Você está na página 1de 2

Os Antecêdentes Filosóficos e: Científicos da Psicologia 59

Leibniz acreditava que Deus havia construído o corpo e a mente humana como dois relógios
paralelos, um paralelismo psicológico. Para ele, a mente era um agente ativo, e sua visão pode ser
descrita como uma "psicologia ativa" . Como veremos, sua posição veio a influenciar os teóricos
posteriores da psicologia do "ato" (Capítulo 6). A visão de Leibniz era a de um inatista confesso,
ou de alguém que acredita em idéias, tendências e disposições inatas. Encontramos o inatismo
anteriormente nas filosofias de Platão, Sócrates e Descartes, e o encontraremos novamente nas
psicologias de Francis Galton e Granville Stanley Hall (Capítulo 9) e Lewis Terman (Capítulo 11).

O ASSOCIACIONISMO DO SÉCULO XVlll

As idéias de David Hume e David Hartley podem ser consideradas uma transição entre as dos
empiristas britânicos e as dos asS-Ociacionistas /Jritânicos. Enquanto os primeiros empiristas analisa-
ram a mente en1 partes componentes, Hume e Hartley iniciaram a pesquisa das leis que descre-
veriam como essas partes se conectam e se fundem em asS-Ociações.

David Hume (1711- 1776)


David Hume nasceu na Escócia e foi educado na University of Edinburgo. Como aluno, ele tinlla
interesse na ciência da vida mental, chamada na época filoS-Ofia pne11mática, ou seja, filosofia pre-
ocupada com as expressões da força vital que os gregos chamavam pneuma. Na filosofia pneu-
mática, os seres humanos são considerados parte do mundo da natureza e, portanto, devem ser
estudados pelos métodos da ciência natural. A filosofia pneumática abrange um estudo da vida
mental e uma tentativa para estabelecer os princípios subjacentes às operações mentais. As duas
obras mais importantes de Hume para a psicologia foram A Treatise of H11ma11 Nat11re (Um Tratado
sobre a Natureza Humana] (1739) e An Enquiry Concer11ing Human Understanding [Investigação
Sobre o Entendimento Humano] (1748). Esses livros tiveram pouco sucesso; eles não foram bas-
tante populares para satisfazer a Hume, que tinlla uma forte autocrítica, ou para garantir-lhe uma
posição acadêmica. Por duas vezes, ele tentou obter uma cadeira de filosofia pneumática. Então,
voltou-se para a política e para a diplomacia, mantendo várias posições que culminaram em sua
indicação como subsecretário de Estado. Em 1716, Hume publicou uma History of England [Histó-
ria da Inglaterra], obra que foi um sucesso e tomou-o famoso - embora, é claro, não um filósofo.
No Tratado, Hume fez uma distinção entre inlpressões e idéias. Ele considerou esses dois con-
teúdos mentais como diferentes no grau de força ou vivacidade com que se impõem à mente. As
idéias, para Hume, são cópias fracas de impressões, muitas das quais advêm das sensações. Ter
sensações é quase tudo. Para Hume, senso ergo sum (tenllo sensações, portanto existo). Segundo
ele, há uma conexão causal entre as impressões e as idéias; quando elas ocorrem juntas, acabam
associando-se, e a idéia acaba parecendo-se com a in1pressão. Hume afirmou que as idéias sim-
ples combinam-se na mente para formar idéias complexas conforme três leis ou princípios de
associação: semelhança, contigüidade no tempo ou no espaço, e relações de causa e efeito.18
Na introdução da Investigação, Hume defendeu uma nova ciência da natureza humana, se-
parada da fi losofia. Como os seres humanos fazem parte do mundo da natureza e devem ser
estudados utilizando-se os métodos da ciência natural, os sistemas de ética, o comportamento
político, a crítica e a razão e o comportamento moral devem ser todos descritos e explicados.
Todos esses foram considerados por Hume produtos naturais dos processos mentais e, portanto,
abertos ao estudo científico. O ensaio de Hume teve pouco impacto em seus colegas, mas suas

18 O oomple:xo de Hume, intrincada te:oria da causalidade, é freqüentemente considerado s ua mais importante contribuição
à filosofia. A. J. Ayers, e:m Hume (Capítulo 4), oforea:? um claro esboço da pe:rspe:ctiva de Hume: a respeito da causação.
60 Capítulo 2

sugestões para uma nova ciência da natureza humana prepararam o caminho para que Wundt
criasse uma ciência da mente mais de cem anos depois.

David Hartley (1705-1757)


A obra mais importante de David Hartley para a psicologia foi Observntio11s on Ma11 [Observações
Sobre o Homem, Sua Constituição, Seu Dever e Suas Expectativas] (1749) . Ha rtley foi treinado
para ser min istro da Igreja da Escócia, mas, quando percebeu que era incapaz de aceitar deter-
minadas doutrinas teológicas, voltou-se para a medicina. Como era de se esperar de um médico,
suas orientações eram, de longe, as mais fisiológicas entre os associacionistas britânicos. Hartley
d izia que tanto a mente como o corpo deviam ser estudados porque ambos estão biologicamente
relacionados. Ele especificamen te localizou faculdades mentais no cérebro, enfatizando que
a perfeição de nossas faculdades mentais depende da perfeição dessa substância (a Substância do
Cérebro medula r branca); que todos os danos causados a ele afeta m proporcionalmente as séries
de idéias; e que estas não podem ser restauradas se não volta m ao seu rumo natural antes que
esses danos sejam reparados. Veneno, álcool, ópio, feb re, golpes no cérebro etc., tudo isso clara-
mente afeta a mente, desord enando, em primeiro lugar, a substância medular. E as evacuações,
o descanso, os remédios, o tempo etc., claramente restauram a mente para que e la volte ao seu
estado anterior, revertendo os passos precedentes. (Hartley, 1749 /1912, p. 317)

Algumas das observações de Hartley foram admiravelmente exatas. Ele descreveu pós-ima-
gens, tan to para os estímulos visuais como para os aud itivos: a impressão de uma vela que conti-
nua depois que a chama se apaga, a impressão de uma nota que continua depois que a corda do
instrumento não é mais puxada. Por que retemos essas pós-imagens? Hartley diz que os objetos
do mundo externo atuam nos nossos órgãos dos sentidos, fazendo que par tículas medulares in-
fin itamente pequenas vibrem nos nervos e depois no cérebro. Essas vibrações continuam por
breves instan tes depois que o estímulo não está mais presente; daí, a pós-imagem. No cérebro, as
vibrações e idéias se associam quando ocorrem simultaneamente um número de vezes suficiente.
Em sua Propositio11 XI [Proposta XI), Har tley descreveu esse processo de reverberação:
Quaisquer vibrações, A, B, C etc., ao serem associadas umas com as outras um Número de Vezes
suficiente, têm tanto poder em relação a a, b, c, as Vibrações correspondentes em miniatura, que
quaisquer das vibrações A, quando impressas independentemente, devem ser capazes de excitar,
na Mente, b, c etc., as Miniaturas do resto. (Hartley, 1749/1912, p. 325)

Para Hartley, essas nssocinções eram básicas a todas as idéias, opiniões e afeições. A marca de
Hartley no associacionismo tem uma base biológica não encontrada nas teorias dos seus prede-
cessores ou nas idéias dos associacionistas que o seguiram. Ele se baseou em suas experiências
clínicas como méd ico e biólogo; essas experiências não estavam disponíveis para outros filósofos
na época. A obra de Hartley antecipou um ramo da psicologia que não foi esta belecido por mais
de cem anos - a psicologia fisiológica.

loA~_~OC[ACIONI~ MO DO SÉCULO XIX


Houve três importantes associacionistas no século XIX: James Mill, seu filho - John Stuart Mil!, e
Alexander Bain. Seus amplos in teresses incluíam muitos dos tópicos q ue posteriormente acaba-
ram formando parte do campo da psicologia. Esses três homens se preocuparan1 com os proble-
mas sociais e a reforma social. Os Mil!, em particular, eram ativistas liberais que influencia ram a
política doméstica e colonial da Inglaterra por meio de seus livros, revistas e periódicos.

Você também pode gostar