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A CONDIÇÃO DA MULHER NA ÁFRICA TRADICIONAL

Waldeci Ferreira Chagas


(UEPB/Campus de Guarabira)
africabantos@hotmail.com

Neste texto discutimos sobre a condição da mulher nas comunidades tradicionais


africanas, principalmente no Egito antigo e apontamos algumas práticas culturais que
definiram a mulher como um ser importante no processo político e administrativo em tais
comunidades.
Para tanto, fazemos algumas incursões pela história da África antiga a partir de
uma pesquisa bibliográfica e revisitamos as primeiras organizações sociais e políticas, a
exemplo dos reinos e nelas desvendamos algumas práticas políticas nas quais as mulheres
africanas estiveram envolvidas. Por outro lado discutimos o olhar dos cientistas ocidentais
sobre a experiência política africana onde a mulher se destacou.
Durante a era moderna os africanos e suas diferentes práticas culturais chamaram
a atenção dos navegadores europeus que circunavegaram as costas ocidentais da África. Os
navegadores além de não entenderem não se dispuseram a compreender o diferente
universo cultural dos africanos, e, passaram a construir interpretações acerca destes, apenas
por eles não serem iguais ao que os navegadores conheciam.
A partir de então os europeus consideraram os africanos incivilizados, uma vez
que os julgaram desconhecedores de qualquer tipo de tecnologia e prática de organização
social e política que pudessem levá-los a afirmar que alguma civilização tenha existido na
África. No entanto, as pesquisas desde a segunda metade do século XX têm demonstrado
que antes do contato dos europeus com os africanos,

o conhecimento e a civilização africanos clássicos se espalharam pelo


mundo em viagens antigas nunca imaginadas por uma Europa moderna
que se julgava “descobridora” solitária dos continentes e a única dona
da tecnologia marítima (NASCIMENTO, 2008, p. 73).

A razão de os europeus no século XV, especificamente os portugueses, terem


desconsiderado e subestimado o aspecto civilizacional e tecnológico dos africanos repousa
no fato de eles se enxergarem como os únicos povos a dominarem a técnica da navegação e
de se reconhecerem como os responsáveis por difundir o conhecimento as outras partes do
mundo que passaram a conhecer.
A ideia recorrente no imaginário dos europeus era a de que na África não existia
nenhum tipo de conhecimento e tecnologia, logo, foram eles que levaram civilização aos
povos africanos.
Na empreitada marítima desempenhada pela Europa ocidental, a África fora
considerada o outro, o desconhecido, em virtude de ser uma cultura diferente, sobre a qual
os europeus elaboraram adjetivos negativos, entre eles, o de que se tratava de uma terra
isolada e sem história. Esse tipo de afirmativa por si não se sustentou, sobretudo, por que:

[...] pesquisas antigas e recentes comprovam a presença da cultura


africana na antiguidade na Europa, na Ásia e nas Américas. O negro se
fez presente em todos os cantos do mundo, enriquecendo outras
civilizações e com elas fazendo intercâmbio. Uma qualidade própria as
culturas africanas que tanto influenciaram o mundo é ser matrilinear
(NASCIMENTO, 2008, p. 73).

Essa afirmativa aponta para uma questão importante, qual seja: durante a
antiguidade, na terra que os portugueses denominaram chamar de África, a mulher assumiu
posição de destaque, uma vez que a matrilinearidade fora uma realidade as sociedades
africanas; condição para além do que os europeus estavam acostumados a lidar.
Essa característica das sociedades africanas, talvez explique o porquê de os
cientistas ocidentais terem construídos interpretações depreciativas acerca do modelo de
organização social e política dos africanos, sobretudo, porque nas sociedades ocidentais
antes da era moderna a mulher não esteve à frente das decisões políticas e administrativas,
conforme desde a antiguidade vivera na cultura africana.

A matrilinearidade: uma prática na África tradicional


No processo de organização social e política dos africanos, a matrilinearidade
delegava a mulher poder de comando e decisão. Em função desse modelo de organização a
mulher não se limitava a participação no poder ao lado do homem, mais também era quem
decidia sobre as questões políticas, administrativas e econômicas. Desta feita, era a
responsável direta pelos destinos e manutenção das comunidades tradicionais.
A matrilinearidade, mesmo sendo um modelo de organização relevante para a
compreensão da história da África pré-colonial fora considerado pelos cientistas ocidentais
um estágio primitivo no processo de organização social e política, sobretudo, porque sua
base organizativa estava centrada na família e com uma mulher à frente.
Em função disso, vários estudiosos ocidentais construíram interpretações
depreciativas das comunidades matrilineares africanas, dentre eles Friedrich Engels.
Segundo, Nascimento, esse autor,

[...] reúne e avalia, aceitando como incontestáveis as teorias de


estudiosos europeus que postulavam uma evolução cultural universal a
todos os povos. De acordo com essa linha de pensamento, certos
estágios de organização familiar comporiam um processo de evolução
comum a todas as sociedades humanas. O primeiro estágio seria um
estado de promiscuidade total e indiscriminada em que o único
parentesco conhecido de uma criança seria o do lado materno. No
segundo estágio, no qual a paternidade também seria conhecida por
meio de normas de convívio e conduta sexual, o casamento entre irmã e
irmão seria proibido. O terceiro seria o da família monogâmica
matrilinear, em que o parentesco é traçado pelo lado da mãe. E o último
seria o da família monogâmica patriarcal. Nessa hierarquia do progresso
universal, o modelo europeu seria o estagio mais avançado
(NASCIMENTO, 2008, p. 74).

A diferença na organização social dos africanos em relação aos europeus levou os


estudiosos ocidentais a ratificarem a superioridade do patriarcado como modelo de
organização social e política e uma prática inerente aos europeus, assim eles legitimaram a
superioridade da cultura européia em relação à africana. Em contrapartida o matriarcado
fora considerado um estagio inferior e legitimo dos africanos.
Para contrapor essa afirmativa Nascimento (2008) recorreu aos estudos do
antropólogo africano Diop, sobretudo, porque ele contesta a teoria da superioridade do
patriarcado ao afirmar que ela por se não se sustenta.
Com base nos estudos desse antropólogo, Nascimento (2008) afirma que a ideia
de superioridade do patriarcado enquanto sistema organizacional foi propalado apenas por
ter sido associada como sendo uma prática do europeu e assim como tudo que é europeu é
concebido como superior, o patriarcado passou a ser considerado como tal.
Em função dessa associação, Nascimento (2008) retomou as considerações do
então antropólogo africano a respeito do patriarcado, uma vez que ele afirma que por ter
sido uma prática associada aos europeus esse sistema passou a representar:

a espiritualidade, a luz, a razão e a delicadeza. O matriarcado, por outro


lado, foi associada com as entranhas cavernosas da terra, com a noite, a
lua, as coisas materiais e a esquerda, que pertence à feminilidade
passiva, contrastada com o lado direito, ligado a atividade masculina
(DIOP, 1978b, p. 12 apud NASCIMENTO, 2008, p.74) (Grifo nosso)
Segundo Nascimento (2008) as pesquisas desenvolvidas por Diop foram
relevantes para a desconstrução da ideia de inferioridade do matriarcado africano, uma vez
que ele examinou de forma detalhada as teorias formuladas pelos cientistas europeus e
mostrou em cada caso que as suposições da evolução universal rumo ao patriarcado
necessitava de base cientifica mais aprofundada.
A partir de então não aceitou a tese de que os impérios africanos de Gana, ou
Assante, na África ocidental e o Egito antigo tenham experimentado o estagio avançado da
barbárie, apenas porque sua estrutura social foi matrilinear (NASCIMENTO, 2008, p. 74).
Na crítica a afirmativa de que a experiência do matriarcado africano é um estágio
organizacional inferior, (Diop apud Nascimento) questiona se:

[...] as tribos nômades germânicas, com suas práticas bárbaras,


registradas pelos escritores romanos – como a violência sistemática
contra as mulheres, o infanticídio e o canibalismo -, representariam a
fase da civilização superior graças apenas a sua organização social
patriarcal (NASCIMENTO, 2008, p. 74).

Além de não concordar com a ideia de superioridade do patriarcado e


inferioridade do matriarcado e que esse último sistema organizacional seria inerente dos
africanos, Nascimento afirma que Diop, mostra que nunca foi provado que os povos
avançariam de um estagio “primitivo” e matriarcal para um estágio “superior” e patriarcal.
(Id. Ibid.)
Para tanto, esse pesquisador africano (Diop) apresentou a sua hipótese de
explicação do processo organizacional dos africanos e contestou a tese do matriarcado
universal “primitivo”. Esse pesquisador formulou a:
hipótese dos dois berços de desenvolvimento humano: o do norte e o do
sul. De acordo com essa teoria as formas de organização social surgem
fundamentalmente das condições de vida concretas dos povos. No
norte, o caráter nômade dos povos indo-arianos implicava a
subvalorização da mulher, pois ela representava um empecilho à
mobilidade tribal, um peso a ser carregado nos deslocamentos coletivos.
Nesse contexto, ela não tinha uma função produtiva na economia do
grupo. Por outro lado, nas civilizações meridionais, agrárias, a mulher
desempenhava a função central. Ela representava, socialmente, o valor
máximo da vida e da produção agrícola: a estabilidade. Suas atividades
no cultivo garantiam o sustento da coletividade, enquanto os homens
desempenhavam funções ariscadas, incertas ou até economicamente
prejudiciais à comunidade, como a caça, a pesca e a guerra
(NASCIMENTO, 2008, p. 75).
Com base na hipótese formulada pelo pesquisador africano Cheikh Anta Diop, o
matriarcado não foi uma prática de organização universal, mas uma decorrência das
condições de vida do povo aonde tal prática veio a se desenvolver.
Logo, as condições de vida de cada povo foram importantes para a determinação do
modelo de organização social que eles passaram a constituir, e neles a mulher exercia
funções que foram definidoras da sua condição social, ou seja, ela era ou não subvalorizada
ou supervalorizada.
De acordo com Diop, nas sociedades nômades a mulher era subvalorizada, no
entanto, essas sociedades foram patriarcais. Nesse caso, a hipótese dos dois berços
formulada por esse pesquisador africano, nos possibilita questionar: que superioridade é
essa, quando a mulher era subvalorizada? Será que o fato de essas sociedades terem se
constituído patriarcais é suficiente para afirmar sua superioridade? Consideramos que tal
argumentação não é suficiente.
Desta feita, a perspectiva de organização social matrilinear desenvolvida pelas
sociedades africanas sedentárias, por pressupor que homens e mulheres partilhassem as
responsabilidades e privilégios políticos e administrativos, não podem ser consideradas
primitivas e atrasadas, conforme afirmaram os cientistas ocidentais.
A afirmação formulada pelos ocidentais negou a historicidade da mulher enquanto
sujeito capaz de conduzir o processo político e administrativo nas antigas sociedades
africanas, visto que o matriarcado fora identificado, e apontado como um modelo de
organização social primitivo, inferior, e uma etapa no processo evolutivo rumo ao
patriarcado.
Os cientistas africanos não conceberam o sistema matrilinear como um modelo de
organização social inferior e nem superior, uma vez que ele não pressupõe a dominação da
mulher sobre o homem, mas a partilha do poder e das responsabilidades entre ambos,
portanto, havia um equilíbrio das energias na condução política e administrativa do Estado.

Mulher e homem no exercício do poder político


Na tradicional concepção de cultura africana os diferentes não se separam, mas se
complementam e formam um só interligado. Fundamentado na cosmovisão, os africanos
desde a antiguidade compreendem que as coisas materiais e espirituais, assim como as
pessoas não se separam, mas se complementam numa ação e formam a unidade. Nesta
perspectiva homem e mulher partilhavam o poder e quando isso ocorria “um equilíbrio
estável era assegurado nos negócios de Estado”.
No contexto da história da África, o Egito antigo é um exemplo clássico do exercício
do poder partilhado entre homem e mulher. Essa “política está expressa no mito egípcio de
Osíris, que além de deus se constituiu no primeiro soberano simbólico da nação”
(NASCIMENTO, 2008, p. 76).
Segundo a mitologia egípcia, Osíris,

[...] exercia o poder político e espiritual em conjunto com Ísis, sua irmã
e esposa. Ísis ensinou ao povo o conhecimento da agricultura, e Osíris
prontamente o transmitiu á humanidade como um todo, para isso,
viajando a outras terras e visitando outros povos. De acordo com esse
mito fundador da sociedade egípcia, o deus Set, divindade dos desertos,
das doenças e das tempestades, assassinou Osíris e dilacerou seu corpo
em uma infinidade de pedaços, que espalhou pelos quatro cantos do
mundo. Ísis saiu à procura dos pedaços, recolheu-os, reconstituiu o
corpo de Osíris e o ressuscitou (NASCIMENTO, 2008, p. 76).

Fundamentada no mito de Osíris os egípcios passaram a considerar as mulheres e os


homens como pessoas divinas, o que fez com que se concebesse que para a constituição de
uma sociedade justa, unitária e produtiva era necessário que ambos partilhassem do poder
político. Assim,

[...] o casal constituía a unidade religiosa e social. A mulher atuava


como aliada e o complemento do homem: possuía os mesmos direitos
que ele, os mesmos poderes na justiça: ela herdava, era proprietária.
Acima de tudo, as mulheres ostentavam nomes que designavam os
atributos divinos de Deus (NASCIMENTO, 2008, p. 76).

No Egito antigo, a presença de homem e mulher no exercício do poder não


pressupunha a superioridade de um sobre o outro, mas a partilha de responsabilidades e o
uso fruto dos benefícios desse exercício.
Assim ambos conduziam a sociedade no aspecto administrativo e espiritual. Essas
duas dimensões do poder embora fossem diferentes se completavam e eram importantes na
condução do Estado e da sociedade, visto que tinham o mesmo prestigio social e político
na estrutura estatal.
Embora o mito de Osíris fosse relevante para os egípcios antigos e hoje seja
indispensável à compreensão da história e cultura egípcia esse só assume essa condição em
função da intima relação com o mito de Ísis, sua irmã e esposa. Assim essa deusa africana
passou a ser “... venerada como a grande deusa criadora do céu e da terra, dos deuses e dos
homens” (BOFF, 1979, p.243).
Devido à condição de deusa criadora, a veneração a Ísis não se limitou aos egípcios,
mas foi incorporada por outros reinos e impérios africanos. Acerca dessa questão, Giordani
(1993, p.157) observa que o culto à deusa egípcia era comum antes da era cristã em alguns
reinos africanos próximos ao Egito, como, por exemplo, em Méroe, capital do reino Kush,
e talvez por isso, “os meroitas concediam grande importância às mães dos reis, levando- os
no decorrer de sua história a um sistema de poder matriarcal” (GIORDANI, 1993, p.91).
Seja no Egito antigo ou em outros reinos africanos a deusa Ísis assumiu proporções
espirituais, mais também políticas, representada na sua capacidade de governar e gerar a
vida, visto que foi a responsável por ressuscitar Osíris. Isso garantiu-lhe não só relevância
social e política, mas tal capacidade foi concebida como sendo um atributo das mulheres.
Nessa perspectiva,

[...] a ressurreição de Osíris simboliza a renovação vegetal, o que faz


com que Ísis herde a função de deusa agrária da fertilidade, e por ter
restituído a potência sexual de Osíris (através da concepção de Hórus)
ela se torna doadora da fecundidade, herdando também a função
maternal, acrescentando que essas duas atribuições de Ísis (deusa
agrária e deusa mãe) “irão juntar-se na época do Baixo-Império para
formar a figura da mãe universal, herdeira do mito primitivo da Terra-
Mãe” (BRUNEL, 2000, p.499).
No contexto social e político do Egito antigo, várias mulheres reinaram em regime
de colaboração com os seus maridos faraós, a exemplo de Tiye, Nefertiti e Nefertari.
Ocorria de a mulher também ocupar concomitantemente o poder político e religioso, como
foi o caso dessas rainhas.
Em contrapartida outras mulheres, a exemplo das sacerdotisas estiveram à frente
apenas do poder religioso. No entanto, isso não as diminuiu e nem as tornou menos
importante, visto que no Egito antigo não havia separação entre o poder político e
espiritual.
Nesta perspectiva, quem ocupava o poder religioso era tão digno de prestigio,
quanto quem viesse a ocupar o poder político. Ambos os poderes eram importantes na
condução dos negócios e assuntos do Estado. Um exemplo disso é a “faraó Hatshepsut, que
reinou sozinha durante a XVIII dinastia” (NASCIMENTO, 2008, p. 77).
Na África antiga, outras mulheres estiveram à frente das decisões políticas e
administrativas de algum reino, um exemplo disso é Makeda, a rainha de Sabá, que durante
o período compreendido entre 1005 a 950 a.C governou o reino de Makeda. Esse reino
comandado por uma mulher fora tão importante, visto que sua influencia política e
econômica se estendia da Etiópia ao Sudão, à Síria e à Índia.
Em função da influencia externa do seu reino, a rainha Makeda se constituiu numa
importante personagem política e comercial da África antiga. A esse aspecto seja acrescido
o vasto e riquíssimo comércio que controlava, onde se destacavam os seguintes produtos:
ouro, ébano, marfim, óleos, especiarias e pedras preciosas; artigos relevantes a economia
da época, mas, sobretudo, as sociedades, uma vez que eram utilizados na confecção de
jóias e artigos de uso pessoal e ornamentação doméstica.
O reino de Makeda ainda sagrou-se pelas grandes construções arquitetônicas e
esculturas, onde se destacaram estátuas, monumentos e complexos urbanos com represas e
sistemas hidráulicos (NASCIMENTO, 2008, p. 77).
Outra mulher relevante na história do Egito antigo é Cleópatra, considerada pela
historiografia da África e pela Egiptologia, como sendo a “rainha poderosa”. A frente das
decisões e comando político sagrou-se estadista e estrategista, sobretudo, porque durante a
antiguidade defendeu a soberania do Egito na relação com outros reinos e povos
imperialista.
No período em que esteve a frente do Estado, Cleópatra afirmou-se politicamente
por sua competência e capacidade de barganhar com outros chefes políticos, essa mulher
como ninguém, negociou seja com homem ou mulher e fez isso muito bem, até mesmo no
período de declínio econômico do Egito (Id. Ibid.).
A ascensão e visibilidade que a historiografia delegou a Nefertiti, a rainha Makeda
e a rainha Cleópatra, não significa dizer que apenas elas se destacaram e são relevantes ao
processo de compreensão da história da África antiga, em especial do Egito. Outras
mulheres também ocuparam o espaço político administrativo e espiritual e se
protagonizaram na história, e ainda deixaram suas marcas; as quais são indispensáveis a
compreensão da história deste continente.
Um exemplo disso são as rainhas-mães africanas; estas se estabeleceram
principalmente na Núbia, (atual Sudão) através da linhagem das Kentakes, ou Candaces e
reinaram no período compreendido entre 300 a.C a 300 d. C, ou seja, estiveram no poder
político durante 300 anos (NASCIMENTO, 2008, p. 78).
As rainhas-mães “exerciam o poder por direito próprio, e não na qualidade de
esposa, ou seja, assumiam todas as responsabilidades de administração civil e militar”
(CLARKE apud NASCIMENTO, 2008, p. 78).
Diferente das rainhas do Egito antigo, as rainhas-mães do Sudão não exerciam o
poder político em função de ser esposa do rei e faraó, o exercício do poder era uma prática
natural entre as mulheres sudanesas.
Dentre as rainhas-mães do Sudão se destacou Amanirenas, esta rainha-mãe ganhou
visibilidade como soberana, porque assim como Cleópatra lutou contra as forças militares
de Roma.
Em 29 a.C a rainha-mãe Amanirenas por cinco anos liderou uma guerra de defesa
nacional contra os romanos. De posse de um aparato bélico superior aos romanos ela
conseguiu destruir várias cidades e chegar à capital, Napata.
Sua estratégia de luta e guerra não pressupunha a capitulação dos inimigos, mas o
ataque, e foi com essa estratégia que partiu contra as legiões de Roma, quando as tropas
romanas já estavam cansadas, ela obteve uma negociação direta com César Augusto.
Assim os romanos acabaram desistindo do tributo que pretendiam cobrar do Sudão, e que
foi o principal motivo da guerra entre os dois reinos (NASCIMENTO, 2008, p. 78).
Mesmo que as rainhas-mães exercessem o poder sem um homem ao seu lado, isso
não significa dizer que o compartilhamento do poder entre homem e mulher não existisse
no Sudão antigo.
A prática do compartilhamento do poder era comum no Egito antigo, no entanto, a
existência das rainhas-mães e suas práticas políticas no Sudão não pressupunham a
exclusão do homem do exercício político, sobretudo, porque o homem também ocupava o
poder político, mas não de modo concomitante como era no Egito. Essa é a principal
característica da condição da mulher no Sudão antigo.

Algumas Considerações Finais


A história da África é um campo de estudo que possibilita ao pesquisador pensar e
repensar os conceitos e paradigmas acerca da história da humanidade, e assim colocar em
cena os valores civilizatórios africanos na formação da humanidade, sobretudo, a condição
da mulher. Identificamos na África antiga, práticas e experiências culturais onde a
condição da mulher diferenciava-se e tal questão estava ora relacionado às condições de
vida concreta de cada povo, ora ao que foi sendo constituído socialmente e culturalmente.
Nesse caso os mitos têm papel fundamental, sobretudo, porque tal concepção foi
propagada e ultrapassou as fronteiras da antiguidade africana e alcançou outras culturas
onde permanecem até hoje. Um exemplo clássico é a relação da mulher como geradora da
vida.
Embora essa construção esteja associada à relação com a terra e a descoberta da
agricultura; e seja um atributo da mulher e uma atividade relevante a manutenção e
reprodução da espécie humana, a maternidade foi concebida como condição sine quan non
para a afirmação do ser mulher, quando historicamente existem outras práticas e meios de
a mulher se afirmar socialmente, culturalmente e politicamente. Neste sentido, é pertinente
observar que na mesma antiguidade africana, as rainhas-mães no Sudão possuíam outra
condição, ou seja, era natural a mulher assumir o comando político e administrativo do
reino, e quando isso acontecia era chamada rainha-mãe, mas tal título não estava associado
à maternidade, mas ao fato de ela ser a responsável pelos destinos da comunidade. Tratava-
se, portanto, de uma maternidade política, que nada tinha a ver com a geração de um ser
biológico. Outro aspecto relevante a condição da rainha-mãe no Sudão antigo e que a
diferencia da mulher egípcia é o fato de ela não assumir tal cargo ao lado de um homem,
fosse casada ou não, a rainha-mãe se constituía. Não era o homem que lhe dava
legitimidade política e social, como parece ficar compreendido da sociedade egípcia
antiga.

Referências
BOOF, Leonardo. O rosto materno de Deus: ensaio interdisciplinar sobre o feminino e
suas formas religiosas. Petrópolis: Vozes, 1979.

BRUNEL, P. Dicionário de mitos literários. Tradução de Carlos Susskind... [et. al.]. –


Rio de Janeiro: José Olympio, 2000.

GIORDANI, Mário Curtis. Historia da África anterior aos descobrimentos: idade


moderna I. Petrópolis: Vozes, 1983.

HERNANDEZ, Leila Maria Gonçalves Leite. A África na sala de aula: uma visita à
história contemporânea. São Paulo: Sumus, 2005.

NASCIMENTO, Elisa Larkin. (Org.) A Matriz africana no mundo. São Paulo: Selo
Negro, 2008.

OLIVEIRA, David Eduardo de. Cosmovisão africana no Brasil: elementos para uma
filosofia afrodescendente. Curitiba: Popular, 2006.

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