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INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA PSICOLOGIA

1.1 A Psicologia dos filósofos

A Psicologia não surgiu diretamente como uma ciência. Ela começou como um ramo da
filosofia e continuou por cerca de 2000 anos antes de emergir como uma ciência.

Os conhecimentos da Psicologia resultaram da curiosidade dos cosmólogos para entender


sobre as experiências místicas e atividades de pessoas e eventos. Estes incluem as suas experiências
na vida, sonhos, vida materialista, os impulsos que têm e peculiaridades no comportamento das
pessoas em diferentes situações.

O termo psicologia foi encontrado pela primeira vez em livros filosóficos do século 16. Foi
formada de duas palavras gregas: ‘psique’ (alma) e “logos” (Doutrina). Por alma, entende-se o
princípio subjacente de todos os fenômenos da vida mental e espiritual.

As ideias modernas sobre mente e seu funcionamento foram derivadas da filosofia grega. Uma
das primeiras pedras na base da psicologia como ciência foi colocada pelo médico do grego clássico
Alcmeão de Crotona no século 6 aC, que propõe que, a “vida mental é uma função do cérebro”. Esta
ideia fornece uma base para entender a psique humana até hoje. Os outros filósofos gregos notáveis
são Hipócrates (460-370 aC), Sócrates (469-399 aC), Platão (428 / 7-348 aC) e Aristóteles (384-322
aC).

Hipócrates, conhecido como o pai da medicina, classifica as pessoas em 4 tipos com base nos
humores corporais, fleumático (fleuma), sanguíneo (sangue), melancólico (bile negra), colérico (bile
amarela) e fleumático (catarro). Sócrates reconhecia a mente também, além da alma.

Ele tinha analisado as atividades da mente na forma de pensamento, imaginação, memória e


sonhos. Além disso, seus alunos Platão e Aristóteles reforçaram e continuaram a ideia de Sócrates.
No entanto, eles não têm muita crença na existência da alma. Então, eles enfatizaram a capacidade de
raciocínio do homem e chamaram o ser humano de animal racional.

Platão estava mais interessado em saber o papel da mente no controle do comportamento


humano. Ele foi o progenitor do dualismo em psicologia.

Ele considerava materiais e substâncias espirituais, o corpo e a mente como dois princípios
independentes e antagônicos, mas ele não poderia esclarecer sua dúvida de forma satisfatória.
Dualismo de Platão foi largamente superado por seu aluno Aristóteles, que reuniu pensamento
psicológico com os estudos naturais e restaurou a sua estreita ligação com a biologia e medicina. Ele
transmitiu a ideia da inseparabilidade da alma e do corpo vivo.

Quando surgiu a psicologia como ciência e quem foi seu fundador?


Ele levantou a hipótese de que a mente é o resultado das atividades psicológicas e disse que é
necessário entender os processos psicológicos, incluindo as atividades dos órgãos dos sentidos que
ajudam o indivíduo a experimentar seu ambiente.

Esta suposição era acessível para verificação por causa de sua base científica. É verdade que o cérebro
controla nossas experiências e comportamentos conscientes. Então veio um filósofo francês chamado
René Descartes (1596-1650), que postulou a existência da alma como uma entidade separada que é
independente do corpo.
Ele disse que o nosso corpo é como um motor de automóvel que vai continuar o seu trabalho sem a
supervisão da alma e, portanto, o corpo e a alma são separados. Ele declarou que o homem tem uma
natureza dupla: mental e física. Desta forma esclarecia a dúvida levantada por Platão.

Ele afirmou que o processo de duvidar é a prova de existência da alma. (Cogito ergo sum – penso,
logo existo). Em outras palavras, a alma deve existir em mim, porque eu posso pensar, e pensar é a
principal função da alma.

Gradualmente à medida que a perspectiva científica foi desenvolvida, filosofia começou a perder sua
proeminência, assim também a alma. Em seguida, a psicologia foi definida como “o estudo da mente’.
A palavra mente era menos misteriosa e vaga do que a alma e, portanto, esta definição foi continuada
por algum tempo

Que evento foi considerado como marco para o reconhecimento da psicologia como ciência?
Psicologia surgiu como uma disciplina científica pelo estabelecimento do primeiro
Instituto de Psicologia em 1879, em Leipzig, na Alemanha, por Wilhelm Wundt (1832-1920). É
aqui que os primeiros psicólogos profissionais adquiriram as competências de trabalho experimental
para estudar a mente. Wundt centrou suas experiências nas experiências conscientes e ele substituiu
o conceito de espírito por consciência. Ele adotou o método de “Introspecção“.

Decorrido tempo, o desenvolvimento da Psicologia como uma ciência independente tem


ímpeto. Os psicólogos começaram rejeitando os diferentes métodos e abordagens baseadas em
especulações e tentaram fornecer base científica para o assunto.

Esses esforços resultaram no surgimento de diferentes escolas de pensamento como


o estruturalismo, o funcionalismo, Behaviorismo, gestaltismo, Psicanálise, Escola humanista, etc. A
formulação destas escolas tem levado a várias abordagens para entender o comportamento em suas
próprias maneiras.

Uma breve análise das abordagens da Psicologia:


Estruturalismo:

Esta escola centrou a sua atenção para estudar as experiências conscientes, estrutura do
cérebro e sistema nervoso que são responsáveis por tais experiências.

O destaque entre os estruturalistas foi EB Titchener (1867-1927) um psicólogo britânico que


considerava psicologia como ciência da Consciência. Estruturalismo tentou analisar os três
elementos básicos da consciência: sensações, sentimentos e imagens e, desta forma fez um estudo
sistemático da mente, analisando sua estrutura e, portanto, foi nomeado como estruturalismo.

Funcionalismo:

Funcionalismo foi iniciado por William James (1842-1910), o pai da psicologia americana. Os
outros psicólogos importantes que pertenciam a esta escola foram John Dewey, James Angell, etc.
Funcionalistas defendiam o funcionamento da mente como um aspecto importante.

Segundo eles a mente vai sempre ajudar a pessoa a se adaptar a seu meio ambiente. Eles foram
influenciados pela teoria da evolução e biologia de Darwin.

Behaviorismo:
Esta escola de pensamento foi iniciada por JB Watson (1878-1958). Os outros psicólogos
notáveis incluem Thorndike, Pavlov, Skinner, Tolman, Hull, etc.
Watson definiu a psicologia como ciência do comportamento do organismo. Ele concentrou
sua atenção no estudo do comportamento observável e rejeitou as forças internas invisíveis da mente.
Watson rejeitou o método de introspecção como não confiável e não-científico e defendeu o método
de observação e verificação. Behaviorismo enfatizou os reflexos condicionados como elementos de
comportamento.
De acordo com Watson reflexos condicionados são respostas aprendidas aos estímulos. Ele
enfatizou a necessidade de observação com objetivo de estudar o comportamento humano e animal.
Até o surgimento desta escola, psicólogos se concentravam apenas no estudo do comportamento
humano e não havia espaço para estudo do comportamento animal. Watson salientou o papel do
ambiente e estímulos na formação do comportamento. Ele declarou que poderia fazer qualquer coisa
de uma criança – um mendigo, advogado, cientista ou criminoso.
Psicologia da Gestalt:
Esta escola de pensamento foi criada no ano de 1912 por três psicólogos alemães: Max
Wertheimer (1880-1941) e seus colegas Kurt Koffka (1886-1941) e Wolfgang Kohler (1887- 1967).
O termo Gestalt significa “Forma” ou “Configuração”. Esses psicólogos fizeram oposição a
abordagem atomística ou molecular para estudar o comportamento. Eles disseram que a mente não
é composta de elementos e, portanto, pode ser entendida melhor apenas se estudá-la como um todo.
O princípio fundamental da escola Gestalt é “o todo é melhor do que a soma total de suas
partes“. De acordo com ela, o indivíduo percebe uma coisa como um todo e não como um mero
conjunto de elementos. Da mesma forma a sensação ou percepção será experimentada como um todo.
Por exemplo, quando olhamos para uma mesa de madeira, não vamos enxergá-la como um conjunto
de peças diferentes, mas como um todo, só então percebemos como um objeto significativo.
Como resultado, o comportamento humano é caracterizado como um comportamento
inteligente, em vez de um mecanismo de estímulos e resposta simples. Desta forma, a psicologia da
Gestalt se opôs fortemente os pontos de vista das outras escolas.
Psicanálise:
Psicologia foi concentrando-se principalmente sobre a psique humana normal, até a chegada
de Sigmund Freud (1856-1939), que fundou a Escola de Psicanálise. Esta teoria surgiu a partir da
história clínica dos doentes mentais.
Freud desenvolveu sua teoria baseada na motivação inconsciente. Ele inclui diferentes
conceitos como comportamento consciente, subconsciente e inconsciente, estrutura da psique, a
repressão, a catarse, o desenvolvimento psicossexual da criança, libido, análise de sonhos, etc., que
ajudam a analisar o comportamento humano integral, especialmente do ponto de vista do
entendimento do comportamento anormal.
Com a opinião de que, Freud deu excessiva importância ao sexo, dois de seus seguidores se
separaram e estabeleceram sua própria escola de pensamento. Alfred Adler (1870-1937) começou a
“psicologia individual”, na qual ele colocou poder como motivo no lugar do sexo de Freud e Carl
Gustav Jung (1875-1961) começou a “Psicologia Analítica ‘, que enfatiza o desenvolvimento da
personalidade individual do”Inconsciente Coletivo“.
Alguns outros psicólogos influenciados por Freud que eram conhecidos como Neo freudianos
também contribuíram muito para a psicologia moderna. Algumas das figuras notáveis são Anna Freud
(a filha de Freud), Karen Horney, Sullivan, Eric Fromm, Erik Erickson, etc.
Psicologia Humanista:
Esta escola de pensamento foi desenvolvida por psicólogos como Abraham Maslow, Carl
Rogers, Rollo May, Gorden Allport, etc. A psicologia humanista dá mais valor ao ser humano.
Humanistas acreditavam que o comportamento é controlado pela nossa própria vontade e não pelo
inconsciente ou pelo ambiente.
Eles estavam mais interessados em resolver o problema humano do que em experimentos de
laboratório. Humanistas esperam que cada pessoa alcance seu pleno potencial e alcance a auto-
realização.
Como foi dito no início, a história da psicologia é muito curta. Mas dentro desta curta duração
de cerca de 150 anos, muitos psicólogos contribuíram com o seu conhecimento para fazer psicologia
uma ciência.
Fonte: Psychology Discussion
1.2 Definição
Psicologia é a ciência da alma, ou da psique, ou da mente, ou do comportamento. Refere-se,
na verdade, a um conjunto de funções que se distinguem em três grandes vias: a via ativa
(movimentos, instintos, hábitos, vontade, liberdade, tendências, e inconsciente); a via afetiva (prazer
e dor, emoção, sentimento, paixão, amor); e a via intelectiva (sensação, percepção, imaginação,
memória, ideias, associação de ideias). Estas três vias articulam-se em grandes sínteses mentais, tais
como: atenção, linguagem e pensamento, inteligência, julgamento, raciocínio e personalidade
(Meynard, 1958). Estas funções também são conhecidas como cognitivas, afetivas e conativas. As
cognições são as capacidades do intelecto, as afeições são os sentimentos e emoções, e a conação
refere-se as nossas atividades, que são as respostas expressivas ou comportamentais. A conação como
uma expressão de si para o outro traz sempre implicações, sejam boas ou más (Tabela 1).

Tabela 1
Manifestações Psicológicas

Via Ativa Via Afetiva Via Cognitiva


Movimentos Prazer Sensação
Instintos Dor Percepção
Hábitos Emoção Imaginação
Vontade Sentimento Memória
Liberdade Paixão Idéias
Tendências Amor
Inconsciente Ódio
Grandes Sínteses
Atenção
Consciência
Linguagem
Pensamento
Inteligência
Julgamento
Raciocínio
Personalidade
Sabemos que a nossa história de vida caracteriza-se por um longo desenvolvimento físico e
mental. Este desenvolvimento pode encontrar, em sua trajetória, fatores favoráveis e desfavoráveis.
Ele recebe influências dos grupos sociais que nos envolvem em diferentes camadas e de diferentes
modos. O desenvolvimento psicológico consiste na formação gradativa de sínteses mentais. Estas
sínteses expressam-se no nosso modo de ser e de agir que juntamente com nossas características
herdadas constituem a personalidade. Pode-se dizer, então, que o estudo da psicologia organiza-se:
no interesse do conhecimento das funções psicológicas básicas em suas três vias; no interesse de saber
como estas funções se desenvolvem; no interesse de saber o que é facilitador ou impeditivo deste
desenvolvimento (Seriam ambientais? Seriam neurofisiológicos? Seriam restrito a área dos afetos?
Seriam problemas na formação de hábitos? Seriam existenciais? Seriam comportamentais? Seriam
cognitivos? Seriam socioeconômicos? Seriam ecológicos?); no interesse de saber como propor
tratamentos para os fatores impeditivos do desenvolvimento em todas as fases da nossa vida (pré-
natal, infância, adolescência, adulto jovem, adulto, envelhecimento e morte). A psicologia interessa-
se ainda pelo ambiente em que vivemos, pelo arquitetura de nossa casa, pela organização da nossa
cidade (vida comunitária, trânsito, ruídos, violência), por nosso desempenho na escola, pelo modo
como os professores desenvolvem suas tarefas, pela nossa escolha profissional, pelo nosso
relacionamento com a família e com os amigos, pela nossa adaptação e satisfação profissional, pela
escolha de nossos parceiros afetivos (namoro, casamento, divórcio, relacionamento com os filhos) e
pelos nossos desapontamentos e frustrações. O melhor modo de obter este conhecimento e de
transformá-lo em ferramentas de atuação profissional é motivo de muita polêmica e inspiração para
uma grande proliferação de teorias. Em outras palavras, ainda temos muito o que aprender sobre a
complexidade deste homo sapiens sapiens.
O campo da psicologia é muito vasto. Inclui atividades consagradas como a psicologia
clínica, escolar, atividades em pesquisas básicas como o estudo dos processos psiconeurológicos e
memória, e um enorme conjunto de possibilidades aplicadas e de pesquisa que inclui matemática,
física, informática, engenharia, enfermagem, trânsito, ecologia, psicofísica, genética, administração,
comunidade, sociologia, antropologia, educação e marketing. Um estudante de psicologia que é
naturalmente curioso, que gosta de desafios e que consegue antever os rumos do desenvolvimento
social e econômico terá um papel destacado na profissão e muito sucesso. Na verdade, a psicologia
é uma ciência aplicada mas também uma ciência básica de grande importância para qualquer campo
de conhecimento. Uma maneira de entender o vasto campo da psicologia é distinguir suas duas
grandes tradições. De um lado, o interesse em saber o que é o nosso intelecto, isto é, a nossa
capacidade de conhecer (via cognitiva). Do outro, o interesse em saber como e porque somos
diferentes uns dos outros e respondemos de modos diferentes as influências ambientais (via afetiva e
conativa). Por exemplo, por que de uma mesma família sai um filho altruísta e dedicado às soluções
dos grandes problemas da humanidade e um outro delinquente e criminoso? Por que uma criança vai
para a escola e aprende as lições com a maior facilidade e uma outra apresenta uma grande dificuldade
no seu aprendizado?
A psicologia que conhecemos hoje é o resultado da confluência de preocupações e métodos
oriundos da filosofia e da fisiologia. Todas as funções psicológicas decorrem de processos orgânicos.
Avanços nos campos da genética, neurofisiologia e bioquímica trouxeram importantes
esclarecimentos sobre processos psicológicos básicos como, por exemplo, hereditariedade,
agressividade, depressão e ansiedade. Por outro lado, o modo como formulamos perguntas,
encaminhamos modos de resposta e organizamos nosso conhecimento é muito influenciado por toda
a história da filosofia.
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Psicologia jurídica:
história, ramificações e
áreas de atuação
Liene Martha Leal

Resumo
A Psicologia Jurídica é um dos ramos da Psicologia que mais
cresceram nos últimos anos e o presente artigo faz um levantamento
histórico dessa relação entre a Psicologia e a justiça desde o início
do século XIX, quando os médicos foram chamados pelos juízes da
época para desvendarem o ‘‘enigma’’ que certos crimes apresentavam;

nascimento da Criminologia, em 1875; e inalizando com a introdução


passando pelo surgimento da Psicologia Criminal, em 1868; pelo

apresenta as deinições de Psicologia Jurídica, Psicologia Forense,


do termo Psicologia Jurídica por Mira Y Lopez em 1950. Em seguida,

Psicologia Criminal e Psicologia Judiciária e as áreas de atuação da


Psicologia Jurídica.

Palavras-chave:
Psicologia Jurídica; Psicologia Forense; Psicologia Criminal.

Abstract
The Juridical Psychology is one of the branches of the psychology
that more they grew in the last years and the present article makes
a historical rising of that relationship between the psychology and the
justice since the beginning of the century XIX, when the doctors were
called by the judges of the time for they unmask ‘’mystery’’ that certain
crimes presented; going by the appearance of the Criminal Psychology,
in 1868; for the birth of the Criminology, in 1875; and concluding with

1950. Soon after, it presents the deinitions of Juridical Psychology,


the introduction of the term Juridical Psychology for Mira Y Lopez in

Forensic Psychology, Criminal Psychology and Judiciary Psychology and


the areas of performance of the Juridical Psychology.
Key-words: Juridical Psychology; Forensic Psychology; Criminal
Psychology.

Diversa :: Ano I - nº 2 :: pp. 171-185 :: jul./dez. 2008


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A RELAÇÃO ENTRE A PSICOLOGIA E A JUSTIÇA:


UMA VISÃO HISTÓRICA
o início do século XIX, na França, os médicos foram

N chamados pelos juízes da época para desvendarem

ações criminosas sem razão aparente e que, também “não partiam


o ‘‘enigma’’ que certos crimes apresentavam. Eram

de indivíduos que se encaixavam nos quadros clássicos da loucura”

clamaram pelas considerações médicas não eram motivados por


(CARRARA, 1998, p.70). Segundo Carrara (1998), estes crimes que

lucros inanceiros ou paixões, pareciam possuir uma outra estrutura,

que se imagina que estejam enraizados na própria “natureza


pois diziam respeito à subversão escandalosa de valores tão básicos

humana”, como o amor ilial, o amor materno, ou a piedade frente à

as primeiras incursões dos alienistas franceses para fora dos asilos


dor e ao sofrimento humano. Conforme Castel (1978), estas foram

de alienados. Mas, e a Psicologia, que lugar viria ocupar nesta


relação entre a criminalidade e a justiça?
De acordo com Bonger (1943), a Psicologia só viria
aparecer no cenário das ciências que auxiliam a justiça em 1868,
com a publicação do livro Psychologie Naturelle, do médico francês
Prosper Despine, que apresenta estudos de casos dos grandes

obteve seu material de estudo das detalhadas informações contidas


criminosos (somente delinqüentes graves) daquela época. Ele

na La Gazette des Tribunaux e de outras publicações análogas.


Despine dividiu o material em grupos de acordo com os motivos
que desencadearam os crimes e, logo em seguida, investigou as

grupos. Concluiu ao inal que o delinqüente, com exceção de poucos


particularidades psicológicas de cada um dos membros dos vários

casos, não apresenta enfermidade física e nem mental. Segundo


ele, as anomalias apresentadas pelos delinqüentes situam-se em
suas tendências e seu comportamento moral e não afetam sua

enormemente superior em outros). Conforme suas observações, o


capacidade intelectual (que poderá ser inferior em alguns casos e

delinqüente age com freqüência motivado por tendências nocivas,


como o ódio, a vingança, a avareza, a aversão ao trabalho, entre

Na opinião de Despine, o delinqüente possui uma deiciência


outras.

ou carece em absoluto de verdadeiro interesse por si mesmo, de


simpatia para com seus semelhantes, de consciência moral e de
sentimento de dever. Não é prudente, nem simpático e nem é capaz
de arrependimento. O próprio Despine considera que sua obra

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era somente uma iniciativa e incitou as demais pessoas para que
prossigam nesta mesma linha de investigação. Despine passou então
a ser considerado o fundador da Psicologia Criminal - denominação
dada naquela época às práticas psicológicas voltadas para o estudo
dos aspectos psicológicos do criminoso.
Em 1875, a criminologia surge no cenário das ciências

entre o crime e o criminoso, tendo como campo de pesquisa “as


humanas como o saber que viria dar conta do estudo da relação

causas (fatores determinantes) da criminalidade, bem como a


personalidade e a conduta do delinqüente e a maneira de ressocializá-
lo” (OLIVEIRA, 1992, p. 31). A criminologia:

Em sua tentativa para chegar ao diagnóstico etiológico


do crime, e, assim, compreender e interpretar as
causas da criminalidade, os mecanismos do crime
e os móveis do ato criminal, conclui que tudo se
resumia em um problema especial de conduta, que é a
expressão imediata e direta da personalidade. Assim,
antes do crime, é o criminoso o ponto fundamental da
Criminologia contemporânea (MACEDO, 1977, P. 16).

Neste momento a Psicologia Criminal passa a ocupar uma


posição de maior destaque como uma ciência que viria contribuir

Para García-Pablos de Molina (2002, p. 253), “corresponde à


para a compreensão da conduta e da personalidade do criminoso.

Psicologia o estudo da estrutura, gênese e desenvolvimento da


conduta criminal”.

apenas “do criminoso, mas também, do Juiz, do advogado, do


O crime passa a ser visto como um problema que não é

psiquiatra, do psicólogo e do sociólogo” (DOURADO, 1965, p.7). Na


visão de Dourado (1965, P. 7), atualmente:

conhecimentos cientíicos da Psicologia, no sentido de


Não se concebe, no processo penal, que se omitam os

se obter maior perfeição no julgamento de cada caso


em particular. (...) Para se compreender o delinqüente,
mister se faz que se conheçam as forças psicológicas
que o levaram ao crime. Esta compreensão só se
pode obter examinando-se os aspectos psicológico-
psiquiátricos do criminoso e de seu crime.

p.27) destaca que “o que deve prevalecer no estudo criminológico


Seguindo esta mesma linha de raciocínio, Segre (1996,

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é a tentativa de esclarecimento do ato humano anti-social, visando
à sua prevenção e, tanto quanto possível, a evitar a sua reiteração
(terapêutica criminal)”.

importante para todos os proissionais de Direito Penal. Para a


De acordo com Bonger (1943), a Psicologia Criminal é

polícia é útil saber quais são os tipos psicológicos mais suscetíveis ao


cometimento de determinado tipo de delito. Também é importante
que os promotores e juizes conheçam o grau de perigo para a

im de ixarem as penas e demais medidas corretivas. Por último,


segurança pública que é inerente a certos tipos de delinqüentes, a

o conhecimento da Psicologia Criminal é de utilidade especial para


todas aquelas pessoas que trabalham em presídios e manicômios.
Na opinião de Bonger (1943), encontramos entre os

tipologia psicológica especíica do delinqüente. Para ele, o que


delinqüentes todos os tipos humanos possíveis, não existe uma

diferencia o delinqüente das demais pessoas é uma deiciência moral


associada a uma exagerada tendência materialista.
Bonger (1943), ao descrever o surgimento da psicologia
criminal, cita alguns autores anteriores a Despine que, segundo ele,

na França, em 1734; Richer, na França, em 1772; Schaumann, na


fazem parte da pré-história da psicologia criminal, como Pitaval,

Alemanha, em 1792; Feuerbach, na Alemanha, em 1808; Lauvergne,


na França, em 1841; Häring e Hitizig, na Alemanha, em 1842 e
Avé-Lallemant, na Alemanha, em 1858. Na sua opinião, apesar de
apresentarem uma preocupação em descrever aspectos psicológicos
dos delitos e dos delinqüentes, estes autores pecaram por não haver
um rigor metodológico na escolha dos casos e nem uma preocupação
em construir uma teoria sobre os dados encontrados.

criminal, Bonger (1943) conseguiu fazer uma pesquisa bibliográica


Com relação à história propriamente dita da psicologia

bastante expressiva, envolvendo autores de diversos países, como


Lombroso, na Itália, em 1876; Marro, na Itália, em 1887; Kurella,

em 1904 e Laurent, na França, em 1908.


Baer e Gross, na Alemanha, em 1893; Aschaffenburg, na Alemanha,

Lombroso, psiquiatra, pai da criminologia e criador da


antropologia criminal (ciência que estuda a relação entre as

ocupou da Psicologia do delinqüente. Apesar de supericialmente,


características físicas do indivíduo e a criminalidade), também se

ele cita um ou dois exemplos e discute os mais diversos temas, tais


como a gíria dos delinqüentes, tatuagem e religiosidade. Para ele, o
delinqüente é insensível, valente (e às vezes, covarde), inconstante,
presunçoso, cruel e se caracteriza por uma tendência a entregar-se
à bebida, ao jogo e às mulheres. Já para Marro, o delinqüente se

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reletir e de impressionar as pessoas.


caracteriza principalmente por um defeito em sua capacidade de

O alemão Kurella, biógrafo de Lombroso, publicou um


estudo bastante extenso sobre Psicologia Criminal onde menciona
os seguintes traços como sendo característicos dos delinqüentes:
parasitismo, tendência a mentir, falta de sentimento de honra, falta

Baer, ao analisar o comportamento do delinqüente, fez signiicativas


de piedade, crueldade, presunção e veemente ânsia de prazeres.

observações sobre a importância da inluência que o meio ambiente


exerce sobre as tendências psíquicas de uma pessoa. Segundo
ele, o delinqüente representa um caso extremo das características
psíquicas que mais abundam na classe social de onde ele procede.
Gross trata em seus dois livros da Psicologia Criminal
aplicada, ou seja, dos fatores psíquicos que podem tomar parte
na investigação e no julgamento dos delitos. Seu grande mérito
consiste em ser o primeiro a produzir uma crítica da prova e do

uma ramiicação da Psicologia Criminal. Laurent, como médico de


testemunho, na qual haveria de desenvolver-se mais tarde como

prisioneiros, teve grandes e variadas oportunidades para estudar a


personalidade do delinqüente. Segundo sua opinião, o delinqüente é
um indivíduo de inteligência inferior à média, descuidado, de pouca

A partir do inal do século XIX, a Psicologia Criminal começou


simpatia, preguiçoso, presunçoso e pobre de vontade.

a ser dona do seu próprio destino. Suas investigações realizaram-


se com mais freqüência e como um maior rigor metodológico. A
Alemanha foi o país que mais se destacou. Gross fundou o Archiv für
Kriminalantropologie und Kriminalistik, abreviadamente conhecido
como Gross’Archiv. Com mais de noventa volumes, é considerado
um autêntico tesouro para a criminologia e, em muitos aspectos,
para a Psicologia Criminal. Aschaffenburg, seguido o exemplo de
Gross, em 1904, publicou uma revista que contém igualmente
uma grande quantidade de material de interesse para a Psicologia
Criminal, assim como estudos de casos separados.
Em 1950, Mira Y Lopez utiliza o termo Psicologia Jurídica ao
publicar o Manual de Psicologia Jurídica. Ao longo dos seus dezesseis
capítulos o autor procura discutir o papel da Psicologia no campo do

que auxiliem os juristas em suas decisões.


Direito e oferecer conhecimentos sobre o comportamento humano

as pessoas reagem em situações de conlito, enumerou nove fatores


Mira Y Lopez (2008), numa tentativa de compreender como

em um dado momento, classiicando-os em herdados, adquiridos e


que, segundo ele, seriam responsáveis pela reação de uma pessoa

mistos (Figura 1).

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Figura 1 - Fatores gerais responsáveis pela reação pessoal em um
dado momento, segundo Mira Y Lopez.
FATORES GERAIS RESPONSÁVEIS PELA REAÇÃO PESSOAL
EM UM DADO MOMENTO, SEGUNDO MIRA Y LOPEZ

a) Constituição Corporal
HERDADOS b) Temperamento
c) Inteligência
MISTO d) Caráter

situações análogas
e) Prévia experiência de

f) Constelação
ADQUIRIDOS g) Situação externa atual
h) Tipo médio de reação social
(coletiva)
i) Modo de percepção da situação
Fonte: MIRA Y LOPEZ, E. Manual de Psicologia Jurídica. 2. ed. São Paulo:
Impactus, 2008.

que inluenciam o modo de reação da pessoa, são a constituição


De acordo com Mira Y Lopez (2008), os fatores herdados

corporal, o temperamento e a inteligência. Segundo ele, quanto


à constituição corporal, a reação de um homem corpulento difere
da de um homem magro e baixo, assim como, uma crítica vinda
de um jovem adolescente não será recebida da mesma forma se
for feita por um idoso. O fator morfológico origina na pessoa um

frente às situações e inluencia a determinação do seu modo de


obscuro sentimento de superioridade ou inferioridade física em

reagir. Em outras palavras, a constituição corporal imprime um selo


característico na pessoa e condiciona em grande parte o seu jeito
de ser.
Se por constituição corporal entendemos o conjunto de

por herança, podemos deinir o temperamento como a resultante


propriedades morfológicas e bioquímicas transmitidas ao indivíduo

funcional direta da constituição corporal, sendo responsável pela


nossa tendência mais primitiva de reação em frente dos estímulos
ambientais. E com relação à inteligência, Mira Y Lopez (2008) defende
a idéia de que ela nos fornece subsídios para uma adaptação melhor
à realidade e uma melhor compreensão dela. Portanto, para uma
pessoa pouco dotada do ponto de vista intelectual, os recursos de

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adaptação a uma situação acabarão mais rápido do que para outra
um pouco mais inteligente.

pensamento, deine a inteligência como sendo uma “capacidade para


Pontes (1995, p. 34), seguindo esta mesma linha de

que a vida impõe”. Pontes (1997) apresenta uma importante


adquirir e acumular experiências, visando a resolver os problemas

correlação entre baixo nível intelectual e “insight prejudicado”.


O Insight é a capacidade da pessoa para perceber, assimilar,

volta. É o modo como reletimos sobre as coisas que ocorrem no


compreender e elaborar a realidade e os acontecimentos em sua

diiculdade de compreensão e de relexão ante a realidade, sendo


nosso dia-a-dia. A pessoa cujo insight é prejudicado apresenta uma

difícil assimilar noções de limites, de certo e de errado, de Direito e

Pontes (1997, p.75), para melhor deinir o conceito de


de deveres e de bem e de mal.

insight, faz a seguinte analogia:

um insight preservado seria como a água cristalina ou a


água de piscina bem tratada. Quando o indivíduo sabe
nadar, ele pode mergulhar sem correr risco e obter

água é turva. Dependendo do grau de deiciência no


sucesso no mergulho. Já num insight prejudicado a

insight o turvamento é maior ou menor. Neste caso,


mesmo o indivíduo sendo um atleta que sabe nadar,
se ele for mergulhar de cabeça, corre o risco de entrar
numa enrascada, machucando-se.

Segundo Pontes (1997, p.74), o modo como o insight se

clínica, ele defende a idéia de que o insight “é estruturado pela


origina é uma incógnita. Contudo, baseado em sua experiência

grandes alterações deste, a biologia prevalece”. Quando o insight é


integração da biologia, Psicologia e sociedade. Entretanto, nas

bastante prejudicado ou ausente, a pessoa é considerada psicótica.


E, quando o insight se encontra prejudicado, de tal forma que não
há perda total do contato com a realidade, Pontes denomina de
falsa normalidade (são as pessoas portadoras de transtornos de
personalidade).
De acordo com as idéias de Pontes (1997), as pessoas que
possuem um baixo nível intelectual em concomitância com um insight
prejudicado tendem a delirar nos atos e não nas idéias, apresentando
sérios transtornos de conduta; podendo vir a ter comportamentos
auto-destrutivos, impulsivos e agressivos, cujas conseqüências
vão do suicídio ao homicídio. Em 1887, Marro, como foi comentado

Diversa :: Ano I - nº 2 :: pp. 171-185 :: jul./dez. 2008


178
anteriormente, havia apontado como uma das características de

relexão.
personalidade do delinqüente, um defeito em sua capacidade de

Segundo Mira Y Lopez Mira Y Lopez (2008), é comum


dizermos que o caráter é o fator mais importante na descrição
da personalidade de uma pessoa. De fato, quando enumeramos

“caracterizamos”, ou seja, que damos conta do seu caráter. Para


as características pessoais de um sujeito, dizemos que o

ele costuma deinir e determinar a conduta. O caráter constitui o


ele, o caráter é um fator importantíssimo na reação pessoal porque

término das transações entre os fatores endógenos e os exógenos


integrantes da personalidade e representa o resultado desta luta.
Na sua opinião, os fatores endógenos impulsionam o indivíduo
para uma conduta puramente animal, objetivando a satisfação de
seus anseios. Já os exógenos, ao contrário, conduzem o indivíduo

o endógeno e o exógeno tem como produto inal o tipo de conduta


à completa submissão ao meio externo. Essa clássica disputa entre

externa que a pessoa apresenta, e isto representaria o seu caráter.

inluenciam a forma como a pessoa reage são a prévia experiência


Na visão de Mira Y Lopez (2008), os fatores adquiridos que

de situações análogas, a constelação, a situação externa atual,

da situação. A experiência prévia de situações análogas seria o


o tipo médio de reação social (coletiva) e o modo de percepção

primeiro fator a considerar puramente exógeno, isto é, adquirido em

inluenciam de modo decisivo a determinação da reação atual. Ele


vida. Sem dúvida alguma, o exemplo vivido, a experiência anterior

denomina de constelação a inluência que a vivência ou a experiência


imediatamente antecedente exerce na determinação da resposta à
situação atual. É evidente que uma pessoa que sai de um concerto
de música ou de um sermão religioso não está com igual disposição
para agredir do que quando acaba de ver uma luta de boxe ou uma
partida de futebol.
A situação externa atual representa a causa, o estímulo
desencadeador da reação pessoal e o tipo médio de reação social
diz respeito ao modo como a maioria das pessoas reagiriam a

individual relete a toda hora aspectos da conduta social, ou seja,


uma dada situação. Para Mira Y Lopez (2008), o comportamento

há em todo momento uma inluência recíproca entre o sujeito e seu


meio social.
De acordo com Mira Y Lopez (2008), o modo de percepção
da situação seria o fator mais importante de todos na determinação

como o sujeito está percebendo aquele conlito? Quais as impressões,


da reação pessoal. Ele diz respeito à subjetividade do ser humano:

Diversa :: Ano I - nº 2 :: pp. 171-185 :: jul./dez. 2008


179
as vivências, os sentimentos e os pensamentos suscitados nele pela
situação? Até que ponto ele está sentindo-se agredido ou violentado?

relaciona com o mundo e consigo mesmo. Forghieri (1993, p.58),


Entendemos por subjetividade o modo como o ser humano se

seguindo esta mesma linha de raciocínio, complementa: “as situações


que alguém vivencia não possuem, apenas, um signiicado em si
mesmas, mas adquirem um sentido para quem as experiencia,

visão de Naffah Neto (1995, p.199), a subjetividade seria “uma


que se encontra relacionando à sua própria maneira de existir”. Na

abrigo e morada às experiências da vida: percepções, pensamentos,


espécie de envergadura interior, de vazio, capaz de acolher, dar

as “diferentes expressões de como somos afetados pelo mundo”


fantasias, sentimentos”. Para ele, a subjetividade representaria

(NAFFAH NETO, 1995, p.199). Neste sentido, a subjetividade seria


um espaço psíquico onde as experiências humanas podem encontrar
um lugar de expressão, um registro. Contudo, em se tratando de
ciências humanas, as leis não são universais. Um único fenômeno
psíquico remete-nos a diversas leituras e modos de compreensão.
Estas diversas formas de compreender o fenômeno podem até
se complementar ou ser totalmente antagônicas, de modo que a
experiência da realidade de um fenômeno pertence unicamente ao
domínio de quem a está experienciando e o que o outro pode fazer

Segundo Fernandes (2002, p.126),


é tentar compreender.

o desaio que a vida em sociedade apresenta não se


limita a apontar uma única e simpliicada explicação
do “porquê” o homem mata outro homem, mas de
descobrir o “porquê”, em circunstâncias similares, um
homem mata, outro socorre e um terceiro inge que
nada viu. A explicação não pode estar em supostos
instintos humanos, que tenderiam a dirigir sempre todos
os homens numa única direção, mas, principalmente,
nas experiências de suas vidas inteiras, que variam
amplamente de uma pessoa para outra.

Cohen (1996, p.10) defende a idéia de que “melhor do


que procurar rotular ou classiicar ‘tipos criminosos’ seria procurar
estabelecer possíveis relações entre uma condição humana, em um
determinado contexto, com a prática de ilicitudes”. E é exatamente
esta relação o ponto central de investigação da Psicologia Jurídica.
Na perspectiva de Segre (1996, p.27),

Diversa :: Ano I - nº 2 :: pp. 171-185 :: jul./dez. 2008


180
o criminoso é o objeto do estudo criminológico, num
projeto de compreensão dos mecanismos que o
levam a descumprir a lei. Mecanismos esses que já
são terrivelmente complexos por se relacionar com o

mais diversiicadas, levando em conta a relatividade


universo do homem e cujo enfoque se fará sob as óticas

das leis. Logo, não existe um peril criminoso. O que se


pretende no estudo criminológico é o vislumbre de algo
que dê alguma explicação, e, portanto, previsibilidade,
à realização do ato criminoso.

um peril criminoso e sim uma série de variáveis, circunstâncias e


Concordamos plenamente com a idéia de que não existe

determinados contextos que levam estas pessoas ao cometimento


de um delito. E este deve ser um dos pontos centrais de investigação
e atuação da Psicologia Jurídica.

RAMIFICAÇÕES E ÁREAS DE ATUAÇÃO DA


PSICOLOGIA JURÍDICA

aplicação do saber psicológico às questões relacionadas ao saber do


Conceitualmente, a Psicologia Jurídica corresponde a toda

Direito. A Psicologia Criminal, a Psicologia Forense e, por conseguinte,


a Psicologia Judiciária estão nela contidas. Toda e qualquer prática
da Psicologia relacionada às práticas jurídicas podem ser nomeadas
como Psicologia Jurídica.

aplicações da Psicologia relacionadas às práticas jurídicas, enquanto


O termo Psicologia Jurídica é uma denominação genérica das

Psicologia Criminal, Psicologia Forense e Psicologia Judiciária são


especiicidades aí reconhecíveis e discrimináveis. O acadêmico que

Direito; o psicólogo assistente técnico que questiona as conclusões


produz um artigo discutindo as interfaces entre a Psicologia e o

de um estudo psicológico elaborado por um psicólogo judiciário;

de mestrado a partir de sua prática cotidiana no Foro, todos são


como também o psicólogo judiciário que elabora uma dissertação

praticantes da Psicologia Jurídica.


A Psicologia Jurídica é um dos ramos da Psicologia
que mais cresceram nos últimos anos, tanto nacional quanto

e carentes de proissionais especializados na área. Cada vez que se


internacionalmente. Trata-se de um dos campos mais promissores

folheia um jornal, ou se assiste ao noticiário na TV, há sempre uma


notícia de alguma ação criminosa sem razão aparente e que, também

Diversa :: Ano I - nº 2 :: pp. 171-185 :: jul./dez. 2008


181

a Psicologia Jurídica tem a dizer sobre isso? Que contribuições a


não parte de indivíduos portadores de transtornos mentais. E, o que

Psicologia Jurídica tem a oferecer?


Conforme Altoé (2001, p. 6 - 7),

As questões humanas tratadas no âmbito do Direito


e do judiciário são das mais complexas. (...) E o que
está em questão é como as leis que regem o convívio

podem facilitar a resolução de conlitos. Aqueles que


dos homens e das mulheres de uma dada sociedade

as questões não são meramente burocráticas ou


têm alguma experiência na área se dão conta que

processuais. Elas revelam situações delicadas, difíceis


e dolorosas. A título de exemplo vejamos alguns dos

pais que disputam a guarda de seus ilhos ou que


motivos pelos quais as pessoas recorrem ao judiciário:

reivindicam direito de visitação, pois não conseguem

ilho; maus-tratos e violência sexual contra criança,


fazer um acordo amigável com o pai ou a mãe de seu

praticado por um dos pais ou pelo(a) companheiro(a)

terem diiculdades de gerar ilhos; pais que adotam


deste; casais que anseiam adotar uma criança por

e não icam satisfeitos com o comportamento da

envolvem com drogas/tráico, ou, passam a ter outros


criança e a devolvem ao Juizado; jovens que se

comportamentos que transgridem a lei, e seus pais

não contam com o apoio de outras instituições do


não sabem como fazer para ajudá-los uma vez que

Estado (de educação e de saúde, por exemplo).

Na visão de Silva (2007, p. 6 – 7):

A Psicologia Jurídica surge nesse contexto, em que o


psicólogo coloca seus conhecimentos à disposição do

o em aspectos relevantes para determinadas ações


juiz (que irá exercer a função julgadora), assessorando-

judiciais, trazendo aos autos uma realidade psicológica


dos agentes envolvidos que ultrapassa a literalidade da
lei, e que de outra forma não chegaria ao conhecimento
do julgador por se tratar de um trabalho que vai além
da mera exposição dos fatos; trata-se de uma análise
aprofundada do contexto em que essas pessoas que
acorreram ao Judiciário (agentes) estão inseridas. Essa
análise inclui aspectos conscientes e inconscientes,

Diversa :: Ano I - nº 2 :: pp. 171-185 :: jul./dez. 2008


182
verbais e não-verbais, autênticos e não-autênticos,
individualizados e grupais, que mobilizam os indivíduos
às condutas humanas.

A Psicologia Forense é o subconjunto em que se incluem

É aqui que se encontra o assistente técnico. A Psicologia Forense


as práticas psicológicas relacionadas aos procedimentos forenses.

corresponde a toda aplicação do saber psicológico realizada sobre


uma situação que se sabe estar (ou estará) sob apreciação judicial,

procedimento em andamento no Foro (ou realizada vislumbrando


ou seja, a toda a Psicologia aplicada no âmbito de um processo ou

tal objetivo). Incluem as intervenções exercidas pelo psicólogo


criminal, pelo psicólogo judiciário, acrescidas daquelas realizadas
pelo psicólogo assistente técnico.

Forense e, segundo Bruno (1967), estuda as condições psíquicas


A Psicologia Criminal é um subconjunto da Psicologia

do criminoso e o modo pelo qual nele se origina e se processa a


ação criminosa. Seu campo de atuação abrange a Psicologia do
delinqüente, a Psicologia do delito e a Psicologia das testemunhas.

Psicologia Forense e corresponde a toda prática psicológica realizada


A Psicologia Judiciária também é um subconjunto da

A Psicologia Judiciária está contida na Psicologia Forense, que está


a mando e a serviço da justiça. É aqui que se exerce a função pericial.

à prática proissional do psicólogo judiciário, sendo que toda ela


contida na Psicologia Jurídica. A Psicologia Judiciária corresponde

ocorre sob imediata subordinação à autoridade judiciária.

Psicologia Jurídica e as Questões da Infância e Juventude (adoção,


A Psicologia Jurídica abrange as seguintes áreas de atuação:

conselho tutelar, criança e adolescente em situação de risco,

educativas); Psicologia Jurídica e o Direito de Família (separação,


intervenção junto a crianças abrigadas, infração e medidas sócio-

Psicologia Jurídica e Direito Civil (interdições, indenizações, dano


paternidade, disputa de guarda, acompanhamento de visitas);

indenizações, dano psíquico); Psicologia Jurídica e o Direito Penal


psíquico); Psicologia Jurídica do Trabalho (acidente de trabalho,

(perícia, insanidade mental e crime, delinqüência); Psicologia Judicial


ou do Testemunho (estudo do testemunho, falsas memórias);
Psicologia Penitenciária (penas alternativas, intervenção junto ao

Policial e das Forças Armadas (seleção e formação da polícia civil


recluso, egressos, trabalho com agentes de segurança); Psicologia

questões de Direito de Família e Penal); Psicologia Jurídica e Direitos


e militar, atendimento psicológico); Mediação (mediador nas

Humanos (defesa e promoção dos Direitos Humanos); Proteção a

Diversa :: Ano I - nº 2 :: pp. 171-185 :: jul./dez. 2008


183

Testemunhas); Formação e Atendimento aos Juízes e Promotores


Testemunhas (existem no Brasil programas de Apoio e Proteção a

(avaliação psicológica na seleção de juízes e promotores, consultoria


e atendimento psicológico aos juízes e promotores); Vitimologia
(violência doméstica, atendimento a vítimas de violência e seus

psicológicas mediante informações de terceiros).


familiares) e Autópsia Psicológica (avaliação de características

por França (2004), a Psicologia Jurídica está presente em quase


No Brasil, de acordo com um levantamento realizado

todas as áreas de atuação. Todavia, a autora destaca que há uma

penitenciária e nas questões relacionadas à família, à infância e à


grande concentração de psicólogos jurídicos atuando na Psicologia

juventude, enquanto que na Psicologia do testemunho, na Psicologia


policial e militar, na Psicologia e o Direito Civil, na proteção de

na Psicologia e os Direitos Humanos e na autópsia psíquica há uma


testemunhas, na Psicologia e o atendimento aos juízes e promotores,

carência muito grande de psicólogos jurídicos.

“são unânimes em reconhecer a importância do ‘olhar psicológico’ e da


Caires (2003, p. 34) postula que os grandes teóricos do Direito

‘análise psicológica’ sobre e nesse universo, envolvendo o indivíduo,

uma maior qualiicação desses proissionais objetivando um “melhor


a sociedade e a Justiça”. Contudo, ela destaca a necessidade de

e mais criterioso desempenho nessa área proissional” (CAIRES,


2003, p. 34).
O psicólogo jurídico deve estar apto para atuar no âmbito da
Justiça considerando a perspectiva psicológica dos fatos jurídicos;

Direitos Humanos e prevenção da violência; fornecer subsídios ao


colaborar no planejamento e execução de políticas de cidadania,

processo judicial; além de contribuir para a formulação, revisão e


interpretação das leis.

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Recebido em: 24/10/2008


Aceito em: 20/11/2008

Sobre a autora
Liene Martha Leal
Mestre em Psicologia de Universidade de Fortaleza (UNIFOR);
Professora da UFPI.
e-mail: lienemartha@hotmail.com

Diversa :: Ano I - nº 2 :: pp. 171-185 :: jul./dez. 2008


U N I D A D E 1
Psicologia jurídica:
antecedentes históricos
e evolução
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Identificar referenciais históricos que antecederam o desenvolvimento


da psicologia jurídica no Brasil.
„„ Descrever a emergência da psicologia jurídica no Brasil.
„„ Elencar os fundamentos e as práticas profissionais da psicologia jurídica
no Brasil.

Introdução
A Psicologia surgiu no Brasil logo no início do século XX, em um primeiro
momento associada à Pedagogia. A partir de 1950 organizaram-se os
primeiros cursos de formação em Psicologia, e em 1962 se deu a regu-
lamentação da profissão. Tal como a Psicologia (ciência e profissão), a
área da psicologia jurídica também é recente em nosso país e floresceu
a partir de 1955, com a edição no Brasil do livro espanhol Manual de
Psicologia Jurídica, de Mira y Lopes (2008), um marco para essa área de
conhecimento. A psicologia jurídica diz respeito aos saberes psicológicos
voltados para a prática do Direito. Dessa forma, o psicólogo coopera com
o juiz, provendo análises da realidade psicológica e do contexto no qual
os agentes do caso se encontram.
Neste capítulo, você vai conhecer a história da psicologia jurídica no
Brasil a partir de diversos referenciais teóricos. Você também vai estudar
os fundamentos e as práticas profissionais da psicologia jurídica no Brasil.
16 Psicologia jurídica: antecedentes históricos e evolução

Referenciais históricos
A psicologia jurídica é relativamente nova no Brasil, assim como a profissão
de psicólogo. No entanto, a preocupação com a avaliação psicológica do
criminoso, principalmente em relação aos portadores de doenças mentais, é
muito antiga. Segundo Lago et al. (2009), durante a Idade Média, as pessoas
consideradas loucas podiam ter uma vida relativamente livre. Foi somente no
século XVII que os doentes mentais passaram a ser condenados à reclusão,
sendo criados diversos estabelecimentos para indivíduos que ameaçavam a
ordem e a moral da sociedade. Ainda conforme Lago et al. (2009), no século
XVIII, Philippe Pinel (1745-1826), um médico francês, passou a liberar essas
pessoas dos manicômios, prestando-lhes atendimento médico.
Muito antes do advento da psicologia jurídica, já se estudava a relação entre
alguns crimes e o comportamento dos criminosos. Conforme Leal (2008),
no início do século XIX, na França, alguns crimes foram desvendados por
médicos, requisitados por juízes que queriam compreender a razão de ações
criminosas que não eram motivadas por lucro financeiro ou paixões, e que
também não partiam de indivíduos que se encaixavam em quadros clássicos
de loucura. Esses crimes pareciam ter outra estrutura, que se acreditava estar
enraizada na própria natureza humana.
Mais tarde, na segunda metade do século XIX, a psicologia jurídica ficou
em evidência com a publicação do livro Psychologie Naturelle, de Prosper
Despine, em 1868, que apresentou estudos de caso de alguns criminosos da
época. Segundo Leal (2008), nos seus estudos, Despine concluiu que, com
exceção de poucos casos, os delinquentes não apresentavam enfermidade
física ou mental, e que as anomalias dos delinquentes seriam da ordem de
tendências e comportamentos morais, não afetando a capacidade mental dos
sujeitos. Dessa forma, eles eram levados a agir daquela forma em virtude de
tendências nocivas como o ódio, a vingança, a avareza, etc. (LEAL, 2008).
Para Despine, o delinquente possui deficiência ou carece de interesse por si
mesmo; não possui empatia para com as pessoas, lhe faltando consciência
moral e sentimento de dever; não é prudente nem simpático, nem mesmo
capaz de arrependimentos. (LEAL, 2008).
Despine ficou conhecido como o fundador da psicologia criminal e reco-
nheceu a importância de mais estudos relativos à essa linha de investigação.
Segundo Leal (2008), outros pesquisadores, anteriores à Despine, já haviam
realizado estudos a respeito da criminalidade; porém, apesar dos seus esforços
na descrição dos aspectos psicológicos dos crimes e dos delinquentes, esses
Psicologia jurídica: antecedentes históricos e evolução 17

autores não tiveram a preocupação de construir uma teoria a respeito de seus


dados e mostraram pouco rigor metodológico para a escolha dos casos.
Ainda conforme Leal (2008), por volta de 1875, o estudo da criminalidade
passou a ser feito por meio da relação entre crime e criminoso. Os novos es-
tudos buscavam o entendimento dos fatores determinantes da criminalidade,
da personalidade do delinquente e da sua conduta, e também exploravam as
formas de ressocialização dos sujeitos delinquentes. Esses estudos tinham
como objetivo o esclarecimento dos atos a fim de poder preveni-los, evitando-se
assim a sua reincidência. Assim, a criminologia surge no cenário das ciências
humanas, quando busca chegar ao diagnóstico etiológico do crime. Nessa busca
por compreender e interpretar as causas da criminalidade, os mecanismos do
crime e o ato criminal em si, conclui-se que esses fatores fazem parte do escopo
da conduta do delinquente, sendo assim uma expressão de sua personalidade.
Estudos do alemão Hans Kurella (1858-1916), de 1893, sugeriram alguns
traços característicos dos delinquentes: o parasitismo, a tendência a mentir,
a falta de sentimento de honra, a falta de piedade, a crueldade, a presunção e a
ânsia por prazeres. Abraham Baer (1834-1908), outro autor da mesma época,
fala sobre a influência do meio sobre as tendências psíquicas das pessoas.
Hans Gross (1847-1915), pesquisador, jurista e criminologista austríaco, es-
creveu sobre os fatores psíquicos que podem tomar parte na investigação
e no julgamento de delitos e reuniu, na Alemanha, o Archiv für Kriminal-
-anthropologie und Kriminalistik, com mais de 90 volumes, considerado um
patrimônio da criminologia. Gross foi também o primeiro a produzir uma
crítica da prova e do testemunho, desenvolvida mais tarde como um ramo da
psicologia criminal. Gustav Aschaffenburg (1866-1944), por sua vez, publicou
em 1904 uma revista de psicologia criminal, produzindo grande quantidade
de material sobre o assunto e muitos outros estudos de caso.
Segundo Brito (2012), a aproximação da Psicologia com o Direito, a par-
tir das demandas do Poder Judiciário, ficou conhecida como psicologia do
testemunho e tinha como objetivo realizar pesquisas que pudessem indicar
parâmetros que aferissem a fidedignidade (ou não) dos relatos dos indivíduos
envolvidos em processos jurídicos. Ainda conforme a autora, essas pesquisas
eram realizadas em laboratórios experimentais, nos quais se desenvolveram
estudos sobre a memória, a sensação e a percepção. Conforme Bastos (2003),
foram também desenvolvidos testes que eram aplicados aos indivíduos a fim
de compreender os comportamentos passíveis de ação jurídica. Segundo
Lago et al. (2009), psicólogos alemães e franceses desenvolveram trabalhos
empírico-experimentais sobre o testemunho e sua influência nos processos
judiciais. Ainda de acordo com Lago et al. (2009), a partir dos estudos rela-
18 Psicologia jurídica: antecedentes históricos e evolução

cionados aos sistemas de interrogatório, à detecção de falsos testemunhos,


às amnésias simuladas e aos testemunhos de crianças, houve uma ascensão
da psicologia do testemunho.
Assim, os psicólogos clínicos começaram a colaborar com os psiquiatras
nos exames psicológicos legais. Com o advento da Psicanálise, o sujeito pas-
sou a ser valorizado de uma forma mais compreensiva, e o psicodiagnóstico
criou força. Assim, conforme Lago et al. (2009), pacientes mais graves eram
tratados por psiquiatras em função da possibilidade de internação, e os menos
graves, por psicólogos, que tinham o objetivo de buscar uma compreensão mais
descritiva de sua personalidade. No fim, por meio de estudos comparativos
e representativos, foi demonstrado que os diagnósticos de psicologia forense
podiam ser melhores que os dos psiquiatras.
Por volta de 1950, Mira y Lopes publicaram o livro Manual de Psicologia
Jurídica, descrevendo os fatores que levavam as pessoas a reagirem em situ-
ações de conflito e os classificando em herdados (divididos em constituição
corporal, temperamento e inteligência), mistos (referentes ao caráter) e adquiri-
dos (experiências prévias de situações análogas, constelação, situação externa
atual, tipo médio de reação social (coletiva), modo de percepção da situação).
No Brasil, a história da Psicologia Jurídica parece estar ligada ao surgimento
da Psicologia como uma área de conhecimento independente dentro das univer-
sidades. Segundo Rovinski (2009), a ascensão dessa área de estudos se deu com
a vinda de estrangeiros, como o polonês Waclaw Radecki (1887-1953), que foi
responsável pela criação do primeiro Laboratório de Psicologia da Colônia de Psi-
copatas, no Engenho de Dentro, em 1937, que atualmente pertence à Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Em virtude de a profissão do psicólogo somente ter
sido reconhecida em 1962 no Brasil, a Psicologia consistia nos saberes e fazeres
dos campos médico, filosófico e educacional; por isso o Instituto de Psicologia
era apenas um órgão suplementar da Universidade Federal do Brasil, atual UFRJ.
Mais tarde, em 1955, o Manual de Psicologia Jurídica, de Mira y Lopes,
foi editado no Brasil e se tornou um marco para essa área de conhecimento.
Conforme Brito (2012), essa publicação foi responsável por afirmar a Psicologia
como uma ciência que oferece as mesmas garantias de seriedade e eficiência
que as outras disciplinas biológicas e atestar que os dados comprovados mate-
maticamente, aferidos por meio de testes e traduzidos em percentis, garantem
critérios de objetividade e neutralidade científicas que embasam os trabalhos
e pesquisas da área. Nesse livro estão contidas provas e técnicas que podem
aferir e obter a máxima sinceridade dos testemunhos, com a possibilidade de
determinar a periculosidade dos entrevistados. A partir dele, fica evidente a
relação da Psicologia Jurídica com o Direito Penal.
Psicologia jurídica: antecedentes históricos e evolução 19

Outros pesquisadores, tanto do Direito como da Psicologia, se interessaram


pelas questões da psicologia jurídica. Um exemplo, conforme Rovinski (2009), é
Eliezer Schneider, um dos pioneiros da Psicologia no Brasil, formado inicialmente
em Direito, e que posteriormente ingressou no Instituto de Psicologia, em 1941.
Embora também tenha trabalhado com a psicometria, Schneider buscou compre-
ender a personalidade do criminoso, a influência do sistema penal na recuperação
(ou não) do preso e o papel da punição. Além disso, se destacou, posteriormente
por estudar as influências sociais, culturais e econômicas na personalidade do
criminoso. Ainda conforme Rovinski (2009), ao longo de sua carreira, Eliezer
se destacou como docente e sempre buscou inserir nos currículos dos diversos
cursos de formação de que participou a disciplina de psicologia jurídica.
Para Bastos (2003), esses dados históricos são relevantes para que possamos
desenvolver uma reflexão sobre a prática profissional de Psicologia junto às
instituições e também sobre as mudanças que ocorreram ao longo do tempo,
principalmente a partir de 1980. Isso porque, na primeira metade do século
XX, os psicólogos eram vistos como meros “testólogos”, conforme Lago et
al. (2009), pois eram responsáveis por realizar os testes e exames necessários
para os psicodiagnósticos, considerados instrumentos que forneciam dados
comprováveis matematicamente para os profissionais do Direito. Segundo
Bastos (2003), a prática profissional da época se baseava quase que exclusi-
vamente na realização de perícias, exames criminológicos e pareceres psico-
lógicos com base no psicodiagnóstico. Já nos dias atuais, o psicólogo utiliza
estratégias de avaliação psicológica com objetivos bem definidos, visando a
obter respostas para a solução de um problema. Conforme Lago et al. (2009),
embora a testagem ainda seja uma atividade importante, entende-se que ela é
apenas um recurso de avaliação. Além disso, o papel do psicólogo extrapolou
a sua atuação, que inicialmente era estritamente na área criminal e se inseriu
em outras esferas das instituições judiciárias.

No link a seguir você poderá acessar o site da Associação Bra-


sileira de Psicologia Jurídica (ABPJ), uma instituição científica e
profissional que congrega psicólogos e demais profissionais que
atuam no campo jurídico ou que têm interesse em temas do
âmbito das relações entre a Psicologia, o Direito, a Justiça e a Lei.

https://goo.gl/wyizo
20 Psicologia jurídica: antecedentes históricos e evolução

A psicologia jurídica no Brasil


A psicologia jurídica é um dos campos da Psicologia que mais cresceram nos
últimos anos, tanto nacionalmente quanto internacionalmente. Conforme Leal
(2008), esse é um campo promissor, com grande carência de profissionais
especializados na área. De certa forma, a psicologia jurídica já era praticada
muito antes de a profissão de psicólogo ser regulamentada, mas após sua
regulamentação, o psicólogo pode ser incluído nas instituições jurídicas de
forma oficial.
Segundo França (2004), a psicologia jurídica é uma área de especialidade
da Psicologia que, embora resulte em novos conhecimentos, a partir de seu
estudo e desenvolvimento, pode se utilizar do conhecimento produzido pela
própria ciência psicológica. Ainda conforme França, os objetos de estudo da
psicologia jurídica são os comportamentos complexos de interesse jurídico.
No entanto, é importante que se leve em consideração os limites da perícia,
já que o conhecimento produzido por ela constitui um recorte da realidade,
não podendo ser considerada a totalidade do indivíduo. A área de atuação da
psicologia jurídica compreende as atividades realizadas por psicólogos em
tribunais e fora deles, dando aporte ao campo do Direito.
França (2004) defende que o estudo da psicologia jurídica deve ir além da
análise das manifestações subjetivas do indivíduo, isto é, do seu comporta-
mento; para a autora, esse estudo deve englobar as consequências das ações
jurídicas sobre os indivíduos, já que as práticas jurídicas, submissas ao Estado,
determinam as maneiras de os indivíduos se relacionarem e, consequentemente,
moldam sua subjetividade. De certa forma, a produção de conhecimento da
psicologia jurídica complementa a produção de conhecimento do Direito
e vice-versa, implicando também interseções de outros saberes, como da
Sociologia, por exemplo.
Segundo Brito (2012), os primeiros trabalhos realizados pelos psicólogos
para o Poder Judiciário eram relacionados à elaboração de perícias, forne-
cendo pareceres técnico-científicos que serviam de suporte para as decisões
dos magistrados. Nesses casos, o psicólogo era um perito indicado para a
realização dos diagnósticos psicológicos. De uma forma geral, a trajetória dos
psicólogos ingressantes em instituições jurídicas da área penal se repete de
maneira semelhante em diversos estados brasileiros, com atuação principal-
mente em casas prisionais e manicômios judiciários. É importante ressaltar
que as avaliações psicológicas, como as perícias, são importantes, mas essa
não é a única atividade feita por um psicólogo jurídico. De acordo com França
(2004), nesse contexto, o psicólogo pode fazer orientações e acompanhamentos,
Psicologia jurídica: antecedentes históricos e evolução 21

contribuir para políticas preventivas, estudar os efeitos do jurídico sobre a


subjetividade humana, entre outras atividades.
De acordo com Lago et al. (2009), o trabalho do psicólogo no sistema
penitenciário ocorre há quarenta anos, ainda que informalmente em alguns
estados. Com a promulgação da Lei de Execução Penal (Lei Federal nº. 7.210,
de 11 de julho de 1984), o psicólogo passou a ser reconhecido legalmente pelas
instituições penitenciárias. (BRASIL, 1984).
Já na área cível do Poder Judiciário, o ingresso do psicólogo ocorreu mais
tarde, na década de 1980, e de maneira informal, inicialmente por meio de
estágio ou de serviço de voluntariado, conforme Rovinski (2009). Esse trabalho,
realizado por voluntários e estagiários, tinha caráter clínico e era voltado ao
atendimento às famílias. No ano de 1985, os psicólogos efetivados por meio
de concurso público feito na cidade de São Paulo começaram a oferecer apoio
às famílias, com o objetivo de reestruturar e manter as crianças nos seus lares,
como uma medida preventiva de proteção. A partir daí, conforme Brito (2012),
outros estados começaram a implementar serviços de Psicologia, mesmo com
a atuação de psicólogos em desvio de função ou cedidos de outras instituições.
É importante destacar também a atuação do psicólogo junto ao juizado
de menores, realizando perícias psicológicas nos processos cíveis, de crime e
de adoção. Conforme Lago et al. (2009), com a criação do ECA (Estatuto da
Criança e do Adolescente, Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990), o papel do
psicólogo foi ampliado, englobando a atividade pericial, os acompanhamentos
e a aplicação de medidas de proteção e socioeducativas. Também em função
do ECA, houve uma reestruturação das entidades que abrigavam os menores.
Segundo Lago et al. (2009), a extinta Fundação Estadual do Bem-Estar do
Menor (Febem) era uma instituição que abrigava crianças e adolescentes
vítimas de violência, maus-tratos, negligência, abuso sexual e abandono,
além de jovens autores de atos infracionais. Posteriormente foram criadas
duas instituições diferentes, a Fundação de Atendimento Socioeducativo
(Fase), para a execução de medidas socioeducativas, e a Fundação de Proteção
Especial (FPE), responsável pelas medidas de proteção. Percebe-se claramente
a aproximação da Psicologia e do Direito em questões relacionadas a crimes e
direitos de crianças e adolescentes. Porém, nos últimos anos, houve também
uma crescente demanda de atuação psicológica nas áreas de direito de família
e direito do trabalho, conforme Lago et al. (2009).
No Brasil, poucas faculdades de Psicologia dispõem de disciplinas de
psicologia jurídica; outras a oferecem apenas como disciplina eletiva. Isso
acarreta em uma deficiência na formação dos profissionais que porventura
venham a trabalhar com psicologia jurídica, o que acaba exigindo das ins-
22 Psicologia jurídica: antecedentes históricos e evolução

tituições jurídicas o fornecimento de capacitação, treinamento e reciclagem


desses trabalhadores, conforme Brito (2012). Com frequência, em processos
que envolvem a atuação de psicólogos, despontam expressões e termos muitas
vezes desconhecidos dos profissionais, por serem alheios à sua bagagem teórica.
Assim, de acordo com Brito (2012), cabe ao psicólogo delimitar e discernir
qual a ação que lhe diz respeito no processo, evitando assim se apropriar
de demandas que não correspondam ao seu papel jurídico e à sua atividade
profissional naquele momento. É preciso reconhecer e diferenciar o papel do
terapeuta e do perito, por exemplo.
Conforme Brito (2012), o Conselho Federal de Psicologia (CFP) tem dado
mais atenção às questões relacionadas ao direito da infância e da juventude
e ao direito de família, em virtude da crescente incorporação do psicólogo
nessas áreas e da preocupação com o rumo dos trabalhos que estão sendo
desenvolvidos. O CFP usa a designação psicologia na interface com a jus-
tiça, de forma a incluir inclusive os profissionais que executam trabalhos
encaminhados pelo sistema de justiça, abrangendo os profissionais que atuam
em consultórios clínicos, os que compõem equipes de outras instituições e
os convidados ou solicitados a emitirem pareceres que serão anexados aos
autos processuais.
Brito (2012), em seus estudos, destaca a importância de o psicólogo com-
preender que, mesmo estando enquadrado como analista judiciário, continua
respondendo, atuando e assinando documentos como psicólogo; portanto,
deve seguir o código de ética da sua profissão. Isso envolve a necessidade de
sigilo do profissional, por exemplo, compartilhando apenas as informações
relevantes para a qualificação do serviço prestado, resguardando o caráter
de confidencialidade das comunicações e assinalando a responsabilidade
de quem a receber, de forma a preservar o sigilo.
Sobre as intervenções, estas devem estar de acordo com os estudos e práti-
cas reconhecidas pela Psicologia. No que se refere à elaboração de pareceres,
estes devem estar de acordo com o Manual de Elaboração de Documentos
Escritos (Resolução n° 007/2003, do CFP), devendo inclusive se basear em
instrumentais técnicos – como entrevistas, testes, observações, dinâmicas de
grupo, escutas e intervenções verbais –, de acordo com os métodos e as técnicas
psicológicas de coleta de dados, estudos e interpretações de informações a
respeito da pessoa ou do grupo atendido.
Em razão da grande expansão das atividades do psicólogo nas mais diversas
áreas da psicologia jurídica, se faz necessário refletir sobre a prática profissio-
nal, o papel do psicólogo nesse serviço ou instituição e os limites éticos que
devem ser seguidos na prática dessa atividade. Além disso, deve-se formular
Psicologia jurídica: antecedentes históricos e evolução 23

novos estudos, visando a compartilhar informações, demonstrar eficácia e


atualizar o campo de estudos da psicologia jurídica.
Como vimos, as articulações entre a Psicologia e o Direito vêm de longa
data, e há uma grande demanda do sistema de justiça, que abre diversas pos-
sibilidades de atuação profissional na área da psicologia jurídica. Entretanto,
como afirma Brito (2012, p. 204), “não se pode perder de vista as incontáveis
interrogações que precisam ser respondidas ao se iniciar qualquer trabalho
nesse campo, o que motivou o CFP (Conselho Federal de Psicologia) a publicar
diversas resoluções recentemente”. Ou seja, para Brito, deve-se encorajar a
reflexão sobre a prática da psicologia jurídica, já que esta é uma área emer-
gente da ciência psicológica, ainda pouco estudada e pesquisada. Para Lucas
e Homrich (2013), é urgente a necessidade de incentivos a projetos de pesquisa
que envolvam essa especialidade, para que a prática não seja tomada em uma
perspectiva reducionista, negando a complexidade do sujeito e as múltiplas
concepções teóricas da Psicologia.

O psicólogo jurídico, independentemente da área em que esti-


ver atuando e do cargo ou da atividade que estiver exercendo,
deve levar em consideração seu papel enquanto psicólogo. O
código de ética tem como princípio geral ser um instrumento
de reflexão, mais do que um conjunto de normas a serem
seguidas. Ele traz os princípios fundamentais dos psicólogos e
suas responsabilidades enquanto profissionais. No link abaixo,
você pode consultar o código de ética profissional do psicólogo,
cujo objetivo é embasar o trabalho de qualquer profissional
da psicologia:

https://goo.gl/xtBaUc

Fundamentos e práticas profissionais


A psicologia jurídica diz respeito à aplicação do saber psicológico às questões
relacionadas ao saber do Direito, conforme Leal (2008). Nessa área específica
da Psicologia, o psicólogo coloca seus conhecimentos à disposição do juiz,
de acordo com a solicitação do mesmo, de forma a assessorá-lo acerca dos
24 Psicologia jurídica: antecedentes históricos e evolução

aspectos psicológicos relevantes de cada ação judicial. Nesse papel, de acordo


com Silva (2007), o psicólogo dispõe aos autos a realidade psicológica dos
agentes envolvidos, fazendo uma análise aprofundada do contexto em que
os agentes estão inseridos.
Para Lago et al. (2009), há uma predominância de atividades de confecção
de laudos, pareceres e relatórios na psicologia jurídica, o que a caracteriza
como uma atividade de cunho avaliativo e de subsídio ao magistrado. É
importante dizer que o psicólogo, no seu parecer, a partir de dados levantados
mediante avaliação, pode sugerir e/ou indicar possibilidades de solução da
questão apresentada, mas nunca determinar procedimentos jurídicos. Cabe ao
juiz essa decisão. Porém nem sempre a tarefa do psicólogo jurídico é avaliativa.
O psicólogo pode atuar também como mediador, em casos onde houver a
possibilidade de os litigantes se dispuserem a fazer um acordo e/ou quando o
juiz considerar a mediação viável. Na prática, o mediador busca os motivos
que levaram o casal ao litígio e os conflitos que impedem o acordo. Outras
demandas do psicólogo jurídico se referem a acompanhamentos, a orientações
familiares, à participação em políticas de cidadania, ao combate à violência,
à participação em audiências, entre outras.
Segundo França (2004), os objetos de estudo da psicologia jurídica são
os comportamentos complexos que dizem respeito ao inconsciente, à per-
sonalidade, ao sujeito social, à cognição, entre outros. psicologia jurídica é
uma nomenclatura que define um campo de atuação genérico, dentro do qual
existem áreas de especificidades com nomenclaturas próprias, de acordo com
sua atividade e atuação profissional, como a psicologia criminal, a psicologia
forense e a psicologia judiciária.
Segundo Leal (2008), psicologia forense é o nome que se dá a todas as
práticas relacionadas aos procedimentos forenses. Corresponde à aplicação
do saber psicológico sobre uma ação que está ou estará sob apreciação ju-
dicial e que esteja em andamento no Foro. Nela atua o assistente técnico. Já
a psicologia criminal é um subconjunto da psicologia forense e estuda as
condições psíquicas do criminoso e como se origina e se processa a ação
criminosa, abrangendo a psicologia do delinquente, do delito e do testemunho.
A psicologia judiciária também pertence ao subgrupo da psicologia forense
e consiste na prática psicológica realizada a mando e a serviço da Justiça,
estando, portanto, diretamente subordinada à autoridade judiciária.
Segundo Leal (2008), a psicologia jurídica abrange as áreas de direito
civil, direito penal, direito do trabalho, psicologia do testemunho, psicologia
penitenciária, psicologia policial e das Forças Armadas, direitos humanos,
vitimologia, mediação, proteção à testemunha, formação e atendimento a juízes
Psicologia jurídica: antecedentes históricos e evolução 25

e promotores e autópsia psicológica. De acordo com França (2004), no Brasil,


a psicologia jurídica está em maior número na psicologia penitenciária e nas
questões relacionadas à família, à infância e à juventude, e possui carência
nas demais áreas citadas. Segundo Lago et al. (2009), os ramos do Direito
que mais demandam o serviço de psicologia são direito de família, direito
da criança e do adolescente, direito civil, direito penal e direito do trabalho.
Em relação à prática profissional da psicologia jurídica, encontramos
um predomínio da avaliação psicológica. De acordo com Lucas e Homrich
(2013), a avaliação deve fornecer informações fundamentadas que orientem,
sugiram ou sustentem o processo de tomada de decisão, devendo-se levar em
consideração informações sobre o funcionamento psíquico. Essa avaliação é
chamada perícia forense.
A avaliação psicológica da psicologia jurídica é complexa e engloba uma
série de etapas importantes que norteiam o psicólogo, enumeradas por Lucas
e Homrich (2013): 1) levantamento de perguntas relacionadas aos motivos
da avaliação e definição das hipóteses iniciais e dos objetivos do exame; 2)
planejamento, seleção e utilização de instrumentos de exame psicológico;
3) levantamento quantitativo e qualitativo; 4) integração dos dados, tendo
como pontos de referência as hipóteses iniciais e os objetivos do exame; 5)
comunicação do resultado, orientação sobre o caso e encerramento do pro-
cesso. Importante ressaltar que a testagem não é predominante na avaliação
psicológica.
Conforme Altoé (2001, p. 6-7):

Questões tratadas no âmbito do Direito e do Judiciário são das mais com-


plexas [...] E o que está em questão é como as leis que regem o convívio dos
homens e das mulheres de uma dada sociedade podem facilitar a resolução
de conflitos. Aqueles que têm alguma experiência na área se dão conta que
as questões não são meramente burocráticas ou processuais. Elas revelam
situações delicadas, difíceis e dolorosas. A título de exemplo, vejamos alguns
motivos pelos quais as pessoas recorrem ao Judiciário: pais que disputam
a guarda de seus filhos ou que reivindicam direito de visitação, pois não
conseguem fazer um acordo amigável com o pai ou a mãe de seus filhos;
maus-tratos e violência sexual contra crianças, praticado por um dos pais ou
pelo companheiro deste; casais que anseiam adotar uma criança por terem
dificuldades de gerar filhos; pais que adotam e não ficam satisfeitos com o
comportamento da criança e a devolvem ao juizado; jovens que se envolvem
com drogas/tráfico, ou passam a ter outros comportamentos que transgridam
a lei, e seus pais não sabem como fazer para ajudá-lo uma vez que não contam
com o apoio de outras instituições do estado.
26 Psicologia jurídica: antecedentes históricos e evolução

Segundo Rovinski (2009), a psicologia jurídica tem se mostrado promis-


sora no Brasil, por ser um campo aberto a novas possibilidades de ação e de
investigação dentro da Psicologia. Lago et al. (2009), por sua vez, afirma a
importância de mais pesquisas que contemplem os diferentes campos em que
a psicologia jurídica passou a atuar. Isso porque, comprovando-se a impor-
tância do papel do psicólogo junto às instituições, será mais fácil a inserção
e a valorização dos profissionais.

1. No livro Psychologie Naturelle, 2. Sobre a psicologia jurídica no


publicado na segunda metade Brasil, um autor, em especial, se
do século XIX, Prosper Despine destacou quando seus estudos
apresentou estudos de caso de se voltaram para a compreensão
alguns criminosos da época. O que da personalidade do criminoso,
Despine concluiu em seus estudos, à influência do sistema penal na
que o levou a ser considerado o recuperação (ou não) do preso, ao
fundador da psicologia criminal? papel da punição e as influências
a) Despine estudou os traços sociais, culturais e econômicas
e, por isso, concluiu que os na personalidade do criminoso.
delinquentes possuem traços de Como se chama esse autor?
parasitismo, tendência a mentir. a) Emílio Mira y Lopes.
b) Concluiu que os delinquentes b) Waclaw Redecke.
não apresentavam anomalias c) Eliezer Schneider.
da ordem de tendência e d) Hans Gross.
comportamentos morais. e) Prosper Despine.
c) Concluiu que, na grande 3. A psicologia jurídica é um dos
maioria dos casos, os campos da Psicologia que mais
delinquentes apresentavam cresceram nos últimos anos.
enfermidade física. No Brasil, já era praticada muito
d) Concluiu que, na grande antes da profissão de psicólogo
maioria dos casos, os ter sido regulamentada. Após
delinquentes apresentavam sua regulamentação, o psicólogo
enfermidade mental. passou a ser incluído nas
e) Concluiu que, em grande parte instituições jurídicas de forma
dos casos, os delinquentes não oficial. Qual era o caráter dos
apresentavam enfermidade primeiros trabalhos realizados por
física ou mental e que as psicólogos para o Judiciário?
anomalias deles seriam a) Mediação.
de ordem de tendências e b) Atendimento psicológico
comportamentos morais. a juízes e promotores.
Psicologia jurídica: antecedentes históricos e evolução 27

c) Relacionado a elaboração informação de qualquer teor,


de perícias. se assim o juiz solicitar.
d) Tinha caráter clínico voltado e) Como o psicólogo jurídico
a psicoterapia familiar. continua respondendo, atuando
e) Voltado a adolescentes com e assinando documentos
medida socioeducativas. psicológicos deve seguir o
4. Sobre o Código de Ética Código de Ética de sua profissão.
Profissional do psicólogo e sua 5. A psicologia jurídica engloba o saber
relação com a psicologia jurídica, psicológico às questões relacionadas
o que se pode afirmar? ao saber do Direito e coloca seus
a) O psicólogo que exerce função conhecimentos à disposição do juiz,
de analista judiciário não está de forma a assessorá-lo, se solicitado.
impedido de compartilhar Qual é a área de atuação de maior
informações que estão presença da psicologia jurídica?
sob sigilo profissional. a) Nas questões relacionadas à
b) O psicólogo jurídico pode utilizar família, à infância e à juventude,
qualquer teste psicológico e no direito do trabalho.
que já tenha passado por b) No direito do trabalho e na
validação em algum momento psicologia do testemunho.
do tempo no Brasil. c) Psicologia penitenciária e
c) Trabalhando no Judiciário, o psicologia do testemunho.
psicólogo pode compartilhar d) Psicologia penitenciária e nas
testes psicológicos com a questões relacionadas à família,
sua equipe interdisciplinar. à infância e à juventude
d) O psicólogo jurídico tem o e) Direito penal e direitos humanos.
dever de prestar qualquer

ALTOÉ, S. Atualidade da Psicologia Jurídica. Revista de Pesquisadores da Psicologia


no Brasil (UFRJ, UFMG, UFJF, UFF, UERJ, UNIRIO), Juiz de Fora, ano 1, n. 2, jul./dez. 2001.
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FRANCA, F. Reflexões sobre psicologia jurídica e seu panorama no Brasil. Psicologia:
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