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Resumo da Segunda Meditação de Descartes

Jorge Luiz Domiciano

A obra do filósofo francês René Descartes (1596-1650) tem sido conhecida como uma
das mais relevantes para a fundamentação do pensamento moderno. Escrevendo sobre física,
geometria, metafísica, entre outros temas, o autor contribuiu para a Matemática moderna, para
o progresso da Revolução Científica e para o estabelecimento do Racionalismo na Filosofia
europeia. Na Filosofia, destaca-se suas Meditações sobre Filosofia Primeira, onde busca
encontrar uma base confiável para a edificação de qualquer conhecimento científico possível;
obra esta que ora apresentaremos.

Como o subtítulo desta obra menciona, a motivação deste trabalho foi demonstrar
cientificamente a existência de Deus e a distinção entre a alma e o corpo. O livro possui seis
meditações, sendo a primeira delas dedicada ao expediente da dúvida hiperbólica. Este
recurso é o que permite que o autor “purifique” o conhecimento, lançando dúvida sobre todo
conhecimento difuso, turvo ou incerto, até chegar àquele que pode ser conhecido
indubitavelmente, de forma clara e distinta. Para isso, o autor suspende o juízo acerca dos
conhecimentos provindos das sensações, devido ao fato de que elas podem enganar o sujeito
perceptivo; pois ele quer chegar nos conhecimentos que são acessados puramente pela
faculdade racional, e para isso ele toma a geometria como modelo, com seus axiomas e
teoremas.

Em sua investigação, Descartes distingue aquilo que é da ordem do corpo, daquilo que
é da ordem da mente, ou alma. Sendo esta a fonte do conhecimento claro e distinto, e aquele a
fonte de confusões e enganos. Em sua segunda meditação, esta distinção é apresentada, junto
com outras teses, que buscaremos apresentar a seguir.

A segunda meditação versa sobre a natureza da mente humana e apresenta algumas


das teses mais importantes da obra: primeiro, a do eu existo; a segunda, a de que eu sou coisa
pensante; e a terceira, de que a alma é mais simples que o corpo, e portanto, é distinta dele.
Tais afirmações vêm como respostas à dúvida hiperbólica lançada na primeira meditação,
onde o autor criou um exercício mental para colocar em dúvida todo o conhecimento a que
temos acesso. Descartes coloca a seguinte questão: imaginemos que toda a realidade que
conhecemos não é senão a invenção de um Gênio maligno, criada com o único intento de nos
enganar acerca de tudo que existe. A partir disso, tudo que conhecemos, aquilo que nos é
proveniente dos sentidos do corpo, da imaginação e até mesmo as verdades matemáticas não
são confiáveis; isto nos cria o desafio de procurarmos algum fundamento, que nos assegure da
verdade, que não tenha como fonte algo externo a nós, visto que tudo que nos é externo pode
ser uma invenção de um gênio maligno.

Eis que surge a primeira tese da segunda meditação, como uma resposta a este
problema: eu sou, eu, eu existo. O raciocínio de Descartes é o de que, se tudo que existe pode
ser posto em dúvida, o mesmo não pode ocorrer com o fato de que há algo, ou alguém, que
duvida. Dito de outra maneira, se o gênio maligno pode me fazer duvidar de tudo que existe,
ele não pode me fazer duvidar de que eu, que duvido, existo. E este é o primeiro fundamento
do conhecimento, para o autor, o de que eu existo.

Do eu existo, Descartes parte para um outro questionamento, que é justamente o de se


perguntar o que é que sou eu, que existo. Para isso, ele deixa de lado a ideia de ser um homem
e, portanto, um animal racional, pois isso geraria outros problemas. Ele quer saber o que o faz
ser o que se é, que não pode ser o fato de possuir membros, ter sentidos, sentir fome e sede,
visto que isso tudo são coisas que podem ser colocadas em dúvida pela hipótese do gênio.

Em sua investigação, o autor percebe em si uma “máquina de membros”, cuja


existência pode ser atestada em outros seres e também nos cadáveres, que é o corpo. Mas o
que dá ânimo a esse corpo, que o faz pensar, se alimentar, mover-se, etc., é o que ele chama
de alma. À diferença do corpo, que, segundo o autor, pode ser compreendido distintamente, a
alma se apresenta de forma sutil, difusa e pouco clara; no entanto, é por ação dela que o corpo
age, sente e pensa. Esta é uma distinção crucial no raciocínio cartesiano, a partir do qual, ele
estabelecerá sua filosofia, que é a distinção entre alma e corpo, ou entre mente e corpo.

Retornando à questão em torno do que define o eu que existe, Descartes agora


estabelece que ele é alma; de maneira que as sensações, por serem provenientes do corpo, não
podem ser o que define seu ser. Neste movimento, o autor passa a descartar o que é próprio ao
corpo até chegar à conclusão de que a alma é pensamento. Por consequência, em resposta ao
que eu sou?, a resposta encontrada é eu sou pensamento, por ser esta a única característica
que não pode ser de si separada.

Da afirmação do eu sou coisa pensante (res cogitans), Descartes apresenta algumas


consequências em relação ao conhecimento. Do fundamento eu sou, o autor começa a
reconstruir aquilo que antes havia suspendido, agora de maneira mais complexa. O primeiro
exemplo mencionado é o da imaginação: a imaginação diz respeito à imagem de algo externo,
de um corpo (e portanto, deveria ser excluída como fonte de conhecimento); no entanto, o ato
de imaginar remete a um ser que imagina, assim como sentir remete a um ser que sente. Nesse
sentido o autor busca mostrar que estas faculdades citadas, como outras faculdades relativas à
percepção de corpos, provêm, em realidade, do pensamento.

Diante da ideia de que a percepção dos corpos provém do pensamento, Descartes se vê


diante de um novo problema: que os conhecimentos provindos dos corpos, e acessados pelos
sentidos, são mais claros e distintos que aqueles provindos da alma. Ora, mas como isso pode
ocorrer, se aqueles conhecimentos são enganadores e incertos, e este, é sólido e verdadeiro?
Para responder a esta questão, Descartes recorre ao experimento da cera, em que ele busca
distinguir o que a define enquanto tal. Segundo sua observação, a cera, enquanto corpo,
modifica suas propriedades diante do fogo, alterando seu cheiro, textura e cor. No entanto, a
cera não deixa de ser cera neste processo, o que coloca em questão a validade do saber
proveniente das sensações do corpo – pois elas, a visão, o olfato, o tato, etc., percebiam um
corpo sólido, aromático e com determinada cor, em um momento, para em seguida
perceberem um corpo líquido, quente, inodoro e transparente.

O que nos faz apreendermos o conhecimento da cera enquanto tal, não é aquilo que
nossas propriedades sensíveis nos permitem perceber, mas sim aquilo que nossa mente dela
captura. É por meio do julgamento racional que a cera pode ser compreendida de maneira
clara e distinta, de modo que seu conhecimento se torna purificado daquilo que não era sua
essência, mas apenas seus acidentes (possuir certo cheiro ou textura, por exemplo).

No exemplo da cera, Descartes demonstrou que o conhecimento dos corpos se dá por


meio do intelecto, mas ainda restou a questão em torno do conhecimento da própria mente.
Para essa questão, o autor apresenta o seguinte raciocínio: se a mente consegue, por meios
diversos, apreender intelectualmente os corpos, então a si mesma, ela percebe ainda mais
claramente. Para se para entender o que é a cera, é necessário lançar mão de diversos recursos,
como a imaginação, o tato, o olfato, a visão, etc., mas para perceber a mente, basta que
qualquer um destes recursos seja mobilizado para que ela seja se apresente; pois toda
percepção, ainda que enganosa, diz respeito a uma mente que a percebe, e que portanto existe.
Com isso chega-se a última das teses que mencionamos no início do texto, a de que a mente é
mais clara e distintamente percebida do que o corpo e portanto é mais simples.

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