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O ARGUMENTO COSMOLÓGICO KALAM

Discussões contemporâneas da existência de Deus à luz da filosofia


analítica e das teorias do tempo

Felipe Soares Forti *


The kalam cosmological argument:
contemporary discussions about the
existence of God in light of analytic
philosophy and theories of time

RESUMO: Desde os tempos de Aristóteles ABSTRACT: Since the time of Aristotle, the
a questão da eternidade do mundo vem sendo question of the eternity of the world is being
discutida. Aparte das descobertas científicas discussed. Besides the scientific discoveries
do século XX que fortalecem a noção de que from the 20th century that strenghten the no-
o universo teve um início absoluto, um argu- tion that the universe had na absolute begin-
mento para a existência de Deus a partir da ning, na argument for God’s existence based
finitude do passado foi reerguido nas discus- on the finitude of the past has come back to
sões acadêmicas. O principal responsável por academic discussions. The main person res-
esse ressurgimento foi o filósofo americano ponsable for the ressurgence was the ameri-
William Lane Craig que aponta que, junto das can philosopher William Lane Craig, that
evidências científicas, os argumentos filosófi- points that, together with the scientific evi-
cos fortalecem a conclusão de que há uma dence, the philosophical arguments stren-
causa transcendente do universo. Após uma ghten the conclusion that ther is a transcen-
análise conceitual, é demonstrado que essa dente cause of the universe. After a concep-
causa é muito parecida com o conceito tradi- tual analysis it is demonstrated that such a
cional do Deus do teísmo. cause is very similar to the traditional concept
of the theistic God.
PALAVRAS-CHAVE: Filosofia da religião.
Teologia natural. Argumento cosmológico KEY-WORDS: Philosophy of religion. Na-
kalam. tural theology. Kalam cosmological argument.
289

* Graduado em Design Gráfico pela FMU – Faculdades Metropolitanas Unidas e em Filosofia pela Univer-
sidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente cursa Teologia no Mackenzie e é pesquisador pelo PIBIC –
MackPesquisa. Email: felipe.forti@live.com.

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INTRODUÇÃO vivo, acendendo-se em medidas e apagando-
se em medidas”.3 De fato, os filósofos pré-

N
a introdução de seu li-
vro God & Cosmology, socráticos ficavam perplexos com o questio-

que apresenta o debate namento acerca do que havia ocorrido “no

entre o filósofo William Lane Craig e o cos- princípio”. Em sua maioria, acreditavam que

mólogo Sean Carroll, o editor Robert Stewart a matéria era eterna, tendo um princípio ape-

questiona: “O que está em jogo quando deba- nas para a ordem que se encontra no mundo.

temos sobre Deus e a cosmologia? Essa é Estes que foram chamados de pré-socráticos

uma questão interessante e complicada. [...] por muito tempo apelaram para elementos

Não há debate, que eu saiba, entre os cosmó- naturais, como a água e o ar, para explicar essa

logo a respeito da existência do universo. ordem no cosmos. Tales, Anaximandro e

Existe, no entanto, um debate significativo Anaxímenes foram os filósofos pré-socráti-

sobre a natureza do universo [...]”1 cos que formaram a Escola de Mileto, e bus-

Uma das questões desse debate, ex- cavam responder à pergunta: o que é a

plicitada por Stewart, tem relação com a eter- physis?.4 A physis é mais do que sua tradução

nidade do mundo: o universo é eterno ou teve por “natureza” sugere, tendo como signifi-

um princípio?2. Tal pergunta, no entanto, não cado “a realidade, não aquela pronta e aca-

é nova. Nos tempos antigos, filósofos gregos bada, mas a que se encontra em movimento e

assumiam a eternidade do cosmos ou de uma transformação, a que nasce e se desenvolve.

matéria primordial. Por exemplo, Heráclito [...] Saber o que é a physis, assim, levanta a

de Éfeso escreveu: “Este mundo, o mesmo


de todos os seres, nenhum deus, nenhum ho-
mem o fez; mas era, é e será um fogo sempre

1 STEWART, Robert B. (Ed.). God & cosmology: 3 HERÁCLITO. Fragmentos. In: Os pensadores: os
William Lane Craig & Sean Carroll in dialogue. pré-socráticos. São Paulo: Editora Nova Cultural,
290

Minneapolis: Fortress Press, 2016, p. 1-2. 1990, p. 99.


2 Ibid., p. 2. 4 ABRÃO, Bernadette Siqueira (Org.). História da

filosofia. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999,


p. 25.

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questão da origem de todas as coisas que Ao expor sua física, Aristóteles ad-
constituem a realidade”.5 mitiu a eternidade do mundo. Como R. J.
Apesar disso, no próprio Heráclito Hankinson explica, Aristóteles “sustenta que
vemos uma mudança de paradigma, onde não o mundo existe sem ter tido um começo e,
se pode apenas manter-se no mundo físico portanto, tem [...] que admitir que houve um
para a busca de causas. Para ele, apesar de o número infinito de dias antes deste”.9
mundo ser composto de fogo, o qual é a ma- A postura do Filósofo quanto à eter-
téria primordial, ele é governado pelo Logos, nidade do mundo foi de extrema importância
que, mesmo não sendo identificado como ne- para as teorias cosmológicas da Idade Média.
nhum dos deuses do Olimpo, era divino.6 Se- Em particular, aqueles participantes da escola
guindo rota similar, Anaxágoras acreditava falsafa de filosofia árabe foram altamente in-
que todas as coisas, infinitas em quantidade e fluenciados pelos pensamentos de Aristóteles
em pequenez, estavam juntas, até que o Nous com relação à infinitude do passado. Dois
(ou a Mente) veio e as ordenou.7 Anaxágoras desses filósofos são Al-Farabi e Avicena, que
se referia à essa Mente do modo como deve- adotaram uma doutrina de eternidade do
ria se referia à divindade.8 Essas duas propos- mundo associada à emanação deste pelo Ser
tas começam a engatinhar para o retorno das Necessário.10 De fato, é nesse período do Me-
explicações metafísicas para a ordem no cos- dievo que as discussões acerca do argumento
mos. cosmológico são as mais valorosas. Como

5 Ibid., p. 24. entre suas crenças. Ao se deparar com isso, Aris-


6 KENNY, Anthony. Uma nova história da filosofia: tóteles busca solucionar o problema ao dizer que
filosofia antiga. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, as partes de cada um (um dia ou um movimento
2011, v. 1, p. 38. ordinário) não persistem eternamente. Dito de
7 KENNY, Anthony. Op. cit., v. 1, p. 50-51. outro modo, agora não existe um número infinito
8 Ibid., p. 51. de momentos presentes. Apesar de negar a possi-
9 HANKINSON, R. J. “Ciência”. In: BARNES, bilidade de um número infinito atual, Aristóteles
Jonathan. Aristóteles. Aparecida, SP: Ideias & Le- admite a possibilidade de um infinito potencial
tras, 2009, p. 191; Hankinson expõe que “Aristó-
291

(Ibid., p. 191-192).
teles é, numa variedade de sentidos, um finitista” 10 FILHO, Miguel Attie. Falsafa: a filosofia entre

(Ibid.), o que indica que há uma certa contradição os árabes. São Paulo: Attie Produções, 2016, p.
199, 234.

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Craig observa: “Provavelmente, nenhum ca-
pítulo na história do argumento cosmológico Vemos, portanto, que o argumento
é tão significativo [...] quanto a dos filósofos cosmológico possui uma longa história. No
e teólogos árabes.”11 presente artigo se fará uma defesa do argu-
Argumentos cosmológicos, na ver- mento cosmológico kalam, a partir das discus-
dade, constituem uma grande família de argu- sões contemporâneas no que se refere ao ar-
mentos com uma série de defensores e opo- gumento. Antes disso, porém, será feita uma
sitores em toda a história da filosofia, che- breve recapitulação histórica.
gando até a contemporaneidade. Como Craig
e James Sinclair apontam: AL-KINDI E O ARGUMENTO
KALAM
O argumento cosmológico é uma família
de argumentos que busca demonstrar a Al-Kindi é reconhecido como o pri-
existência de uma Razão Suficiente ou meiro grande filósofo árabe, e se mantém en-
Primeira Causa para a existência do cos-
mos. O rol de defensores desse argu- tre a escola kalam e falsafa.13 Ele participou do
mento se parece com um Quem é Quem da
filosofia ocidental: Platão, Aristóteles, processo de tradução das obras de Aristóte-
Avicena, Al-Ghazali, Maimônides, An- les, traduzindo a Metafísica e Do céu do grego
selmo, Tomás de Aquino, Scoto, Descar-
tes, Espinosa, Leibniz e Locke, para no- ao siríaco e árabe, além de ter trabalhado no
mear apenas alguns. Os argumentos cos-
mológicos podem ser convenientemente
livro neoplatônico A Teologia de Aristóteles. 14
agrupados em três tipos básicos: o argu- Além dessas traduções, ele foi autor da obra
mento cosmológico kalam para uma Pri-
meira Causa do começo do universo; o De Intellectu, onde busca falar sobre o intelecto
argumento cosmológico tomista para um
possível e o intelecto agente, esclarecendo a
Fundamento do Ser que sustenta o
mundo; e o argumento cosmológico leib-
niziano para uma razão suficiente do por-
quê existe algo ao invés do nada.12

11 CRAIG, William Lane. The cosmological argument Companion to natural theology. West Sussex: Wiley-
from Plato to Leibniz. 2. ed. Eugene, OR: Wipf and Blackwell, 2012b, p. 101.
Stock Publishers, 2001a, p. 48. 13 CRAIG, William Lane. Op. cit., 2001a, p. 61.
12 Idem; SINCLAIR, James D. “The kalam cos- 14 JOLIVET, Jean. “Alkindi”. In: GRACIA, Jorge
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mological argument”. In: MORELAND, James J. E.; NOONE, Timothy B. A companion to philoso-
P.; CRAIG, William Lane (Org.). The Blackwell phy in the middle ages. Cowley Road, Oxford: Wiley-
Blackwell, 2002, p. 129.

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distinção entre ambos que Aristóteles havia desenvolvidos pelo filósofo cristão João Filo-
feito15. pono para estabelecer que o mundo era fi-
Relevante para nossa discussão nito.17 Com respeito à essa “Primeira Filoso-
acerca do argumento cosmológico, é impor- fia”, Al-Kindi diz:
tante destacar de Al-Kindi sua crença na cria-
ção a partir do nada, apesar da influência aris- O conhecimento da primeira causa ver-
dadeiramente foi chamado de “Primeira
totélica e neoplatônica em seu pensamento. Filosofia”, já que todo o resto da filosofia
está contido em seu conhecimento. É,
Como diz Craig:
portanto, a primeira em nobreza, a pri-
meira em gênero, a primeira em ranking
com respeito ao conhecimento daquilo
Apesar de seu conceito de Deus ser pro-
que é mais certo, e a primeira em tempo,
fundamente neoplatônico, ele ficou do
já que é a causa do tempo.18
lado dos teólogos com relação ao seu ar-
gumento a favor da existência de Deus.
Diferente de seus sucessores filosóficos, Quanto ao primeiro argumento, Al-
Kindi argumentava que a existência de
Deus pode ser demonstrada provando Kindi se baseia na impossibilidade de um
que o universo teve um início no corpo quantificado ser infinito. A partir disso,
tempo.16
ele diz que a infinitude de um corpo levaria a
Qual era, então, o argumento de Al- certas contradições. Como o tempo é algo
Kindi? Em sua obra Primeira filosofia, o pai da quantitativo também, tais contradições tam-
filosofia muçulmana utiliza os argumentos já bém se resultam nele.19 Al-Kindi começa afir-
mando: “se um corpo tem a infinidade, então

15GILSON, Etienne. A filosofia na Idade Média. 2. 16 CRAIG, William Lane. Op. cit., 2001a, p. 61.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 426. Al- 17 KENNY, Anthony. Uma nova história da filosofia:
Kindi distinguia entre quatro tipos de intelecto: filosofia medieval. 2. ed. São Paulo: Edições Lo-
(1) o intelecto sempre em ato; (2) o intelecto em yola, 2012, v. 2, p. 324.
potência; (3) o intelecto que passa da potência 18 AL-KINDI. “On First philosophy”. In: IVRY,

para ato; (4) o intelecto demonstrativo. Com rela- Alfred L. Al-Kindi’s “first philosophy” and cognate
ção a (1), é a Inteligência agente, uma substância texts: translation and commentary. 1970. Tese (Dou-
espiritual superior e distinta da alma. Todo ser hu- torado em Filosofia) – University of Oxford, Ox-
mano possui um intelecto em potência, e é a ta- ford, 1970, p. 94. Disponível em:
293

refa da Inteligência agente agir nela para torná-la <https://ora.ox.ac.uk/objects/td:602326530>.


em intelecto em ato. Existe apenas uma Inteligên- Acesso em: 23 ago. 2019.
cia agente para toda a humanidade. (Ibid., p. 426- 19 Nesse argumento, Al-Kindi questiona o que

427). aconteceria se tirássemos uma parte finita de um

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quando um corpo de magnitude finita é sepa- contradição impossível”23, pois, se um é me-
rado dele, aquilo que resta será ou finito em nor do que o outro, então o menor é um ob-
magnitude, ou infinito em magnitude” 20 . jeto infinito e finito.24 Agora, como isso se re-
Com isso, Al-Kindi continua apontando um laciona com o tempo? Al-Kindi explica: “Foi
dilema: se o que restar for finito em magni- explicado que é impossível para um corpo ter
tude, então se segue que, se colocarmos a a infinidade, e, nessa questão, deve ser expli-
quantidade retirada de volta teremos um cado que qualquer coisa quantitativa não
corpo finito, apesar de ter sido infinito antes. pode ter a infinidade em atualidade. Ora, o
Esse corpo será, portanto, finito e infinito ao tempo é quantitativo, e é impossível que o
mesmo tempo, o que é uma autocontradi- tempo tenha a infinidade em atualidade,
ção21. tendo um início finito.”25
Mas, e se for infinito? Ora, se “o res- O que isso significa, explana Craig,
tante for uma magnitude infinita, então se é que assim como o espaço é quantitativo, o
qualquer coisa que foi retirada dele for adici- tempo também o é. Como consequência, o
onada de volta, ele será maior ou igual ao que tempo não pode ser infinito em atualidade,
era antes da adição”22. Mas, se for maior, en- mas deve ter tido um começo. Como o tempo
tão o infinito após a adição será maior do que é a duração do corpo do universo, então se o
o infinito original. Contudo, por serem am- tempo for finito, o universo também será fi-
bos infinitos, devem possuir os mesmos limi- nito.26 Para o filósofo muçulmano: “Foi de-
tes. Mas, nas palavras de Kindi, “isso é uma monstrado que é impossível para o tempo em

corpo infinito. Se o corpo restante for finito, en- tativo. Como o tempo também é quantitativo, es-
tão caso coloquemos a quantidade tirada de volta, ses absurdos se resultam no mesmo se ele for in-
temos duas opções: ou o corpo continua finito, finito. (Cf. AL-KINDI. Op. cit., 1970, p. 112-
ou volta a ser infinito. Se finito, então cai em uma 114).
autocontradição, pois é a mesma quantidade que 20 AL-KINDI. Op. cit., 1970, p. 112.

havia quando infinito, mas agora finito. Se for in- 21 Ibid.

finito, então será um infinito igual ou maior do 22 Ibid.


294

que o anterior. Contudo, quantidades iguais exi- 23 Ibid., p. 113.

gem o mesmo limite. Assim, o argumento leva em 24 Ibid.

uma impossibilidade lógica de um infinito quanti- 25 Ibid.


26 CRAIG, William Lane. Op. cit., 2001a, p. 62.

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atualidade possuir a infinidade. O tempo é o elas, nem associada a elas. É, por outro lado,
tempo, a extensão, do corpo do universo. Se superior, mais nobre e anterior em tempo,
o tempo é finito, então o ser de seu corpo é sendo a causa de sua geração e consolida-
finito”. 27
ção”29. Nas palavras de Jean Jolivet: “O Uno
Outro argumento apresentado por é o Criador, pois a criação consiste nesse dom
Al-Kindi envolve o problema de se transpas- da unidade, o qual, dentro do domínio das
sar o infinito através do tempo. Cada mo- coisas criadas, se mantém necessariamente li-
mento no tempo é precedido por outro mo- gado com a multiplicidade”.30
mento no tempo. Contudo, não se pode ter
um número infinito desses momentos. Pois, AL-GHAZALI E O ARGU-
“se isso fosse possível, e depois de todo seg- MENTO KALAM31
mento do tempo houvesse um segmento, in- Al-Ghazali teve quase todas as suas
finitamente, então nós nunca chegaríamos a obras ignoradas, mas ele concordava com Al-
um dado momento”. 28
Kindi que o mundo deveria ter tido um co-
Al-Kindi conclui que deve haver meço. Ele escreveu uma obra intitulada As in-
uma causa do mundo, pois nada pode surgir tenções dos filósofos, na qual expunha as ideias de
do nada. Ele então postula que deve haver Al-Farabi e Avicena. 32 Essa foi a sua única
uma causa para a relação entre o uno e o múl- obra traduzida para o árabe, o que fez com
tiplo, aquele que é chamado de Uno, o qual que os pensadores de sua época acreditassem
abstraiu todas as formas de si mesmo. Ele diz:
“todas as coisas possuem uma primeira causa,
a qual não é de seu gênero, e não é similar a

27 AL-KINDI. Op. cit., 1970, p. 114. gumento cosmológico kalam: convergências e di-
28 Ibid., p. 121. vergências. Jornada de Iniciação Científica e Mostra de
29 Ibid., p. 152. Iniciação Tecnológica, dez. 2020. Disponível em:
30 JOLIVET, Jean. Op. cit., 2002, p. 131. <http://eventoscopq.mackenzie.br/in-
295

31 A seção a seguir foi primeiramente publicada dex.php/jornada/xvijornada/pa-


no artigo de Iniciação Científica: FORTI, Felipe; per/view/1902/1218>. Acesso em: 19 mar.
MADUREIRA, Jonas. Tomás de Aquino e o ar- 2021.
32 GILSON, Etienne. Op. cit., 2007, p. 438.

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que ele fosse um discípulo de Avicena. Po- A primeira preocupação de Al-Gha-
rém, o verdadeiro Al-Ghazali tem um pensa- zali na Incoerência é demonstrar a impossibili-
mento muito diferente do seu antecessor.33 dade de fenômenos temporais infinitos, ape-
Al-Ghazali é o responsável pela vi- lando para o movimento circular das esferas
tória da escola kalam sobre a escola falsafa, e é celestes. De acordo com a física da época, a
conhecido como “a maior figura na história esfera do sol faz uma rotação por ano, en-
da reação islâmica ao neoplatonismo”.34 Mas quanto a esfera de Saturno a faz em trinta, a
como se deu essa reação? Al-Ghazali escre- de Júpiter faz em doze, e a das estrelas fixas
veu sua refutação ao aristotelismo árabe em em trinta e seis mil. Dada a eternidade do
sua obre A incoerência dos filósofos. Nessa obra, mundo, isso nos levaria a um absurdo, pois,
Al-Ghazali se propõe a escrever sobre o tra- mesmo Saturno fazendo 1/30 das rotações
dicional argumento kalam para a finitude do do sol, e Júpiter 1/12, o número de rotações
mundo35. Ele fez um exame de 20 das doutri- de todas é igual, a saber, infinito.38 Em sua ex-
nas presentes na Metafísica e na Física, e mos- plicação do argumento de Al-Ghazali, Craig
trou que os filósofos árabes estavam errando diz: “Se o mundo fosse eterno, então esses
em afirmar a eternidade do mundo.36 Em sua corpos iriam, cada um, ter completado um
obra Moderação da crença, Al-Ghazali apresenta número infinito de rotações, mas, ainda as-
seu argumento kalam no seguinte silogismo: sim, um teria completado duas vezes mais ou
“A ocorrência de todo ocorrente possui uma
causa; o mundo é um ocorrente; necessaria-
mente se segue que ele possui uma causa”.37

33 Ibid. 36 BOEHNER, Philotheus; GILSON, Étienne.


34 CRAIG, William Lane. Op. cit., 2001a, p. 98. História da filosofia cristã: desde as origens até Nico-
35 Citando Lenn Evan Goodman, Craig mostra lau de Cusa. 8. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003, p.
que Al-Ghazali não falou apenas do argumento 351.
cosmológico, mas também expôs o argumento te- 37 AL-GHAZALI. Al-Ghazali’s moderation in belief.

leológico, o argumento da autoridade auto auten- Chicago, IL: University of Chicago Press, 2013, p.
296

ticada e até insinua para um argumento do Motor 56.


Imóvel e o argumento da contingência de Farabi 38 Idem. Tahafut al-falasifah: Incoherence of the

e Avicena (CRAIG, William Lane. Op. cit., 2001a, philosophers, Pakistan Philosophical Congress.
p. 98). Club Road: Lahore, 1963, p. 20.

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mil vezes mais do que as rotações do outro, o de distinguir algo do seu similar”43 conclui-se
que é absurdo”.39 que “O Eterno produzirá o mundo como ele
Mas Al-Ghazali se propõe a respon- é, onde ele é, e do modo como é”.44
der uma questão mais importante: o que dife- O que isso significa é que, para Al-
rencia um momento específico dos seus ante- Ghazali, a origem do mundo se deve à von-
riores e posteriores para que Deus criasse tade e ao livre-arbítrio de Deus. Al-Ghazali
nele? 40 A isso, o teólogo responde que não resume a tradicional prova kalam45 para a ori-
deve ser por conta do seu poder, já que o po- gem do mundo:
der age de forma igual com relação à duas coi-
sas similares. 41 Por conseguinte, Deus deve ...existem fenômenos temporais no
mundo. E alguns outros fenômenos são
possuir o atributo da vontade, pois, é a von- as causas destes. Ora, é impossível que
um conjunto de fenômenos temporais
tade que pode “distinguir algo de seu simi-
seja causado por outro, e que essa série
lar”42, sendo ela “um atributo com a função vá ad infinitum. Nenhuma pessoa inteli-
gente deveria crer em tal coisa...

39 CRAIG, William Lane. Op. cit., 2001a, p. 102. É impossível que seja ímpar, pois um número ím-
O mesmo argumento é apresentado por Al-Gha- par se torna par quando se adiciona um; então, é
zali na Moderação da Crença. Assim como na Incoe- ímpar pela ausência de um; mas como pode o ím-
rência, o teólogo diz: “se o número de revoluções par faltar em um?” (AL-GHAZALI. Op. cit.,
das esferas celestes fosse infinito, então seu nú- 2013, p. 38).
mero seria ou par, ou ímpar, nem par e nem ím- 40 AL-GHAZALI. Op. cit., 1963, p. 23-24.

par, ou ambos par e ímpar. Esses quatro casos são 41 AL-GHAZALI. Op. cit., 1963, p. 25.

impossíveis, então, o que se segue deles é impos- 42 Ibid.

sível também. É impossível que um número não 43 Ibid.

seja nem par e nem ímpar, ou ambos par e ímpar, 44 Ibid., p. 24.

pois um número par é algo que pode ser dividido 45 Apesar de ser um argumento tradicional usado

em duas partes iguais [...] e um número ímpar é por Al-Kindi, Al-Ghazali tem em mente uma pre-
aquele que não pode ser dividido em duas partes ocupação diferente. Craig explica que Ghazali não
iguais [...] Cada número que é composto de uni- está, como fez Kindi, baseando seu argumento na
dades ou pode ser dividido em duas partes iguais finitude do tempo. Ao invés disso, ele se baseia
ou não pode. Mas, ser descrito como capaz e in- em fenômenos temporais, como a rotação das es-
capaz de tal divisão ou ausente de tal é impossível. feras celestes (CRAIG, William Lane. Op. cit,
Não pode ser par, pois um número par só não é 2001a, p. 104). Além disso, seu princípio de cau-
297

ímpar por causa de um número a menos; então, salidade não tem relação com o que ocorre entre
se um for adicionado a ele, torna-se ele se torna os fenômenos, mas sim qual é a causa determi-
ímpar; mas como pode o infinito não possuir um? nante da existência dos fenômenos (CRAIG, Wil-
liam Lane. Op. cit, 2001a, p. 104).

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Então, se há um limite no qual essa série Primeiro, ele considera uma teoria dos
temporal para, que esse limite seja cha- conjuntos moderna em sua defesa da im-
mado de Eterno.46 possibilidade de um infinito atual, asse-
gurando que o argumento cosmológico
kalam esteja de acordo com a matemática
Al-Ghazali conclui: “E isso prova contemporânea. Segundo, diferente de
como a possibilidade de acompanhar um seus predecessores, Craig apresenta argu-
mentos científicos junto com os argu-
temporal vindo de um ente eterno pode ser mentos filosóficos em suporte de uma
origem do universo. Como resultado
deduzido a partir dos princípios fundamen-
disso, Craig ajudou a promover a intera-
tais deles [dos filósofos]”.47 ção entre filósofos e físicos em relação à
origem do universo.48

A ATUALIDADE DO ARGU- Com respeito a essa interação, ve-


MENTO KALAM
mos claramente que Craig constantemente
Em tempos mais recentes, o argu-
faz essa ponte entre a filosofia e a cosmologia.
mento cosmológico kalam tem ressurgido nas
Em 1995, ele lançou um livro em conjunto do
discussões filosóficas e teológicas. Entre seus
filósofo ateu Quentin Smith intitulado Theism,
proponentes, estão nomes como Paul Copan,
Atheism and Big Bang Cosmology [Teísmo, ate-
Jacobus Erasmus, Andrew Loke, Fr. Robert
ísmo e a cosmologia do Big Bang]. Nesse li-
Spitzer, Hugh Ross e William Lane Craig.
vro, Craig e Smith debatem de forma escrita
Craig é considerado o principal defensor do
a respeito das interpretações teístas e ateístas
argumento atualmente, além daquele que
da cosmologia do big bang, vendo qual mais
mais trouxe contribuições para a debate. Ao
se adequa ao fato da origem do mundo.
falar das contribuições de Craig, Erasmus diz:

46 AL-GHAZALI. Op. cit., 1963, p. 32. Al-Ghaz- implicitamente assume a verdade da análise de
ali faz uma provocação aos filósofos da falsafa, di- Aristóteles a respeito do infinito, sabendo que seu
zendo: “Se isso [um regresso infinito] fosse pos- oponente também a aceita” (CRAIG, William
sível, vocês não teriam considerado obrigatório Lane. Op. cit., 2001a, p. 102).
de sua parte introduzir o Criador (em suas teo- 47 AL-GHAZALI. Op. cit., 1963, p. 32.
48 ERASMUS, Jacobus. The kalām cosmological argu-
298

rias), ou afirmar um Ente Necessário em quem


todas as coisas possíveis são fundamentadas” ment: a reassessment. Springer International Pub-
(Ibid.). Comentando essa passagem, Craig aponta lishing AG, 2018, v. 25, p. 88.
a provocação do teólogo, quando “Al-Ghazali

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Tal discussão permanece até hoje, à segunda premissa do argumento kalam foi
por exemplo, no debate entre Craig e o cos- feita por Craig e Sinclair em seu artigo publi-
mólogo ateu Sean Carroll, com a participação cado em The Blackwell Companion to Natural
de Alex Rosemberg, Tim Maudlin, James Sin- Theology.52 Mais recentemente, essa discussão
clair e Robin Collins. O debate ocorreu no também está presente no livro The Kalam Cos-
evento chamado God & Cosmology: The Exis- mological Argument53, com artigos não apenas
tence of God in Light of Contemporary Cosmology de cristãos (como Craig, Moreland, e Aron
[Deus e a cosmologia: a existência de Deus à Wall), mas também de agnósticos (como Ale-
luz da cosmologia contemporânea], e foi pu- xander Vilenkin) e ateus (como Smith e J.
blicado em forma de livro alguns anos de- Brian Pitts).
pois.49 Nesse debate, Craig nos lembra que o Por mais que as descobertas cientí-
papel da cosmologia nessa discussão não é o ficas sejam importantes nas discussões con-
de “fazer um tipo de afirmação tola de que a temporâneas a respeito do argumento kalam,
cosmologia contemporânea prova a existên- seu lado filosófico não ficou abandonado.
cia de Deus”50, mas sim que “a cosmologia Craig defende o kalam apelando para os tra-
contemporânea nos dá uma evidência signifi- dicionais argumentos filosóficos também, os
cativa em suporte de premissas em argumen- quais, para ele, “constituem seu aval primá-
tos filosóficos para conclusões que possuem rio” a favor da origem no universo.54 Tais ar-
um significado teológico”.51 gumentos filosóficos também foram critica-
Uma grande explanação acerca das dos por filósofos, como Graham Oppy, Wes
evidências científicas e como elas dão suporte Morriston e Adolf Grunbaum.55

49 STEWART, Robert B. (Ed.). Op. cit., 2016. 53 Idem. The kalām cosmological argument: scientific
50 CRAIG, William Lane; CARROLL, Sean. evidence for the beginning of the universe. Nova
“God and cosmology: the existence of God in Iorque: Bloomsbury Publishing Inc, 2018b.
light of contemporary cosmology”. In: STEW- 54 CRAIG, William Lane; CARROLL, Sean. Op.

ART, Robert B. (Ed.). God & cosmology: William cit., 2016, p. 21-22.
Lane Craig & Sean Carroll in dialogue. Minneap- 55 Cf. Idem; COPAN, Paul (Ed.). The kalām cosmo-
299

olis: Fortress Press, 2016, p. 20. logical argument: philosophical arguments for the
51 Ibid. finitude of the past. Nova Iorque: Bloomsbury
52 CRAIG, William Lane; SINCLAIR, James D. Publishing Inc, 2018a.
Op. cit., 2012b.

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O ARGUMENTO COSMOLÓ- será a defesa de Craig, mas novos apontamen-

GICO KALAM – UMA DEFESA56 tos e reconsiderações serão feitos.

A formulação do argumento cos-


mológico apresentada por Craig segue uma “TUDO O QUE COMEÇA A
forma similar à de Al-Ghazali: EXISTIR TEM UMA CAUSA”
Apesar de Craig começar sua análise
(1) Tudo o que começa a existir pos- e defesa do argumento pela segunda pre-
sui uma causa de sua existência; missa, sigamos a formulação proposta em or-
(2) o universo começou a existir; dem. Craig provavelmente o faz de outra
(3) portanto, o universo possui uma forma por acreditar que a segunda premissa
causa de sua existência.57 requer uma maior defesa, visto que, para ele,
é a única premissa realmente controversa.59
Craig faz menção a dois pontos Contudo, mesmo acreditando que a
principais que são pressupostos para a lógica primeira premissa é verdadeira por estar “en-
do argumento: (a) alguma forma de princípio raizada na intuição metafísica de que algo não
da causalidade; (b) a impossibilidade de um pode existir a partir do nada”60, Craig oferece
regresso infinito de eventos. 58 Destarte, o uma série de argumentos a favor da verdade
sentido da palavra “causa” aqui é o que Aris- dessa premissa. São eles:
tóteles chamou de “causa eficiente”. A seguir,
uma defesa do argumento será feita. A base (i) O argumento dos fatos empíricos:
Craig aponta para o fato de que “a

56Uma parte do conteúdo nas seções seguintes 57 Idem. The kalām cosmological argument. 2. ed. Eu-
foi publicada em FORTI, Felipe. Cosmologia, fi- gene, OR: Wipf and Stock Publishers, 2000, p. 63.
losofia e teologia: os pontos de contato entre a 58 Ibid.

cosmologia do Big Bang e a doutrina da criação. 59 CRAIG, William Lane. Apologética contemporânea:

Revista Poder & Cultura, Rio de Janeiro, v. 7, n. 14, a veracidade da fé cristã. São Paulo: Vida Nova,
300

p. 597-639, jul./dez. 2020. Disponível em: 2012a, p. 107.


<https://drive.google.com/file/d/1WrsV6hajI- 60 MORELAND, J. P.; CRAIG, William Lane. Fi-

aVGyFJufFGBVAN_s3FzHZVB/view>. losofia e cosmovisão cristã. 2ª Ed., São Paulo: Vida


Acesso em: 20 mar. 2021 Nova, 2021, p. 740.

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proposição causal pode ser tomada Apesar de apresentar esses dois ar-
como uma generalização empírica gumentos em sua obra original The kalam cos-
que possui um forte apoio da expe- mological argument, Craig tem defendido três
riência”, sendo assim, é “constante- outros argumentos distintos para a verdade
mente confirmada e nunca false- da premissa 1. São eles:
ada”.61
(ii) O argumento da categoria a priori da (iii) Ex nihil nihil fit: para Craig, negar
causalidade: Baseando-se em Stuart esse princípio leva a absurdos, pois
Hackett e sua reformulação da cate- “ninguém sinceramente crê que coisas,
goria kantiana da causalidade, Craig como um cavalo ou uma vila de Es-
argumenta que o princípio causal é quimós, possam simplesmente bro-
“uma expressão da operação de uma tar sem uma causa”. 64 O próprio
categoria de causalidade mental a conceito de “nada” é importante
priori a qual a mente traz para a ex- aqui. Sendo a “ausência do que quer
periência”.62 Craig conclui, após ex- que seja”, o “nada” não “pode pos-
posição da reformulação de Hackett suir nenhuma propriedade, uma vez
que a causalidade “[é] a priori porque que literalmente não existe nada
é universal e necessária, sendo uma para ter propriedades”.65
precondição do próprio pensa- (iv) Por que apenas universos?: “Se as coi-
mento. Mas, é sintética porque o sas”, diz Craig, “pudessem vir a exis-
conceito de um evento não implica tir a partir do nada, então se torna
no conceito de ser causado”.63 inexplicável por que qualquer coisa
ou todas as coisas não vêm a existir
301

61 CRAIG, William Lane. Op. cit., 2000, p. 145. 64 CRAIG, William Lane; SINCLAIR, James D.
62 Ibid., p. 145-146. Op. cit., 2012b, p. 182.
63 Ibid., p. 147-148. 65 Ibid., p. 186.

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sem causa do nada”. 66 Exemplifi- busca a defender de objeções vindas de seus
cando com “bicicletas”, “Beetho- adversários. Apesar de afirmar que uma nega-
ven” e “cerveja”, Craig questiona: ção dessa premissa mostraria que os oposito-
por que essas coisas simplesmente res “são pessoas interessadas tão-somente na
não surgem do nada? Seria o “nada” refutação acadêmica do argumento, e não em
tão discriminatório a ponto de favo- descobrir efetivamente a verdade acerca do
recer apenas universos?67 universo”70, Craig as considera seriamente.
(v) Confirmação da experiência: similar ao David Hume, em sua obra massiva
primeiro argumento oferecido em Tratado da Natureza Humana, ataca justamente
sua obra original, Craig afirma que, o princípio de que tudo o que começa a existir pos-
por ser constantemente confirmada sui uma causa de sua existência. Ele diz:
pela nossa experiência, os naturalis-
tas científicos possuem as motiva- ... como todas as ideias distintas são sepa-
ráveis entre si, e como as ideias de causa
ções mais fortes para aceitar o prin- e de efeito são evidentemente distintas, é
68 fácil conceber que um objeto seja não-
cípio causal. Afinal, argumenta
existente neste momento e existente no
Craig, foi por conta da convicção momento seguinte, sem juntar a ele a
ideia distinta de uma causa ou princípio
nesse princípio que houve esforços produtivo. Portanto, a separação da ideia
no passado para criar modelos cos- de uma causa da ideia de um começo de
existência é claramente possível para a
mológicos que fugissem da origem imaginação.71
absoluta do universo.69
Hume está dizendo que, pelo fato de
conseguirmos imaginar algo surgindo sem
Com argumentos a favor da pri-
uma causa, portanto, não há nada de impos-
meira premissa apresentados, Craig também
sível em algo surgir de forma não-causada.

66 Ibid. 71HUME, David. Tratado da natureza humana: uma


67 Ibid. tentativa de introduzir o método experimental de
302

68 CRAIG, William Lane; SINCLAIR, James D. raciocínio nos assuntos morais. 2. ed. São Paulo:
Op. cit., 2012b, p. 187. Editora UNESP, 2009, p. 108, livro 1, parte 3, se-
69 Ibid., p. 188. ção 3.
70 CRAIG, William Lane. Op. cit., 2012a, p. 107.

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Elizabeth Anscombe resumiu o argumento significa que isso poderia ocorrer na reali-
de Hume da seguinte forma: dade”.75
Edward Feser também fez uma crí-
(1) Todas as ideias distintas são sepa- tica ao argumento de Hume. Feser aponta
ráveis. que “imaginar algo e conceber esse algo no
(2) As ideias de causa e efeito são dis- intelecto são coisas distintas. 76 Usando o
tintas. exemplo de um quiliágono (uma figura de
(3) Portanto, será fácil pensar em um 1000 lados) Feser mostra o fato de que não
objeto vindo à existência sem conseguimos imaginá-lo, mas, ainda assim, o
pensar em uma causa.72 intelecto pode conceber com facilidade.77 Fe-
ser também nos convida a imaginar uma bola
Anscombe responde a esse argu- de boliche surgindo de repente em nossa
mento utilizando a analogia de um coelho: frente. Imediatamente, ao invés de dizer que
não é porque eu posso imaginar um coelho ela surgiu sem causa, o que se pensaria é “de
vindo à existência sem uma causa que isso é onde veio isso?”, uma pergunta que pressu-
possível.73 Craig segue a crítica de Anscombe põe uma causa.78 Parece, portanto, que Hume
e diz: “Tudo o que Hume fez foi mostrar que não refutou a causalidade. De fato, ele mesmo
o princípio [da causalidade] [...] não envolve afirma: “Permita-me dizer-lhe que jamais afir-
uma contradição ou um absurdo lógico”.74 Ele mei uma Proposição tão absurda quanto esta,
continua: “Mas, só porque eu posso imaginar de que sem haver uma causa, possa surgir al-
algo começando a existir sem uma causa, não guma coisa”.79

72 ANSCOMBE, G. E. M. ‘Whatever has a begin- 75 Ibid.


ning of existence must have a cause’: Hume's ar- 76 FESER, Edward. Aquinas: a beginner’s guide.
gument exposed. Analysis, v. 34, n. 5, abr. 1974, p. Oxford: Oneworld Publications, 2011. Edição
148. Disponível em: Kindle, p. 50.
303

<https://doi.org/10.1093/analys/34.5.145>. 77 Ibid.

Acesso em: 11 ago. 2020. 78 Ibid.


73 Ibid., p. 149. 79 HUME, David apud CRAIG, William Lane.
74 CRAIG, William Lane. Op. cit., 2000, p. 145. Op. cit., 2012a, p. 108.

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A FÍSICA QUÂNTICA E O PRIN- explicação de que “algo” possa ter sur-
gido do nada sem a necessidade de qual-
CÍPIO DA CAUSALIDADE quer orientação divina.83

O físico Lawrence Krauss afirmou A partir dessa afirmação, Krauss ex-


que a física quântica fornece exemplos de par- plica como a física fornece explicações para o
tículas subatômicas que poderiam surgir do surgimento do universo a partir do “nada”.
nada, sem causa. Ele diz: “acho extremamente Para Krauss, o “nada” pode ser simplesmente
significativo um Universo que veio do nada” , 80
um “espaço vazio”.84 Nesse espaço vazio, ex-
visto que esse conhecimento é “baseado nos plica citando Alan Guth, pode haver energia,
desenvolvimentos impressionantes e anima- o que ocasionalmente, gerará o Big Bang. 85
dores da cosmologia empírica e da física de Diz Krauss que “o Universo observável pode
partículas”. 81 Para Krauss, a “evolução do começar como uma região do espaço muito
Universo até os primeiros momentos do Big pequena, que pode ser essencialmente vazia e
Bang pode ser descrita apenas com as já co- ainda assim crescer a escalas enormes”. 86
nhecidas leis da física, assim como o futuro Mais a frente, Krauss afirma que o “espaço
do Universo”.82 Por essa razão, Krauss com- vazio é complicado. É uma mistura em ebuli-
para o avanço da cosmologia com o darwi- ção de partículas virtuais que passam a existir
nismo: e desaparecem em um período de tempo tão
curto que não conseguimos distingui-las”.87
Assim como Darwin, embora não sem Definindo “nada” como um espaço
relutância, eliminou a necessidade da in-
tervenção divina na evolução do mundo
vazio com energia onde partículas virtuais
moderno, explicando a vida diversificada surgem e desaparecem, Krauss acredita que a
em todo o planeta [...], nossa compreen-
são atual do Universo, seu passado e seu física moderna respondeu ao questionamento
futuro, faz com que seja mais plausível a filosófico do “Por que existe algo, ao invés do

80 KRAUSS, Lawrence. Um universo que veio do 83 Ibid., p. 110.


304

nada: porque há criação sem Criador. São Paulo: 84 KRAUSS, Lawrence. Op. cit., 2013, p. 112.
Paz e Terra, 2013. Edição ePub, p. 107. 85 Ibid.
81 Ibid. 86 Ibid., p. 113
82 Ibid., p. 108. 87 Ibid., p. 115

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nada?”. Ora, Krauss está longe de responder A REFORMULAÇÃO DE CRAIG:
tal questão profunda, a qual, nas palavras de “SE O UNIVERSO TEVE UM
James Stroud “é a pergunta fundamental
PRINCÍPIO, ENTÃO O UNI-
quando falamos de qualquer filosofia”. 88

VERSO TEVE UMA CAUSA DE


Craig alerta que essa redefinição de “nada”
não mostra que partículas subatômicas real- SEU PRINCÍPIO”
mente vêm, de fato, do nada. O “nada”, que Em tempos recentes, Craig refor-
em seu sentido filosófico quer dizer o “não- mulou o argumento kalam, modificando a pri-
ser”, é, na definição de Krauss, apenas um vá- meira premissa para “se o universo teve um prin-
cuo quântico. Por conta disso, Craig, em con- cípio, então o universo teve uma causa de seu princí-
junto com o físico James Sinclair, afirma: “as pio”90. O motivo disso, diz Craig, é que a pre-
partículas não vêm do nada. Elas aparecem missa original de Al-Ghazali levantava “nu-
como flutuações espontâneas da energia con- merosas questões” 91 . Mas quais são essas
tida no vácuo subatômico”.89 questões? Craig clarifica, em sua palestra na
Universidade de Birmingham, que essa “ver-
são mais modesta da primeira premissa nos
permitirá evitar distrações sobre se as partícu-
las subatômicas, as quais são o resultado do
decaimento quântico, vem a ser sem uma
causa [...] Pois o universo é composto de toda
a realidade do espaço-tempo contínuo.”92

88 STROUD, James E. The philosophy of history: Na- kalām cosmological argument: philosophical argu-
turalism and Religion. 2. ed. Mustang, Oklahoma: ments for the finitude of the past. Nova Iorque:
Tate Publishing, 2017. Edição Kindle, p. 58. Bloomsbury Publishing Inc, 2018, p. 302.
89 CRAIG, William Lane; SINCLAIR, James D. 91 Ibid.

Op. cit., 2012b, p. 183. 92 REASONABLE FAITH. The kalam cosmological


90 Idem. “The kalām cosmological argument”. In:
305

argument. 2015. Disponível em: <https://www.re-


CRAIG, William Lane; COPAN, Paul (Ed.). The asonablefaith.org/writings/popular-wri-
tings/existence-nature-of-god/the-kalam-cos-
mological-argument/>. Acesso em: 1 ago. 2020.

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Mesmo com essa reformulação
sendo o novo padrão adotado por Craig, em O real problema é que esse não é o voca-
bulário correto a ser usado quando nós
outros momentos ele apresenta ainda uma discutimos física ou cosmologia funda-
mentais. Esse tipo de análise aristotélica
versão diferente. Em seus debates com Sean
de causalidade era excelente 2,500 anos
Carroll e Alex Rosenberg, Craig reformulou a atrás. Hoje, nós sabemos melhor. [...] Na
física moderna, se você fosse abrir um li-
premissa causal para: “Se o universo começou vro sobre a teoria quântica de campos ou
a existir, então há uma causa transcendente de relatividade geral, você não iria encon-
trar as palavras “causa transcendente” em
que trouxe o universo à existência”93 ou “Se nenhum lugar. [...] atualmente, sabemos
que a física funciona em termos de pa-
o universo começou a existir, então o uni- drões, regras inquebráveis e leis da natu-
verso teve uma causa transcendente”94. Ape- reza. Dado o mundo em um determinado
ponto, nós iremos dizer o que acontece
sar de Craig não especificar o motivo dessa depois. Não há a necessidade de ne-
nhuma bagagem metafísica extra, como
terceira variante (com o acréscimo de “trans- causas transcendentes, nesse caso.96
cendente” à palavra “causa”), o provável mo-
tivo é o adiantamento da análise conceitual Tal objeção, entretanto, parece irre-
que ocorre após a demonstração da necessi- levante para o argumento de Craig. Carroll
dade de uma causa do universo. Craig tam- parece estar pensando que Craig (ou qualquer
bém diz que essa variante “não pressupõe defensor do argumento kalam) está propondo
qualquer análise particular da relação causal. “Deus” (a.k.a. “causa transcendente”) como
Ela apenas requer que o universo não tenha parte de uma teoria científica do universo. Po-
vindo a ser sem causa”95. rém, como citado acima, essa não é a pro-
Apesar disso, Carroll colocou certo posta de Craig. 97 Para o fato de Carroll ter
descontentamento com a premissa reformu- dito que a linguagem aristotélica não é usada
lada por Craig. Ele objeta: na física contemporânea, Craig responde

93 CRAIG, William Lane; CARROLL, Sean. Op. 95 CRAIG, William Lane; CARROLL, Sean. Op.
cit., 2016, p. 21. cit., 2016, p. 21.
306

94 CRAIG, William Lane; ROSEMBERG, Alex. 96 Ibid., p. 38-39.

“The debate: is faith in God reasonable?”. In: 97 Cf. Ibid. p. 20.

GOULD, Paul; MILLER, Corey. Is faith in God


reasonable?. Nova Iorque: Routledge, 2014, p. 14.

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apontando também que a premissa não parte causa poderia aparecer e influenciar o fu-
turo em formas não previstas.
do conceito aristotélico de causalidade, e que Na ausência de um princípio causal, nós
“você pode adotar sua teoria de causalidade não poderíamos nem ao menos dizer que
eventos não-causados são improváveis.
favorita” 98 . Além disso, como Benjamin V. Um evento é improvável apenas se suas
potenciais causas são de tal forma que
Waters argumenta, esse tipo de crítica pressu- possam produzir o evento em questão
põe que “a física moderna pode fornecer uma apenas em casos excepcionais.101

descrição completa da realidade” de modo


Em outras palavras, as próprias pre-
que a simples retirada da teoria aristotélica de
visões da ciência pressupõem que haja algo
causalidade da literatura científica faz com
que causará o futuro predito e que nenhum
que a teoria seja falsa.99
estado de coisas não-causado não aparecerá
Note que Carroll afirma que, na fí-
para frustrar essa previsão. Assim, no próprio
sica moderna, “Dado o mundo em um deter-
projeto da ciência que Carroll expõe alguma
minado ponto, nós iremos dizer o que acon-
forma de princípio da causalidade deve existir
tece depois” 100 . Todavia, tal apontamento
– A ciência depende disso.
simplesmente serve de argumento a favor do
Craig lidou com outras objeções às
princípio causal. Como Robert Koons argu-
premissas causais. Certos críticos, aponta
menta:
Craig, têm tentado desviar da primeira pre-
missa afirmando que o princípio da causali-
Sem um conhecimento a priori do princí-
pio causal, nós não seríamos capazes de dade vale apenas para as coisas dentro do uni-
possuir conhecimento do futuro ou de
qualquer perspectiva de futuro, já que
verso, mas não para o próprio universo102. Essa
nós não poderíamos descartar a possibi- é uma acusação de falácia da composição, a saber,
lidade de que algum estado de coisas sem
não é porque cada parte do universo possui

98 Ibid. p. 59. 101 KOONS, Robert C. “Affirmative position: the


99 WATERS, Benjamin Victor. Toward a new universe has a cause”, In: PETERSON, Michael
kalām cosmological argument. Cogent Arts & Hu- L., VANARRAGON, Raymond J. Contemporary
manities, v. 2, n. 1, 9 jul. 2015, p. 5 Disponível em: debates in philosophy of religion. 2. ed. West Sussex:
307

<https://doi.org/10.1080/23311983.2015.1062 Wiley-Blackwell, 2020, p. 8.


461>. Acesso em: 1 ago. 2020. 102 MORELAND, J. P.; CRAIG, William Lane.
100 CRAIG, William Lane; CARROLL, Sean. Op. Filosofia e cosmovisão cristã, 1ª Ed., São Paulo: Vida
cit., 2016, p. 39. Nova, 2005, p. 572.

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uma causa que o todo dele também possui. A “juntar coisas dependentes resulta em um
isso, Craig responde de duas formas princi- todo dependente”.105 Rasmussen usa como o
pais: primeiro, ele aponta que o princípio da exemplo o azulejo: se um piso é composto de
causalidade não é uma lei física como a gravi- azulejos dependentes, então o próprio piso é
dade ou as leis da termodinâmica, mas sim um dependente. De fato, diz Rasmussen, mesmo
princípio metafísico: “um ser não procede de a idade do azulejo no piso não faz diferença
um não-ser”103; segundo, a objeção comete a alguma. 106 Rasmussen chama esse princípio
chamada falácia do taxi, ou seja, o opositor está de Princípio da Dependência, ou seja, “coisas pu-
afirmando o princípio da causalidade quando ramente dependentes formam um todo de-
lhe convém, mas, quando não convém mais, pendente”. 107 Considerando que a realidade
ele descarta como se fosse um taxi104. espaço-temporal é composta de coisas depen-
Apesar de Craig usualmente parar dentes, então o todo é dependente de algo
por aqui no que diz respeito a essa objeção, além de si mesmo.108 Isso, portanto, nos leva
podemos ir além. Alguns filósofos têm utili- à conclusão de que há uma causa para o uni-
zado a objeção para apontar o fato do uni- verso.
verso ser uma exceção à falácia da composi- Daniel Dennett, ao fazer sua crítica,
ção a fim de fortalecer a premissa causal. Jo- dedica apenas um parágrafo a esse argumento
shua Rasmussen, por exemplo, argumenta que é discutido desde a Idade Média até hoje.
que uma propriedade que se repete em todas Ele começa descrevendo o que ele entende
as partes de algo deve estar presente no todo por “argumento cosmológico”: “O Argu-
também. Assim, se o universo engloba uma mento Cosmológico [...] declara que, desde
totalidade de coisas dependentes (que depen- que tudo tem de ter uma causa, o universo
dem de uma causa ou explicação), então o
todo do universo também é dependente, pois

103 Ibid. 106 Ibid., p. 24


308

104 CRAIG, William Lane. Op. cit., 2012a, p. 109. 107 Ibid.
105 RASMUSSEN, Joshua. How reason can lead to 108 Ibid.

God: a philosopher’s bridge to Faith. Downers


Grove: InterVarsity Press, 2019, p. 23.

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tem de ter uma causa – ou seja, Deus”109. Per- cosmológico diz que Deus é a causa eficiente
ceba que isso é um espantalho, pois o argu- de si mesmo. Isso por causa da própria con-
mento kalam não diz que “tudo tem uma cepção de Deus como ser eterno que é evi-
causa”, mas sim que “tudo o que começa a exis- dente nas tradições judaico-cristã e muçul-
tir tem uma causa”110. Dennett parte desse es- mana; segundo, além do conceito de Deus,
pantalho para fazer sua proposta de causa do seria absurdo dizer que algo é a causa de si
universo: “o que causou Deus? A resposta de mesmo. Dennett reforça essa ideia mais adi-
que Deus é sua própria causa (de algum ante dizendo:
modo) provoca a refutação: se alguma coisa
pode ser causada por si mesma, porque o uni- Por que não parar no mundo material?
[...] ele se cria ex nihilo, ou de qualquer
verso, como um todo não pode ser a coisa modo, de alguma coisa bastante indistin-
que é causada por si mesma?”111 guível de qualquer outra coisa. Ao con-
trário da intrigantemente misteriosa auto-
Para Dennett, portanto, o argu- geração atemporal de Deus, essa autoge-
ração é uma proeza não milagrosa que
mento cosmológico nos permite afirmar que deixou muitos traços.112
o universo é a causa de si próprio. Apesar da
desconstrução do espantalho já ter sido feita, Dennett parece supor que o uni-

duas considerações devem ser feitas: pri- verso pode gerar-se a si mesmo e, como ela

meiro, nenhum proponente do argumento

109 DENNET, Daniel C. Quebrando o encanto: a uma causa” (HARRIS, Sam. Cartas a uma nação
religião como fenômeno natural. São Paulo: cristã. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.
Globo, 2006b, p. 246. 57). A partir disso, eles, como Dannett e outros,
110 Apesar de parecer um erro sem importância, questionam “se Deus criou o universo, quem
perceba como esse espantalho ocorre nos escritos criou Deus” (Ibid.; Cf. RUSSELL, Bertrand. Op.
de diversos ateus de grande nome. Dennett não é cit., 2013, p. 26). Tal questionamento não só é ir-
o único a afirmar que o argumento cosmológico relevante para o argumento cosmológico (pois,
diz que tudo tem uma causa. Bertrand Russell, ao perguntar quem criou Deus não descarta a exis-
explicar o argumento, diz que “tudo o que vemos tência deste) como também, como veremos adi-
neste mundo tem uma causa” (RUSSELL, Ber- ante, é facilmente refutada pela análise conceitual
trand. Por que não sou cristão: e outros ensaios a res- da Primeira Causa.
309

peito de religião e assuntos afins. Porto Alegre, 111 DENNET, Daniel C. Op. cit., 2006b, p. 247.

RS: L&PM, 2013. Edição ePub, p. 25); Sam Har- 112 DENNET, Daniel C. Op. cit., 2006b, p. 248.

ris comete o mesmo erro ao dizer que o argu-


mento cosmológico alega “tudo o que existe tem

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não é milagrosa, diferente de Deus, está justi- Estabelecido isso, Vilenkin faz seu argu-
ficada. 113 Entretanto, podemos responder mento:
que a autocriação é algo absurdo, indepen-
dente de quem ou o que a executa, pois tal ato Se todos os números conservados em um
universo fechado forem iguais a zero, en-
exigiria que um ente existisse antes dele tão não há nada que previna tal universo
de ser espontaneamente criado do nada.
mesmo existir. Como Tomás de Aquino diz:
E, de acordo com a mecânica quântica,
“nem é possível, algo que seja a causa efici- qualquer processo que não seja estrita-
mente proibido pelas leis de conservação
ente de si próprio, porque desse modo seria vai ocorrer com alguma probabilidade.116
anterior a si próprio: o que é impossível"114.
O cosmólogo Alexander Vilenkin O argumento de Vilenkin diz basi-

também tentou formular um argumento a fa- camente que, como a origem do universo

vor da noção de que o universo não precisa com energia zero não é proibida pela mecâ-

de uma causa para a sua origem. Vilenkin diz nica quântica, então não há nada que possa

que, dado o fato de que a força gravitacional prevenir o universo de surgir do nada. Vilen-

do universo possui energia negativa e a maté- kin conclui: “O que causou o universo a bro-

ria possui energia positiva, ambas se anulam, tar do nada? Nenhuma causa é necessária”117.

dando o total de energia zero no universo.115 O erro fundamental do argumento


de Vilenkin é a pressuposição de que as leis

113 Dennett afirma que o mundo material “exe- quântico” (CRAIG, William Lane. Op. cit., 2012a,
cuta uma versão do supremo truque da autogera- p. 147). Como visto quando lidamos com Krauss,
ção; ele se cria ex nihilo, ou de qualquer modo, de essa definição de “nada” é errônea e enganosa.
alguma coisa bastante indistinguível de qualquer 114 TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. 3. ed.

outra coisa” (DENNET, Daniel C. Op cit., 2013, São Paulo: Edições Loyola, 2009, v. 1 e 2, p. 167,
p. 248). Esse é um erro na tradução. Na obra ori- S. th. I, q. 2, a. 3. ad. 1.
ginal, Dennett usa as palavras out of something that 115 VILENKIN, Alexander. “The beginning of

is well-nigh indistinguishable from nothing at all (DEN- the universe”. In: CRAIG, William Lane; CO-
NETT, Daniel C. Breaking the spell: religion as a PAN, Paul (Ed.). The kalām cosmological argument:
natural phenomenon. Nova Iorque: Penguin philosophical arguments for the finitude of the
Books, 2006a, p. 244. Edição Kindle.). Nesse past. Nova Iorque: Bloomsbury Publishing Inc,
caso, a tradução mais correta seria “indistinguível
310

2018, p. 154.
do próprio nada”. Craig interpreta que Dennett 116 Ibid.

está se referindo ao estado quântico prévio ao que 117 VILENKIN, Alexander. Op. cit. 2018, p. 155.

Alexander Vilenkin chamou de “tunelamento

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da mecânica quântica e da conservação estão Em seu livro O Grande Projeto, ao tentar res-
ativas quando não há nada. Como Craig res- ponder a pergunta sobre o que havia antes do
ponde, o “argumento assume que, se não ha- universo, Hawking responde: “Perguntar o
via nada, então ambas, as leis da conservação que aconteceu antes do início do universo se-
e da física quântica, ainda iriam se manter”.118 ria uma pergunta sem sentido”120. Ele diz isso
De fato, esse nada ao qual Vilenkin de refere porque, no modelo padrão do Big Bang, o
não é o “nada” que Krauss menciona. Krauss universo começou a partir do nada, ou, pelo
está simplesmente chamando um vácuo de menos, de nada que a ciência possa averiguar.
“nada”, enquanto Vilenkin, no mesmo artigo Por conta disso, ele diz: “Se tivesse havido
citado, menciona que normalmente “um vá- um início, teria que ter havido alguém (ou
cuo é pensado como um espaço vazio, mas, seja, Deus) para colocar os trens em movi-
de acordo com a física de partículas moderna, mento”121. Em outro lugar, ao falar da aceita-
o que é vazio não é nada. O vácuo é um ob- ção da ideia de criação por parte dos cientis-
jeto físico...”119. Por conseguinte, até mesmo tas, Hawking diz que eles se opunham, pois
para Vilenkin o nada parece ser a ausência de “o ponto de criação seria um lugar onde a ci-
qualquer coisa, o que deve incluir as leis da ência sofreria um colapso. Teríamos que ape-
mecânica quântica e da conservação. lar à religião e à intervenção divina para de-
Outro argumento que merece con- terminar como o universo começou.”.122
sideração vem do físico Stephen Hawking.

118 CRAIG, William Lane. “Creation ex nihilo: the- Carroll disse acima. Lembremos que Carroll afir-
ology and science”. In: GOULD, Paul; RAY, Da- mou que “se você fosse abrir um livro sobre a te-
niel. The story of the cosmos. Eugene, OR: Harvest oria quântica de campos ou de relatividade geral,
House Publishers, 2019, p. 199. você não iria encontrar as palavras “causa trans-
119 VILENKIN, Alexander. Op. cit., 2018, p. 151. cendente” em nenhum lugar” (CRAIG, William
120 HAWKING, Stephen. O grande projeto. Rio de Lane; CARROLL, Sean. Op. cit., 2016, p. 39).
Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2011, p. 78. Edi- Mas aqui vemos Hawking, definitivamente não
ção ePub. um amigo do teísmo, citando a necessidade de um
121 Ibid. Criador caso o mundo tenha tido um começo.
311

122 HAWKING, Stephen. Breves respostas para gran- George Ellis também falou da possibilidade de
des questões, Rio de Janeiro: Editora Intrinseca, um Designer do cosmos em seu artigo Issues in the
2018, p. 25-26. Edição ePub. A afirmação de Philosophy of Cosmology, onde ele ainda associa com
Hawking aqui entra em conflito direto com o que a teologia Judaico-Cristã (ELLIS, George. Issues

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Para tentar desviar do teísmo, Haw- do Big Bang, então não há como o universo
king formulou um argumento baseado justa- possuir uma causa.
mente na inexistência do tempo “antes” do O argumento de Hawking, no en-
universo. Ele começa dizendo que “Nossa tanto, não parece ser tão persuasivo quanto
experiência cotidiana nos leva a crer que tudo pensara. O problema central é que a priori-
o que acontece foi causado por um evento dade temporal da causa em relação ao efeito
prévio”123. Em sua explicação sobre causa e é questionável em diversos casos. Como diz
efeito, as causas devem sempre preceder os Immanuel Kant: “A maior parte das causas
efeitos no tempo. Por conta disso, argumenta eficientes, na natureza, é simultânea com os
Hawking: seus efeitos [...] a partir do momento em que
o efeito surge, é sempre simultâneo com a
Não podemos voltar a um tempo ante- causalidade da sua causa, porque se esta ti-
rior ao Big Bang porque não havia tempo
antes do Big Bang. Finalmente encontra- vesse terminado um momento antes, o efeito
mos algo que não possui uma causa, por-
não teria surgido” 125 . O apologista católico
que não havia tempo para permitir a exis-
tência de uma. Para mim, isso significa Trent Horn dá um bom exemplo da simulta-
que não existe a possibilidade de um cri-
ador, porque ainda não existia o tempo neidade de causas e efeitos:
para que nele houvesse um criador.124
...imagine um tijolo quebrando uma ja-
Assim, ao invés de simplesmente di- nela. Nesse caso, fica claro que o tijolo
foi jogado antes da janela quebrar, e a ja-
zer que o universo é uma exceção ao princí- nela não quebra antes do tijolo a atingir.
Mas, perceba, que existe uma breve so-
pio da causalidade, Hawking tenta justificar breposição onde a causa (o tijolo voando
porque podemos crer que o universo veio do pelo ar) é simultâneo com o efeito (a ja-
nela quebrando). Se o tijolo desapare-
nada: como causas devem preceder efeitos cesse, mesmo que um microssegundo an-
em suas relações, e não havia tempo “antes” tes de tocar a janela, então o efeito nunca
iria ocorrer. Portanto, deve haver um
312

in the philosophy of cosmology. arXiv, 29 mar. 124Ibid., p. 39.


2006, p. 41. Disponível em: <arXiv:astro- 125KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 5. ed.
ph/0602280v2>. Acesso em: 9 ago. 2020). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p.
123 HAWKING, Stephen. Op. cit., 2018, p. 38. 253, A 203.

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momento onde a causa e o efeito aconte- do universo: nem tempo, nem existência
cem ao mesmo tempo.126 e nem causa – absolutamente nada.129

O próprio Craig responde a essa ob- A objeção de Fodor, no entanto, é


jeção dizendo: “muitas causas e efeitos são si- que é enganosa. Fodor pensa que Craig está
multâneos. Portanto, o momento em que simplesmente imaginando um “vazio” e o
Deus causou o Big Bang simplesmente é o universo “brotando à existência”130. No en-
momento em que o Big Bang ocorreu”127. tanto, é exatamente isso que Craig rejeita.
Um argumento similar ao de Haw- Craig não imagina um estado de “nada” do
king foi feito pelo físico James Fodor. Ele diz qual o universo veio, mas simplesmente diz
que a formulação do argumento de Craig é que é absurdo o universo surgir sem causa,
problemática, porque a frase “a partir do pois isso violaria o princípio metafísico de
nada” implica que havia tempo antes da ori- que o ser não vem do não-ser. Dada a vali-
gem do universo.128 Ele diz que a própria ca- dade desse princípio, o universo não poderia
racterização de Craig em dizer que “algo não ter um primeiro instante no tempo sem ter
pode brotar do nada” possui problemas, pois tido uma causa. Essa é a visão absurda que
Craig rejeita.
Essa caracterização do início do universo De fato, Craig é bem oposto à visão
[...] é enganosa, porque o próprio tempo ape-
nas começou com o princípio do uni- de que existia algo “antes” do Big Bang. Nem
verso, de modo que não havia tempo mesmo Deus, diz Craig, existia “antes” do Big
“antes” do universo existir. Não houve
nenhum “brotar à existência”, apenas um Bang. Para evitar essas confusões que a lin-
princípio, e nenhum “vir do nada”, sim-
plesmente uma ausência de causa. [...] guagem pode gerar, Craig diz:
não havia nenhum estado antes do início

126 HORN, Trent. Answering atheism: how to make atheist. Nova Iorque: Oxford University Press,
the case for God with logic and charity. São Di- 2004, p. 8.
ego: Catholic Answers Press, 2013. Edição Kin- 128 FODOR, James. Unreasonable faith: how Wil-

dle, p. 128. liam Lane Craig overstates the case for Christian-
127 CRAIG, William Lane. “Five reasons God
313

ity. Cedar Glen, CA: Hypatia Books, 2018. Edição


exists”. In: Idem; SINNOT-ARMSTRONG, Kindle, p. 97.
Walter. God?: a debate between a christian and na 129 Ibid, p. 97-98.
130 Ibid, p. 98.

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Ou Deus existia antes da criação ou não. “começar a existir” afirmado pelo Craig em
Suponha que ele existia. Nesse caso,
Deus é temporal, não atemporal, já que sua formulação do argumento cosmológico
existir antes de algum evento é estar no kalam. Apesar disso, recentemente ele veio a
tempo. Suponha, então, que Deus não
existia antes da criação. Nesse caso, sem reconhecer que é possível uma defesa do ar-
a criação, Ele existia atemporalmente, já
que ele obviamente não veio a ser junto gumento kalam em uma teoria do tempo es-
com o mundo no momento da criação.131 tático.135

A forma como Craig vê a relação de


Deus com o tempo pressupõe uma teoria do
O CONCEITO DE “COMEÇAR A
tempo específica, conhecida como teoria do EXISTIR” E A TEORIA-B DO
tempo dinâmico ou teoria-A do tempo. Esta TEMPO
é uma área de interação entre a física e a filo- Tendo definido “causa” como causa
sofia que entra nas defesas e críticas ao argu- eficiente e esclarecido que causas não prece-
mento kalam. Para Craig, sua versão do argu- dem, necessariamente, seus efeitos, falta ex-
mento kalam assume do começo ao fim uma plicitar o que “começa a existir” significa.
Craig define “começa a existir” da seguinte
132
teoria do tempo dinâmico. De acordo com
essa teoria, o passado, presente e futuro são forma, sendo “x” qualquer entidade, e “t” o
133
distintos, e a passagem do tempo é objetiva. tempo:
Por contraste, a teoria do tempo estático (te-
oria-B) diz que todos os momentos do tempo A. x começa a existir em t se e somente se
existem igualmente, e não há distinção entre x vem a ser em t.
passado, presente e futuro.134 O pressuposto B. x vem a ser em t se e somente se:
da teoria-A é importante para o conceito de

131 CRAIG, William Lane. Time and eternity: explor- 135 CRAIG, William Lane. No Trouble. TheoLo-
ing God’s relationship to time, Wheaton, IL: gica: An International Journal for Philosophy of Religion
Crossway, 2001b, p. 82. Edição do Kindle. and Philosophical Theology, v. 5, n. 1, 1 jan. 2021, p.
314

132 MORELAND, J. P.; CRAIG, William Lane. 1-2 Disponível em: <https://ojs.uclou-
Op. cit., 2005, p. 572-573. vain.be/index.php/theologica/arti-
133 Ibid., p. 466. cle/view/58143/56353>.Acesso em: 19 mar.
134 Ibid. 2021.

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a. x existe em t, e o mundo atual não B encontram-se em relações-B: “estar antes
inclui nenhum estado de coisas de”, “estar simultâneo com” e “estar depois
onde x existe de modo atemporal. de”.138 A partir disso, surgem duas outras dis-
b. t ou é o primeiro momento em que tinções no sentido da palavra “existência” que
x existe ou é separado de qualquer são feitas: a existência presente e a existência
t’ < t em que x tenha existido em ontológica. O primeiro sentido diz respeito
um intervalo em que x não existe. ao fato de algo existir “agora”, enquanto o se-
c. A existência de x em t é um fato gundo não restringe a existência de determi-
temporal dinâmico.136 nado objeto ao presente.139 Para exemplificar,
considere “existe1” como a existência pre-
Qual é a relação dessa definição com sente e “existe2” como a existência ontoló-
a teoria-A do tempo? Bom, aparte do uso da gica. Erasmus afirma que, um proponente da
expressão “fato temporal dinâmico”, a qual teoria-B poderia negar que “Sócrates
caracteriza a existência de x no evento t, há existe1”, mas que ele afirmaria que “Sócrates
uma diferença entre as duas teorias do tempo existe2”.140
no que diz respeito aos objetos através da li- Com essa distinção em mente, po-
nha temporal. Objetos na teoria-A se encon- demos ver por que Craig diz que o argumento
tram nas chamadas séries-A. Esses objetos kalam pressupõe a teoria-A do tempo. Como
são ordenados por propriedades-A: “ter pas- ele explica, na teoria-B “o universo não veio
sado”, “estar presente” e “ser futuro”. 137
Na a ser ou se tornou real” no Big Bang, ele já
teoria-B, por outro lado, os objetos da série- existia de maneira estática. 141 Craig explica

136CRAIG, William Lane; SINCLAIR, James D. of time: a critical examination. Dordrecht, Holanda
Op. cit., 2012b, p. 184. O termo original em “fato do Sul: Kluwer Academic Publishers, 2000, p. 3).
temporal dinâmico” é tensed fact, que significa fatos 137 ERASMUS, Jacobus. Op. cit., 2018, p. 111.

que são descritos por verbos temporais, como por 138 Ibid.

exemplo, “eu escrevo”, “eu escrevi” e “eu irei es- 139 ERASMUS, Jacobus. Op. cit., 2018.

crever”, ou simplesmente a relação de fatos com


315

140 Ibid., p. 111-112.

o passado, presente e futuro. É parte da lingua- 141 CRAIG, William Lane; SINCLAIR, James D.

gem essencial para discussões acerca da filosofia Op. cit., 2012b, p. 183-184.
do tempo (CRAIG, William Lane. The tensed theory

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que essa existência estática do universo seria j. ou é separado de qualquer t’
como um “bloco” que é finitamente esten- < t em que x existe por um
dido na direção “antes de”. O começo, diz intervalo no qual x não
Craig, é um primeiro evento, do mesmo existe.144
modo que uma régua tem um primeiro centí-
metro142. Seguido disso, Andrew Loke explica Em outras palavras, algo começa a
que “em uma teoria estática do tempo, algo existir em um determinado momento se, e so-
pode começar a existir sem vir à existên- mente se, esse momento for o primeiro em
cia”.143 que esse algo existe, ou esse momento é sepa-
Em uma tentativa de defender o ar- rado de momentos anteriores onde esse algo
gumento kalam na teoria-B do tempo, Loke existe, os quais são separados por um espaço
tenta evitar toda a discussão filosófica que de tempo em que ele não existe. Essa defini-
visa descobrir qual das teorias do tempo é ção de “começa a existir”, diz Loke “é com-
verdade. Loke define “começa a existir” da patível tanto com a teoria do tempo estático
seguinte maneira: quanto a teoria do tempo dinâmico”.145
Em um sentido, se a teoria B do
• x começa a existir em t se e somente se: tempo nos faz distinguir entre existência on-
a. x existe em t, e o mundo atual não in- tológica e existência presente, para uma refor-
clui nenhum estado de coisas em que mulação do argumento kalam adaptada à tal
x exista atemporalmente; teoria, tudo o que precisa ser feito é exigir que
b. t é: o argumento passe a falar de existência pre-
i. ou o primeiro momento em que sente e não de existência ontológica.146 Assim
x existe; como nada vem a existir presentemente sem
uma causa, o universo também não pode

142 Ibid., p. 184. 145Ibid.


316

143 LOKE, Andrew. God and ultimate origin: a novel 146Essa proposta, no entanto, gera certas ques-
cosmological argument. Londres: Palgrave Mac- tões a respeito da doutrina de criação a partir do
millan, 2017, p. 141. nada cristã. Discussões adicionais são necessárias
144 Ibid., p. 143. para se averiguar essa compatibilidade.

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existir presentemente sem uma causa. O pri- ocupados. Certo dia, um novo hóspede
meiro instante do bloco do espaço-tempo chega. “Sem problema!” – diz o atendente. E
precisa de uma causa para que ele venha a então ele move o hóspede do quarto nº 1 para
existir presentemente. Portanto, se o universo o quarto nº 2, o hóspede do quarto nº 2 ao
possui uma ponta de primeiro instante, quarto nº 3, o hóspede do quarto nº 3 ao
mesmo que estático, ele necessita de uma quarto nº 4 e assim por diante. Assim, um
causa. novo hóspede pode entrar no hotel. O ab-
surdo fica claro quando vemos que infinito+1
“O UNIVERSO COMEÇOU A resultou em infinito.

EXISTIR” Agora, suponha que um número in-


finito de novos hóspedes chegue. “Sem pro-
A segunda premissa do argumento
blema!” – diz, novamente, o atendente. Ele
kalam visa demonstrar que há avais epistêmi-
move o hóspede do quarto nº 1 para o quarto
cos o suficiente para se crer que o universo
nº 2, o hóspede do quarto nº 2 ao quarto nº
teve um início absoluto. Acima, alguns argu-
4, o hóspede do quarto nº 3 ao quarto nº 6 e
mentos para essa conclusão foram apresenta-
assim por diante, sempre movendo o hós-
dos quando foi falado de Al-Kindi e Al-Gha-
pede para um quarto cujo número seja o do-
zali. Craig defende essa premissa do argu-
bro do seu quarto anterior. Como qualquer
mento apelando para analogias que demons-
número natural multiplicado por 2 sempre re-
tram a impossibilidade de um número infinito
sulta em um número par, todos os quartos de
de coisas e de um número infinito de eventos
número ímpar se tornam vagos e os novos
passados.
hóspedes podem entrar. Nesse caso, apesar
Para o primeiro caso, Craig argu-
dos infinitos quartos anteriores estarem ocu-
menta usando a analogia do Hotel de Hil-
pados, houve um acréscimo de infinitos hós-
bert147: suponha que haja um hotel com um
pedes, resultando no exato mesmo número
número infinito de quartos, onde todos estão
de antes.
317

MORELAND, J. P.; CRAIG, William Lane.


147

Op. cit., 2021, p. 743-744.

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Apesar do Hotel de Hilbert aparen- sua aplicação no mundo real. Números nega-
tar ser um absurdo enorme, ele ainda não foi tivos, por exemplo, são úteis na matemática,
totalmente explorado. Se o hóspede do mas ninguém diz algo como, “há -1.000 leões
quarto nº 1 fechar sua conta, o hotel continua na minha frente.”149
com o mesmo número de hóspedes. A Landon Hedrick tem uma resposta
mesma coisa se resulta se os hóspedes dos interessante a esse argumento, baseando-se
quartos número ímpar saírem. No primeiro na própria teoria do tempo endossada por
caso, infinito-1 resultou em infinito, en- Craig. De acordo com Hedrick, uma visão
quanto no segundo, infinito-infinito resultou presentista150 do tempo afirma a inexistência
em infinito. E esse processo pode ser repe- dos eventos passados. Como o Hotel de Hil-
tido infinitas vezes. De fato, resultados con- bert é uma analogia para a impossibilidade de
traditórios aparecem quando começamos a um número infinito de coisas no presente, o
subtrair hóspedes: no caso citado, infinito-in- presentista que crer na eternidade do uni-
finito resultou em infinito, no entanto, se ti- verso pode simplesmente concordar e dizer
rarmos todos os hóspedes dos quartos acima que os infinitos eventos no passado não exis-
do número 3, teremos a mesma subtração (in- tem mais. Assim, mesmo que um número in-
finito-infinito), mas o hotel terá apenas 3 finito de coisas não possa existir, os intervalos
quartos com hóspedes.148 de tempo passados não existem, mesmo que
Alguns críticos podem responder tenham se passado infinitos eventos. 151 He-
afirmando que, na matemática, o infinito é drick diz que “um presentista que nega que o
utilizado em certas teorias de conjuntos. No universo tenha começado a existir não está
entanto, como diz Charles Taliaferro, a utili- comprometido com a existência de um nú-
dade de algo na matemática não possibilita mero infinito de eventos passados.”152

148 MORELAND, J. P.; CRAIG, William Lane. 151 HEDRICK, Landon. “Heartbreak at Hilbert’s
Op. cit., 2021, p. 744. Hotel”. In: CRAIG, William Lane; COPAN, Paul
149 TALIAFERRO, Charles. Contemporary philoso- (Ed.). The kalām cosmological argument: philosophical
318

phy of religion. Malden, Massachusetts: Blackwell arguments for the finitude of the past. Nova
Publichers Inc, 1998, p. 362. Iorque: Bloomsbury Publishing Inc, 2018, p. 189.
150 “Presentismo” é uma versão particular da teo- 152 Ibid.

ria do tempo-A.

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Craig já havia respondido ao pro- Suponha que o Hotel de Hilbert foi cons-
truído dessa forma: existe um “constru-
blema citado por Hedrick em seu artigo com tor de quartos de hotel”, que tem cons-
James Sinclair no livro The blackwell companion truído quartos em intervalos regulares de
tempo enquanto o tempo existir. Supo-
to natural theology, onde ele diz: nha que existe também um “gerador de
hóspedes”, o qual tem gerado hóspedes
que pediram acomodação no hotel em in-
Ora, nós podemos afirmar que o presen- tervalos regulares de tempo enquanto o
tista consegue contar coisas que existi- tempo existir. Suponha que os quartos de
ram, mas não existem mais. Ele sabe, por hotel e os hóspedes continuem existindo
exemplo, quantos presidentes dos Esta- depois deles terem sido construídos e ge-
dos Unidos já houve até o atual, em qual rados, respectivamente. Ora, se o mundo
dia do mês estamos, quantos tiros Os- real é um mundo onde o universo possui
wald deu, e assim por diante. Ele sabe o passado eterno, então teríamos um nú-
quantos anos seus filhos têm e pode re- mero infinito atual de intervalos de
conhecer quantos bilhões de anos se pas- tempo, além de um número infinito atual
saram desde o Big Bang, se tal evento ti- de quartos de hotel e hóspedes ocupando
ver ocorrido. A inexistência de tais coisas os quartos. Em outras palavras, se o
ou eventos não os impede de serem enu- mundo real fosse um em que o universo
merados. De fato, qualquer obstáculo possui o passado eterno, então existiria
aqui é meramente epistêmico, pois [...] um mundo em que um número infinito
deve haver um certo número de tais coi- de coisas foi atualizado.154
sas.153
Por conseguinte, “um universo com
Portanto, a existência passada des-
o passado eterno implicaria na atualização de
ses eventos não os impede de serem enume-
um hotel com um número infinito atual de
rados, o que prova sua existência atual,
quartos e hóspedes, o qual resulta em absur-
mesmo que ela já tenha passado. Loke reforça
dos”155 Essa versão revisada do Hotel de Hil-
o argumento de Craig com uma modificação
bert por Loke demonstra que, dado um pas-
na analogia do Hotel de Hilbert, imaginando
sado eterno, seria possível a construção de
o processo de construção de tal hotel:
um hotel com infinitos quartos, o que se de-
monstrou absurdo pela analogia original.

153 CRAIG, William Lane; SINCLAIR, James D. William Lane; COPAN, Paul (Ed.). The kalām cos-
319

Op. cit., 2012b, p. 115-116. mological argument: philosophical arguments for the
154 LOKE, Andrew. “No Heartbreak at Hilbert’s finitude of the past. Nova Iorque: Bloomsbury
Hotel: a reply do Landon Hedrick”. In: CRAIG, Publishing Inc, 2018, p. 203.
155 Ibid., p. 204.

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O segundo argumento usado por Para mostrar a veracidade do fini-
Craig apela para a impossibilidade de se atra- tismo causal, Koons utiliza o paradoxo do
vessar o infinito através do tempo. Craig uti- Ceifador de Jose Bernardete.158: imagine que
liza os mesmos argumentos de Al-Ghazali e haja um número infinito de Ceifadores, os
Al-Kindi, mas adaptados para o conheci- quais possuem duas funções: verificar se a ví-
mento astronômico atual.156 Filósofos como tima (“Fred”) ainda está vida em determinado
Robert Koons têm usado o problema do fini- instante, e se estiver vivo, deve matar a vítima
tismo causal para demonstrar que um número instantaneamente (se já estiver morta nesse
infinito de eventos temporais não pode ser ter instante, o Ceifador não faz nada). O Ceifa-
sido atravessado. Koons explica: dor 1 deve fazer suas tarefas exatamente no
prazo de 1 minuto depois das 18h; o Ceifador
Se puder ser demonstrado que todo 2 deve fazê-las 30 segundos depois das 00h; o
evento possui uma história causal finita
(ou seja, não existem loopings causais e Ceifador 3 fará 15 segundos depois, e assim
nem regressos infinitos de causas), então
por diante. Cada um dos infinitos ceifadores
nós podemos inferir que existem eventos
não-causados. Indo além, se pudermos as- deverá executar suas duas tarefas exatamente
sumir que tudo o que começa a existir em
algum momento deve ter uma causa e que na metade do prazo do tempo do Ceifador
toda coisa totalmente temporal e não- anterior após às 00h. “Não existe um pri-
eterna deve ter começado a existir em al-
gum instante (porque o passado é finito), meiro Ceifador (na ordem do tempo)”, diz
então nós podemos concluir que todas as
coisas não-causadas devem ser eternas Koons, “para sobreviver qualquer período fi-
por natureza (ou seja, existem “fora” ou nito após a 00h, Fred deve escapar um nú-
“além” do próprio tempo). Nesse mo-
mento, nós podemos estar aptos a mos- mero infinito de prazos de morte anterio-
trar que tal causa eterna dos eventos tem-
res.”159
porais deve ser parecido com o divino.157

156 Cf. CRAIG, William Lane. Op. cit., 2012a, p. Nova Iorque: Bloomsbury Publishing Inc, 2018,
119. p. 274.
320

157 KOONS, Robert. The Grim Reaper Kalam Ar- 158 KOONS, Robert. Op. cit., 2020, p. 5.

gument”. In: CRAIG, William Lane; COPAN, 159 Ibid.

Paul (Ed.). The kalām cosmological argument: philo-


sophical arguments for the finitude of the past.

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O problema gerado por esse para- lógicas, de modo que um universalismo cau-
doxo é que essa quantidade infinita de Ceifa- sal tenha que ser necessariamente falso, ou
dores causa uma contradição: se Fred não seja, não há mundo possível onde o finitismo
morre a não ser que o Ceifador o mate, então causal seja falso. Dado que o finitismo causal
antes de qualquer Ceifador o atacar, ele já es- também se amplia para o tempo passado,
tará morto; mas, como há um número infinito conclui-se que é necessariamente verdadeiro
de Ceifadores, nenhum deles o matou, pois que o universo tem um passado finito com
não foi possível chegar a vez de nenhum de- uma Primeira Causa não-causada.
les. A contradição que aparece a partir daí é Além dos argumentos filosóficos
que Fred está tanto vivo quanto morto, o que tradicionais, a segunda premissa do argu-
é impossível. mento kalam encontra suporte das evidências
O paradoxo do Ceifador pode ser científicas descobertas no século XX. A cos-
adaptado para demonstrar a impossibilidade mologia veio adiante com duas principais des-
de um passado eterno, colocando cada Ceifa- cobertas que nos indicam que o universo pos-
dor para concluir sua tarefa no dia 1 de ja- sui um início absoluto: a expansão do cosmos
neiro de cada ano que tenha passado. Um in- e a segunda lei da termodinâmica.161
divíduo não conseguiria passar 1 ano vivo,
mas, também teria que estar vivo, pois ne- “PORTANTO, O UNIVERSO
nhum Ceifador conseguiria chegar a matá- TEVE UMA CAUSA”
160
lo.
A conclusão, a partir das premissas
Esses paradoxos demonstram que o
anteriores, é a de que o universo teve uma
negar o finitismo causal gera impossibilidades
causa. A questão que resta ao proponente do

160CRAIG, William Lane. Op. cit., 2018, p. 312. trina da criação. Revista Poder & Cultura, Rio de Ja-
161 Para uma apresentação dessas evidências, neiro, v. 7, n. 14, p. 597-639, jul./dez. 2020. Dis-
321

junto de problemas com alternativas que postu- ponível em: <https://drive.goo-


lam a eternidade do universo, Cf. FORTI, Felipe. gle.com/file/d/1WrsV6hajIaVGyFJufFGB-
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argumento kalam é a segunda etapa, que con- propriedades afirmadas pela análise nos le-
siste em responder quais são as propriedades vam a concluir que existe uma primeira causa
que essa causa deve possuir. Dado o finitismo não-causada, atemporal, não-espacial, imate-
causal, já se conclui que essa causa é não-cau- rial, sobrenatural e única, que criou o uni-
sada. Ademais, a impossibilidade de um re- verso. Craig vai ainda adiante para afirmar
gresso infinito de tempo implica que, como também a pessoalidade dessa causa. De
causa do próprio tempo, essa causa deve ser acordo com Craig, existem três razões pelas
atemporal. A origem do universo também quais pode-se inferir que essa causa é um
significa a origem do espaço e da matéria, o agente pessoal:
que implica que a causa seja não-espacial e
imaterial. Como o tempo, espaço e matéria (1) a imaterialidade e a atempora-
compõem a natureza, sua origem indica que a lidade da primeira causa nos são apenas
causa seja sobrenatural. Por fim, a navalha de dois candidatos: um objeto abstrato ou
Ockham, que é um princípio explanatório uma mente pura. Dado que objetos
que não nos permite multiplicar causas além abstratos não possuem poder causal, a
do necessário, diz que uma primeira causa é o melhor explicação é a de que a primeira
bastante, sem haver a necessidade de postular causa é uma Mente.163
mais. (2) Citando Richard Swinburne,
Essa análise conceitual é uma etapa Craig aponta que existem apenas dois
162
padrão do argumento kalam. Até aqui, as tipos de explicação causal: as científi-
cas, que consistem em leis da natureza

162 Cf. CRAIG, William Lane. Op. cit., 2012a, p. Bush é o presidente dos Estados Unidos”. Além
148. disso, diz Erasmus, há a possibilidade de relações
163 CRAIG, William Lane. Op. cit., 2012a, p. 148. causais entre os próprios objetos abstratos. Como
Erasmus crítica essa noção de que objetos abstra- exemplo, ele cita uma personagem viajante do
tos não possuem poder causal usando a possibili- tempo de um conto que cria uma máquina do
322

dade de mutação intrínseca em proposições, que tempo. Parcialmente, a personagem é a responsá-


são objetos abstratos. Por exemplo, o fato de Ge- vel causal pela criação da máquina do tempo (Cf.
orge Bush ter se tornado presidente em 2001 cau- ERASMUS, Jacobus. Op. cit., 2018, p. 94-95).
sou um valor de verdade na proposição “George

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e condições iniciais; e as pessoais, que posto da seguinte forma: já que havia uma es-
envolvem agentes e suas volições. Já pécie de tempo vazio antes do início do uni-
que sem o universo não há leis e nem verso, e esse tempo possui momentos que
condições iniciais, a explicação causal não se distinguem um do outro pela ocorrên-
para a origem do universo deve ser uma cia de eventos, então não há motivo para crer
explicação pessoal.164 que o universo teve um início em um mo-
(3) Por fim, Craig usa o mesmo mento ao invés do outro. Desse modo, o uni-
princípio usado por Al-Ghazali, que é o verso não pode ter começado a existir. Dito
princípio da determinação. De acordo de outro modo: já que todos os momentos de
com esse princípio, quando há duas tempo nesse vazio são iguais, não há razão
possibilidades de igual probabilidade para o universo não começar em um mo-
(no caso, criar ou não criar o universo) mento ao invés do outro. Em todos esses mo-
e todas as condições suficientes e ne- mentos, as mesmas condições são existentes.
cessárias estão presentes, o que decide Todos os momentos possuem as condições
o que realizar é a volição de um agente necessárias para a criação do universo. Desse
pessoal.165 modo, por que não antes ou depois do mo-
mento em que foi criado? Se tal tempo vazio
Mais comentários podem ser feitos possui, em todos os seus momentos, as mes-
a respeito desse último ponto.166 Atribuir pes- mas condições, o universo não pode ter co-
soalidade à causa do universo é a solução à meçado a existir, mas existido eternamente.
antítese de Immanuel Kant ao argumento Kant diz:
cosmológico. O raciocínio de Kant pode ser
Como o começo é uma existência prece-
dida de um tempo em que a coisa não é,

164 CRAIG, William Lane. Op. cit., 2012a, p. 148. 166Os comentários a respeito da antítese de Kant
Cf. SWINBURNE, Richard. A existência de Deus. foram escritos primeiramente na monografia de
323

Brasília, DF: Acadêmia Monergista, 2015. Edição TCC entregue ao curso de filosofia da Universi-
ePub, p. 44, 51-52. dade Presbiteriana Mackenzie, intitulada O ressur-
165 CRAIG, William Lane. Op. cit., 2000, p. 151. gimento do teísmo e a defesa contemporânea dos argumentos
para a existência de Deus, em 2018.

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tem que ter decorrido previamente um outras palavras: se havia tempo vazio antes da
tempo em que o mundo não era, ou seja,
um tempo vazio. Ora, num tempo vazio origem do universo, a causa do universo pode
não é possível o nascimento de qualquer ser um agente pessoal que escolheu no meio
coisa, porque nenhuma parte de um tal
tempo tem em si, de preferência a outra, desse tempo quando criar o universo. Mas, se
qualquer condição que distinga a existên-
cia e a faça prevalecer sobre a não exis- o tempo começou com o universo, então a
tência (quer se admita que essa condição causa existindo em estado atemporal pôde es-
surja por si mesma ou através de uma ou-
tra causa). Podem, por conseguinte, co- colher criar o universo, dando origem à um
meçar no mundo várias séries de coisas,
mas o próprio mundo não pode ter co-
efeito temporal. Como William Lane Craig
meço e é, pois, infinito em relação ao explica:
tempo passado.167

A antítese de Kant demonstra um Em uma visão Newtoniana do tempo,


um ser pessoal poderia escolher desde a
argumento a favor da eternidade do universo, eternidade criar o universo em qualquer
momento que ele quiser. Em uma visão
o qual pressupõe o tempo absoluto newtoni- relacional de tempo, ele poderia desejar
ano, que independe da matéria. Entretanto, atemporalmente criar e essa criação po-
deria marcar a origem do tempo. Então,
em uma visão de tempo relativo (diferente do a antítese de Kant, longe de refutar o iní-
cio do universo, na verdade provê uma
newtoniano), o tempo começa em t=0. Em iluminação dramática da natureza da
outras palavras, o tempo começa com o uni- causa do universo; pois se o universo co-
meçou a existir, e se o universo é cau-
verso, não havendo tempo antes. Conside- sado, então a causa do universo deve ser
rando que a física newtoniana era a visão da um ser pessoal, que livremente escolheu
criar o universo.168
época de Kant, não podemos culpá-lo por
isso. Mas o ponto chave aqui é que, havendo Ao fim da análise conceitual da pri-
tempo vazio antes da origem do universo, ou meira causa, se conclui que a causa do uni-
a causa do universo existindo eternamente verso deve ser não-causada, atemporal, não-
em estado atemporal, a solução de “quando” espacial, imaterial, sobrenatural, única e pes-
o universo se originou se resume no que é soal – que é o que todos chamam de Deus.
chamado de princípio da determinação. Em
324

167KANT, Immanuel. Op. cit., 2001, p. 418 A 168 CRAIG, William Lane. Op. cit., 2000, p. 151.
427 B 455.

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A visão de Craig sobre o relaciona- atemporal? Se em t1 Deus entra no tempo e
mento da primeira causa com o tempo é a de cria o universo, então ele não pode ser uma
que essa causa é atemporal sem a criação e causa atemporal, já que a criação (causação do
entra no tempo a partir do primeiro instante universo) ocorre nesse t1. Wielenberg argu-
de criação. 169 Dito de outra forma, estando menta:
em um estado atemporal, a criação não existe,
mas, simultaneamente, o primeiro instante do ...na visão de Craig, a causa do tempo está
inteiramente no próprio tempo: em t1,
tempo torna-se o primeiro instante em que um agente divino causa um evento tem-
Deus se torna temporal e cria o universo. poral, e esse agente causa o início do
tempo. Não vejo como reconciliar isso
Essa clarificação é importante, pois Erik Wi- com o que Craig e Sinclair declararam:
“dado que o tempo começou, a causa do
elenberg formulou uma resposta a partir de início do tempo deve ser atemporal”.171
uma suposta contradição existente no con-
A objeção de Wielenberg parece ser
ceito de um Deus atemporal que se torna
baseada em uma interpretação errônea do que
temporal. 170 De acordo com Wielenberg,
Craig crê e defende. De acordo com Craig:
Craig afirma a atemporalidade da causa do
“Um Deus atemporal nem ao menos existe
universo que se torna temporal no primeiro
em t1[...] Minha visão, estudada e defendida
instante do tempo. No entanto, como pode
amplamente, é que Deus é atemporal sem a
Deus criar o universo e entrar no tempo si-
criação e temporal desde o momento da cria-
multaneamente em t1 (o primeiro instante do
ção.”172 Por conseguinte, não existe contradi-
tempo) e, ao mesmo tempo, ser uma causa
ção.

169 Cf. Idem. Time and eternity: exploring God’s re- 171 Ibid., p. 2.
lationship to time, Wheaton, IL: Crossway, 172 CRAIG, William Lane. A reply to Wielenberg
2001b. Edição do Kindle. in a timeless first cause. TheoLogica: An Internatio-
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Artigo recebido em: 28/02/2021 ♦ Artigo


aprovado em: 23/03/2021

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Revista Poder & Cultura, Rio de Janeiro, Vol 8, Nº 15, pp, 289-330, Jan-Jun./2021
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