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UNIVERSIDADE DE BRASILÍA

Departamento de História (HIS)


Disciplina: História da África
Professor: Estevam Thompson
Nome/Matrícula: Lucas Maciel de Sousa – 211054097
Turma: 03

Inclusão na Consciência Histórica Africana

Embora a consciência histórica de África tenha sido questionada diversas vezes,


especialmente durante o período da Modernidade, devido ao esforço de pesquisadores
principalmente do campo da historiografia, hoje, pelo menos dentro do ambiente acadêmico
das humanidades, é hegemônica a visão de que há não só uma, mas várias consciências
históricas de África.

Apesar de, a partir do século VII, os historiadores terem passado a ter maior capacidade de
desenvolver pesquisas sobre o continente africano, tal história que parte dessa pesquisa é
extremamente marcada por um certo etnocentrismo que parte do colonialismo Europeu.
Segundo o autor africanista M’ Bokolo, esse colonialismo teve influência a tal ponto que o
termo “África Pré-colonial” foi utilizado por muito tempo pela historiografia do século XX e
até mesmo XI, mesmo esse termo sendo claramente imbuído de preconceito uma vez que dá
sentido à história do continente africano partindo de uma das suas maiores tragédias
históricas, a colonização (M. BOKOLO, [1998] 2009: 11).

Desse modo, como diz Joseph Ki-Zerbo, é necessário que a história da África seja reescrita
uma vez que, devido a vários séculos de opressão através do tráfico de escravos, a vinda de
viajantes, missionários e exploradores, a perspectiva da história por muito tempo não foi do
ponto de vista das sociedades africanas, o que gera a omissão, a perda de imagens dessa
história e, em síntese, o etnocídio das culturas dos diferentes povos africanos (KI-ZERBO,
HAMMA-UNESCO, [1981] 2010: 31). Embora haja arquivos e documentos manuscritos em
abundância no Irã, Iraque, Armênia, Índia, China e nas Américas, para os historiadores não
tropeçarem nos mesmos erros da historiografia etnocêntrica colonial é necessário que haja
por parte dos pesquisadores uma visão sem preconceitos anacrônicos e que se utilize do
método crítico. Atualmente, há iniciativas que se preocupam em escrever a história da África
sem um viés etnocêntrico. Uma dessas iniciativas científicas é a da UNESCO que busca
desenvolver uma história de África escrita pelo seu próprio povo e que se distancie dos vícios
de uma historiografia etnocêntrica.

Embora atualmente, como mostrado acima, existam iniciativas científicas que buscam
reescrever a história de África, um erro passível de se cometer é pensar que, devido a essa
nova historiografia que está sendo desenvolvida, se desenvolve também em conjunto uma
consciência histórica das sociedades africanas. Tal afirmação é um erro pois parte do
princípio de que anteriormente já não existia uma consciência histórica das sociedades
africanas.

Tanto no imaginário coletivo, quanto na história hegemônica europeia desenvolvida até o


século XIX, a história das mulheres ficou em segundo plano. Mesmo quando tal história
passou a ter mais visibilidade, seu enfoque geralmente consistia em abordar principalmente a
história da mulher europeia. E mesmo a mulher europeia em boa parte da história teve seu
lugar negado devido a várias circunstâncias como, por exemplo, o machismo que percorre
Idade Média inteira através da Igreja, da filosofia, das universidades e vários outros aspectos,
principalmente do pensamento da época que causavam uma barreira para a participação da
mulher em diversos âmbitos da sociedade que não eram negados aos homens de forma
alguma. O desenvolvimento da consciência histórica passa pelo processo de participação de
participação social no espaço e no tempo. Desta forma, é possível dizer que a participação da
mulher nas diferentes sociedades de África é essencial para o desenvolvimento de sua
consciência histórica. Na história de diferentes comunidades e clãs de África, há diversos
exemplos de feitos, marcos e mudanças que as mulheres promoveram. Na história de África
houve e ainda há mulheres que tiveram grande autoridade e grande influência nos
acontecimentos históricos de seus clãs e na sociedade africana em geral, alguns exemplos
desse tipo estão descritos no livro “Lugar da História na sociedade africana” de Joseph Ki-
Zerbo e Boubou Hamma. Em Uanzarba no Níger, as mulheres, como sacerdotisas,
mantiveram papéis de liderança espiritual mesmo quando os franceses tentaram nomear
homens para posições de comando. Isso demonstra a continuidade do poder feminino na
esfera espiritual. Em Swana Mulunda, no território que corresponde à República do Congo
atualmente, mulheres como Luedji desempenharam papéis multifacetados como filhas, irmãs,
esposas e mães de reis, ocupando posições que lhes concediam influência sobre os
acontecimentos políticos e sociais. Em Haussa, Amina é um exemplo marcante, no século
XV, de uma mulher que conquistou terras e aldeias para Zaria, deixando um legado que se
perpetuou ao nomear territórios conquistados com seu nome (KI-ZERBO, HAMMA-
UNESCO, [1981] 2010:30).
Um exemplo de consciência histórica que se expressa através da organização social é a
descrita por Meyer Fortes no livro “Parentesco e Casamento entre os Ashanti”, no qual ele
descreve o grupo dos Ashanti, que fazem parte do povo Akan. Dentre os Akan, os Ashanti
são o grupo de expressão mais numerosa que ocupam quase toda a metade meridional da
Costa do Ouro. Apesar do dialeto e cultura em comum, os povos Akan nunca foram
politicamente unidos, exceto até 1903, quando foram submetidos ao governo colonial inglês
(FORTES, [1950] 1982:341-342). Indo na contramão da organização familiar hegemônica
europeia, os Ashanti têm na base de sua organização social a filiação matrilinear. Cada um
dos cidadãos desta sociedade pertence a uma família matrilinear livre e é por nascimento um
membro da linhagem de sua mãe e a um chefado ao qual está linhagem está domiciliada. Tal
matrilinearidade possui suas especificidades, como um descendente matrilinear de um
desconhecido ou de uma escrava é um membro por direito da linhagem em que aquela
mulher foi incorporada, é possível uma mulher viver e ter filhos fora do seu chefado natal
através do casamento, fuga ou aprisionamento em guerra e a dispersão não retira dos
membros de uma linhagem seus direitos de linhagem e nem seu status (FORTES, [1950]
1982: 343). Na maioria dos assuntos e decisões coletivas há um alto grau de igualdade entre
ambos os gêneros daqueles que pertencem a linhagem, um exemplo disso é a escolha do
chefado, no qual tanto homens quanto mulheres têm voz na seleção do líder, levando em
conta qualidades como tato, chefia, inteligência e conhecimento (FORTES, [1950] 1982:
346-347). Tal igualdade de gênero evidente na sociedade Ashanti, mostra como homens e
mulheres desempenham papéis essenciais e possuem responsabilidades semelhantes em
diversos aspectos da vida comunitária e familiar. Essa especificidade denota uma consciência
histórica desse povo como um todo perante os outros povos, pois demonstra um forte senso
de decisão do povo sobre o seu próprio destino, por isso há o intuito de manter uma
determinada linhagem com regras bastante especificas.

Em síntese, apesar da historiografia atual sobre África ainda ter muitos desafios para
enfrentar, atualmente ela consegue desenvolver pesquisas que confirmam a importância das
mulheres em vários papéis das sociedades africanas. Tal trabalho é fundamental, pois para
que a consciência histórica de um povo possa ser completa é necessário que a população seja
estruturalmente representada de maneira diacrônica, pois somente assim a história será
construída socialmente de tal modo que a importância de parte dessa sociedade não será
apenas algo pontual de sua história, mas sim parte essencial de todos os processos de grande
significância para tal sociedade. Um exemplo de sociedade com uma ampla consciência
histórica é a dos Ashanti, que devido à sua inclusão estrutural da mulher em igualdade com o
homem, desenvolve uma consciência que inclui no tempo e espaço como um agente
importante dessa sociedade. Dessa forma, quantitativamente, quando se fala sobre a
consciência histórica, é necessário que se leve em conta a exclusão ou a inclusão social de
determinadas parcelas da sociedade. Somente com a inclusão no âmbito social é possível,
sem recorrer a reescrever a história, falar de uma inclusão na historiografia que de fato
represente uma sociedade com consciência histórica que se autodetermina.

Bibliografia:

− FORTES, Meyer. "Parentesco e casamento entre os Ashanti", in


RADCLIFFE-BROWN A. R. & FORDE, Daryll, Sistemas Políticos
Africanos de Parentesco e Casamento (Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, [1950] 1982), 341-381.
− M’BOKOLO, Elikia. “Introdução”, África Negra: Histórias e Civilizações – Tomo I
(Salvador: EDUFBA, [1998] 2009), 11-14.
− KI-ZERBO, Joseph. “Introdução Geral”, História Geral da África. Volume I
– Metodologia e Pré-História. (Brasília: UNESCO, [1981] 2010), XXXI-
LVII.
− HAMA, Boubou; KI-ZERBO, Joseph. “Lugar da História na sociedade africana”,
História Geral da África. Volume I – Metodologia e Pré-História. (Brasília:
UNESCO, [1981] 2010), XXXI- LVII.

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