Você está na página 1de 6

67 argumento cosmológico

Na verdade as lendas sobre Alexandre surgiram de­ cosmológico e a vertical. O argumento cosmológico
pois da época de Cristo. É provável que as histórias horizontal baseia seu raciocínio num a causa do início
dos feitos excepcionais de A lexandre tenham sido in­ do universo. O argum ento cosmológico vertical baseia
fluenciadas pelos registros dos evangelhos. seu raciocínio na existência do universo existente ago­
Os ev angelhos foram escritos no contexto do ra. O prim eiro, que explica com o o universo surgiu, foi
m onoteísm o judaico, que afirm ava que seres hum a­ defendido por (1221-1274).O segundo, que
nos não podem ser Deus. Mas as histórias de Alexan­ explica como ele continua existindo, provém de
dre foram com postas num contexto pagão e politeísta, (1224-1274). O prim eiro exige um a causa
onde o conceito de hum anos divinizados era aceito. origin adora, o segundo um a causa sustentadora. For­
Conclusão. Tentativas de reduzir Jesus a um a len­ m as diferentes do argum ento cosmológico com binam
da grega de hom em divino são fadadas ao insucesso. am bas as dim ensões.
As diferenças são dem asiado radicais e, se um relato Resum o dos argum entos cosmológicos. A idéia
influenciou o outro, o registro cristão de Deus m ani­ básica desse argum ento é que, já que há um universo
festo em carne h um ana veio prim eiro. em vez de nenhum , ele deve ter sido causado por algo
além dele m esm o. Esse raciocínio baseia-se na lei de
Fontes causalidade (v. que diz que
B . L . B la c k b u r n , th eioi an dres toda coisa finita ou contingente é causada agora por
W enham , algo além de si m esm a.
Gospel p ersp ectives , 6: The m iracles o f Jesus. Aristóteles:M otor imóvel. O discípulo de (428-
W . B o u s s e t, Kurios Christos. 348 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.) elaborou o argumento
G. B o yd Je s u s u n der Siege. de seu mestre sobre Deus. Em sua melhor forma, o argu­
D. R . C a r t l i d g f , D ocum ents tor the study ot the mento cosmológico é descrito no artigo sobre Aristóteles.
gospels. 0 argum ento pressupunha um universo politeísta (v.
O .C u llm a n n , C ristologia do S o w testam ento. Ele partiu do fato da m udança e seus movi­
R . F u lle r , The fou n dation ot .Y e n 1Testament mentos para a existência de realidades puras e motores
christology. imóveis. Esses seres necessários podem agir sobre seres
G. H a b e rm a s , contingentes. Eles atuam sobre a m udança potencial para
rs torná-la mudança realizada. A cosmologia de Aristóteles
R . N ash, Christianity a n d the h ellen istic world. postulava dezenas de motores imóveis, m as em última
0 . P f le id e r e r , The early C hristian conception ot análise um céu e um Deus. Pois apenas coisas materiais
Christ. podem ser numericamente diferenciadas.
R . P r ic e , “ Is th e r e a p la c e fo r h is t o r ic a l c r it i c is m ? ” , O que cham a a atenção sobre o argum ento de
Aristóteles é que ele introduz a questão de um a re­
gressão infinita de causas (v. Aristóteles
luta com um a visão de que devia haver um a pluralidade
Su etõm o, The twelve Caesars. de prim eiras causas, mas, ao contrário dos dem iurgos
M . W ilk i n s , Jesus un der Fire. de Platão, a Causa Prim eira de A ristóteles é um a cau­
Y a ma l c h i , sa final (determ inante).
W i-nha m , G ospel p erspectives , The Mas essa causa determ inante não deve ser confun­
m iracles ot Jesus. dida com a causa eficiente ou produtora dos pensado­
res cristãos posteriores. Nem os demiurgos de Platão (v.
Aquino, Tomás de. V. T o m á s d e A q u i n o . nem o m otor imóvel de Aristóteles
são iguais ao Ser absolutamente perfeito do teísmo cris­
argumento cosmológico. Os argum entos tradicional­ tão. 0 m otor imóvel de Aristóteles não era um Deus
m ente usados para provar a existência de Deus são o pessoal e não tinha im portância religiosa. N enhum a
argu m en to cosmológico, o argumento teleológico, o ar­ adoração era devida a esse deus. A Causa Prim eira não
gum ento m o r a l e o argumento ontológico. Esses são res­ era infinita. Apenas o que é sem form a ou indefinido
pectivam ente os argum entos do cosm os, do desígnio, poderia ser considerado infinito pelos gregos.
da lei m oral e da idéia de um ser absolutam ente per­ A nselm o: argum entos do tipo cosm ológico. Antes de
feito (ou necessário). ofereceu um a “prova” de Deus. De­
Formas do argum ento. Há duas form as básicas pois dele,A nselm o (1033-1119).Ele é m ais conhecido
do argum ento cosmológico: a horizontal ou argum ento por seu argum ento ontológico contido no Proslogion,
argumento cosmológico 68

m as um a obra anterior, o M onologion, ofereceu três Causa eficiente não opera m eram ente sobre m atéria
provas a posterio ri da existência de Deus (Anselm o 1- eternam ente existente. Antes, essa Causa tudo causa,
3). Uma descrição dos seus argum entos é dada no ar­ inclusive a m atéria.
tigo sobre Anselmo. Esses argum entos teístas cristãos com binaram
0 prim eiro argum ento de Anselm o é baseado na pelo m enos três elementos: 1) a causalidade eficiente
existência de coisas boas: do argum ento de Platão contido em sua obra Timeu\
2) a identificação desse Deus com o Bem da República
1. Coisas boas existem . de Platão, o Ser absolutam ente Perfeito; 3) a identifi­
2. A causa dessa bondade é “um a” ou “m uitas”. cação desse Deus com o Deus do conceito judeu-cris-
3. Se fossem “m uitas”, não haveria como com pa tão. Esse Deus causa a própria existência, não apenas
rar a bondade. Mas algum as coisas são m elho­ as form as de existência, de tudo que existe.
res que outras. Alfarabi: argumento da existência necessária. Fi­
4. Então, há o sum o bem que causa toda bonda­ lósofos árabes e judeus da Idade M édia influencia­
de em todas as coisas boas. ram form as posteriores do argum ento cosm ológico.'
O pensador m uçulm ano Alfarabi (870?-950) proveu
0 segundo argum ento é sem elhante, m as com eça o fundam ento dos argum entos escolásticos posteri­
pela perfeição: ores com a distinção entre essência e existência.
Aristóteles distinguiu entre o quê um a coisa é e que
1. A lguns seres estão m ais próxim os da perfei­ ela é. Mas Alfarabi afirm ou essa distinção como a “es­
ção que outros. sência” e a “existência”. Essa distinção implica um ar­
2. M as as coisas não podem ser m ais ou m enos gum ento pela existência de Deus, cuja form a é dem ons­
perfeitas a não ser que exista o padrão absolu­ trada no artigo sobre Alfarabi (v. tb. M aurer p. 95-97).
tam ente perfeito para fazer a com paração. Esse raciocínio estabelece o conceito de“seres possíveis”,
3. Esse padrão é o Ser Absolutam ente Perfeito. cuja essência é distinta da existência. Esses seres não
“precisam ” existir. Antes não existiam, pois existência
0 terceiro argum ento, com base na existência, é não faz parte de sua essência. Pode-se dizer que eles
m ais distintam ente cosmológico: existem acidentalmente, em vez de essencialmente.
Tais seres devem ter recebido existência de outro
ser. Esse ser causador tam bém deve ter sido causado.
1. Algo existe, e M as um ser não-causado teve de com eçar a causar.
2. deve sua existência ao nada ou a algo. Essa causa prim eira deve ser um Ser essencial, cuja
3. O nada não pode causar algo. essência é existir. Só a existência de tal Ser Necessário
4. Então, há algo que é “um ” ou “m uitos”. explica a existência de todos os seres acidentais.
5. Se forem “m uitos”, os seres serão interdepen­ Filosoficamente falando,se existem seres cuja essência
dentes p ara a própria existência ou dependen­ é não existir, então deve haver um Ser cuja essência é existir.
tes de outros. Seres possíveis não são possíveis a não ser que haja um Ser
6. Eles não pod em ser interdependentes para Necessário do qual podem receber existência. E já que um
existir. Algo não pode existir por m eio de um ser não pode dar existência a outro quando depende de
ser ao qual confere existência. outro para existir, deve haver um Ser cuja existência não
7. Logo, deve haver um ser por meio do qual todos lhe foi dada por outro, mas que dá existência a todos.
os outros seres existem. Avicena: argumento da primeira causa. Depois de
8. Esse ser deve existir por si mesmo. Alfarabi, o filósofo m uçulm ano Avicena form ulou um
9. Tudo o que existe por si m esm o existe no m ais argum ento cosm ológico sem elhante, que foi copia­
alto grau. do de várias form as por estudiosos posteriores. (Para
10. Logo, o Ser absolutam ente perfeito existe no a form a, veja o artigo prova com eça pelos
m ais alto grau. “seres possíveis” de Alfarabi, que devem ter um a cau­
sa para existir. Não pode haver um a série infinita de cau­
Esses argum entos, ao contrário dos de Platão, mas sas de existência, já que a causa da existência deve existir
em consonância com o raciocínio de identifi­ ao mesmo tempo que causa outro. Por intemédio dessa
cam o Criador com o Sumo Bem. Ao contrário dos de Causa Primeira todos os seres existem. A Causa Prim ei­
Aristóteles, os argum entos de Anselm o consideram ra deve ser a Causa necessária, pois causa de todos os
Deus a Causa eficiente, não final, do mundo. Ao contrá­ seres possíveis não pode ser um ser possível. Deve ser
rio de Platão ou Aristóteles, Anselmo afirm a que essa um Ser Necessário.
69 argumento cosmológico
Ao em prestar algum as prem issas neoplatônicas (v. 4. Não pode haver um a regressão infinita de rea­
e a cosm ologia de dez esferas, Avicena esten­ lizadores ou motores. Se não há um m otor im ó­
deu seu argum ento para defender que essa Causa Pri­ vel, não pode haver m ovim ento subseqüente, já
m eira necessária criou um a série de anjos ou “inteli­ que todo m ovim ento subseqüente depende de
gências”. Eles controlam as dez esferas cósm icas. Ele motores anteriores para movimento.
raciocinou que o Ser Necessário, que é essencialm en­ 5. Logo, deve haver um m otor imóvel, um reali­
te um , pode criar apenas um efeito de cada vez. Já que zador puro sem qualquer potencialidade em si,
pensar é criar e Deus necessariam ente pensa, já que é que não seja realizada.
um Ser Necessário, deve haver da parte de Deus um a 6. Todos o consideram Deus.
em anação de dez seres, cham ados “inteligências”, que
fazem o trabalho real. O últim o desses seres, cham ado O argum en to b a se ad o n a cau salid ad e eficiente:
“Intelecto Agente”, form a os quatro elem entos do cos­
m os e inform a à m ente hum ana toda verdade. 1. Há causas eficientes no m undo (i.e., causas
O deus de Avicena, então, era um Ser Necessário do produtoras).
qual um a força criativa em série de dez deuses resultava 2. Nada pode ser a causa eficiente de si m esm o,
com necessidade absoluta. Ao contrário do Deus cristão pois teria de ser an terio r a si m esm o para
que criou livremente e que é diretamente responsável pela causar-se.
existência de tudo que existe, a cadeia de deuses de Avicena 3. Não pode haver um a regressão infinita de cau
é necessária e esses deuses criam tudo abaixo deles. sas eficientes (essencialm ente relacionadas),
O filósofo judeu Moisés (1135-1204) an­ pois, a não ser que tenha havido um a prim eira
tecipou várias formulações cristãs posteriores de argu­ causa da série, não haveria causalidade na série.
mentos do tipo cosmológico. Ele argumentava em prol o 4. Logo, deve haver um a Causa prim eira, não cau­
primeiro motor, a Causa Primeira e o Ser Necessário,como sa da e eficiente, de toda causalidade eficiente
nos três primeiros argumentos de Aquino. Insistiu que o no mundo.
sou” do (Êx 3.14) queria dizer “existência absoluta” 5. Todos dão a ele o nom e de Deus.
e que só Deus existe absoluta e necessariamente. Todas
as criaturas têm existência apenas como “acidente” acres­ O argumento b aseado na possibilidade e necessidade
centada a sua essência pela sua Causa.
T o m á s de Aquixo: c in c o a r g u m en to s . Q uando
1. Há seres que com eçam a existir e deixam de
A quino form ulou sua“Cinco vias”, não criou argu ­ existir (i.e., seres possíveis).
m e n to s q u e e ra m s u b s ta n c ia lm e n te novos. 2. Nem todos os seres podem ser seres possíveis,
M aim ônides tin h a os três prim eiros argum entos.
Alfarabi e Avicena tinham as duas prim eiras provas. porque o que surge só o faz por meio do que já
A nselm o tin h a um argum ento a p artir da perfeição existe. O nada não pode causar algo.
sem elhante ao q uarto argum ento. E a quinta prova 3. Logo, deve haver um Ser cuja existência é n e­
de A quino era um argum ento m ais teleológico, que cessária (i.e., alguém que nunca foi criado e
estudiosos com o T hierry de Chartes e W illiam de jam ais deixará de ser).
C onches ad ap taram do argum ento de Platão em 4. Não pode haver regressão infinita de Seres Ne­
Tim eu. Aquino, é claro, afirm a os argum entos a p a r­
cessários, cada um com sua necessidade depen­
tir do co ntexto da p ró p ria filosofia, que é m ais dente de outro porque:
aristotélica que a da m aioria de seus antecessores a. A regressão infinita de causas dependentes é
cristãos. Os quatro prim eiros argum entos de Aquino impossível por causa do raciocínio no argu­
pod em ser resum idos desta form a: m ento da causalidade eficaz.
b. Um Ser Necessário não pode ser dependente.
O argumento baseado no m ovimento (Aquino, 1.2.3): 5. Portanto, deve haver um prim eiro Ser que é ne­
cessário em si e independente de outros para
1. As coisas se movem. 0 m ovim ento é a form a existir.
de m udança m ais óbvia.
2. M udança é um a passagem da p otên cia para o O argumento baseado na gradação (perfeição)
ato (i.e., da potencialidade para a realidade).
3. Nada passa da potência para o ato exceto por 1. Há níveis diferentes de perfeição entre as coi­
algo que está em realidade, pois é impossível sas (algum as estão m ais próxim as da perfeição
um a potencialidade se realizar. que outras).
argumento cosmológico 70
2. Mas as coisas não podem ser mais ou menos 5. Logo, a existência é produzível apenas por al­
perfeitas a não ser que haja o perfeito absoluto. gum ser produtivo. Somente seres podem pro­
3. A perfeição é a causa dos m enos que perfeitos duzir seres.
(o m aior é a causa do m enor). 6. Não pode haver regressão infinita de seres pro­
4. Logo, deve haver um Ser perfeito que cau­ dutivos, cada um produzindo a existência do
sa a perfeição dos seres menos que perfeitos. seguinte, porque:
5. A esse cham am os de Deus. a. Isso é um a série de causas essencialm ente
re la c io n a d a s, não a c id e n ta lm e n te re la ­
O argu m en to a fa v o r d e u m a C ausa P rim eira da cionadas, 1) onde a causa prim ária está mais
existên cia. Parece haver um a form a básica por trás próxim a da perfeição que a secundária, 2) onde
de todos esses argum entos que têm apenas pontos a causa secundária depende da prim ária para
de p a rtid a diferentes. Cada argum ento com eça com a própria causalidade e 3) onde a causa deve
algum a característica de existência (m udança, cau­ ser sim ultânea ao efeito.
salidade, contingência e perfeição, respectivam ente) b. A série infinita de causas essencialm ente
e depois argu m enta a favor de um a Causa Prim eira: relacionada é impossível, porque: 1) se toda a
série é dependente da causalidade (toda causa
1. Alguns seres dependentes existem. d e p en d e de u m a cau sa a n te rio r), en tão
2. Todos os seres dependentes devem ter um a deve haver algo além da série re s p o n s á ­
causa para sua existência dependente. vel pela causalidade na série. 2) Se um a série
3. A regressão infinita de causas existencialm en- infinita causasse o efeito, então haveria um
te dependentes é impossível. núm ero infinito de causas sim ultaneam ente
4. Logo, deve haver um a Causa Prim eira não cau­ causando um único efeito. Isso é impossível.
sada da existência de todo ser dependente. N ão pod e haver um n ú m ero in finito real
5. Esse Ser independente é igual ao “Eu Sou” das num a série, pois é sem pre possível acrescentar
Escrituras, o que explica a im possibilidade de m ais um a qualquer núm ero. 3) Sem pre que
existir m ais de um ser absolutam ente neces­ há causas anteriores, deve haver um a causa
sário e independente do qual tudo depende principal (prim ária). Um a causa não estaria
para existir. m ais próxim a do princípio que qualquer ou­
tra a não ser que haja um princípio. 4) Causas
Duns Scotus: argu m en to d a produ tibilidade. John
m aiores estão m ais próxim as da perfeição que
Duns Scotus (1265?-1308?) m odificou o argum ento causas m enores, e isso implica um a Causa per­
cosmológico de Aquino de duas form as im portantes. feita à frente de todas as coisas m enos que
P rim eiram ente, com eçou com a p ro d u tib ilid ad e da perfeitas. 5) A regressão infinita de causas
im plica im perfeição, já que nenhum a causa
existência, não apenas com seres produzidos. Em Se­
gundo lugar, am pliou o argum ento contra a regressão tem a capacidade de explicar as causas su
cessivas. Mas a série im perfeita im plica algo
infinita de causas dependentes. A form a com pleta da perfeito além da série por base da im perfeita.
prova de Scotus (Scotus, p. 39-56) é: 7. Logo, deve haver um a prim eira Causa produti­
va de todos os seres produzíveis.
1. A existência é produzida (i.e., os seres são pro­ 8. Essa Causa Prim eira de todos os seres produ-
duzidos). Isso aprendem os po meio da experi­ zivéis deve ser única, porque:
ência (pela observação dos seres produzidos), a. É perfeita em conhecim ento, e não pode
m as isso tam bém é verdadeiro independente­ haver dois seres que saibam tudo perfeitam en­
m ente da experiência (i.e., isso se aplicaria a te, pois um conheceria a si m esm o m ais com ­
seres que não existem ). Seria verdadeiro, m es­ pletam ente que o outro o conheceria.
m o se Deus não tivesse criado nada. b. É perfeita em vontade; portanto, am a a si
2. O produto é produzível, por si m esmo, ou por m esm a m ais com pletam ente que am a tudo
nada, ou por outra coisa. m ais, o que significa que o outro infinito seria
3. M as nenhum ser pode autoproduzi-se. Para am ado m enos que perfeitam ente.
causar sua própria existência, teria de existir c. É infinitam ente boa, e não pode haver dois
antes da própria existência. seres infinitam ente bons, pois assim haveria
4. E algo não pode ser causado por nada. Isso é m ais que um bem infinito, e isso é impossível,
contraditório. já que não pode haver m ais que o m áximo.
71 argumento cosmológico
d. É infinita em poder. Se houvesse dois se­ Sob a influência do discípulo de Leibniz, Christian
res com poder infinito, isso significaria que ha­ (1679-1754), essa prova tornou-se o padrão do
veria duas causas prim árias totais do m esm o argum ento cosmológico no m undo m oderno. Wolff
efeito, já que não pode haver duas causas que começou o argum ento (Collins, p. 137-8) de m aneira
tenham causado, cada, tudo que há. um pouco diferente:
e. O infinito absoluto não pode ser excedido
em perfeição, já que não pode haver um m ais 1. A alm a hum ana existe (i.e., nós existim os).
perfeito que o absolutam ente Perfeito. 2. N ada existe sem um a razão suficiente para
f. Não pode haver dois Seres Necessários, existir.
pois, para diferenciá-los, um teria de ter algu­ 3. A razão de nossa existência deve estar contida
m a perfeição da qual o outro carecesse (se não em nós m esm os ou em outro ser, além de nós
h á diferença real, eles não são realm ente dife­ m esm os.
rentes). Mas tudo que um Ser Necessário tem , 4. A razão da nossa existência não está em nós.
deve ter necessariam ente. Então, o que não tem Nossa inexistência é possível ou imaginável.
o que o outro tinha necessariam ente não seria 5. Então a razão da nossa existência deve estar
um Ser Necessário. fora de nós m esm os.
g. Vontade onipotente não pode estar em dois 6. Não se chega à razão suficiente para existirsem
seres, pois então um poderia deixar im potente alcançar o ser que tenha em si m esm o a razão
o que o outro deseja onipotentem ente. M esmo para sua própria existência. Se não tivesse, en­
se concordassem em não im pedir um ao ou­ tão deve haver um a razão suficiente para sua
tro, ainda seriam incom patíveis, pois cada um existência além de si mesmo.
fosse a causa prim ária total e (direta) de qual­ 7. O ser que tem em si m esm o a razão para a pró­
quer coisa que concordassem em criar. Mas a pria existência é o Ser Necessário.
Causa onipotente deve ser a Causa prim ária 8. Logo, deve haver um Ser N ecessário além de
total (e direta) do que cria. A causa que con­ nós, que é a razão suficiente de nossa existên­
cordar com o efeito que não crie diretam ente cia. Se não houvesse um Ser Necessário fora
de nós, seríam os Seres N ecessários, tendo a
seria apenas a causa indireta e, logo, não a Cau­
razão para própria existência em nós m esm os.
sa direta (onipotente) do efeito. 9. É logicam ente impossível não existir um Ser
Necessário. Auto-existência ou essência flui ne­
Leibniz: 0 argumento tia razão suficiente. A form a cessariam ente da natureza do Ser Necessário.
m ais influente do argum ento cosmológico nos tem ­ 10. Logo, esse Ser Necessário é igual ao Deus auto-
pos m odernos surgiu de G ottfried W ilhelm Leibniz existente das Escrituras.
(1646-1716), o racionalista alemão. A prova (Leibniz,
p. 32-9) é assim form ulada: A fórmula Leibniz-Wolff do argum ento cosmológico
baseia-se em grande parte no princípio de razão sufici­
1. 0 m undo inteiro (observado) está m udando. ente (v. que geralm ente é
2. Tudo que é mutável carece de razão para a pró­ defendido como um princípio analítico evidente. O ar­
pria existência. gum ento é a posteriori na forma, m as não existencial.
3. Há um a razão suficiente para todas as coisas, Começa com a existência de algo, m as depois prosse­
ou em si m esm o ou além de si. gue em direção a sua conclusão, logo é baseado num a
4. Logo, deve haver um a causa além deste m un­ certeza conceituai, não num a certeza real (existencial).
do para sua existência. É exatam ente esse o ponto inicial da crítica m oderna ao
5. Essa causa está ou na própria razão suficiente argum ento cosmológico. Até filósofos escolásticos foram
ou possui um a causa além dela. altam ente influenciados por esse tipo de raciocínio
6. N ão pode haver regressão infinita de razões (Gurr). Sua reformulação do argum ento cosmológico
suficientes, pois deixar de alcançar um a ex­ de Aquino está sujeita à m esm a crítica.
plicação não é explicação; m as deve haver Respondendo às objeções ao argumento. Objeções
um a explicação. contra o argum ento cosmológico, em anadas em gran­
7. Logo, deve haver um a Causa Primeira do mundo de parte de Im m anuel e David são tratadas
que não tem razão além dele é a própria razão. A abundantem ente nos artigos biográficos sobre esses fi­
razão suficiente está nela mesma e não além dela. lósofos e no artigo
argumento cosmológico 72

Taylor: reafirm ando o argumento cosmológico. Richard verdadeiro. O argum ento de Taylor parece dar plausibi­
Taylor provocou novo interesse no argum ento cosmoló­ lidade a um tipo cosmológico de argum ento, já que
gico por meio de um a reformulação que evita muitas dem onstra que é significante buscar um a causa para
objeções tradicionais. A reformulação de Taylor assume o m undo inteiro. D em onstra com o o conceito de um
a seguinte forma (Taylor, p. 279-95): Ser Necessário é im portante e argum enta firm em ente
contra a regressão infinita. 0 argum ento baseia-se na
1. O universo com o um todo não explica a pró ­ necessidade de um a explicação da existência do m un­
pria existência. do, não num a suposta necessidade conceituai ou lógi­
a. Nenhum a parte observável explica sua existên­ ca, como no argum ento ontológico.
cia. Apesar desses fatores positivos para o teísm o, o
b. O todo tam bém não explica sua existência (sua argum ento de Taylor está sujeito às críticas da tradi­
inexistência é concebível). ção racionalista Leibniz-Wolff. Ele coloca o sucesso do
c. R esponder às perguntas Onde? H á qu an to tem - argum ento cosmológico nas m ãos do princípio da ra -
p o ? O quê? ou De q u e tam an ho? Não responde z ã o suficiente, em vez de baseá-lo totalm ente no prin ­
p o r qu e o m undo existe quando não precisa cípio da cau salid ad e existencial. O m undo exige um a
existir (e.g., um a bola grande encontrada num a causa real e não apenas um a explicação ou razão. Isso
floresta precisa de um a explicação do p orq u ê não pode ser alcançado ao confundir e/ou igualar um a
de existir; expandir a bola ao tam anho do uni­ base para a existência atual do m undo com um a ex­
verso inteiro não elim ina a necessidade de um a plicação da incapacidade de conceber sua inexistência.
explicação). Problem as conceituais exigem soluções conceituais.
2. Tudo o que não explica a própria existência Seres dependentes reais exigem um Ser independente
precisa de um a explicação além de si mesmo. do qual dependem no m om ento presente.
a. É logicam ente possível que o princípio da ra­ Conclusão. O argum ento cosmológico vertical b a­
zão suficiente não seja verdadeiro. Não é ver­ seia-se na prem issa de que algo m antém o universo
dadeiro analiticam ente; pode ser negado sem em existência agora. Algum a coisa não só criou o m un-
contradição. do (Gn 1.1), m as tam bém faz com que continue a exis-
b. Mas é implausível e irracional negar sua verda­ tir (Cl 1.17). 0 m undo precisa de um a causa orig in a-
de quando aplicado ao m undo. A inexistência dora e um a causa con servadora. Esse argum ento res­
do m undo é imaginável, quer inclua apenas um ponde a um a das perguntas m ais básicas: “Por que
grão de areia ou todas as estrelas, e supom os o existe algo (agora) em vez de nada?”. Em resum o, isso
princípio da razão suficiente em todo nosso pode ser enunciado desta m aneira:
pensam ento.
3. A regressão infinita de razões é impossível, pois 1. Toda parte do universo é dependente.
ela não oferece um a razão suficiente; apenas evi­ 2. Se toda parte é dependente, então todo o uni­
ta indefinidam ente dar a razão que é necessária verso tam bém deve ser dependente.
para a existência. Portanto, deve haver um a cau­ 3. Logo, todo o universo é dependente agora de
sa prim ária, auto-suficiente (independente) de algum Ser independente além dele para sua
todo o universo. existência atual.
Taylor acrescenta que não é m enos significativo fa­ Em resposta, os críticos argum entam que a segun­
lar sobre Deus como o Ser Necessário e independente da prem issa é a falácia denom inada composição. Só
que falar que círculos quadrados não existem . Se é sig­ porque todas as partes de um m osaico são quadradas
nificativo falar sobre seres que são im possíveis, então não significa que o m osaico inteiro seja quadrado. E
é significante falar sobre o Ser necessário. Um concei­ jun tar dois triângulos não form a necessariam ente
to de um Ser que não pode n ão existir é tão significante outro triângulo; pode form ar um quadrado. A totali­
quanto um conceito de um ser que n ão p o d e existir dade pode ter (e às vezes tem ) um a característica não
(i.e., um que pode ser inexistente). possuída pelas partes.
Alguns com entários são necessários com respeito Os defensores da form a vertical do argum ento
ao estado do argum ento cosmológico à luz da revisão cosm ológico logo afirm am que às vezes h á um a
de Taylor. Tal argum ento não chega à conclusão racio­ conexão n ecessária en tre as p a rte s e o todo. Por
nalm ente inevitável’ Taylor adm ite que é logicam ente exem plo, se to das as p artes de um piso são de car­
possível que o princípio da razão suficiente não seja valho, então todo o piso é de carvalho. Se tod a s as

Você também pode gostar