A temática das meditações se dá no campo da epistemologia, pois tem como questão
o conhecimento. Descartes foi o primeiro filósofo da era moderna, e suas meditações foram publicadas pela primeira vez em 1641. Na época, a física estava se afirmando como ciência, e em 1633 Galileu Galilei foi condenado pela inquisição por afirmar que a terra gira ao redor do sol. Em 1634 Descartes deixa de publicar um tratado onde também defendia o heliocentrismo, e alguns anos depois publica as meditações, que hoje é uma das obras mais influentes do racionalismo clássico. A problemática das meditações diz respeito à negação de verdades que já existiam para buscar verdades fundamentadas em bases sólidas. Esse problema é relevante até hoje não só na filosofia, mas em todas as áreas do conhecimento, pois é de extrema importância olharmos para as verdades que nos são apresentadas de forma crítica, já que a dúvida é extremamente importante para o avanço da ciência. O objetivo de Descartes é apresentar um projeto fundacionista (que afirma que o conhecimento deve ter bases firmes) e mostrar os primeiros fundamentos deste projeto. Este é apresentado em suas meditações, que tem por objetivo jogar fora as verdades que tinha para buscar verdades fundamentadas em bases mais sólidas, usando do ceticismo metodológico (por mais que o filósofo em si não seja cético) para duvidar de algumas verdades em que já acreditava, buscando assim um fundamento inabalável do conhecimento. A primeira meditação é chamada Das coisas que se pode colocar em dúvida. Nela, Descartes apresenta três candidatos a fundamento do conhecimento, e mostra, por meio de argumentação, porque nenhum deles é capaz de nos mostrar a verdade, que para o filósofo, significa uma correspondência entre ideia e realidade. O primeiro candidato a fundamento inabalável do conhecimento são os dados dos sentidos, dado que tudo que se sabe até agora provém deles. Assim, se os dados dos sentidos forem a base de todo o nosso conhecimento, então eles nunca nos enganariam. Mas frequentemente nos enganamos em nossas percepções, então, os dados dos sentidos não podem ser o fundamento inabalável do conhecimento. O segundo candidato seria o próprio corpo, a certeza de estar presente neste momento. Mas no sonho representamos as coisas assim como elas são na realidade, assim, não podemos ter certeza de que estamos acordados ou não, logo, o próprio corpo, a certeza de se estar presente, não pode ser a base do nosso conhecimento. Como nos sonhos sempre pensamos as coisas como são na realidade, pois nunca conseguimos inventar algo novo, mas sempre algo que deriva de outro algo que já existe, concluímos que existem ideias mais básicas que servem de base para ideias mais gerais. A natureza e sua extensão (que significa a propriedade de ocupar lugar no espaço) são ideias mais gerais. Algumas ciências como a física e a astronomia, se dão a partir da natureza, portanto, são incertas e duvidosas. Mas, existe um conhecimento que é verdadeiro quando estamos sonhando ou quando estamos acordados, que não depende de sua existência na natureza, a saber, o conhecimento matemático, pois em qualquer situação dois mais três sempre serão cinco. Daí vem o terceiro candidato, que são as verdades matemáticas. Mas, se existisse um ou gênio maligno tão poderoso quanto Deus, mas que seja mal, este gênio poderia estar nos enganando e nos fazendo acreditar que, por exemplo, dois mais três são cinco, quando na verdade são quatro. Por mais que esta dúvida seja uma dúvida hiperbólica, e não natural como as outras dúvidas apresentadas, ela ainda é uma dúvida, e se existe a possibilidade para algo não ser verdadeiro, então, existe a possibilidade da dúvida. Assim encerra-se a primeira meditação. A segunda meditação chama-se “Da natureza do espírito humano e de que ele é mais fácil de conhecer do que o corpo”. Aqui é importante ressaltar que por espírito, entende-se mente. Dado a ideia do gênio maligno apresentada anteriormente, não podemos ter certeza de que as coisas materiais que ocupam espaço no mundo, como os corpos (não necessariamente os corpos humanos), as figuras, a extensão, o movimento e os lugares existem ou se preciso deles para existir, pois podemos estar sendo enganados. Mas, mesmo que não exista nada no mundo, nós existimos, pois fomos persuadidos. A proposição “eu sou, eu existo” é verdadeira toda vez que a anuncio. Logo, para sermos enganados, significa que precisamos existir, em outras palavras, se existe um sujeito que engana, deve existir alguém a ser enganado, esse alguém somos nós, daí, segue-se a primeira certeza de Descartes “eu sou, eu existo”. Mas ainda não temos certeza do que somos, quais podem ser os atributos que pertencem ao que somos. Se somos um corpo, e por corpo entende-se tudo que pode ocupar um lugar no espaço e que pode ser sentido pelos sentidos, então podemos conhecer a nós mesmos através dos sentidos, mas como não podemos, não somos um corpo. Se fossemos um corpo, deveríamos ter todos os seus atributos, como por exemplo, alimentar-se, sentir e pensar, mas desses, apenas o pensamento não nos pode ser desprendido, portanto, somos uma mente. Aqui, temos a segunda certeza, de que somos uma mente que pensa. Uma coisa que pensa é uma coisa que duvida, que concebe, que afirma, que nega, que deseja, imagina e sente. Temos a impressão de que os sentidos nos parecem mais fortes do que a mente, mas apesar disso, eles não são confiáveis. Assim, mesmo que os sentidos nos iludam, eles fazem parte da coisa pensante que somos. Dado que temos os sentidos, não sabemos se as coisas materiais existem, mas se existirem, como poderíamos conhecê-las? Aqui, Descartes apresenta o argumento do pedaço de cera. Existem algumas propriedades sensoriais associadas a esse pedaço de cera, como sua cor, grandeza e figura. Quando a cera é derretida, ela perde algumas dessas propriedades. Como concebemos que esse pedaço de cera derretido é o mesmo que antes não estava derretido? Certamente não é pelos sentidos, nem pela imaginação, pois esta é finita e não consegue abarcar a infinitude de possibilidades que essa cera poderia parecer depois de derretida. Assim, sei que a cera ainda é cera através do meu entendimento. A concepção de cera ocorre primeiro na mente, temos uma percepção dela antes de tudo. Quando vemos a cera derretida temos o primeiro acesso a uma ideia (que vem da alma) que representa um conceito de extensão de cera. Assim, temos que antes de qualquer experiência sensorial, temos antes acesso a ideia dos objetos em nossa mente, então, a acessamos em primeiro lugar, depois temos a experiência do objeto no mundo. Disso, segue-se que a terceira certeza é a de que não há nada que seja mais fácil de conhecer que nosso espírito (mente).