visão negativa da natureza hu-
mana – que ele afirma ser realista – Maquiavel não está sozinho. Um provérbio de Confúcio já
indagava: “Por que me odeias, se nada fiz para ajudar-te?” A visão religiosa do Antigo Testa-
mento também é de um homem essencialmente mau, “pecador”, que quer se sobrepor aos ou-
tros matando, roubando, cobiçando tudo o que é dos outros. Isto desde Caim e Abel.
12
“E é exatamente assim que Maquiavel os pinta. Sem deixar de acrescentar traços suplementares. Ávidos os homens, sim, e interesseiros:
resignam-se mais facilmente com a morte de um pai do que com a perda de um patrimônio. E invejosos, ciumentos, insaciáveis nos seus
desejos, eternos descontentes que só aspiram ao que não possuem. E ingratos, inconstantes. E dissimulados, mentirosos, velhacos:
basta-lhes um pretexto para faltarem à palavra empenhada. E medrosos, covardes: somente uma coisa lhes cala fundo – é o medo do
castigo” (Chevallier, 1982, p. 267).
13
“Aquele que estudar cuidadosamente o passado pode prever os acontecimentos que se produzirão em cada Estado e utilizar os mesmos
meios que os empregados pelos antigos. Ou então, se não há mais os remédios que já foram empregados, imaginar outros novos, segundo
a semelhança dos acontecimentos” (Discursos, Livro I, cap. XXXIX, apud Sadek, 1991, p. 19).
119
TEORIA POLÍTICA
anarquia decorrentes das paixões e instintos humanos, porém apenas de forma precária e
transitória.14 Em seu entendimento, aquele que detém o poder político – o Príncipe, o chefe
de Estado – pode aumentar o tempo de duração das formas de convívio entre os homens – e
manter-se no poder. Para tanto, deve ele estudar cuidadosamente a História passada. Com o
que poderá prever os acontecimentos que se sucederão – dada a natureza humana imutável
– e antecipar-se ou preparar-se para estes acontecimentos, tomando as mesmas medidas
como mantê-lo.
O poder é uma relação entre os homens, uma relação temporal, mutável e sensível que
pode ser rompida a qualquer momento. Esse poder, que é exercido no mínimo por um ho-
mem sobre o outro, pode também ser praticado por grupos sociais, pelas classes sociais, para
estabelecer uma ordem mais ampla conforme sua ideologia. Possuir o poder significa ter a
possibilidade de ser obedecido, gerando com isso também a detenção da faculdade de permitir.
efetiva aplicação.
O primeiro fator que se sobressai como determinante do poder é a força. Quem detém
se apresentar como força bruta, física, militar, religiosa ou econômica. O segundo fator
determinante do poder é a influência. Regra geral, a influência advém da própria força,
corrupção ou chantagem.
14
“Mas onde fica a religião em tudo isso? Percebe-se facilmente que ela só interessa a Maquiavel sob o ângulo do Estado, da sua
conservação e da sua grandeza. Serva da política, ela é uma insubstituível polícia do Estado, um admirável meio disciplinar do qual a
coisa pública não poderia abrir mão” (Chevallier, 1982, p. 270).
120
TEORIA POLÍTICA
Seção 7.5
A questão do Estado
Como é possível perceber, Maquiavel foi um dos maiores defensores do Estado inde-
pendente. Buscou o conhecimento por si só. Foi um pensador da modernidade. Esse período
da História foi marcado pelo poder e pela influência da Igreja no Estado, em que Deus é o
centro de tudo e os papas exercem poder sobre os governantes e sobre o povo.15 Maquiavel,
porém, buscou exatamente o contrário, ele defendeu uma política laica (leiga, do povo, sem
nenhuma ligação com a Igreja); rompeu com a tradição religiosa e com a moralidade, mas
ocupou-se da realidade da maneira como ela é, do modo como as coisas realmente são e não
como elas deveriam ou poderiam ser.
Para Maquiavel, os domínios que existiram e existem sobre os homens foram ou são
repúblicas e principados. Os principados ou são hereditários (o príncipe é senhor pelo san-
gue) ou novos (récem-fundados). Ele afirma que é mais fácil manter Estados herdados cujos
súditos já estão acostumados a uma família reinante, mas que é de bom alvitre não trans-
gredir os costumes tradicionais e saber adaptar-se a situações imprevistas: “A dificuldade
está nos principados novos” (O Príncipe, capítulo III, Dos principados mistos). Os homens
mudam de governantes com facilidade e sempre esperam melhorias. Com o passar do tempo,
percebem que não melhoram, voltando-se contra os mesmos. O soberano fará, assim, inimi-
gos, pois não poderá manter a amizade dos que o ajudaram a conquistar o poder e também
não poderá aplicar medidas drásticas contra eles. Por isso, o príncipe precisará sempre man-
ter-se ao lado dos habitantes de um território para dominá-lo. Maquiavel, partindo do pres-
suposto de que os Estados anexados são previamente existentes, e quando são da mesma
região é mais fácil dominá-los, especialmente se não estiverem habituados à liberdade, ad-
verte que para isso basta eliminar a antiga dinastia governante. Quando se trata de mesma
língua e costumes o domínio é mais fácil; para tanto deve-se extinguir a linhagem dos anti-
gos governantes e manter as mesmas leis e os mesmos tributos. Na hipótese de conquistar
uma província com língua, leis e costumes diferentes, aconselha, como meio para manter a
dominação, que o príncipe ali se fixe.
15
É claro, como já foi mencionado, que o poder da Igreja estava em franco declínio no século XVI.
121
TEORIA POLÍTICA
forma de colônia) deve liderar e defender os vizinhos mais fracos, procurando debilitar os
mais poderosos. Os romanos, onde instalaram colônias, apoiaram os menos poderosos –
sem aumentar-lhes as forças – e abateram os mais fortes, impedindo que os Estados estran-
geiros exercessem sobre suas colônias alguma influência. Com isso, preveniram-se de dispu-
tas futuras. Nesse sentido, afirma Maquiavel que o mal identificado no início é de fácil cura,
mas difícil de diagnosticar e que, quando não é logo identificado, torna-se de fácil identi-
ficação mas de difícil, senão impossível, cura. E conclui que é isso que ocorre com os negócios
do Estado.
Seção 7.6
sempre exatos e decisivos, empregando um número reduzido de palavras que podem sugerir
vários sentidos. Maquiavel é, também, contraditório em suas relações com os mesmos exem-
plos da História. A obra de Maquiavel prima por argumentos confusos e pela ambigüidade.
Por exemplo: os Estados, ou são repúblicas ou são principados, os príncipes devem escolher
16
Em 1520 torna-se historiador oficial da república indicado pela Universidade de Florença. Ver Os Pensadores. História da Filosofia
(1999). Especialmente capítulo “Um Cenário de Luz e Sombra” (156ss.) “Um príncipe maquiavélico”.
122
TEORIA POLÍTICA
principal obra é O Príncipe, destinada a mostrar ao “novo” príncipe dos Médicis como ga-
nhar, manter e aumentar o poder político. Esse príncipe triunfará apenas se dedicar suas
energias à guerra: “pois a força é justa, quando necessária”. A obra O Príncipe, segundo
Prélot (1964, p. 23), é o título da obra que, de fato, significativamente, abre a politologia
moderna.
idéia de que a finalidade da política é a retomada e conservação do poder e de que este não
provém de Deus nem de uma ordem natural feitas de hierarquias fixas, exigiu que os
Seção 7.7
O Príncipe (1513) foi publicado somente em 1532, cinco anos após a morte de seu
autor. Neste livro, Maquiavel expõe todo o seu conhecimento e sua experiência, buscando
ensinar a arte da guerra. Nele o autor explica como conquistar, aumentar e manter o poder,
e avisa também dos perigos que existem em se manter no poder.
mantido; discussão sobre a organização militar do Estado; debate sobre a conduta do prín-
cipe; aconselhamento sobre assuntos de especial interesse para o príncipe e, por fim, exame
123
TEORIA POLÍTICA
Maquiavel, a utilização dos mercenários pelos governantes, para a prática da guerra, era
um desperdício e uma inutilidade, em termos militares, além de destruir o verdadeiro concei-
to de cidadania.
contrário, é pela arte da guerra que é possível o lucro, para isso as qualidades menos eleva-
das, como a avidez, a desonestidade, a violência, serão uma constante. Os homens honra-
dos e bons não combaterão, pois não se sujeitarão a tal prática. Uma leitura mais atenta da
sua obra A Arte da Guerra mostra-nos a preocupação com a estruturação de um exército de
A VIRTÚ E A FORTUNA
pela sorte ou por Deus, que os homens não possam corrigi-las nem remediá-las. Sustenta
como mais provável, entretanto, que a sorte (fortuna) seja árbitra de metade das ações hu-
manas, deixando aos homens o comando da outra metade (virtú).18 A sorte mostra seu po-
der, não se depara com a resistência da “Virtude Ordenada” e dirige os seus ímpetos para
onde não houver defesa para contê-la. A ação humana – parece dizer Maquiavel – não pode
eliminar todos os riscos, mas pode e deve eliminar as reviravoltas inconcludentes e transfor-
mar o risco numa possibilidade de êxito. O homem que se compromete com a História tem
uma tarefa precisa e jamais deverá desesperar: o resultado da sua ação transcende-o e pode
conduzi-lo, por atalhos e caminhos distantes, à vitória da tarefa que lhe é cara.19
17
Maquiavel, além de suas realizações teóricas a respeito das milícias tenta, em 1498, quando ocupa um cargo na Segunda Chancelaria,
posição considerável na herarquia do Estado, instituir uma milícia nacional (ver Sadek, 1991, p. 15).
18
Ver Sadek (1991, p. 21-24). Virtú x Fortuna.
19
“Não ignoro ser crença antiga e atual de que a fortuna e Deus governam as coisas deste mundo, e de que nada pode contra isso a sabedoria
dos homens... Todavia, para que não se anule o nosso livre arbítrio, eu, admitindo embora que a fortuna seja dona da metade das nossas
ações, creio que, ainda assim, ela nos deixa senhores da outra metade ou pouco menos” (Maquiavel. O príncipe, apud Weffort, 1991,
p. 43).
124
TEORIA POLÍTICA
Maquiavel foi o criador do termo Estado tal qual é entendido na concepção moderna.
descritiva e prescritiva com alternativas ao poder para obter a estabilidade e unificar a Itália.
Maquiavel não foi o único pensador desse período. É possível afirmar, contudo, que
foi o mais importante, tal a pertinência de suas idéias em relação à política. A seguir apre-
sentamos Thomas Hobbes, outro nome a ser considerado na teoria política moderna.
125
TEORIA POLÍTICA
126
TEORIA POLÍTICA
Unidade 8
Preceptor
O Leviatã: o deus mortal de Thomas Hobbes
Que ou aquele que dá preceitos
ou instruções; educador,
mentor, instrutor; que ou
aquele que é encarregado da
Thomas Hobbes nasceu em 5 de abril de 1588 na cidade
educação e/ou da instrução de
inglesa de West Port1. Estudou na Universidade de Oxford, onde uma criança ou de um jovem,
geralmente na casa deste (D.
se formou em 1608. Foi preceptor de uma família de nobres ingle- Houaiss).
1
Sobre os dados biográficos e bibliográficos ver Hobbes (1997, 1993).
127
TEORIA POLÍTICA
Filósofo e cientista político, inglês de origem pobre, Hobbes teve sua infância marcada
pela ameaça da invasão espanhola. Estudou em Oxford, onde dedicou a maior parte do seu
tempo à leitura de livros de viagens e a estudar cartas e mapas. Foi preceptor do Duque de
Devonshire, com quem viajou à França e à Itália, e fez outras viagens, nas quais teve conta-
to com Francis Bacon e René Descartes.
Apesar de defender o absolutismo monárquico, esta obra causou mal-estar a Carlos II, que
também se encontrava exilado. Hobbes volta então para a Inglaterra e vive em paz com o
regime lá instaurado. Com o retorno da monarquia algum tempo depois Hobbes, apesar da
desconfiança, volta a gozar da proteção de Carlos II, que lhe pede apenas que evite atritos,
como os que já havia promovido com o clero. O seu pensamento crítico, muitas vezes, fez
com que parecesse confuso: era cristão e criticou a Igreja, era monarquista e criticou erra-
das formas de monarquia. Hobbes desgostou-se com a direção dos acontecimentos de sua
pátria e desejava o restabelecimento da monarquia.
Para Hobbes, a liberdade fora do Estado é ilimitada, livre de qualquer princípio moral,
humanitário ou ético. Assim, do mesmo modo como o indivíduo pode vitimar pela sua liber-
dade, pode também ser vítima. O indivíduo vive amedrontado, pois a qualquer instante
pode perder seu bem maior, que é a vida. Existe, para Hobbes, esta cisão, optativa, entre a
liberdade, que significa guerra geral, e a limitação da liberdade, mas com paz e segurança.
entanto, está em cada ser humano, por que limitá-la na constituição do Estado civil? Por-
que o homem livre torna-se o mais selvagem dos animais, tendo a liberdade como valor
supremo, e sendo ela condição para a guerra, pode então acarretar a perda absoluta dela.
Entre a perda de um valor maior que é a vida e a limitação da liberdade, a segunda é a
2
“O dever do homem enquanto cidadão é renunciar ao poder indiscriminado e arbitrário sobre todas as coisas, subordinando-se ao Estado”
(Rosenfield, 1993, p. 28).
128
TEORIA POLÍTICA
A sua principal obra, O Leviatã, apresenta uma espécie de síntese de seu pensamento.
Nele Hobbes reafirma a sua convicção de que o Estado é um monstro poderoso, um Leviatã.
O livro divide-se em quatro partes. Na primeira ele trata das características e dos re-
cursos empregados pelo homem na sua relação com os outros. Na segunda parte faz refle-
xões sobre os fenômenos que engendram as relações entre os homens. Na terceira, justifica
a tese da vontade do Estado e na quarta reflete sobre a religião civil. O ideal mais demons-
trado nesta obra é a teoria contratualista, que afirma ser o Estado formado pelo acordo
hipotético entre os homens, apoiados na idéia de que só ficaria exposto à barbárie, pois
contaria somente com as suas forças para defender-se de uma humanidade sem regras, na
qual cada um poderia proceder diante do outro da maneira que as suas forças permitissem.
Em O Leviatã Hobbes explicita sua visão de Estado, segundo a qual é preciso ter um
Estado dotado de espada, armado, para forçar os homens ao respeito. O Leviatã é quem tem
liberdade, oferecendo segurança. Seu maior objetivo era fundir a sociedade e o poder (Esta-
do), de modo quee um não pudesse viver sem o outro. Nesse Estado o príncipe, ou governante,
tem poderes ilimitados; ele é absoluto, ele é quem decide o futuro do seu povo (súditos).
obra Hobbes defende a idéia de que os homens primitivos viviam no seu estado natural,
onde não existiam leis, sabedoria e tecnologia. Por isso, lutavam uns contra os outros pelo
3
“Com isto se torna manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em
respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens.
Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha
é suficientemente conhecida” (Hobbes, 1997, Leviatã, cap. XIII, p. 109).
129
TEORIA POLÍTICA
Para o título de sua principal obra Hobbes escolheu o nome de Leviatã, indicativo de
Estado, declarava ele, são meros “vermes nas entranhas do Leviatã”. A essência da Filosofia
política de Hobbes está diretamente ligada a sua teoria da origem do governo. Pensava que,
no início, todos os homens tinham vivido em estado natural, sujeitos não a uma lei, mas ao
“estado de natureza” era uma condição de miséria universal. Para escapar da guerra de
cada um contra todos, os homens, por fim, se uniram entre si para formar uma sociedade
civil.
fosse capaz de coagir todos os indivíduos para a prática da ordem. Desse modo o soberano,
embora não fosse uma parte do contrato, tornava-se a sede da autoridade absoluta. 4
O povo, por seu lado, concederia tudo pela grande bênção da segurança.5 Hobbes não
não por ter sido ungido por Deus, mas porque o povo lhe deu autoridade absoluta. Como o
que estabeleça um acordo entre eles. Um contrato para constituírem um Estado que refreie
Nesse contexto nasce o Estado, com o intuito de refrear os lobos e impedir o desenca-
dear dos egoísmos e a conseqüente destruição mútua. O Leviatã pretende dar uma justifica-
ção racional e, portanto, universal, da existência do Estado e, ainda, indicar as razões pelas
quais os seus comandos devem ser obedecidos. É o Estado o elemento positivo do desenvol-
4
Afirma Hobbes, em De Cive (1993, p. 55): “Qualquer um que julgasse ser preferível ao homem ficar naquele estado, quando tudo é
permitido a todos, estaria em contradição consigo mesmo. Pois, por uma necessidade natural cada qual deseja o que é bom para si, não
havendo ninguém que considere um bem para si essa guerra de todos contra todos que é inseparável do estado natural”.
5
“... Contudo, ninguém deve duvidar que os homens, caso não existisse o medo, seriam levados por sua natureza mais sofregamente para
a dominação do que para a sociedade” (Hobbes, 1993, De Cive, cap. I, p. 52).
130
TEORIA POLÍTICA
homens primitivos vivem no estado natural, como animais, eles se jogam uns contra os
guesa que se desenvolveu na Inglaterra, onde cada homem é um lobo para seu próximo.
Thomas Hobbes foi materialista e empirista, deu valor somente ao que é provado pela
experiência. Afirma que há leis eternas, e que essas leis são simples nomes, palavras vazias.
reprovamos algo. A religião é somente uma esfera do sentimento, a ciência explica tudo,
1689 as idéias liberais tomam conta da Inglaterra. Hobbes optou por defender as idéias da
No estado de natureza existe insegurança; não há lei ou norma, cada um faz o que
bem entende. No estado natural o homem goza de liberdade total, tendo todos os direitos e
nenhum dever. Sendo, porém, sua natureza egoísta, cada um busca satisfazer os seus pró-
prios instintos, sem nenhuma consideração pelos outros. Segue-se uma luta de uns contra
outros, na qual o homem se porta em relação ao outro como um lobo. Os homens são iguais
de uns contra outros. Insegurança: “Quem pode mais, chora menos”. A própria disposição
para o conflito já é uma guerra. Existe uma ausência de leis, uma antecipação tomando
medidas para que não se transgrida alguma coisa. Assim sendo, a melhor forma de precaver-
6
“As idéias de Hobbes sobre a religião, assim como toda a sua teoria da natureza humana e da organização política, não podem ser
compreendidas sem se levar em conta duas ordens de fatores. Por um lado suas idéias constituem elementos que se vinculam à sua
metafísica materialista e à sua teoria nominalista da natureza do conhecimento... Por outro lado, as teorias do homem e do Estado,
formuladas no Leviatã e em Sobre o Cidadão, inserem-se num processo histórico de lutas sociais e econômicas bem definido: os
conflitos entre o poder real e o poder do Parlamento na Inglaterra do século XVII” (Hobbes, 1997, Introdução, p. 17).
131
TEORIA POLÍTICA
Os homens, segundo Hobbes, são considerados, por natureza, todos iguais quanto a
suas capacidades e faculdades7: inteligência e capacidade física. São iguais quanto a seus
desejos e quanto ao fim. Quando dois homens querem usufruir um só objeto ao mesmo
tempo, eles se tornam inimigos. As causas desta discórdia são a competição, a desconfiança
e a glória. O homem, para Hobbes, contrariando a tese de Aristóteles, não é um ser essencial-
mente político, “feito para viver com os outros em sociedade politicamente estruturada”;8
para Hobbes, os homens são diferentes uns dos outros, são separados entre si pelo egoísmo,
ódio e inveja. Assim o Estado não é natural entre os homens, por isso é urgente que se
construa um Estado artificial com a finalidade de organizar, preservar e proteger o homem
do próprio homem.
O homem trava uma luta constante na tentativa de sobreviver, acaba confrontando-se com o
interesse ou a vontade do outro, fazendo com que o conflito e a destruição seja inevitável no
estado natural, em que vive. O homem, por estar essencialmente preocupado com a ameaça do
perigo de morte, acaba esquecendo-se de outros empreendimentos, como as atividades industri-
ais e comerciais, cujos frutos permanecem sempre incertos, nem pode cultivar as artes e tudo
aquilo que é agradável; em suma, cada homem permanece só, com o seu terror de poder a, cada
instante, perder a vida de modo violento (Reale; Antiseri, 1990, p. 498).
esforço de satisfazer o desejo e de afastar o indesejável. Assim ele se expressa sobre o conflito
entre os homens: “O mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, quer por secreta
maquinação, quer aliando-se com outros” (Hobbes, apud Abraão, 1999, p. 237).
7
“Que cada um reconheça os outros como seus iguais por natureza. A falta a este respeito chama-se orgulho” (Hobbes, 1997, Capítulo
XV, p. 129).
8
O argumento contra Aristóteles é: “Bem sei que Aristóteles, no livro primeiro de sua Política, (...), afirma que por natureza alguns
homens têm mais capacidade de mandar, querendo com isso referir-se aos mais sábios (...), e outros têm mais capacidade para servir (...);
como se o senhor e o servo não tivessem sido criados pelo consentimento dos homens, mas pela diferença de inteligência, o que não
só é contrário à razão, mas também contrário à experiência. Pois poucos há tão insenssatos que não prefiram governar-se a si mesmos
do que ser governados por outros” (Hobbes, 1997, Leviatã, cap. XV, p. 129).
132
TEORIA POLÍTICA
que é o Estado Soberano.9 O objetivo principal do Estado é garantir a paz, evitando assim a
guerra. A guerra será justificada à medida que restaure a paz e a concórdia em um estado de
natureza, em que o homem permanece num eterno conflito. Em síntese: “O Estado repre-
O Leviatã contempla conceitos que até então não haviam entrado em cena: vislumbra
territórios nacionais. Em sua teoria, Hobbes se opõe à visão aristotélica, afirmando que o
homem está em estado de natureza, em que “o homem é lobo do homem”, que, por natureza,
se encontra em estado de guerra, que a luta é de todos contra todos e que, por meio de um
Outro fator fundamental para o autor é a liberdade, pela qual o homem afirma o pacto
social. Ele deixa de lado o seu estado de natureza e passa a fazer parte de uma nova socie-
dade, o Estado.
Para Hobbes, a propriedade privada não existe no estado de natureza, em que todos
têm direito a tudo e, na verdade, ninguém tem direito a nada.10 O poder do Estado, no
entanto, tem que ser pleno, é a condição para existir a própria sociedade, a sociedade nasce
com o Estado. A igualdade é um fator que leva à guerra de todos. Apresenta o Estado como
monstruoso e o homem como belicoso, mas é também porque nega um direito natural ou
sagrado do indivíduo a sua propriedade privada. No seu tempo, e ainda hoje, a burguesia
vai procurar fundar a propriedade privada num direito anterior e superior ao Estado: por
9
“O Estado deduz-se desta a-sociabilidade originária, sendo uma instância ‘artificial’, não-natural, que marca a diferença específica dos
homens em relação aos animais” (Rosenfield, 1993, p. 27).
10
“Pertence à soberania todo o poder de prescrever as regras através das quais todo homem pode saber quais os bens de que pode gozar,
e quais as ações que pode praticar, sem ser molestado por nenhum de seus cidadãos: é a isto que os homens chamam propriedade.
Porque antes da constituição do poder soberano (conforme já foi mostrado) todos os homens tinham direito a todas as coisas, o que
necessariamente provocava a guerra” (Hobbes, 1997, p. 148).
133
TEORIA POLÍTICA
isso, ele endossará Locke, advertindo que a finalidade do poder público consiste em proteger
natural, jamais poderíamos ter ciência dele, porque dependeríamos dos equívocos da ob-
servação.
Levando em conta que a natureza do homem não é amigável como a dos animais que
súditos, que cria o Leviatã (o Estado), em que todos concedem seus direitos para o Estado
governar, unindo assim as forças de todas as pessoas em uma só pessoa, o Leviatã, tornan-
do-o o deus terreno, o qual somente fica submisso ao Deus imortal. O deus mortal, o Leviatã,
homem e da Terra.
Desse modo constituiu-se o Estado, que governa pelo temor que apresenta a seus
súditos, pois sem esse temor ninguém abriria mão da liberdade natural. Com o medo da
morte violenta e da dor, todos se refugiam no Estado, no qual os homens não podem levan-
tar-se contra o soberano, pois não pode alguém se queixar do que ele mesmo construíra e, se
alguém rebelar-se, haverá castigo. Assim, para os súditos terem um pouco de liberdade,
criaram-se, mediante pactos mútuos, leis artificiais que permitem ao súdito escolher qual a
sua profissão, o lugar onde vai morar, ou seja, o súdito aparenta-se senhor de sua vida,
É desse modo que o Estado consegue reinar e passar por cima de qualquer um. Nada
que o Estado faça pode ser chamado de injustiça, pois ele é o soberano instituído pelo povo,
o qual lhe deu todo o poder de decidir o que é melhor e a força para fazer cumprir a decisão,
caso necessário.
razão ou sem, poderoso, perseguido, traído – causada por três motivos principais: a compe-
tição, o homem busca o lucro; a desconfiança: o homem busca a segurança e, por isso, age
134
TEORIA POLÍTICA
vam as propriedades, mas somente essas garantias não eram suficientes porque havia uma
percepção social, como a luta entre fracos e fortes, e, por isso, o que vigora é o poder da
força.
A lei natural é um preceito ou regra geral estabelecida pela razão, mediante a qual se
proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida ou privá-lo dos meios necessá-
rios para preservá-la.11
vida. Três pontos são importantes na lei natural: primeiro, é de procurar a paz e seguir;
segundo, é a autodefesa, a intenção não é a morte; e, terceiro, é que os homens cumpram os
pactos que celebram. Nesta situação é impossível conseguir a felicidade, porque todos vi-
vem perseguidos pelo temor de serem atacados uns pelos outros. Assim, os homens fazem
um pacto, um contrato social, no qual renunciam a alguns direitos colocando-os nas mãos
de um só homem, o soberano. Assim nasce o Estado. Hobbes foi identificado como o ideólogo
do Estado Absoluto.
instituição de leis naturais, que o homem deverá cumprir. Três delas são essenciais: a primei-
ra regra é que se esforce para buscar a paz, mas se não a obtiver é justificável que a busque
direito individual é causador de todos os males; a terceira lei, depois que o homem renun-
ciou a todos os seus direitos, é “que se cumpram os acordos feitos”, da qual decorrem dois
11
“Definindo, portanto, lei natural é um ditame da reta razão sobre as coisas a fazer ou omitir para garantir-se, quando possível, a
preservação da vida e das partes do corpo” (Hobbes, 1993, p. 58-59).
135
TEORIA POLÍTICA
Para o cumprimento desses acordos, entretanto, para que a lei seja aplicada e respei-
tada, é necessária a coação, ou seja, o uso da força para se obter um resultado esperado
diante dos acordos previamente estabelecidos. “Não existe pacto sem a espada”.12 Faz-se
necessária a entrega dos direitos particulares na mão de um único homem ou de uma as-
sembléia capaz de governar e representar os anseios de todos os homens. É importante res-
saltar que esse pacto é apenas hipotético, não é firmado entre os súditos e o soberano, mas
somente entre os súditos. O soberano é excluído do pacto, cabendo a ele cumprir a paz e o
com direitos ilimitados, sem vínculo com a Igreja, mas sim como conseqüência de um pacto
social.
As leis não são deduzidas, por Hobbes, de um instinto natural, nem de um consenti-
mento universal, mas da razão que procura os meios de conservação do homem; elas são
reforço como garantia de seu cumprimento em salvaguarda do pacto social. Torna-se, en-
tão, indispensável um governo que fosse seguido por todos os componentes do corpo social,
e isto haveria de requerer que esse governo tivesse toda a força, porque somente assim seria
capaz de corresponder a sua finalidade de exercício de forma despótica.
Hobbes define que “uma lei de natureza é um preceito ou regra geral, estabelecida
pela razão, mediante a qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida
ou privá-lo dos meios necessários para preservá-la, ou omitir aquilo que pense poder contri-
homens viveram naturalmente, sem poder e sem organização, o que somente surgiu depois
de um pacto firmado por eles, estabelecendo as regras de convívio social e de subordinação
política.
12
“E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem a força para dar a menor segurança a ninguém. Portanto, apesar das leis da
natureza (...), se não for instituído um poder suficientemente grande para a nossa segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente
confiar, apenas em sua própria força e capacidade, como proteção para todos os outros” (Hobbes, 1997, p. 141).
136
TEORIA POLÍTICA
O Leviatã, governo, pode ser um homem ou uma assembléia de homens que reduz
suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O soberano se conserva
fora e isento de qualquer obrigação, não faz parte do pacto social, pois, no momento da
realização do contrato não existe ainda o soberano, que surge devido ao contrato. Os súditos
acatarão todas as ações do Soberano, pois reconhecem serem dos próprios súditos tais ações.
Daí surge a necessidade de um pacto. O contrato social ocorre quando uma multidão
de homens concordam e pactuam, cada um, com cada um dos outros, que a qualquer ho-
mem, ou assembléia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a
pessoa de todos eles, sem exceção, deverão autorizar todos os atos de decisões, tal como se
fossem seus próprios atos e decisões, a fim de viverem em paz uns com os outros e serem
protegidos do restante dos homens. Pacto social, portanto, é o processo intermediado do
estado de natureza para o Estado artificial, tendo o consentimento de todos os súditos.
Hobbes afirma que não existe pacto sem espada. Ninguém tem a liberdade de resistir à
espada do Estado em defesa de outrem, seja culpado ou inocente. Por essa liberdade priva a
soberania dos meios para nos proteger, sendo, portanto, destrutiva da própria essência do
Estado. É preciso que exista um Estado dotado da espada, armado, para forçar os homens
ao respeito. Dessa maneira, a imaginação será mais bem regulada, porque cada um receberá
o que o soberano determinar. Os súditos têm garantia de serem protegidos pelo soberano,
porque lhe devem fidelidade. O súdito prometeu obedecer a fim de não morrer na guerra
generalizada; por isso, tanto faz a sua vida ser ameaçada por um soberano impiedoso e
ímpio, ou por um governante que o julgou concedendo-lhe a mais ampla defesa.
137
TEORIA POLÍTICA
homens, ou seja, reduzir todas as vontades a uma só vontade, nomear um homem ou uma
assembléia de homens para representar a pessoa de todos, assumindo tudo o que diz respei-
O resultado é a verdadeira união de todos na mesma pessoa, feita por contrato de todo
homem com todo homem. É como se cada um dissesse a cada um: “Cedo e transfiro meu
direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a
condição de transferir a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas
ações” (Hobbes, 1997, p. 144). Feito isso, a multidão se une de tal maneira em uma só
pessoa, o que é chamado de Estado. Pelo contrato, o povo é obrigado a permanecer fiel ao
O homem possui certas diferenças em relação aos animais. A formiga e a abelha, por
dá-se um acordo artificial, pois todos são instituídos a serem uns mais que os outros; dá-se
Para que um Estado funcione o soberano deve ser juiz das opiniões e das doutrinas,
compete prescrever as regras sem as quais ninguém teria segurança na posse da proprieda-
de, isto é, as regras do meu e do teu, do bem e do mal, do legal e do ilegal nas ações, ao que
se denomina leis civis. A ele compete o direito de julgar, ouvir e decidir todas as controvérsi-
as que surgem a respeito da lei, civil ou natural, ou com respeito aos fatos. A ele incumbe o
direito de declarar e executar a guerra e a paz com outros Estados e tomar as providências
para realizá-la. A ele cabe escolher todos os conselheiros, ministros, magistrados e oficiais.
O Estado soberano é o Deus mortal, somente ele detém todos os direitos, está acima
da justiça, tem poder de interferir nas opiniões, “julgar, aprovar ou proibir determinadas
idéias. Todos os poderes devem se concentrar em suas mãos” (Reale; antiseri, 1990, p. 501).
Nem mesmo a Igreja lhe retira o poder; assim, o Estado também pode interferir em matéria
de religião.
138
TEORIA POLÍTICA
Hobbes afirma que o Estado deve ser absoluto, o seu poder deve ser pleno – condição
absoluta e necessária para existir a sociedade. Hobbes vai beber na fonte de Jean Bodin –
século 16 –, primeiro teórico a afirmar que no Estado deve haver um poder soberano, como
referimos anteriormente.
servação que, por sua vez, este leva ao desejo da paz. No plano das relações morais, é que
cada um “não faça aos outros o que não gostaria que lhe fizessem a si” (Hobbes, 1997, cap.
XXI). É preciso evitar a ingratidão, os insultos, o orgulho, enfim, tudo o que prejudique a
concórdia.
As leis são deduzidas, por Hobbes, como razão para a conservação dos homens, ou
seja, todos devem obediência às leis do Estado, do soberano. Hobbes foi o pioneiro do
utilitarismo, porque justificava a obediência moral como meio para uma “vida social pacífi-
ca e confortável”. Era indispensável, portanto, um governo absoluto que fosse seguido por
todos os integrantes (súditos) do corpo social. Os homens não poderiam contrariar o “Leviatã”,
pois ele garantia a paz, a segurança, a liberdade. Se alguém tentar destruir ou conspirar
contra o soberano e for morto, ele próprio é o autor da sua morte. A liberdade e a garantia da
vida estão no cumprimento e obediência às leis. Todos os poderes encontram-se nas mãos
do soberano, inclusive o poder de decisão em matéria religiosa.
Estado dotado de espada. Aliás, a imaginação será mais bem regulada, porque cada um
receberá o que o soberano determinar, mas este deve resolver todas as pendências e arbitrar
qualquer decisão. Hobbes desenvolve essa idéia e monta um Estado que é condição para
existir a própria sociedade. A sociedade nasce com o Estado. Não há alternativa: ou o poder
rano não assina o contrato, este é firmado apenas pelos que vão se tornar súditos, não pelo
beneficiário, por uma razão simples: no momento do contrato não existe ainda soberano,
que só surge devido ao contrato. Disso resulta que ele se conserva fora dos compromissos e
isento de qualquer obrigação. No Estado absoluto de Hobbes, o indivíduo conserva um
direito à vida talvez sem paralelo em nenhuma outra política moderna. Hobbes esclarece
139
TEORIA POLÍTICA
que o soberano governa pelo temor que impõe a seus súditos, porque sem medo ninguém
abriria mão de toda a liberdade que tem naturalmente; se não temesse a morte violenta, o
homem não renunciaria ao direito que possui por natureza.
nar-me a mim mesmo a esse homem ou a essa assembléia de homens, com a condição de que
tu lhe cedas o teu direito e autorizes todas as tuas ações da mesma forma”; 5° – a superação
reza humana. Abordaremos também na próxima Unidade que o teoria hobbesiana choca-se
com a teoria liberal e que o principal mentor da teoria liberal também era inglês e viveu
140
TEORIA POLÍTICA
Unidade 9
A Defesa
das Idéias Liberais
definir o que se entende por liberalismo. A primeira idéia considera que o liberalismo está
epicentro na Europa, na área Atlântica, mas que exerceu influência notável nos países
colonizados pelos europeus. Antes do século 19, o termo indicava uma atitude aberta. Tole-
rante e/ou generosa. Ou as profissões exercidas por homens livres. Hoje, a palavra assume
velhas e novas liberdades civis. Na Itália, os liberais são os defensores da livre iniciativa
do, capaz de garantir direitos aos indivíduos. O liberalismo político trata da luta política
parlamentar, baseada no chamado “justo meio” como expressão da arte de governar; capaz
liberalismo econômico defende que o máximo de felicidade comum depende da livre busca
141
TEORIA POLÍTICA
John Locke
Seção 9.1
1
Ver Almeida Mello (1991).
2
Ver Chevallier (1983, p. 29). Tomo II.
142
TEORIA POLÍTICA
Nota-se que Locke lutará para derrubar as idéias inatas, que podem justificar uma
ideologia, uma dominação. Por exemplo, os poderosos têm idéias inatas, já nascem com a
idéia que irão dominar e explorar o povo e nós devemos aceitar isso?
São conhecidas algumas críticas que Locke tece contra os teóricos que defendem as
idéias inatas (já nascemos com o conhecimento). De fato, se houvessem idéias inatas, elas
deveriam estar presentes na mente das crianças e do selvagem crescido longe da civilização.
A experiência, porém, mostra claramente o contrário. A sua verdade não pode ser averigua-
da: admitida a existência de idéias inatas, não provenientes da experiência, torna-se impos-
sível verificar o seu valor, como também distinguir o verdadeiro do falso, porque não pode-
mos confrontá-la com a experiência, que é o único modo de estabelecer se alguma coisa é
verdadeira ou falsa.
a alma é uma tábua rasa: não tem nenhuma idéia. O conhecimento humano começa com a
experiência sensível e é condicionada por ela. Nada está na mente sem antes passar pela
experiência. Advoga também que as capacidades do conhecimento são inatas, mas as idéias
são adquiridas pela experiência. Locke ataca frontalmente o princípio das idéias inatas,
como também todo o pensamento a priori, pois se a verdade fosse inata em nossas mentes,
de nada valeriam a observação e a experiência. Na melhor das hipóteses, elas podem confir-
Segundo Locke, adquirimos as nossas idéias de fora e todas elas provêm da sensação.
Assim resta indagarmos: De onde vieram nossas idéias, se não são inatas? Como poderemos
saber se nossas idéias, assim surgidas, são verdadeiras? Quanto pode o entendimento hu-
mano compreender e que tipo de conhecimento está ao seu alcance? Conhecer, para Locke,
significa perceber uma relação entre as idéias. Ora, as idéias são de dois tipos: há idéias
simples, que derivam diretamente da sensação ou de uma experiência interior, que é a refle-
3
Para Locke, o espírito humano é uma tabula rasa ou um white paper, onde nada está escrito. “As idéias que se gravam nessa tabula ou
nessa folha só podem promanar da experiência. É nela que o espírito vai buscar todos os seus materiais para depois os modelar,
combinar, transformar, com uma habilidade infinita” (Chevallier, 1983, p. 32, Tomo II).
143
TEORIA POLÍTICA
xão. Também existem idéias complexas, que são combinações das idéias simples. Antes de
experimentarmos a sensação não podemos pensar, pois tudo aquilo que se encontra no
intelecto deve passar, primeiramente, pelos sentidos.
Não há princípios práticos inatos, pois estes não alcançam uma recepção universal,
sendo impossível para uma mesma coisa ser ou não ser. Notemos que os princípios práticos
são passageiros, se fossem inatos teriam de permanecer sempre. Vislumbramos como princí-
pio moral, de prova e exemplarmente, o aborto, que é uma idéia adquirida; se fosse inata
deveria permanecer.
O não matar é um princípio evidente, mas não é inato. Locke contesta o acordo uni-
versal dos inatistas e refuta-os advertindo que isso não prova o que é inato, diz que a razão
não descobre coisa alguma.
A outra obra importante de Locke chama-se Dois Tratados sobre o Governo Civil. É nela
que Locke teoriza contra as idéias absolutistas. A vontade intelectual de Locke é de demolir a
doutrina do direito divino dos reis de governar. Locke considerava esta teoria um veneno para
a política. Procurava ele um contraveneno que fosse capaz de destruir tais idéias.
4
“O contrato social de Locke em nada se assemelha ao contrato hobbesiano. Em Hobbes, os homens firmam entre si um pacto de submissão
pelo qual, visando a preservação de suas vidas, transferem a um terceiro (homem ou assembléia) a força coercitiva da comunidade,
trocando voluntariamente sua liberdade pela segurança do Estado-Leviatã. Em Locke, o contrato social é um pacto de consentimento em
que os homens concordam livremente em formar a sociedade civil para preservar e consolidar ainda mais os direitos que provém
originalmente no estado de natureza. No estado civil os direitos naturais inalienáveis do ser humano à vida, à liberdade e aos bens estão
melhor protegidos sob o manto da lei, do arbítrio e da força comum de um corpo político unitário” (Almeida Mello, 1991, p. 86).
144
TEORIA POLÍTICA
O direito de propriedade, segundo Locke, é a extensão de terra que cabe a cada ho-
mem, é o que ele tem capacidade de lavrar, semear e cultivar. Locke não fala em acumulação
da propriedade para fins especulativos. Ele afirma que os homens se juntam em sociedades
políticas e submetem-se a um governo com a finalidade principal de conservar suas propri-
edades, pois o Estado natural não a garante. O Estado é soberano, mas sua autoridade vem
somente do contrato que o faz nascer: este é o fundamento liberal do pensamento de Locke.
John Locke foi médico, filósofo e político, defendeu idéias liberais e influenciou o sis-
tema político da sua época. Sustentou que o poder não é somente do soberano, mas, de
todos. A idéia de Locke era de que se formassem Estados por livre associação para produzir
mais. É nesse período que ocorre a ascensão da burguesia que, mais tarde, estará à frente da
Revolução Francesa (1789).
O contexto histórico em que nasceu John Locke não se caracterizou pela tranqüilida-
de, muito pelo contrário, o século 17 foi marcado por constantes lutas entre a “coroa”,
tendo o rei como representante do poder soberano (representado na Inglaterra pela dinastia
Stuart, defensora do absolutismo) versus o “Parlamento”, tendo como representante a bur-
guesia ascendente, partidária do liberalismo. Em toda a sua vida Locke posicionou-se
contrariamente ao absolutismo, principalmente ao governo Stuart, vindo a ser perseguido,
o que o levou a se exilar, só retornando a sua pátria após o triunfo da Revolução Gloriosa,
com a instituição da República na Inglaterra, ou seja, o triunfo do liberalismo político sobre
o absolutismo.
Jonh Locke é chamado também de filósofo contratualista, uma vez que entende que
para a boa regulamentação de uma sociedade, ou para a mesma garantir direitos, ou até
mesmo ser feliz, tornam-se necessárias a elaboração e a construção de um contato social
que conceda de fato todas as garantias possíveis para a realização concreta de tais empre-
endimentos. Assim, Locke parte do estado de natureza, no qual o homem vive num estágio
pré-social e pré-político com liberdade e igualdade.
145
TEORIA POLÍTICA
que este é baseado na insegurança e na violência: “guerra de todos contra todos”). Para
indivíduo que não pode ser violado pelo Estado. Já para Hobbes, quem detém a propriedade
é o soberano e os súditos não têm direito algum; em Locke o objetivo final é que o Estado
Como a razão natural, na compreensão de Locke, ensina que todos os homens são
iguais e livres, porém com direito aos bens, sempre surge o perigo iminente da invasão e da
tomada dos bens de uns sobre os outros, na medida em que todos são proprietários. A saída
é estabelecer um contrato entre os homens que dê total segurança e proteção aos proprietá-
rios, não vindo a ocorrer a usurpação de uns sobre os outros. Então, o contrato social é a
realização da passagem do estado de natureza para a sociedade política ou civil e visa exclu-
sivamente a preservar e proteger a comunidade tanto dos perigos internos quanto externos.
livremente em formar a sociedade civil para preservar e consolidar os direitos que possuíam
civil”. O próximo passo é a escolha de uma forma de governo capaz de garantir efetivamente
os direitos dos cidadãos. Observa Locke: pode ser qualquer forma de governo, desde que “o
O governo civil contará com o poder Legislativo, considerado o mais importante entre
os demais. A ele caberá a elaboração das leis, tendo como sustentação o poder delegado
5
“Em suma, o livre consentimento dos indivíduos para o estabelecimento da sociedade, o livre consentimento da comunidade para a
formação do governo, a proteção do direito de propriedade pelo governo, o controle do executivo pelo legislativo e o controle do
governo pela sociedade, são, para Locke, os principais fundamentos da sociedade civil” (Almeida Mello, 1991, p. 87).
146
TEORIA POLÍTICA
Seção 9.2
147
TEORIA POLÍTICA
dos homens, mas é uma condição de felicidade, de virtude e de liberdade, que é destruída e
civilização que perturba as relações humanas, que violenta a humanidade, pois os homens
nascem livres e iguais (eis o princípio que vai se afirmar na revolução burguesa), mas em
qualquer momento. O povo, todavia, nunca perde a sua soberania, nunca a transfere para
for igual: assim que surgir uma desigualdade entre os homens, acaba-se a liberdade. Para o
único fundamento da liberdade é a igualdade: não há liberdade onde não existir a igualdade.9
originou a propriedade privada não foi um ato isolado, pelo qual um indivíduo colocou um
6
Ver Nascimento (1991).
7
Escreve Nascimento (1991, p. 197-198): “Rousseau não admite a representação ao nível da soberania. Uma vontade não se representa.
‘No mundo em que um povo se dá representante, não é mais livre, não mais existe’”.
8
“O primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer: ‘Isto é meu’, e encontrou pessoas bastante simples para crê-lo, foi o
verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, mortes, quantas misérias e horrores não teria poupado ao gênero
humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado aos seu semelhantes: ‘Guardai-vos de escutar este
impostor; estais perdidos se esquecerdes que os frutos são para todos, e que a terra é de ninguém (Rousseau, apud Weffort, 1991, p. 201).
9
“Um povo, portanto, será livre quando tiver todas as condições de elaborar suas leis num clima de igualdade, de tal modo que a obediência
a essas leis signifique, na verdade, uma submissão à vontade geral e não à vontade de um indivíduo em particular ou de um grupo de
indivíduos” (Nascimento, 1991, p. 196).
148
TEORIA POLÍTICA
propriedade privada.
Rousseau tem em vista a democracia da antiga Atenas, porém vê, igualmente, limita-
ções neste modelo (cidadão versus escravo). Afirma Rousseau: “a democracia de que falo
não existe, nunca existiu e talvez nunca existirá; também essa condição natural, a que
devemos aspirar, não existe, nunca existiu e nunca vai existir ”. A sociedade, para Rousseau,
origem à vontade geral do povo soberano; o contrato social faz nascer a sociedade civil, que,
por isso, enraíza-se sempre na vontade geral do povo; a idéia de soberania liga-se à idéia de
vontade geral; a vontade geral soberana é inalterável e pura; em seu dever-ser, que é sua
única maneira de ser, ela não pode falhar nem errar; todo governo legítimo é republicano,
seja ele uma monarquia, uma aristocracia ou uma democracia e, por fim, a conclusão de
que “nunca existiu verdadeira democracia nem jamais existirá”.10
Seção 9.3
Pode-se apresentar duas diferenças básicas para o termo democracia. Para os antigos,
ela era entendida como democracia direta; já para os modernos, como representativa.11
10
Para aprofundar o debate sobre Rousseau conferir a obra de Goyard-Fabre (2003).
11
Este debate segue a idéia de Bobbio (2000).
149
TEORIA POLÍTICA
do apenas em época de eleições, quando, num “gesto” democrático, todos vão às urnas
“exercer a democracia”. Ou quando se ouve, pela mídia, que “caiu um governo ditador e
instaurou-se um regime democrático”. Segundo Bobbio, “o voto não é para decidir, mas
para eleger quem deverá decidir ”. Isso significa afirmar que a maioria da população votará
Bobbio cita uma frase ilustrativa da Corte Suprema dos EUA, por ocasião das eleições
no ano de 1902, para demonstrar o caráter “sagrado” do processo eleitoral daquele país,
mesmo que quem dela participe seja apenas uma minoria: “A cabine eleitoral é o templo das
instituições americanas, onde cada um de nós é um sacerdote, ao qual é confiada a guarda
da arca da aliança e cada um oficia do seu próprio altar ” (2000, p. 272). É possível perceber
que a democracia ocidental é um processo relativamente novo, e as revoluções americana e
nua subordinada a um poder “invisível”, isto é, interesses que submetem os poderes políti-
cos. Aqui se pode entender a superioridade de um grupo ou pessoa, que detém o controle do
poder econômico ou ideológico: “A democracia não conseguiu derrotar por completo o po-
der oligárquico, é ainda menos capaz de ocupar todos os espaços nos quais se exerce um
poder que toma decisões vinculatórias para um inteiro grupo social”. A segunda, os “mes-
mos” permanecem no poder. De eleições em eleições acabam se elegendo sempre os “mes-
mos”. Terceiro, “ausência do crescimento da educação para a cidadania”, cada vez mais o
povo vê-se desacreditado dos meios políticos, ou seja, a apolitização virou uma constante.
Tocqueville, citado por Bobbio, lamenta a degeneração dos costumes públicos em decorrên-
cia da qual “as opiniões, os sentimentos, as idéias comuns são cada vez mais substituídas
12
Bobbio apresenta o conceito de democracia em dois sentidos: a democracia pode ser entendida no sentido “ideal” e no sentido “real”.
150
TEORIA POLÍTICA
pelos interesses particulares” e indaga “se não havia aumentado o número dos que votam
por interesses pessoais e diminuído o voto de quem vota à base de uma opinião política”,
denunciando esta tendência como expressão “de uma moral baixa e vulgar ”, segundo a
qual “quem usufrui os direitos políticos pensa em deles fazer uso pessoal em função do
decisões coletivas e com quais procedimentos”. Para que se realize a “verdadeira” democra-
cia, deve-se dar as reais condições para se escolher. Para isso, “é necessário que aos chama-
expressão das próprias opiniões, de reunião; de associação, etc.” (Bobbio, 2000, p. 20).
isso, ocorreram três eventos que caracterizaram a Filosofia social da Idade Moderna: o
O Estado liberal é o pressuposto não só histórico, mas jurídico do Estado democrático... Estado
liberal e Estado democrático são interdependentes... é pouco provável que um Estado não liberal
possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra parte, é pouco provável
que um Estado não democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais (Bobbio,
2000, p. 20).
das sociedades, “que passaram de uma economia familiar para uma economia de mercado,
de uma economia de mercado para uma economia protegida, regulada, planificada, que
Tecnocracia e democracia são antitéticas. Defende Bobbio (2000, p. 34) que “a demo-
cracia sustenta-se sobre a hipótese de que todos possam decidir a respeito de tudo. A
tecnocracia, ao contrário, pretende que sejam convocados para decidir apenas aqueles pou-
cos que detêm conhecimentos específicos”. Ou seja, há uma “sensível” mudança nos rumos
151
TEORIA POLÍTICA
segundo obstáculo citado por Bobbio é o crescimento do aparato burocrático: “Estado de-
que a sua contraposição pode pensar ” (p. 34). O terceiro obstáculo é a “ingovernabilidade”
da sociedade civil. Como vimos, foi o Estado liberal que alargou o Estado democrático e
Seção 9.4
O conceito “sociedade civil” vem sendo muito aplicado por comentadores e teóricos
das Ciências Sociais e Ciências Humanas nos diais atuais, porém aparece hoje como sendo
como Thomas Hobbes e John Locke. Para estes pensadores, a sociedade civil contrapõe-se à
“sociedade natural”, sendo sinônimo de sociedade política, ou seja, o próprio Estado (Bobbio,
1983, p. 1.206). A sociedade civil nasce com o jusnaturalismo de Hobbes, varia sensivel-
mente entre os pensadores posteriores, sem perder o seu sentido original, estendendo-se até
a posição de Kant.
Entende-se por “estado de natureza”, de modo geral, tudo o que se refere a um estágio
de pré-sociedade, pré-político, em que não existe progresso, nem técnica, e o medo da morte
é uma constante, a paz está sempre ameaçada... Já a sociedade civil é entendida como a
constituição do Estado propriamente dita, existe uma Constituição, que garante a proprie-
152
TEORIA POLÍTICA
Hegel aborda a questão da sociedade civil no livro Filosofia do Direito. Para este autor,
a sociedade civil é o momento preliminar para a estruturação do Estado. Ela não é mais a
família (sociedade natural) e ainda não é o Estado (forma mais ampla da eticidade). A socie-
dade civil se coloca em Hegel entre a forma primitiva e a forma definitiva do Espírito Abso-
luto. Sendo assim, a sociedade civil, em Hegel, já possui algumas características do Estado,
mas não é ainda propriamente Estado. Ele a define como “Estado externo”, ou “Estado do
intelecto”. O que falta à sociedade civil para ser um Estado é a característica da organicidade
(Bobbio, 1983, p. 1.206).
13
Conferir Hobbes, T. Leviathan, cap. XIII (apud Bobbio, 1983, p. 1.207).
14
Conferir Locke, J. Segundo tratado. Parágrafo 102 (apud Bobbio, 1983, p. 1.207).
153
TEORIA POLÍTICA
Superestrutura
A sociedade civil de Hegel é mais extensa e abrange tam-
Aqueles que detêm os meios
de produção (poder bém a regulamentação externa (estatal) dessas relações, sendo,
dominante).
portanto, já uma forma preliminar e, por isso, insuficiente de Es-
tado. Para Locke, a sociedade civil é a sociedade política (Esta-
do), que não passa de uma associação de proprietários, bem dife-
rente da concepção hegeliana de Estado.
154
TEORIA POLÍTICA
David Hume
Gramsci chama de sociedade civil o momento da elabora-
ção das ideologias e das técnicas de consenso, às quais deu par-
ticular relevo e modificou o significado marxista da expressão,
voltando parcialmente ao significado tradicional, segundo o qual
a sociedade civil, sendo sinônimo de Estado, pertence, segundo
Marx, não à estrutura, mas à superestrutura.
Seção 9.5
155
TEORIA POLÍTICA
David Hume (1711-1776), filósofo empirista escocês, em seu livro Ensaios Morais, Po-
líticos e Literários, trata sobre a questão, entre outras, da obediência passiva, isto é: como é
legitimadas por meio do uso do controle da opinião e, na prática, da coação, mediante todo
monarquia) e, ao mesmo tempo, a teoria liberal de John Locke, que pregava a idéia de que a
sociedade funda-se num contrato primitivo. Na visão de Hume, tal teoria implicaria a “pos-
direito de se rebelar.
interesse coletivo:
Dado que a obrigação de justiça se assenta inteiramente nos interesses da sociedade, os quais
exigem a mútua abstinência da propriedade, a fim de preservar a paz entre os homens, é evidente
que, se acaso a execução da justiça implicar conseqüências altamente perniciosas, essa virtude
deve ser suspensa e substituída pela utilidade pública, nessas emergências extraordinárias e
urgentes (p. 213).
Fica evidente que a obrigação da justiça é servir aos interesses da sociedade, mas, se
tal execução da justiça implicar conseqüências maléficas para a maioria do povo, ela deverá
ser imediatamente suspensa e substituída pela utilidade pública. Da mesma forma Hume
condena a subordinação irrestrita dos homens em relação à lei, pois esta só é válida quando
considerar o bem público, caso contrário, o homem tem o direito de se rebelar e resistir: “A
máxima que a justiça seja cumprida mesmo que o universo seja destruído é evidentemente
falsa e, sacrificando os fins aos meios, revela uma idéia absurda da subordinação dos deve-
Para Hume, o governo obriga o homem a ser obediente e fiel aos seus ditames (mandos
e desmandos) desde que aquele esteja cumprindo a utilidade pública, isto é, cumprindo sua
função; caso contrário, lhe é permitido, em casos extraordinários, desobedecer e ser infiel:
156
TEORIA POLÍTICA
“... O senso comum nos ensina que, como o governo nos obriga à obediência apenas porque
esta é favorável à utilidade pública, esse dever terá sempre se submeter, nos casos extraordi-
nários em que a obediência acarretar de modo evidente a ruína pública, à obrigação primei-
se organizar a insurreição. Embora Hume alerte para que se conserve a fidelidade dos ho-
mens perante o governo, fica uma lacuna, para que em última instância, atos de revolta
ocorreram: “Nos casos desesperados em que o povo encontra-se em perigo iminente de so-
único problema que merece ser discutido entre bons pensadores é qual o grau de necessida-
tir, ou não, a resistência. Hume condena os filósofos que trataram de maneira acentuada a
questão da resistência, e acredita que esses filósofos teriam maior êxito acaso se dedicassem
à difusão da doutrina geral do governo: “Devemos, além disso, considerar que sendo a obe-
diência um dever, em circunstâncias normais, é nela que, sobretudo se deve insistir; nada
poderia ser mais absurdo do que enumerar com excessiva preocupação e cuidados de todos
Hume se pergunta: Por que alguns pensadores insistem no direito à resistência? Ele
mesmo tenta responder ao apresentar duas razões fundamentais para tal resistência: “A
primeira é que seus adversários levaram a doutrina da obediência a tais extremos, não só
nunca referindo as exceções em casos extraordinários (o que poderia ser discutível), mas
chegando até a negá-las expressamente, que se tornou necessário insistir nessas exceções,
questionamento e punição por qualquer injúria ou delito que possam cometer. Nestes casos
157
TEORIA POLÍTICA
de abusos, é legítima a prática da resistência: “(...) e assim, para este caso há a solução
excepcional da resistência, sempre que se chegue à situação extrema de só por esse meio se
poder defender a constituição” (p. 214).
Uma das questões que mais surpreendia e intrigava o pensador era sobre a facilidade
com que a minoria pode governar com o consentimento da maioria. Nada mais surpreen-
dente, diz Hume, “do que a facilidade com que os muitos são governados pelos poucos,
assim como a implícita submissão com que os homens abdicam de seus próprios sentimen-
tos e paixões em favor dos seus governados” (p. 217). Como a maioria pode resignar-se?
Como podem concordar com mandos e desmandos da minoria? Só há um meio para tal
êxito, diz Hume, e esse meio é o controle da opinião: “Se investigarmos que, como a força
está sempre do lado dos governados, os governantes se apóiam unicamente na opinião. O
governo assenta, portanto, apenas na opinião; e essa máxima se aplica tanto aos governos
mais despóticos e militares como aos mais livres e populares” (p. 213).
atuais que, por um lado, são defendidos e, por outro, refutados por estudiosos da democra-
cia. Apresentar este debate é o que será feito na próxima unidade.
158
TEORIA POLÍTICA
Unidade 10
Participação e Instituições:
O Debate da Teoria Democrática Contemporânea
Seção 10.1
Participacionistas e institucionalistas
Um debate que tem pautado a discussão da Ciência Política nas últimas décadas diz
respeito a duas concepções sobre a democracia: a corrente institucionalista (também chama-
da de elitismo democrático) e a corrente participacionista. A primeira considera a necessida-
de de maior institucionalização das organizações políticas democráticas (partidos políticos,
eleições, poderes Legislativo, Executivo e Judiciário) como condição indispensável para a
conquista de tal estado.1 Para os institucionalistas, o problema central da construção da
ordem política democrática refere-se à criação de mecanismos que assegurem o processo de
institucionalização de políticas democráticas. Quanto maior for o grau de institucionalização
das instituições democráticas, maior será a possibilidade da existência de uma sociedade
desenvolvida política e democraticamente.
1
Sobre o debate entre as teorias participacionista e a institucionalista, conferir Limana (1992) e Rover e Seibel (1998). Entre os teóricos
institucionalistas, Samuel Huntington é seu maior representante.
159
TEORIA POLÍTICA
Estado de Bem-Estar
cos advogam que a ampliação da democracia poderia ter como
Estado que intervém na
conseqüência a ineficácia administrativa. A democracia seria,
economia e garante ganhos
sociais (saúde, empregos, antes de mais nada, um antídoto contra o avanço totalitário da
educação, aposentadoria...)
burocraci a (We be r) ou uma prote ção contra a ti rani a
(Schumpeter). Dahl e Lipset herdaram essa vertente, renomeada
por Held (1987, p. 176) de “democratas empíricos”. Eles aceitam
a visão de Schumpeter sobre a democracia como um processo de
seleção de lideranças, mas rejeitam a idéia da liderança exclusi-
va das elites, insistindo que a democracia ancora-se num com-
plexo processo de consensos sobre valores que estipulam os
parâmetros da vida política. Mais recentemente, e principalmen-
te em função da crise do Estado de Bem-Estar, surgem na esteira
da concepção elitista, aquilo que Held denomina de “Nova Di-
reita”, as concepções de Hayeck e Nozick, que representaram as
idéias liberais de Locke e John Stuart Mill. Contra esse projeto
elitista de direita (democracia legal), surgem teóricos contra mo-
delo da esquerda que desenvolvem a teorização da “democracia
participativa”, como Poulantzas, MacPherson e Pateman (apud
Rover; Seibel, 1998).2
2
Sobre as atuais concepções de democracia e os limites da participação de atores sociais, conferir Rover e Seibel (1998).
160
TEORIA POLÍTICA
Rousseau tinha como modelo a democracia direta dos atenienses, mesmo vendo certas
limitações nesse modelo na medida em que a sociedade era dividida entre cidadão e escravo.
Talvez por essa razão o próprio autor reconheça o caráter utópico de sua teoria: “a democra-
cia que de fato não existe, nunca existiu e talvez nunca existirá; também essa condição
natural, a que devemos aspirar, não existe, nunca existiu e nunca vai existir ”.
161
TEORIA POLÍTICA
Alexis de Tocqueville
Da mesma forma Alexis de Tocqueville, em A democracia
norte-americana.3
3
É importante destacar que a conexão entre os costumes de uma sociedade e suas práticas políticas, idéias expostas na obra clássica de
Tocqueville, já fora discutida suficientemente por outros teóricos como Putnam (2000), Galvão Quirino (2001), Limana (1992),
Higgins (2005). Assim sendo, não há necessidade de aprofundar este tema neste momento.
162
TEORIA POLÍTICA
À primeira vista, o que mais impressionou a Tocqueville foi a igualdade das condições
de toda substância, de civismo; estanca-lhe a fonte das virtudes públicas; dele torna a fazer
a organização social e política dos americanos, para depois tratar da estrutura de domina-
ção, de suas instituições políticas e das relações do Estado com a sociedade civil.5 Tocqueville,
democracia ao afirmar que querer detê-la seria como lutar contra o próprio Deus, e só resta-
ria às nações acomodar-se ao Estado social que lhes impõe a Providência. Tocqueville cita a
América como exemplo e deseja ver a França tornar-se como os Estados Unidos: “Parece-me
fora de dúvida que, cedo ou tarde, chegaremos como os americanos, à igualdade quase
completa” (p. 19). O objetivo do autor foi estudar os hábitos e os costumes dos americanos
assim como condenou o Estado intervencionista, para ele o único responsável pela direção
política da nação. Para ele, esse Estado interventor é um Estado despótico, no qual a liber-
dade dos cidadãos tende a desaparecer. Da mesma forma, Tocqueville acredita que a demo-
cracia e o socialismo não se vinculam senão por uma palavra, a igualdade, mas observa a
4
Para Tocqueville, liberdade e igualdade significam o mesmo que democracia.
5
Conferir o artigo intitulado “Tocqueville: sobre a liberdade e a igualdade”, de Célia Galvão Quirino (2001), em que a autora comenta as
principais idéias de A democracia na América (p. 149-188).
163
TEORIA POLÍTICA
No prefácio de sua obra, Tocqueville deixa claro que o objetivo central é tratar do
to, que são indispensáveis a todas as repúblicas e que a todos devem ser comuns; e pode
afirmar-se desde logo que, onde estes não se encontrarem, cedo terá a república deixado de
da democracia, que nasceu junto com a Colônia e permanece até nossos dias. Argumenta,
igualmente, sobre o princípio da soberania do povo na América e as leis que estão subordi-
nadas à soberania do povo. O autor descreve que o poder emana do povo e observa que este
participa da composição das leis, pela escolha dos legisladores, e da sua aplicação mediante
a eleição dos agentes do poder Executivo; pode-se afirmar que ele mesmo governa, tão frágil
e restrita é a parte deixada à administração, tanto se ressente esta da sua origem popular e
obedece ao poder de que emana. “O povo reina sobre o mundo político americano como
Deus sobre o universo. É ele a causa e o fim de todas as coisas; tudo sai do seu seio, e tudo
Sobre o tema da soberania do povo, Tocqueville entende que é este que tem o controle
do governo em suas mãos: “é o povo que governa”, pois, “na América, o povo designa aque-
le que faz a lei e aquele que a executa; constitui ele mesmo o júri que pune as infrações à
lei” (p. 136). Percebe-se, no decorrer da obra, que a América é sempre tratada como o exem-
ciação e onde se tem aplicado esse poderoso meio de ação à maior diversidade de objetos.
Essa tradição associativa dos norte-americanos vem de berço, “desde o seu nascimento,
aprende o habitante dos Estados Unidos que precisa apoiar-se sobre si mesmo para lutar
contra os males e os embaraços da vida” (p. 146). A associação visa a alcançar vários fins
com o objetivo de obter a segurança pública, comércio, indústria, moral e religião. Nada há
164
TEORIA POLÍTICA
que a vontade humana se desespere de atingir pela ação simples do poder coletivo dos indi-
víduos. A associação é causa de união e progresso: “A associação enfeixa os esforços dos
espíritos divergentes e os impele com vigor para uma única finalidade claramente indicada
por ela” (p. 147).
Como se explica que, nos Estados Unidos, aonde os habitantes apenas ontem chegaram ao solo
que ocupam, aonde não levaram nem costumes nem lembranças, aonde se encontraram pela
primeira vez sem se conhecer, aonde, numa palavra, o instinto da pátria pode apenas existir,
como se explica que todos se mostrem interessados pelos negócios de sua comuna, de seu cantão,
e do Estado inteiro como se fossem deles próprios? (p. 183).
Mal desembarcamos no solo americano, vemo-nos no meio de uma espécie de tumulto; de todas
as partes, eleva-se um confuso clamor; mil vozes chegam ao mesmo tempo aos nossos ouvidos,
cada qual a exprimir algumas necessidades sociais. Em nossa volta, tudo se movimenta: aqui é o
povo de um bairro que se reúne para saber se há de construir uma Igreja; ali, trabalha-se para
escolher um representante; mais além, os delegados de um cantão dirigem-se à cidade a toda
pressa, a fim de deliberar sobre certos melhoramentos locais; noutra parte, são os agricultores
de uma aldeia que abandonaram seus arais para discutir o plano de uma estrada ou de uma
escola. Reúnem-se cidadãos com a finalidade exclusiva de declarar que desaprovam a marcha do
governo, ao passo que outros se reúnem a fim de proclamar que os homens da administração são
os pais da pátria. E eis que outros ainda, considerando a embriaguez como a principal fonte dos
males do Estado, vêm comprometer-se solenemente a dar o exemplo da temperança (p. 187-188).
pertencer àquela nação, inclusive acreditam que são um povo “escolhido”, diferente dos
demais povos do mundo:
165
TEORIA POLÍTICA
Ao mesmo tempo que os anglo-americanos estão assim unidos por ideais comuns, estão separa-
dos de todos os demais povos por um sentimento, o orgulho. Há cinqüenta anos, não se pára de
repetir aos habitantes dos Estados Unidos que constituem o único povo religioso esclarecido e
livre [...] acreditam que se constituem uma espécie à parte do gênero humano (p. 287).
Em Atenas, todos os cidadãos tomavam parte dos negócios públicos; havia ali, porém, apenas
vinte mil cidadãos, em mais de trezentos e cinqüenta mil habitantes; todos os outros eram escra-
vos e desempenhavam a maior parte das funções que hoje em dia pertencem ao povo e mesmo às
classes médias. Atenas, com o seu sufrágio universal, não era, pois, afinal de contas, senão uma
república aristocrática, onde todos os nobres tinham direito igual ao governo (p. 360).
por meio de uma cada vez maior igualdade e liberdade; por isso, procuram se esforçar para
manter a coisa pública e a ajuda mútua: “Devo dizer que muitas vezes vi americanos faze-
rem grandes e verdadeiros sacrifícios à coisa pública, e observei cem vezes que, quando
necessário, quase nunca se furtam de prestar fiel apoio uns aos outros” (p. 391). O espírito
público dos americanos sobressaía aos olhos de Tocqueville, além do apoio mútuo. Mais à
frente, fica ainda mais explícito o caráter associativo da vida civil dos americanos:
Foi esse espírito cívico que fez dos Estados Unidos uma democracia participativa.
coração não cresce e o espírito não se desenvolve a não ser pela ação recíproca dos homens
uns sobre os outros” (p. 393). Da mesma forma, “para que os homens permaneçam civiliza-
dos ou assim se tornem, é preciso que entre eles a arte de se associar se desenvolva e aperfei-
166
TEORIA POLÍTICA
cidadania no Brasil.
167
TEORIA POLÍTICA
168
TEORIA POLÍTICA
Unidade 11
nossa História. Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses por estas paragens,
Muito se tem discutido na academia e fora dela, o jargão da cidadania está na moda nas
construído.
no entanto, descrita pelo cientista político Robert Dahl (2001) (eleições livres, partidos po-
a democracia social (igualdade étnica, emprego, saúde, lazer, moradia...) ainda é utopia
para milhões de brasileiros. Prevalece apenas uma democracia eleitoral sobre a democracia
social (cidadã). Por essa razão, as instituições políticas e os políticos têm passado por um
alto grau de descrédito junto a opinião pública do país. Da mesma forma, a cidadania é
incipiente num país onde predominam a exclusão social e econômica, a desigualdade social
e a violência difusa.
mente ao “peso do passado” (herança maldita), ou outras variáveis podem influenciar essa
realidade? A cidadania está meramente ligada à conquista de direitos sociais, civis e políti-
cos? Como se deram as conquistas desses direitos no Brasil, comparadas com outros países?
Procurar responder a algumas dessas questões é o objetivo maior desta Unidade. Para tanto,
sos do tema.
169
TEORIA POLÍTICA
gregos, especificamente por volta do ano 380 a.C. (período do apogeu daquela civilização).
Embora a cidadania fosse limitada a uma parcela social minoritária, pode-se afirmar que
tanto a democracia quanto a cidadania gregas, não deixam de ser conquistas inéditas e
ção da cidadania dá-se na Modernidade.2 Junto com a cidadania moderna nascem os direi-
tos naturais (vida, propriedade, liberdade) do homem liberal burguês, garantidos pelas con-
(Revolução Gloriosa, 1688-89), Estados Unidos (emancipação política, 1776) e França (Re-
Este texto está dividido em quatro seções. A primeira trata da ausência de direitos e de
portação, o analfabetismo e a escravidão são “pesos negativos do passado” que ainda deter-
minam a vida social, econômica e política do Brasil. A segunda seção apresenta os dois
fatos históricos mais relevantes do Brasil do século 19, a Independência e a República, des-
tacando-se a quase nula participação de grande parte do povo neste processo. A terceira
Ciências Sociais do Brasil. Por fim, descreve-se que, diferentemente de outros países, os
1
O objetivo desta Unidade, porém, não é tratar deste ponto, posto que o mesmo tem sido suficientemente analisado por renomados
teóricos como Minogue (1998), Coulanges (s/d), Aquino et al (1998), Barker (1978), Kitto (1970), entre outros.
2
Sobre a evolução do conceito cidadania na modernidade conferir o trabalho de Domingues (2001).
3
Da mesma forma, não nos convém tratar aqui deste assunto. Pode-se aprofundar este tópico com os seguintes autores: Saes (2000),
Moisés (2005) e Marshall (1967).
4
Para esta seção foram utilizados argumentos dos seguintes autores: Vianna (1955, 1956), Holanda (2000) Faoro (2001), Leal (1975),
Prado Júnior (1994) e, principalmente, Carvalho (1996, 1997, 2000a, 2000b, 2002).
170
TEORIA POLÍTICA
Seção 11.1
Uma das razões fundamentais das dificuldades da construção da cidadania está liga-
da, como explicita Carvalho, ao “peso do passado”, mais especificamente ao período coloni-
al (1500-1822), quando “os portugueses tinham construído um enorme país dotado de uni-
dade territorial, lingüística, cultural e religiosa. Mas tinham deixado uma população anal-
fabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora e latifundiária, um Estado
Absolutista” (p. 18). Em suma, foram 322 anos sem poder público, sem Estado, sem nação e
sem cidadania.
5
Sobre o encobrimento do outro, conferir Dussel (1993).
171
TEORIA POLÍTICA
Bem antes de o europeu chegar a estas terras, o índio tinha suas normas morais e seus
ritos religiosos. Ele respeitava a si próprio e aos outros, à mãe-terra, às águas e à natureza
como um todo. Os espanhóis e, mais tarde, os portugueses, chegaram, impuseram sua força
e conquistaram com a violência (armas) e a ideologia (religião): em uma das mãos, a cruz do
Cristo europeu, simbolizando o poder da Igreja; na outra, a espada para a conquista. O
resultado foi o extermínio, pela guerra, escravidão e doenças (sífilis, varíola, gripe), de mi-
lhões de índios.6 Grande parte da população indígena foi dizimada rapidamente pelo ho-
mem “civilizado”. Calcula-se que havia no Brasil, na época da “descoberta”, cerca de 4
milhões de índios. Em 1823 restavam menos de 1 milhão (Carvalho, 2002, p. 20). A demografia
indígena, porém, depois de ter sido reduzida drasticamente, tem crescido de forma significa-
tiva nos últimos anos. Segundo o censo de 2000, realizado pelo IBGE, 734 mil pessoas
(0,4% dos brasileiros) se auto-identificaram como indígenas, um crescimento absoluto de
440 mil indivíduos em relação ao censo de 1991, quando apenas 294 mil pessoas (0,2% dos
brasileiros) se diziam indígenas.7
11.1.2. A ESCRAVIDÃO
6
Callage Neto (2002, p.29) argumenta que as sociedades Ibéricas (Espanha e Portugal) foram marcadas pelo “hibridismo do absolutismo
autoritário contra-reformista católico, o despotismo corporativo muçulmano dos séculos que o precederam na Península Ibérica e um
incipiente liberalismo que se gerava com a presença judaica nos marcos da Revolução Mercantil”.
7
Para maiores informações sobre a situação do indígena na sociedade brasileira atual, consultar relatório do IBGE intitulado: Uma análise
dos indígenas com base nos resultados da mostra dos censos demográficos. Este estudo está disponível em http://www.ibge.gov.br/
home/estatistica/populacao/tendencia_demografica/indigenas/indigenas.pdf. Acesso em junho de 2005.
8
Para esclarecer este tema, é fundamental a leitura de Raymundo Faoro (2001), principalmente o capítulo IV “O Brasil até o governo
Geral”.
172
TEORIA POLÍTICA
de 1550 que os escravos começaram a ser importados. Essa prática continuou até 1850, 28
anos após a Independência. Calcula-se que até 1822 tenham sido introduzidos na colônia
cerca de 3 milhões de escravos. Na época da Independência, numa população de cerca de 5
milhões, incluindo 800 mil índios, havia mais de 1 milhão de escravos (idem, p. 19). É impor-
tante destacar que em todas as classes sociais desse período havia escravos.9
Depois de mais de 300 anos o Brasil aboliu a escravidão, mais por pressão externa do
que por um amadurecimento da consciência social da população. Neste sentido, a extinção
da escravatura no Brasil, no dia 13 de maio de 1888, foi um grande engodo, uma farsa. O
Brasil foi o último país de tradição cristã ocidental a abolir a escravidão. A Inglaterra, essen-
cialmente por interesses comerciais, exigiu, em 1850, o término do comércio negreiro, insti-
tuído com a Lei Eusébio de Queiroz, que se constituiu num passo importante para a aboli-
ção – que só viria a acontecer 38 anos depois.
Por essas razões, a data mais significativa para celebrar a história do povo negro, sua
cultura, seu anseio por liberdade e sua verdadeira participação na sociedade, é dia 20 de
novembro, data da morte de Zumbi, martirizado em 1695 sob as forças expedicionárias do
bandeirante Domingos Jorge Velho. Zumbi, que significa a força do espírito presente, foi o
principal líder da resistência da comunidade de Palmares. Esse quilombo foi a mais impor-
tante organização de resistência do povo negro no país, sendo, dentre vários, aquele que
ocupou a maior extensão de terra e teve o maior tempo de existência (1600-1695). Por volta
de 1654 o quilombo dos Palmares (região acidentada e de difícil acesso no interior de Alagoas),
era composto por muitas aldeias, nas quais os negros viviam em liberdade. Eis o nome de
algumas comunidades: Macaco, na Serra da Barriga, com 8 mil habitantes; Amaro, no no-
roeste de Serinhaém, com 5 mil habitantes; Sucupira, a 80 km de Macaco; Zumbi, a noroes-
te de Porto Calvo, e o Senga, a 20 km de Macaco. A população total de Palmares, na época,
atingiu mais de 20 mil habitantes, o que representava 15% da população do Brasil.
Pela utilização da mão-de-obra escrava nas colônias foi possível a formação e o de-
senvolvimento dos Estados Nacionais na Europa e a construção das cidades. Além disso,
realizou-se a Revolução Industrial na Inglaterra, devido à importação de negros africanos,
9
Sobre o tema da questão racial no Brasil, conferir o trabalho de Fernandes (1972).
173
TEORIA POLÍTICA
que eram mestres ferreiros, marceneiros e carpinteiros, o que propiciou o acúmulo de rique-
za, geradora do capitalismo. O sistema capitalista soube tirar proveito dessa situação, na
conquista, na pirataria, no saque e na exploração. Huberman (1986, p. 160) descreve que a
acumulação de riquezas deveu-se “ao trabalho e ao sofrimento do negro, como se suas mãos
Hegel, no início do século 19, escreveu a obra Filosofia da história universal, na qual se
percebe a ideologia racista, superficial e eurocêntrica do filósofo alemão em relação à Áfri-
IBGE, em 1999 a taxa de analfabetismo das pessoas com 15 anos de idade ou mais era de
8,3% para brancos e de 21% para pretos e a média de anos de estudo das pessoas com 10
anos de idade ou mais é de quase 6 anos para os brancos e cerca de 3 anos e meio para os
negros.
cos com 10 anos de idade ou mais aparecem nas estatísticas da categoria de trabalhador
doméstico, enquanto os pardos chegam a 8,4% e os pretos a 14,6%. Por outro lado, na cate-
goria empregadores encontram-se 5,7% dos brancos, 2,1% dos pardos e apenas 1,1% dos
10
Segundo o sociólogo Florestan Fernandes (1978, p.9), os negros e os mulatos foram os que tiveram “o pior ponto de partida” na
transição da ordem escravocrata à competitiva. Isso significa afirmar que as condições estruturais dos negros e mulatos foram
inferiores em relação aos brancos, causando marginalidades e desigualdades na sociedade brasileira.
11
Nancy Fraser (2001) analisa as estratégias, chamadas, por ela, de afirmação ou de transformação. Para vencer os dilemas entre
redistribuição e reconhecimento, podem-se adotar medidas afirmativas ou transformativas. As medidas afirmativas têm por objetivo
a correção de resultados indesejados sem mexer na estrutura que os forma. Já os remédios transformativos têm por fim a correção dos
resultados indesejados mediante a reestruturação da estrutura que os produz (Matos, 2004).
174
TEORIA POLÍTICA
pretos. Quanto ao rendimento mensal familiar per capita e à distribuição das famílias por
classes, os dados indicam que 20% das famílias cujo chefe é de cor branca tinham rendimen-
to de até 1 salário mínimo contra 28,6% dos chefes das famílias pretas e 27,7% das pardas
(IBGE, 2000). Segundo ainda dados do IBGE, em 1999 a população branca que trabalhava
tinha rendimento médio de cinco salários mínimos. Pretos e pardos alcançavam menos que
leira.12
11.1.3. O ANALFABETISMO
ção, segundo Carvalho (2002) era analfabeta: em 1872, meio século após a Independência,
somente 16% da população era alfabetizada.
res, o que acontecia com pouca gente fora dela: a elite era uma ilha de letrados num mar de
analfabetos” (Carvalho, 2000b, p. 55). Entre os letrados, principalmente, era comum a for-
mação jurídica feita em Portugal: primeiro em Coimbra e, depois, em Lisboa. Além disso,
Portugal proibiu o Brasil de abrir universidades em seu território; em contrapartida, a Espanha
Tal contraste pode ser percebido, entre Espanha e Portugal, no que se refere ao núme-
ro de matrículas: “Calculou-se que até o final do período colonial umas 150.000 pessoas
tinham-se formado nas universidades da América Espanhola. Só a Universidade do México
formou 39.367 estudantes até a independência. Em vivo contraste, apenas 1.242 estudan-
tes brasileiros matricularam-se em Coimbra entre 1772 e 1872”, quadro esse que será rever-
tido apenas após a chegada da família real ao Brasil, em 1808 (p. 62). No final do século 18
12
Além desses dados, pode-se encontrar outras estatísticas sobre desigualdades raciais na publicação Síntese de Indicadores – 2000,
editada também pelo IBGE.
175
TEORIA POLÍTICA
somente 16,85% da população brasileira entre 6 e 15 anos freqüentava a escola (p. 70). É
perceptível, de imediato, a formação de bacharéis em Direito desde o início de nossa Histó-
ria. Somente em 1879 houve uma reforma que o dividiu em Ciências Jurídicas e Ciências
Sociais: “A reforma de 1879 dividiu o curso em Ciências Jurídicas e Ciências Sociais, as
primeiras para formar magistrados e advogados, as segundas diplomatas, administradores e
políticos” (p. 76).
Seção 11.2
Inicialmente cabe destacar que os dois fatos históricos de maior relevância do Brasil
no século 19, a Independência e a República, respectivamente, ocorreram sem a real parti-
cipação da maioria da população. Ao contrário, a elite portuguesa, aliada à elite nacional,
tomou as decisões políticas necessárias para a manutenção dos seus próprios interesses. O
objetivo desta seção é demonstrar tais acontecimentos.
176
TEORIA POLÍTICA
um Estado é condição fundamental para o surgimento da cidadania: “Isto quer dizer que a
construção da cidadania tem a ver com a relação das pessoas com o Estado e com a nação.
As pessoas se tornavam cidadãs à medida que passavam a se sentir parte de uma nação e de
um Estado” (Carvalho, 2002, p. 12).
A relação de dependência da Colônia com Portugal não permitiu formar uma identida-
de própria, nem edificar uma nação propriamente dita. A primeira manifestação de nossa
nacionalidade ocorreu, segundo Carvalho (2000b), apenas em 1865, na Guerra do Paraguai.
A luta contra o inimigo externo, a formação de uma liderança política (chefe inspirador), o
culto ao símbolo nacional (a bandeira) e a união dos voluntários de todo o Brasil possibili-
taram o advento de um sentimento comum: o orgulho e a criação da primeira idéia de iden-
tidade nacional: “não vejo consciência nacional no Brasil antes da Guerra do Paraguai” (p.
11). Os principais fatos políticos do Brasil ocorreram para atender a interesses individuais,
ou de pequenos grupos hegemônicos. Assim foi na Independência, como explicita Costa
(1981): “as coisas vão simplesmente acontecendo: no jogo das circunstâncias e das vonta-
des individuais, no entrechoque de interesses pessoais, de paixões mesquinhas e de sonhos
de liberdade, faz-se a independência do país” (p. 65). É importante ressaltar que a notícia
da emancipação política do Brasil só chegou a lugares mais distantes após três meses do
fato ocorrido.
O poder político concentrou-se nas mãos dos proprietários. A vinda da família real para
o Brasil, em 1808, não passou de uma manobra (abertura dos portos) para beneficiar os ingle-
ses e franceses. Alguns anos mais tarde as condições mostravam-se favoráveis para a indepen-
dência do Brasil, o que veio a ocorrer em 7 de setembro de 1822, porém à revelia do povo.13
13
Caio Prado Júnior procurou entender o país sob o enfoque da interpretação marxista, com o materialismo histórico tendo servido de
fundamento teórico para explicar o Brasil. Já Sérgio Buarque de Holanda faz sua análise em Raízes do Brasil, partindo da Economia
e da sociedade, de Max Weber. Celso Furtado, Nestor Duarte e Raymundo Faoro herdam a vertente do patrimonialismo de Weber. Para
Faoro, a formação do Estado português está na origem do Brasil, que é, essencialmente, estadocêntrico, centralizado no poder da
autoridade, pois é dela a distribuição do mesmo.
177
TEORIA POLÍTICA
Em sua obra A construção da ordem (1996), José Murilo de Carvalho trata, igualmen-
te, entre outras questões, do processo de colonização, do Brasil Imperial e da elite política.
O autor apresenta, logo na introdução, a diferença entre a evolução das colônias espanhola
e portuguesa na América. Para ele, a diferença básica é que os territórios espanhóis frag-
político português sobre a Colônia foi intenso, sendo que os capitães-gerais eram nomeados
do moderno, conforme fora descrito por Max Weber: “A ordem legal, a burocracia, a jurisdi-
ção compulsória sobre um território e a monopolização do uso legítimo da força são carac-
niente dessa mesma classe, dos donos das terras e senhores de escravos (domínio agrário),
enquanto o segundo defendia os interesses da burguesia progressista, representada pelos
comerciantes (domínio urbano) (p. 182). Afirma Carvalho que, até 1837, não se pode falar
da população ficou excluída dos direitos civis e políticos, com um reduzido sentimento de
nacionalidade. Isso não significa que não houve resistência por parte de alguns grupos
ra...). Eram muitas as formas de luta, no entanto todos os movimentos foram duramente
Pará (a mais violenta, que vitimou 30 mil pessoas), a Farroupilha no Rio Grande do Sul,
além de Canudos na Bahia, o Contestado em Santa Catarina e a Revolta da Vacina no Rio
178
TEORIA POLÍTICA
brasileira apresentou características sui generis ao ser instituída, haja vista o seu caráter
golpista e elitista. O povo, por sua vez, não só não participou como foi pego de surpresa com
assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acre-
ditavam sinceramente estar vendo uma parada militar ” (Lobo, apud Carone, 1969, p. 289).
de Carvalho (2002): “Além disso, o ato da Proclamação em si foi feito de surpresa e coman-
dado pelos militares que tinham entrado em contato com os conspiradores civis poucos dias
perial e republicano foi insignificante. De 1822 até 1881 votavam apenas 13% da população
livre. Em 1881, privou-se o analfabeto de votar. De 1881 até 1930 – fim da Primeira Repúbli-
Assim, até o final da República Velha (1930), a participação política popular foi restri-
ta. Não havia propriamente um povo politicamente organizado, nem mesmo um sentimento
pela elite, cabendo ao povo o papel de mero espectador, assistindo a tudo sem entender
14
Quanto à participação política dos brasileiros no processo eleitoral, tem-se os seguintes dados: em 1950 – 16%; 1960 – 18%; 1970 –
24%; 1986 – 47%; 1989 – 49%; 1998 – 51% (Carvalho, 2000b, p. 17).
15
Nos anos de 1920 a 1930, boa parte da intelectualidade, como Alberto Torres, Francisco Campos, Oliveira Vianna e Azevedo Amaral,
defendia o fortalecimento do Estado para fazer as mudanças sociais necessárias. Para Alberto Torres, “a sociedade brasileira era
desarticulada, não tinha centro de referência, não tinha propósito comum. Cabia ao Estado organizá-la e fornecer-lhe esse propósito”
(apud Carvalho, 2002, p. 93).
179
TEORIA POLÍTICA
Seção 11.3
Outro aspecto da vida política brasileira que marcou não apenas o período colonial e
republicano, mas, de certa forma, nossa história política atual, está ligado aos “males” ou
das nossas instituições e lideranças políticas.16 Por exemplo, segundo DaMatta (2000), o
populismo está vivo, não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina. As lideranças
políticas carregam consigo, além do personalismo, uma boa dose do elemento messiânico,17
que tem suas longínquas raízes históricas no sebastianismo português. Vive-se ainda na
resolva os problemas da população. Como bem afirma Renato Janine Ribeiro (2000, p. 66),
tão brasileira é a necessidade da laicização” (p. 80). DaMatta, igualmente, trata da espe-
(p. 104).18
Depende-se sempre de um líder: “Já que somos incapazes de construir nossa grande-
za, quem sabe se um novo Dom Sebastião não o pode fazer por nós” (Carvalho, 2000b, p.
24). Este autor insiste na herança lusitana, que encontrou terreno fértil por estas paragens
16
O tema do clientelismo e do personalismo também é discutido pelo antropólogo Roberto DaMatta (2000, p. 94): “O Brasil, até hoje,
combina clientelismo com liberalismo e personalismo com lealdade ideológica”. Investigação de opinião realizada nos últimos 20 anos
na América Latina tem mostrado que mais de 60% dos eleitores, na hora de escolher seu candidato, levam em consideração muito mais
a pessoa do candidato e não o partido ao qual pertence (apud Baquero, 2004, p. 156).
17
Entende-se por messianismo a esperança da salvação coletiva posta nas mãos dos indivíduos vistos como dotados de dons especiais.
18
Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil (2000), tratou, igualmente, das origens da sociedade e da cultura política brasileira,
vendo nelas a continuidade da herança das nações ibéricas (Espanha e Portugal), que priorizavam uma cultura personalista (responsabilidade
individual) na qual imperavam os vínculos pessoais nas relações sociais e políticas, deixando os interesses coletivos em segundo plano.
Buarque de Holanda tratou, ainda, da repulsa ao trabalho, em que o ócio é mais importante do que o negócio. E da promiscuidade entre
o público e o privado na vida política do país.
180
TEORIA POLÍTICA
para crescer e proliferar: o exemplo mais evidente foi, e continua sendo, a promiscuidade
A análise de Caio Prado Júnior evidencia, da mesma forma, alguns vícios da política
brasileira, como o clientelismo e a dependência da metrópole.20
No período colonial, cerca de 60% da população ainda vivia no litoral, mas, aos pou-
cos, houve uma migração para o interior (ciclo da mineração); esta, porém, com a decadên-
cia desse modelo econômico, volta-se para o litoral novamente. A economia, no período
colonial, era baseada na monocultura junto com o trabalho escravo. A Colônia devia forne-
cer matéria-prima à metrópole, deixando a maioria da população brasileira com os parcos
Caio Prado Júnior buscou explicitar, igualmente, a base material do Brasil, evidenciando os
pecados capitais do país: latifúndio, monocultura, afã fiscal da metrópole, trabalho braçal/
desqualificação e escravidão.
ocupação da terra pelas capitanias, para ele “um ensaio de feudalismo que não deu certo”.
No Império estimulou-se a agricultura e a pecuária, mas acabou prevalecendo o clientelismo
político com a doação de sesmarias. O clientelismo não foi uma prática recorrente apenas
do Brasil Colonial. Encontramos tal vício em diferentes momentos do cenário político, evi-
denciado, inclusive, nas últimas eleições gerais (2006). Esse fenômeno é mais amplo e atra-
vessa toda a história política do país. É um tipo de relação que envolve a concessão de
19
“O Estado português delegou poderes da metrópole, preferiram manter a vinculação patrimonial a rebelar-se [...]. O patrimonialismo
também não sofreu contestação no momento da independência, graças à natureza do processo de transição” (Carvalho, in: Cordeiro;
Couto, 2000, p. 24). Da mesma forma, para Raymundo Faoro (2001), o patrimonialismo é um dos principais eixos da cultura política
brasileira. Com a instituição do capitalismo, surgiu um Estado de natureza patrimonial, cuja estrutura estamental gerou uma elite
dissociada da nação: o patronato político brasileiro, que atua levando em conta os interesses particulares do estamento burocrático ou
dos “donos do poder”. O sistema patrimonial coloca os empregados em uma rede patriarcal na qual eles representam a extensão da casa
do soberano. Para Faoro, essa estrutura política e social tem permanecido na política brasileira desde o Estado Novo (Baquero, 2006).
Sobre o clientelismo, conferir o trabalho de Andrade (2005).
20
Caio Prado Júnior (1907-1990), em sua obra Formação do Brasil contemporâneo (1994), discorreu acerca do povoamento do Brasil,
do Tratado de Tordesilhas e do Tratado de Madri. No Norte, segundo o autor, prevaleceu a cultura do cacau e da Companhia de Jesus;
em São Paulo, o bandeirantismo. Refletiu ainda sobre a aliança entre Espanha e Portugal.
181
TEORIA POLÍTICA
benefícios públicos entre atores políticos. O clientelismo aumentou com o fim do coronelismo,
quando a relação passa a ser diretamente entre políticos e setores da população, sem a
Na vigência do coronelismo o controle do cargo público era visto como importante instru-
mento de dominação e não como simples empreguismo. O emprego público irá adquirir
Victor Nunes Leal na obra Coronelismo, enxada e voto, publicada originalmente em 1948.
Na concepção de Leal, o coronelismo é visto como um sistema político, uma complexa rede
de relações que vai desde o coronel até o presidente da República, envolvendo compromis-
sos recíprocos. Leal se expressa da seguinte forma: “o que procurei examinar foi, sobretudo,
o sistema. O coronel entrou na análise por ser parte do sistema, mas o que mais me preocu-
pava era o sistema, a estrutura e as maneiras pelas quais as relações de poder se desenvolvi-
O autor tratou da relação entre o poder local e o poder nacional, na qual o coronelismo
estava inserido. Para ele, o coronelismo surge dentro de um contexto histórico específico,
ao centralismo imperial. A partir do federalismo criou-se um novo ator político com amplos
Esta decadência acarretava enfraquecimento do poder político dos coronéis em face de seus
dependentes e rivais. A manutenção desse poder passava, então, a exigir a presença do Estado,
que expandia sua influência na proporção em que diminuía a dos donos de terra. O coronelismo
era fruto de alteração na relação de forças entre os proprietários rurais e o governo e significava
o fortalecimento do poder do Estado antes que o predomínio do coronel.21
21
O artigo de Carvalho (1997) também encontra-se disponível em http://www.scielo.br/scielo. Acesso em 10 mar. 2005.
182
TEORIA POLÍTICA
Fica explícito, a partir das considerações de Leal, que o coronelismo foi um sistema
poder local. As relações entre o poder local (coronéis) e o governo podem ser descritas como
O governo estadual garantia, para baixo, o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais,
sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos públicos, desde o delegado de polícia até a profes-
sora primária. O coronel hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na forma de votos. Para cima,
os governadores dão seu apoio ao presidente da República em troca do reconhecimento deste seu
domínio no Estado. O coronelismo é a fase de processo mais longo de relacionamento entre os
fazendeiros e o governo (Leal, apud Carvalho, 1997).
o tratamento de “coronel” começou desde logo a ser dado pelos sertanejos a todo e qualquer
chefe político, a todo e qualquer potentado, até hoje recebem popularmente o tratamento de
“coronéis” os que têm em mãos o bastão de comando da política edilícia ou os chefes de partidos
de maior influência na comuna, isto é, os mandões dos corrilhos de campanário (p. 20-21).
ção dos serviços públicos locais sejam características próprias do coronelismo. Ao coronel
sem assistência médica, não lendo jornais, nem revistas, nas quais se limita a ver as figuras,
o trabalhador rural, a não ser em casos esporádicos, tem o patrão na conta de benfeitor. E é
dele, na verdade, que recebe os únicos favores que sua obscura existência conhece” (p. 25).
situação estadual, vinha carta branca ao chefe local governista (de preferência o líder da
183
TEORIA POLÍTICA
Ao concluir esta seção, constata-se que muitos outros vícios permanecem na vida po-
lítica brasileira. São necessárias, além da participação dos setores organizados da sociedade
civil e do olhar crítico e imparcial da mídia, outras formas de controle e responsabilização
dos atos administrativos das pessoas que ocupam cargos públicos. Trata-se aqui de inserir o
conceito de accountability, “que quer dizer autoridades politicamente responsáveis, autori-
dades que podem ser responsabilizadas pelos seus atos, que devem prestar contas dos seus
atos”. O accountability (controle democrático) pode ser vertical (relação governantes e go-
vernados) e horizontal, quando poderes externos podem punir o próprio governo. Por meio
da autonomia dos poderes, autoridades estatais podem controlar o próprio poder, empreen-
dendo ações que vão desde o controle rotineiro até sanções legais ou inclusive impeachment,
conforme o caso.22
Seção 11.4
A partir dos anos 20 inicia-se, paulatinamente, uma nova era na história política na-
cional. Os tempos agora são outros, influências internas, como o processo crescente de
urbanização e industrialização, o aumento do operariado, a criação do Partido Comunista e
a Semana de Arte Moderna, bem como influências externas, como a crise da Bolsa de Valo-
res de Nova York, acabam modificando as relações econômicas e políticas no Brasil. Assim,
22
Ver estudos de Marenco dos Santos (2003) e O’Donnell (1998).
23
Diferentes autores que tratam do tema da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) são unânimes em afirmar que essa legislação foi,
em grande parte, copiada da “Carta del Lavoro” adotada pelo regime fascista italiano.
184
TEORIA POLÍTICA
ta. Em termos políticos tivemos retrocesso, pois em 1937 Vargas instaura uma ditadura apoiada
pelos militares, instituindo o Estado Novo, que só termina em 1945. Logo após esse período
o país passou pela primeira experiência democrática (1945 até 1964), tendo como principal
Depois da breve experiência democrática o Brasil entrou, do ponto de vista dos direitos
civis e políticos, nos anos mais sombrios da sua História, o da ditadura militar. Houve perse-
guição, cassação dos direitos políticos, tortura e assassinatos das principais lideranças po-
de 1964, cassou os direitos políticos. O AI 2, de 1965, aboliu a eleição direta para a Presi-
mais fundo atingiu direitos políticos e civis. O Congresso foi fechado, passando o presiden-
te, general Costa e Silva, a governar ditatorialmente. Foi suspenso o habeas corpus para
crimes contra a segurança nacional (Carvalho, 2002, p. 162), houve cassações de manda-
No que se refere aos direitos sociais, percebe-se que houve uma sensível melhora na
época dos militares. Foram criados o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), Fun-
deixam o poder, de forma negociada, no ano de 1985. Novos partidos foram criados e a nova
185
TEORIA POLÍTICA
Apesar dos avanços políticos, no entanto, os direitos civis e sociais são deficientes
desde 1985. Há precariedade na questão da segurança e no acesso à Justiça, além das altas
taxas de homicídios: “A taxa nacional de homicídios por 100 mil habitantes passou de 13 em
1980 para 23 em 1995, quando é de 8,2 nos Estados Unidos” (p. 212). O Judiciário não
cumpre seu papel: além da morosidade nos trâmites e decisões, há, também, um número
reduzido de defensores públicos.
Aqui primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão dos direitos
políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular. Depois vieram os
direitos políticos, de maneira também bizarra. A maior expansão do direito do voto deu-se em
outro período ditatorial, em que os órgãos de representação política foram transformados em
peça decorativa do regime (p. 220).
Além disso, os direitos civis continuam inacessíveis: “Finalmente, ainda hoje muitos
direitos civis, a base da seqüência de Marshall, continuam inacessíveis à maioria da popu-
lação. A pirâmide dos direitos foi colocada de cabeça para baixo” (p. 220).24
Tem-se consciência de que este estudo poderia ter avançado, principalmente no deba-
te teórico atual da questão da cidadania global e da cidadania cosmopolita. Optou-se, po-
rém, por investigar em responder quais os principais obstáculos para a construção da cida-
dania brasileira. Pensa-se, em outra oportunidade, contemplar tais questões.
24
No entendimento de José Murilo de Carvalho, a ordem de institucionalização clássica dos direitos de cidadania com base em Marshall
(civis, políticos e sociais) não obedeceu à mesma lógica seqüencial no Brasil.
186
TEORIA POLÍTICA
continuam sendo entraves para a consolidação das instituições políticas, impedindo os avan-
ços necessários para uma cidadania plena. Na ordem política permanecem ainda algumas
outros países, deram-se de maneira tardia e inversa. Somente em 1824, mais de 320 anos
após a chegada dos portugueses, aparecem os primeiros direitos civis e políticos (antes disso
estávamos submetidos à lei da Coroa portuguesa). Aos poucos surgiram os direitos sociais,
mas exatamente no momento em que os direitos civis e políticos estavam sendo negados, no
Por fim, haveremos de concordar com Benevides (1994, 2000), quando este afirma que,
no intuito de reverter a realidade político-social excludente, ou de uma cidadania passiva
expressão ‘democracia semidireta’” (1984, p. 10). Embora com grandes dificuldades, é pos-
sível reverter o processo por meio da educação política – entendida como educação para a
cidadania ativa e plena.
187
TEORIA POLÍTICA
188
TEORIA POLÍTICA
Unidade 12
Esta última Unidade apresenta, de forma sucinta, um debate sobre os principais temas
que estiveram na pauta da política e da opinião pública no segundo semestre do ano de
2007. O capítulo inicia-se tratando do caso Renan Calheiros, presidente do Senado, acusa-
do de quebra de decoro parlamentar, que acabou renunciando à Presidência da Casa para
escapar da cassação. Por duas vezes os senadores absolveram Calheiros. Ainda tratando
sobre os desmandos da política brasileira, apresentamos os “ensinamentos” de Maquiavel
para conquistar e manter-se no poder, exemplo seguido por muitas lideranças políticas atu-
ais. Outro tema que esteve na mídia foi a questão da reforma política: essencialmente, a
questão da fidelidade partidária. Não houve avanços na dita reforma, mas o Supremo Tribu-
nal Federal (STF) ratificou a posição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que o voto
dado pelo eleitor pertence ao partido e não ao político. Presenciamos, ainda, o afastamento
do governo Lula da proposta ideológica de seu partido, o PT. Constatou-se que os votos dos
candidatos do PT têm declinado sensivelmente no Congresso Nacional, enquanto o voto
dado ao candidato Lula tem evoluído, caracterizando uma nova onda de populismo, o
lulismo. O tema polêmico da reforma agrária voltou a ser manchete. De um lado, a pressão
do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), com ocupações e marchas na
luta pela terra; por outro, as milícias armadas dos fazendeiros. O governo revelou-se, mais
uma vez, omisso, mostrando pouca eficiência nesta problemática. Outros temas, como a
democracia, a questão do Estado, o caráter pouco solidário e a necessidade de construir
capital social no Brasil também foram abordados.
Seção 12.1
189
TEORIA POLÍTICA
homem grego era, por excelência, o homem dado aos debates na Agora, aos discursos e às
cracia), governo do povo que garantia ao homem a isonomia (igualdade perante a lei), a
elogio de Péricles: “Não imitamos a Lei dos nossos vizinhos”; bem pelo contrário, como
Como esclarece Prélot (1973), “o fim da política não é, pois, a conquista ou o enriquecimen-
to geral, mas sim a virtude coletiva. Ela não está acima da moral, mas prolonga-se”. Isto é,
te ao inverso da proposta grega sobre o real entendimento da política. Por aqui, os interesses
individuais sobrepõem-se aos coletivos, o bem comum é substituído pelo bem privado e os
vícios e mazelas tão antigos das instituições e da cultura política, como o clientelismo, a
a prática que representa o interesse de grupos (empresas) e procura influenciar nas votações
Foi o caso do presidente do Senado, Renan Calheiros (representante das velhas oligar-
quias regionais alagoanas), acusado de utilizar dinheiro de uma empresa privada (empreiteira)
para pagar despesas pessoais. Por isso o Conselho de Ética do Senado recomendou a vota-
ção da perda de mandato de Renan por quebra de decoro. Renan, no entanto, foi absolvido
por duas vezes consecutivas por seus pares no Senado. Com sua absolvição, perde a demo-
190
TEORIA POLÍTICA
Por fim, entende-se que a política no seu sentido originário destina-se a garantir a
qualidade e a perfeição da vida, e que, para isso acontecer é necessário que os cidadãos
vivam o bem comum, ou em conjunto ou por intermédio dos seus governantes; se ocorrer o
Seção 12.2
O objetivo de Maquiavel era a unificação da Itália. Para isso, precisava de uma lide-
rança política (príncipe) destemida, engenhosa, habilidosa e forte (virtú), mesmo que, para
alcançar este fim, fosse necessário empregar certos meios pouco lícitos (pois os fins justifi-
cam os meios). O príncipe (liderança política) situa-se além do bem e do mal. Em nome do
poder, tudo se justifica: cupidez, rapacidade (avidez de lucro), fraude, dolo, roubo, libertina-
gem, deboche, velhacaria, perfídia, traição, dissimulação. Tudo é permitido desde que se
alcance o resultado desejado; por isso, todos os meios são considerados honestos.
mente trocou-se a ética pelo ardil, a astúcia e o cinismo. O mau exemplo do Senado brasi-
191
TEORIA POLÍTICA
empreendido pelo partido do governo para salvá-lo, levam-nos a crer, lamentavelmente, que
as práticas do “Velho Diabo” têm encontrado guarida nos corações e mentes de muitos...
Sim, ele anda solto pelas bandas do “planalto” e até nas mais recônditas “planícies”.
Seção 12.3
dentemente de manter a fidelidade à legenda pela qual foram eleitos. A infidelidade partidá-
ria tem sido uma marca da política brasileira desde o período da democratização. Essa “na-
revelando-se a principal causa do descrédito dos políticos diante da opinião pública. Se-
gundo a pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMD, 2007), 81,9% não acre-
Estudos mostram que, de 1985 a outubro de 2001, quando foi encerrado o prazo de
filiação partidária tendo em vista a eleição de 2002, nada menos que 846 parlamentares,
entre titulares e suplentes, mudaram de partido na Câmara dos Deputados. Traduzindo es-
ses números em percentuais, chega-se a 28,8% dos políticos que assumiram uma cadeira na
Câmara e trocaram de legenda durante o mandato. Nos últimos 12 anos (desde 1995), fo-
ram registradas 854 migrações partidárias – média de 67 por ano. No primeiro mandato do
presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), foram 211. Na segunda gestão (1999-
2002), 302. E, no primeiro Governo Lula (2003-2006), 291. A atual legislatura, que come-
192
TEORIA POLÍTICA
Segundo o cientista político André Marenco dos Santos, a migração partidária era
insignificante no primeiro sistema multipartidário brasileiro, especialmente entre 1950 e
1962, mas, aos poucos, tem evoluído nas últimas legislaturas: quase 60% dos deputados,
quando eleitos, já haviam pertencido a mais de um partido no mesmo sistema partidário.
Especialmente a partir de 1995, constata-se nitidamente o crescimento de um tipo de migra-
ção que pode ser interpretada, segundo o estudioso, como “adesão ao governo”. Ou seja,
partidos da base aliada acabam sendo cobiçados e inflados por parlamentares da oposição
obcecados por emendas e cargos públicos. Por exemplo, na atual gestão, o PR e o PTB (base
aliada do governo) são os destinos prediletos dos infiéis (oposição). Essas siglas têm juntas,
na Câmara, 80% de suas bancadas formadas por deputados que trocaram de partido com o
mandato em curso.
Por fim, a lúcida decisão dos magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF) em
ratificar a posição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que o voto dado pelo eleitor pertence
ao partido e não ao político pode, com o tempo, beneficiar as instituições políticas do país.
O TSE decidiu também que a fixação de regras de fidelidade partidária recaiam sobre os
cargos majoritários: presidente da República, governadores, prefeitos e senadores. Esta de-
cisão foi aprovada e todos os parlamentares que trocaram de partido a partir de 27 de março
de 2007 (quando o TSE decidiu que o mandato pertence ao partido e não ao candidato
eleito) poderão perder o mandato (salvo quando o parlamentar alegar perseguição interna
do partido ou que o partido mudou a sua ideologia).
Seção 12.4
“Você conhece alguém que fabrica uma chibata para apanhar com ela?”
O debate sobre o Projeto de Lei 2.679 de 2003, da chamada reforma política, tem ocu-
pado um lugar de destaque no meio político, na opinião pública e nas organizações sociais
nos últimos anos, no entanto pouco se tem avançado no consenso e na efetividade da mes-
193
TEORIA POLÍTICA
ma. O que temos, até o momento, são apenas dúvidas, desconfianças ou mesmo ceticismo
sobre tal reforma. Diante disso pergunta-se: se a reforma política vier a ser concretizada,
pode-se esperar que ela resolva as mazelas culturais e institucionais da política brasileira?
O Projeto de Lei, elaborado pela Comissão Especial de Reforma Política, dispõe sobre
Lei n.º 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), a Lei n.º 9.096, de 19 de setembro
de 1995 (Lei dos Partidos Políticos), e a Lei n.º 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das
Eleições).
Da forma como a reforma política está sendo proposta, contudo, é pouco provável que
alcance resultados satisfatórios. O próprio presidente Lula acredita que a reforma política só
sairá do papel caso seja convocada uma nova Assembléia Constituinte (paralela), com no-
vos representantes escolhidos pelo povo para tratar especificamente deste assunto. A idéia
também foi defendida pelo próprio PT no último Congresso do Partido. Como se fosse possí-
vel a neutralidade, a isenção e a imparcialidade dos novos constituintes nas tomadas das
decisão: estariam eles defendendo os reais interesses dos eleitores ou continuariam sendo
Considerando o momento atual das instituições e dos atores políticos (alta desconfi-
ança por parte do eleitorado: 82% não confiam nos políticos), são mínimas as chances de
que a reforma política venha a ser realizada, mas, se vier, será pouco provável que alcance o
êxito esperado. Nem mesmo a idéia esdrúxula de convocar uma nova Constituinte resolve-
seja, ninguém vai aprovar um projeto que, daqui a alguns meses, ou nas próximas eleições,
afirmação de Benevides: A julgar pelo andar modorrento dos pretensos reformistas, caímos
num círculo vicioso: não consolidamos a democracia porque nos faltam verdadeiros partidos,
não temos partidos porque nos falta a verdadeira democracia. Como nos diria Eça de Queiroz:
194
TEORIA POLÍTICA
Por fim, a coerente e acertada posição do Supremo Tribunal Federal ao decidir que o
voto dado pelo eleitor pertence ao partido e não ao político (embora não tenha punido os
políticos infiéis) ameniza, em parte, o problema do troca-troca de partido (infidelidade par-
tidária), prática comum no meio político. Somente em 2007 50 parlamentares trocaram de
partidos: 46 deputados na Câmara Federal e 4 senadores (alguns, inclusive, trocando mais
de uma vez de partido).
Seção 12.5
O Partido dos Trabalhadores (PT) surgiu no início dos anos 80, com uma proposta
ideológica socialista e com bandeiras alternativas aos partidos tradicionais da história polí-
tica brasileira conhecida até então. As lideranças do partido eram provenientes, principal-
mente, dos movimentos sociais, das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), fundamentadas
na Teologia da Libertação (ala progressista da Igreja Católi ca), de boa parte da
intelectualidade brasileira e, ainda, das principais Centrais Sindicais do país, de onde emer-
giu seu principal líder, Luiz Inácio Lula da Silva.
195
TEORIA POLÍTICA
1989, indo ao segundo turno e desbancando nomes como Brizola e Quércia, velhos conhe-
cidos da política brasileira, credenciou o candidato petista a sonhar sim, concretamente,
com o cargo máximo do país, no entanto as derrotas nas eleições gerais de 1994 e 1998,
respectivamente, foram cruciais para mudar os rumos do partido. A mudança da “esquerda”
para o “centro” do espectro político foi uma questão de tempo. O próprio presidente reco-
nheceu, recentemente, a sua própria mudança e a mudança no programa do partido: “Eu
perdi três eleições, e cada eleição que eu perdia, perdia por 15%. Chegou um dia em que
alguém me convenceu de que eu não precisava mais ficar fazendo discurso para agradar ao
PT, que eu não precisava mais ficar fazendo discurso para agradar aos 30% ou 35% que eu
tive em todas as eleições. Era preciso que eu me preparasse para ter do meu lado os 15% que
De fato, a evolução do voto petista de 1989 a 2006 foi bastante expressiva: em 1989,
(27%); em 1998, 21,4 milhões de votos (31,7%). Sempre faltavam, contudo, alguns percentuais
e, em 2002, depois de uma mudança radical no programa, bem como a formação de alianças
com partidos de centro e até de direita (PL), o candidato Lula somou nada menos do que
39,4 milhões de votos (46,5%) no primeiro turno e venceu as eleições, no segundo turno,
com mais de 52 milhões de votos (61,2%). Em 2006, depois de quatro anos no poder, o
candidato petista fez 46.662 milhões de votos (48,6%) no primeiro turno, e se reelegeu, no
E agora, para onde caminha o PT? Voltará as suas origens socialistas ou dará conti-
nuidade ao seu governo de coalizão? O eleitor poderá esperar ainda um projeto de desenvol-
vimento para o país, ou assistirá a práticas de rentismo à elite financeira nacional e interna-
cional e ao assistencialismo aos mais pobres (Bolsa Família)? Ao que tudo indica, depois do
3º Congresso do partido (3/9/2007), a tendência é permanecer “tudo como dantes, no quar-
tel general de Abrantes...”. Embora tenha sido aprovada uma resolução reafirmando o cará-
ter socialista, democrático e popular do partido, parece que nada mudará, pois é preciso
manter tudo “do jeito que está pra ver como é que fica”. No quesito manter as coisas como
estão, o partido até acenou inicialmente para a possibilidade de uma candidatura própria
196
TEORIA POLÍTICA
para a Presidência em 2010, mas logo após, pressionado por Lula, amenizou o discurso,
aliada (coalizão governista). Aliás, a única “novidade” foi a aprovação do Código de Ética
do partido... Conceito que anda meio escasso ultimamente no próprio PT, bem como no
meio político como um todo. Dentro desta lógica, pode-se afirmar que assistimos, sim, à
morte da ideologia da esquerda do petismo para ficarmos apenas com o “lulismo”, o que
Seção 12.6
pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostra números positivos, tanto para a
avaliação do presidente quanto para seu governo. Mais de 61,% dos brasileiros aprovam o
governo do presidente Lula e 46,5% avaliam o desempenho do seu governo como positivo.
Apesar das crises e turbulências pelos quais o partido do presidente (PT) passou nos
se mantiver estável nos próximos anos, é bem provável que, em 2010, o presidente Lula
venha a fazer seu sucessor ao Palácio do Planalto. Alguns nomes já estão sendo cogitados:
Dilma Rousseff, Marta Suplicy e Tarso Genro (do próprio PT), Ciro Gomes ou Nelson Jobim
(da base aliada), ou, quem sabe, o dele próprio (caso mexa na Constituição). Não se descar-
2014.
O fenômeno do lulismo pode ser associado a uma nova onda de personalismo (culto à
pessoa) e populismo (fenômeno político caracterizado pela liderança de uma pessoa que
197
TEORIA POLÍTICA
ca Latina. O culto à pessoa é maior que a ideologia dos seus próprios partidos. Por exemplo,
Isto significa que o PT perdeu no Congresso Nacional 13% de seu eleitorado entre uma
eleição e outra. As perdas mais significativas deram-se no Sul, 675 mil a menos (-22%) e no
Sudeste, menos 1.90 milhão de votos (-23%). Somente no Estado de São Paulo o declínio foi
de 1.06 milhão de votos (-21,5%). O declínio poderia ter sido maior caso as regiões Norte e
Por outro lado, se traçarmos um paralelo entre o voto petista no Congresso Nacional
com o voto petista para presidente, constatamos que a votação de Lula foi duas vezes maior
do que os votos atribuídos aos candidatos petistas a deputado federal. Lula fez, nas eleições
de 2006, mais de 46 milhões no primeiro turno contra 13 milhões de votos para o Congresso.
Se compararmos ainda os votos recebidos por Lula nas eleições de 2002 com as eleições de
2006, percebe-se que houve um crescimento de 39.455, em 2002, para 46.662, em 2006, um
Em síntese, o lulismo pode ser caracterizado como uma forma de administração volta-
burocratismo estatal, gerenciado pelos companheiros sindicalistas (45% dos cargos de con-
fiança são compostos por sindicalistas), e pela prática populista assistencial do “Bolsa Fa-
mília” (beneficiando os extremamente pobres). Talvez por essas razões tenha ocorrido a ree-
leição e a manutenção de percentuais de avaliação tão positivos. Por outro lado, o PT não
consegue o mesmo êxito conquistado pela sua principal liderança, o presidente Lula, que
Lula?
198
TEORIA POLÍTICA
Seção 12.7
Novamente a questão agrária está na pauta das discussões da opinião pública brasi-
leira. reforma agrária, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Via Campesina,
agronegócios, marchas e ocupações conquistam espaço na mídia em geral. Nesse sentido, é
correto afirmar que, no Brasil, a questão agrária é um problema histórico que nos remete ao
período colonial (capitanias hereditárias) e permanece até nossos dias como uma das prin-
cipais mazelas sociais do país. Diante disso, a necessidade de a reforma agrária ser institu-
ída no Brasil se justifica pelas seguintes razões:
199
TEORIA POLÍTICA
ção e Reforma Agrária (Incra) comprovam, igualmente, que cerca de 10% dos 4,9 milhões
de imóveis rurais cadastrados no Brasil correspondem à média e grande propriedade, ocu-
pando quase 80% da área total das terras cadastradas. Já os pequenos imóveis, que repre-
sentam cerca de 90%, ocupam pouco mais de 20% dessa área total.
Por esses e outros motivos acreditamos que a reforma agrária, junto com outras políti-
cas mais audaciosas, possa contribuir para o desenvolvimento econômico e social, além de
fortalecer a democracia do Brasil; sem reforma agrária estamos fadados ao atraso econômi-
co, político e social.
Seção 12.8
Vive-se um momento peculiar no cenário político nacional. A eleição geral de 2006 foi
a quinta eleição direta consecutiva para presidente da República. Isso representa um avan-
ço na história política do Brasil, profundamente marcada por governos oligárquicos, populistas
200
TEORIA POLÍTICA
É possível afirmar que se conquistou, no Brasil, até o momento, uma democracia for-
mal poliárquica (eleições livres e freqüentes; liberdade de expressão; fontes de informações
diversificadas; autonomia para associações e cidadania inclusiva), segundo o pensamento
de Robert Dahl, entretanto, como questiona Saramago, “até que ponto se permite que esse
sistema seja substancial?”, isto é, alcançamos uma democracia eleitoral e suas liberdades
básicas; trata-se, agora, de avançar para a consolidação de uma democracia cidadã e inclu-
siva (é preciso passar da condição de meros espectadores para a de cidadãos participantes).
A democracia é muito mais que um regime governamental, é mais do que um método para
eleger e ser eleito. O sujeito, mais do que eleitor, é cidadão. De que adiante democracia se os
problemas sociais e econômicos da maioria da população ainda persistem?
Talvez por isso, segundo a pesquisa do PNUD (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento, 2004) feita na América Latina, 54,7% dos cidadãos estariam dispostos a
aceitar um regime autoritário se este resolvesse a situação econômica de seus países e res-
pondesse as suas demandas sociais; 56,3% avaliam que o desenvolvimento é mais importan-
te que a democracia e 58,1% concordam, também, que o presidente possa ignorar as leis
para governar. A democracia ideal pressupõe que a participação pública e o espírito cívico
dos cidadãos (associativismo, confiança e cooperativismo) sejam aprimorados em busca de
justiça social e da emancipação humana. E mais, como observa Hélgio Trindade: “A cons-
trução da democracia participativa supõe uma combinação entre cidadania democrática e
representação política plena” (2003).
A democracia latino-americana não pode ser uma democracia que facilita os procedi-
mentos, porém fracassa, para proporcionar liberdades cívicas e garantir os direitos huma-
nos, a que Larry Diamond denomina democracia iliberal (illiberal democracies), ou, ainda, a
que Marcello Baquero chama de democracia inercial: com inexistência de instituições sóli-
das, comportamento político emocional e subjetivo, falta de fiscalização e predomínio de tra-
ços clientelísticos, personalistas e patrimonialistas entre os representantes eleitos. É necessá-
rio que se estruture na América Latina, nas palavras de Pablo González Casanova, uma de-
mocracia dos de baixo, em que os pobres vejam garantida a segurança social e econômica.
201
TEORIA POLÍTICA
Seção 12.9
Nos anos 90 a América Latina passou por profundas reformas estruturais (neoliberais),
a partir das políticas de livre mercado impostas pelo Consenso de Washington. Fizeram par-
te desse programa de reestruturação (ajustes) a reforma administrativa e previdenciária, que
exigiram um rigoroso esforço de equilíbrio fiscal; a redefinição do papel do Estado na eco-
nomia, que causou, ao contrário do que seus defensores alardeavam, recessão econômica,
ingresso do capital externo, desemprego, aumento do trabalho informal, conflitos sociais,
flexibilização dos direitos trabalhistas, precariedade e, ao mesmo tempo, o desmonte dos
sistemas de seguridade social, de saúde e de educação.
202
TEORIA POLÍTICA
A principal delas foi a chamada reforma administrativa, também conhecida como reforma
“Bresser-Pereira” (coordenada por Luiz Carlos Bresser-Pereira, então ministro da Adminis-
Talvez por isso Bresser-Pereira tenha lamentado que sua Reforma Administrativa não tivesse
alcançado os resultados esperados. Em suas palavras: “cumprimos uma parte desse progra-
tudo, nos anos 90, com o apoio do FMI, do Banco Mundial e dos mercados financeiros
internacionais”, conclui Bresser-Pereira.
A política das privatizações foi a principal medida das reformas estruturais, as quais
203
TEORIA POLÍTICA
Se, nos anos 90, presenciamos a uma onda que pregava o afastamento do Estado das
funções e do gerenciamento dos serviços públicos, agora pede-se que o Estado volte e cum-
pra sua função social. Segundo a mesma pesquisa, 74% acreditam que o Estado deve ser
Seção 12.10
Aliás, esse caráter pouco solidário do brasileiro não chega a ser novidade. Já em mea-
dos do século passado, Oliveira Vianna (1955) havia percebido tal característica. O autor
considerou o insolidarismo como o traço mais marcante de nossa gente, razão pela qual
defendia o papel coativo e educador do Estado na formação do que ele chamava de um
comportamento culturológico, capaz de sobrepor-se ao espírito insolidarista. Vianna escre-
veu Instituições políticas brasileiras (1955), no qual efetuou, na segunda parte, intitulada
Morfologia do Estado, um estudo pertinente sobre o significado sociológico do antiurbanismo
colonial (gênese do espírito insolidarista).
204
TEORIA POLÍTICA
Para o autor, o espírito insolidarista tem sua origem nos primórdios da “colonização”.
Dessa maneira criou-se, no Brasil, o homo colonialis, tendo como característica fortes traços
de individualismo e desconfiança: “um amante da solidão, do deserto, rústico e antiurbano”.
Na questão do trabalho o homem brasileiro, comparado com outros homens do mundo,
caracterizou-se pelo particularismo e individualismo: “O trabalho agrícola, em nosso país –
ao contrário do que aconteceu no mundo europeu – sempre foi essencialmente particularista
e individualista: centrifugava o homem e o impelia para o isolamento e para o sertão” (1955,
p. 151). Não houve a formação da solidariedade social, hábitos de cooperação e de colabo-
ração, nem mesmo espírito público. O que houve, na verdade, foi uma solidariedade social
negativa. Em relação a outros povos latino-americanos, e também na formação social e
econômica, o brasileiro é, segundo Vianna, essencialmente individualista, não necessita da
ajuda comunitária e vive de forma isolada. Estas manifestações têm raiz na tradição cultu-
ral. O que existe, no Brasil, é apenas uma solidariedade parental, isto é, desde que se man-
tenham os interesses fechados entre as famílias dominantes: “Essa solidariedade interfamiliar
e clânica é, assim, peculiar e exclusiva à classe senhorial” (p. 272).
Seção 12.11
205
TEORIA POLÍTICA
eficiente para se contrapor à hegemonia da política econômica e, aos poucos, indicar novas
relações sociais que direcionam para um novo modo de agir, mais solidário e participativo,
bem como um elevado descrédito e desconfiança dos cidadãos diante do desempenho dos
governantes e instituições políticas, nada melhor que, por meio do capital social, se possa
pensar estratégias que recuperem a credibilidade das instituições ante as demandas e exi-
gências dos cidadãos contribuintes. Nesse sentido, há uma conclusão geral, aceita no meio
sociedade civil dinâmica e participativa, orientada para a valorização das normas democrá-
ticas, baseada na ética, na moral e nos costumes. Como afirma Baquero (2006), o capital
social, diante da crise por que passam as instituições democráticas, surge como um bem
público capaz de gerar um novo contrato social, baseado na cooperação recíproca, solidária
e coletiva.
O debate em torno do capital social não é propriamente novo nas Ciências Sociais.
Teóricos, como Adam Smith, Tocqueville e Coleman, já haviam sugerido que, quanto maior
ção da democracia. É, no entanto, com a obra Making democracy work: civic traditions in
Modern Italy (1993), de autoria do cientista político norte-americano Robert Putnam, que o
conceito ganha notoriedade no meio acadêmico. Putnam investigou, por mais de 20 anos,
resultados evidenciaram que, em algumas regiões (Norte), foi possível o bom funcionamen-
206
TEORIA POLÍTICA
Por fim, é importante mencionar que, nos últimos anos, a temática do capital social
tem evoluído para um nível de acalorados debates entre os teóricos das Ciências Sociais:
alguns o têm empregado como instrumento para suas pesquisas, outros se empenham na
para o mal).
Esta Unidade final faz uma análise crítica da política brasileira. Ela está situada no
fim do livro para que o leitor, acompanhando o quadro político brasileiro, pudesse refletir
sobre como as teorias políticas das Unidades precedentes podem explicar (se puderem) tal
quadro. Depois de ter lido uma introdução à história do pensamento político, com quais
“olhos” o leitor percebe a realidade política brasileira atual? É possível aplicar as teorias
analisadas para explicar o caso brasileiro? Ou os pensadores e teorias nada têm de relevante
para nossa realidade?
207
TEORIA POLÍTICA
208
TEORIA POLÍTICA
Referências
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia. 3. ed. Lisboa: Presença, 1982. Vol. VI.
ALMEIDA MELLO, Leonel I. John Locke e o individualismo liberal. In: WEFFORT, Francis-
co (Org.). Os clássicos da política. 2. ed. São Paulo: Ática, 1991.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução
209
TEORIA POLÍTICA
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 5. ed. Porto Alegre: Globo, 1971.
BARBOSA, Leila Maria; MANGABEIRA, Vilma. A incrível história dos homens e suas rela-
ções sociais. Petrópolis: Vozes, 1985.
BARKER, Ernest. Teoria política grega: Platão e seus predecessores. Brasília: UnB, 1978.
BENEVIDES, Maria Victória de Mesquita. Cidadania e democracia. In. Lua Nova, Revista
Cedec, São Paulo, n. 33, 1994.
BÍBLIA SAGRADA. Tradução da Vulgata Latina pelo Padre Matos Soares. São Paulo: Edi-
ções Paulinas, 1989.
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. São Paulo: Paz
e Terra, 1997.
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio
de Janeiro: Campus, 2000.
CALLAGE NETO, Roque. A cidadania sempre adiada: da crise de Vargas em 1954 à era
Fernando Henrique. Ijuí: Ed. Unijuí, 2002.
210
TEORIA POLÍTICA
CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Editora Palas Athena, 1990.
CARONE, Edgard. A Primeira República (l889-1930): texto contexto. São Paulo: Difel, 1969.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania na encruzilhada. In: BIGNOTTO, Newton (Org.).
Pensar a república. Belo Horizonte: UFMG, 2000a.
CARVALHO, José Murilo de. Entrevista. In: CORDEIRO, L.; COUTO, J. G. (Orgs.). Quatro
autores em busca do Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2000b.
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro das
sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Relume-Dumará, 1996.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civili-
zação Brasileira, 2002.
CHÂTELLET et al. História das idéias políticas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas: de Maquiavel aos nossos dias. Rio
de Janeiro: Agir, 1986.
211
TEORIA POLÍTICA
COMPARATO, Fábio Konder. A nova cidadania. In: Lua Nova, Revista Cedec, São Paulo, n.
28/29, 1993.
CORDEIRO, Leny; COUTO, José Geraldo (Orgs.). Quatro autores em busca do Brasil. Rio de
Janeiro: Rocco, 2000.
COSTA, Emília Viotti. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. In: MOTTA,
Carlos Guilherme (Org.). Brasil em perspectiva. São Paulo: Difel, 1981.
COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. 15. ed. São Paulo:
Saraiva, 2002.
COULANGES, Faustel de. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito, as instituições
da Grécia e de Roma. São Paulo: Ediouro, s/d.
CRONE, Patrícia. A tribo e o Estado. In: HALL, John (Org.). Os Estados na História. Rio de
Janeiro: Imago, 1992.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 19. ed. São Paulo: Saraiva,
1995.
DIAKOV, V.; KOVALEV, S. Sociedade primitiva e Oriente. São Paulo: Fulgor, 1987.
DOMINGUES, José Maurício. Cidadania, direitos e modernidade. In: SOUZA, Jessé (Org.).
Democracia hoje: novos desafios para a democracia contemporânea. Brasília: Editora Uni-
versidade de Brasília, 2001.
212
TEORIA POLÍTICA
FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Difel, 1972.
FILOMENO, Jose Geraldo Brito. Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1997.
FINLEY, Moses. I. O legado da Grécia: uma nova avaliação. Brasília: Editora da UnB, 1998.
FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Roma: vida pública e vida privada. São Paulo: Atual, 1993.
GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: Romance da história da Filosofia. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1995.
GONÇALVES, Jose Sidnei; GONÇALVES, Carlos Djalmar. Da aldeia rural à aldeia global:
uma reflexão sobre a relação entre o avanço da comunicação e o desenvolvimento capitalis-
ta. In: Secretaria da Agricultura, São Paulo, v. 42, n. 2, p. 17-25, 1995.
213
TEORIA POLÍTICA
GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel: as concepções de Estado em Marx, Engels,
Lenin e Gramsci. Porto Alegre: L&PM, 1996.
HALL, Stuart et al. Política e Ideologia: Gramsci. In: BIRMINGHAM; Universisty – Centre
for Contemporary Cultural Studies. On Ideology (Da ideologia). Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
HELD, David. A democracia, o Estado-nação e o sistema global. Lua Nova, n. 23, mar. 1991.
HIGGINS, Silvio Salej. Fundamentos teóricos do capital social. Chapecó: Argos Editora
Universitária, 2005.
HOBBES. De Cive: elementos filosóficos a respeito do cidadão. Rio de Janeiro: Vozes, 1993.
HYPPOLITE, Jean. Introdução à filosofia da história de Hegel. Rio de Janeiro: Editora Civi-
lização Brasileira, 1971.
214
TEORIA POLÍTICA
INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Uma análise dos indígenas com
base nos resultados da mostra dos censos demográficos. Disponível em: <http://
www.ibge.gov.br/>. Acesso em: jun. 2005.
JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Ibrasa, 1963.
LOT, Ferdinand. O fim do mundo antigo e o princípio da Idade Média. Trad. port. Lisboa:
Edições 70, 1980.
LÖWY, Michael. Ideologias e Ciências Sociais: elementos para uma análise marxista. São
Paulo: Cortez, 1998.
LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe: estudos de dialética marxista. Rio de Ja-
neiro: Elfos, 1989.
MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
215
TEORIA POLÍTICA
MANN, Michael. O Poder Autônomo do Estado: suas origens, mecanismos e resultados. In:
HALL, John (Org.). Os Estados na História. Rio de Janeiro: Imago, 1992.
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe: escritos políticos. São Paulo: Abril, 1983. (Os Pensadores).
MARENCO DOS SANTOS, André. Seminário de Porto Alegre sobre Reforma Política. In:
BENEVIDES, Maria Victória; VANNUCHI, Paulo; KERCHE, Fábio (Orgs.). Reforma políti-
ca e cidadania. São Paulo: Perseu Abramo, 2003.
MATOS, Patrícia. O reconhecimento, entre a justiça e a identidade. In: Lua Nova, São Pau-
lo, n. 63, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo>. Acesso em: 20 dez. 2006.
MENDONÇA, Eduardo Prado de. O mundo precisa de Filosofia. Rio de Janeiro: Agir, 1991.
MINOGUE, Kenneth. Política: uma brevíssima introdução. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
MOISÉS, José Álvaro. Cidadania, Confiança e Instituições Democráticas. Lua Nova, Revis-
ta de Cultura e Política, São Paulo, v. 65, p. 71-94, 2005.
MOSCA, Gaetano. História das doutrinas políticas: desde a Antiguidade. 3. ed. Rio de Ja-
neiro: Zahar; Universidade de Brasília, 1968.
216
TEORIA POLÍTICA
MOYERS, Bill; CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 2006.
NASCIMENTO, Milton Meira do. Rousseau: da servidão à liberdade. In: WEFFORT, Fran-
cisco (Org.). Os clássicos da política. 2. ed. São Paulo: Ática, 1991.
NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na Antiguidade Cristã. São Paulo: EPU,
1978.
OS PENSADORES. São Paulo: Nova Cultural, 1999. [Org. Bernardette Siqueira Abrão].
PASOLD, Cesar Luiz. Concepção para o Estado contemporâneo: síntese de uma proposta.
Revista Jurídica da Furb, p. 21-40, 2004.
PINSKY, Jaime. 100 textos de História Antiga. São Paulo: Contexto, 1984.
PINTO, Nelson Luiz Guedes Ferreira. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 1975.
PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil e outros estudos. São Paulo: Brasiliense,
1933, reed. 1993.
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1942,
reed. 1994.
217
TEORIA POLÍTICA
PRÉLOT, Marcel. A Ciência Política. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964.
PUTNAM, Robert. Making Democracy Work: Civic Traditions in Modern Italy. Princeton,
NJ, 1993.
QUEIROZ LIMA, Eusebio de. Teoria do Estado. Rio de Janeiro: Record, 1957.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. São Paulo: Paulus, 1990. 2 vol.
REDHEAD, Brian. O pensamento político de Platão à OTAN. Rio de Janeiro: Imago, 1989.
RIBEIRO, Renato Janine. Entrevista. In: CORDEIRO, L.; COUTO, J. G. (Orgs.). Quatro
ROVER, Oscar J.; SEIBEL, Erni J. O dilema da participação política na concepção de dife-
rentes instituições proponentes de uma política de agricultura familiar. XXII Encontro Anual
ROWE, Christopher. “Platão: a busca de uma forma ideal de Estado”. In: REDHEAD, Brian.
218
TEORIA POLÍTICA
SADEK, Maria Tereza. Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual de virtú. In:
WEFFORT, Francisco (Org.). Os clássicos da política. 2. ed. São Paulo: Ática, 1991.
SAES, Décio Azevedo Marques de. Cidadania e capitalismo: uma crítica à concepção libe-
ral de cidadania. In: Instituto de Estudos Avançados. USP, Caderno n. 8, 2000. (Série Especi-
al da Coleção Documentos).
SANTOS, Theotônio dos. Conceito de classes sociais. 5. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1991
SARTORI, Giovanni. Teoria democrática. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1965.
THOMAS, Henry. A história da raça humana, através da biografia. Porto Alegre: Globo,
1967.
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1962.
VERNANT, Jean-Piere. Mito e pensamento entre os gregos. São Paulo: Difusão Européia do
Livro; Editora da Universidade de São Paulo, 1973.
VIANNA, Francisco José de Oliveira. Evolução do povo brasileiro. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1956.
219
TEORIA POLÍTICA
VIANNA, Francisco José de Oliveira. Instituições políticas brasileiras. 2. ed. Belo Horizonte:
WEBER, Max. A Ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2004.
WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1999b.
WEFFORT, Francisco (Org.). Os clássicos da política. 2. ed. São Paulo: Ática, 1991.
220