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Resumo
A pesquisa investigou como o racismo foi parte integrante no branqueamento do Egito e
na sua eventual “retirada” do continente africano, a partir de ideais imperialistas
europeus, que causaram uma cisão entre a civilização egípcia e o continente africano.
As consequências estão presentes nos livros didáticos e nos livros comerciais, em que o
Egito muitas vezes não é associado à África. Buscou-se também uma tentativa para
reafricanizar o Egito a partir de uma bibliografia que tenta resgatar a origem africana do
país em questão, levando em consideração a perspectiva africana e a relação existente
entre o Egito antigo e os demais povos africanos.
Palavras-chave: Egito, racismo, reafricanização.
Abstract
The research investigated how racism was an integral part in the bleaching of Egypt and
its eventual " withdrawal" of the African continent from European imperialist ideals,
which caused a rift between the Egyptian civilization and the African continent. The
consequences are present in textbooks and trade books, that Egypt is not often
associated with Africa. It also sought an attempt to reafricanization Egypt from a
bibliography that tries to rescue the African origin of the country in question , taking
into account the African perspective and the relationship between ancient Egypt and
other African peoples.
Keywords: Egypt, racism, reafricanization.
Introdução
Este trabalho tem como principal objetivo apresentar de que forma o Egito se
tornou um país branco, através do racismo que atingiu seu auge no século XIX, com o
1
Artigo apresentado para a obtenção do título de Especialista em História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana, pelo Centro Universitário Claretiano, em 2013.
Imperialismo e com o surgimento da Egiptologia - ciência que estuda o Egito antigo -
para que se fundamentasse a ideia de um Egito não africano, portanto não negro.
Este trabalho surgiu da dúvida que trago desde a faculdade com relação ao Egito
antigo, pois o mesmo apesar de ser um país africano, dificilmente é referido como tal.
Geralmente, seus feitos são oriundos de sua “única relação” com o Oriente ou com o
Ocidente. Também percebi em meu trabalho docente, que os alunos do 6º ano do ensino
fundamental dificilmente relacionam o Egito ao continente africano, o associando à
Europa ou à Ásia. Com isso, procurei as bases dessa distorção histórica tão presente na
história do Egito.
Nesta etapa do trabalho, será exposta a Filosofia como um grande feito realizado
e desenvolvido pelos egípcios, portanto, não será uma cronologia de sua história, pois
existem inúmeros livros que a fazem dos seus primórdios aos dias atuais. O principal
objetivo é desmistificar a ideia de um Egito apenas branco, sem o fator negro, portanto
africano, como civilizador. O mais importante nesse momento é enfatizar que o Egito é
um país africano, localizado no nordeste do continente, cortado pelo imenso Rio Nilo,
que possui como uma das nascentes o Lago Vitória, que pertence aos países Tanzânia,
Uganda e Quênia.
Muito se ouve sobre a origem grega da filosofia, que data do século VI a.C. com
Tales de Mileto, porém, o chamado “primeiro filósofo da história” estudou no Egito
antigo, assim como vários filósofos e matemáticos gregos, entre eles, Pitágoras. Ainda
sobre Tales de Mileto, o mesmo é apresentado no trabalho de Jostein Gaarder, intitulado
“O mundo de Sofia”2 (Apud Nascimento, 2001 p.126), em que o mesmo foi capaz de
calcular a pirâmide, perceber o crescimento das plantações após o recuo das cheias do
Nilo e que o Egito é um lugar desabitado, dando a entender que os gregos eram os
únicos habitantes do território que hoje corresponde ao Egito. Com isso, há uma nítida
negação do que foi toda a civilização egípcia, que a pesquisadora Elisa Larkin
Nascimento sintetiza de forma objetiva:
2
Para mais detalhes, ler a obra de Jostein Gaarder, O Mundo de Sofia, Nova York: Berkeley Books,
1994.
Primeiramente, é necessário definir o que é racismo. No Novo Dicionário
Aurélio da Língua Portuguesa, racismo é “s.m. 1. Doutrina que sustenta a superioridade
de certas raças. 2. Qualidade, sentimento ou ato de indivíduo racista.” (Ferreira, 1986 p.
1443).
Para entender como se deu essa ideia de que o Egito não pertence à África,
precisamos entender primeiramente que houve uma tentativa de “retirá-lo” do
continente africano. Porém, essa retirada não aconteceu na questão geográfica, até
porque seria impossível mudar algum país do continente ao qual pertence apenas por
desejos imperialistas, mas sim na questão ideológica, que por vezes pode ser muito mais
destrutiva, pois acontece no campo das ideias e nega o direito à verdade, uma vez que a
mesma foi distorcida para satisfazer os desejos da classe dominante, e é nesse ponto que
o racismo ganha força e colabora para a visão distorcida que temos até hoje do Egito.
Portanto, fica nítido que houve uma tentativa de manipulação da história e que
por sinal, foi muito bem feita, pois até hoje há questionamentos quando tratamos de
explicar que o Egito é um país africano. Geralmente, há a associação com a Europa e a
3
Cheikh Anta Diop, pesquisador senegalês que dedicou a vida aos estudos sobre a origem africana do
Egito.
4
Ricardo Matheus Benedicto. Prof. Ms. orientador deste artigo e que escreveu o texto “As origens
africanas da filosofia”, em 2010.
Ásia, menos com a África, pois infelizmente, a mesma ainda é vista como um
continente pobre cercado por miséria e mortes.
Leila Hernandez nos apresenta os critérios utilizados por Hegel para segregar a
África, facilitando a ideia de “superioridade e inferioridade humana”
5
Ama Mazama, professora associada do Departamento de Estudos Africano-Americanos na Universidade
de Temple, Filadélfia, EUA, que realiza pesquisas sobre a teoria afrocentrista, raízes africanas da cultura
do Caribe e as religiões e línguas africanas.
e repletos de civilização, apenas para satisfazer os desejos imperialistas das nações
europeias que se auto intitulavam como berço da civilização.
Por conta de toda essa manipulação histórica, fica um pouco mais fácil entender
o porquê o Egito não é associado à África, como se toda a sua africanidade pudesse
6
Molefi Kete Asante. Pesquisador estadunidense e professor titular do Departamento de Estudos Afro-
Americanos da Universidade de Temple, Filadélfia, EUA e um dos principais articuladores da teoria
Afrocêntrica, que tem como principal objetivo recolocar os africanos como agentes de sua própria
história, levando em consideração a perspectiva africana.
desaparecer num passe de mágica. Não é por acaso que em livros sobre o Egito, não há
a discussão sobre sua origem, seja em livros didáticos ou livros comerciais sobre o
famoso “país das pirâmides”, como se esse país existisse sem uma localização definida
no globo terrestre, ficando à deriva de quem ousa fazer este questionamento.
O racismo também fez parte deste pensamento, onde o Egito era considerado
uma terra de transição da cultura oriental para a ocidental, mas em nenhum momento, à
cultura africana propriamente dita, sendo a África Subsaariana deixada à própria sorte e
considerada sem história, sendo, portanto, legitimado o seu domínio e sua exploração
por parte das potências europeias ditas “civilizadas”. Georg Hegel7 deixa bem nítido o
quanto o continente africano é desprezado pelas nações europeias, sendo apenas o Egito
e Cartago livre de estereótipos negativos, portanto não sendo considerados africanos de
fato:
7
HEGEL, G. W. F. Filosofia da História. Brasília, Editora da UnB, 1999.
Ocidental, porém este não pertence ao Espírito africano. O que
nós propriamente entendemos por África é o Não-Histórico. Não
Desenvolvido Espírito, ainda envolvido na condição de mera
natureza, e que foi apresentado aqui somente como soleira da
História mundial. (Apud Benedicto, 2010, p. 5).
Se isso não é racismo em sua forma extrema, não poderá ser outra coisa. Fica
nítida a visão que se tem da África – um lugar que não possui história e sem
desenvolvimento – e a tentativa de retirar geograficamente o Egito e o Norte da África
do continente, como se fosse possível tal ato. Mas infelizmente, a retirada ideológica do
Egito da África foi muito bem feita e articulada, pois até hoje percebemos em nossos
livros o quanto esta questão não foi bem resolvida e no seu devido lugar. Com isso,
percebe-se que de fato houve uma tentativa de branquear o Egito e sua eventual retirada
ideológica do continente.
Portanto, fica nítida a advertência que Cheikh Anta Diop nos fez, pois o
pesquisador enfatizou a questão arbitrária que permeia as pesquisas que poderiam
confirmar a origem negra da sociedade egípcia, pois o mesmo a confirmou através de
uma ampla pesquisa científica, porém, não é o que acontece nos dias atuais, pois o Egito
continua a ser associado a outros territórios, e quando é associada à África, essa relação
pouco é explorada, não enfatizando tal argumento (Diop, p.2).
Diop fez uma relação entre as práticas realizadas no Egito antigo e em outras
culturas africanas, provando assim, a origem africana e negra do Egito antigo, entre
elas: descendência matrilinear, totemismo, dança personalidade espiritual, culto dos
ancestrais, amuletos, circuncisão, veneração da serpente e monarquia divina (Finch III,
2009, p. 86-7).
8
Van Sertima, Ivan. Black in Science. New Brunswick: Transaction Press, 1983.
Os egípcios tinham apenas um termo para designar a si mesmos:
kmt ,= “os negros” (literalmente). Esse é o termo mais forte
existente na língua faraônica para indicar a cor preta; assim, é
escrito com um hieróglifo representando um pedaço de madeira
com a ponta carbonizada, e não com escamas de crocodilo. Essa
palavra é a origem etimológica da conhecida raiz kamit, que
proliferou na moderna literatura antropológica. Dela deriva,
provavelmente, a raiz bíblica kam. Portanto foi necessário
distorcer os fatos para fazer com que essa raiz atualmente
signifique “branco” em egiptologia, enquanto, na língua‑mãe
faraônica de que nasceu, significava “preto-carvão”. (Diop,
2010, p. 21-2)
Com isso, fica nítido o quão atrelado à África está o Egito. Pode-se afirmar que
os egípcios antigos eram negros e tinham vários pontos em comum com a África, sendo
necessário, portanto, reafricanizá-lo para que a história do continente possa de fato
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Entende-se por Kemet o Egito antigo, o nome dado ao próprio território, que significa “terra dos pretos”.
alcançar a tão sonhada Renascença Africana e possa ser reconstruída sob a própria
perspectiva.
Considerações finais
Neste breve artigo pode-se afirmar que a história do Egito foi intencionalmente
retirada da história da África, baseada em ideais racistas e imperialistas, sendo possível
branquear o país, o transferido para qualquer outro continente que não fosse o africano.
Com isso, foi possível silenciar a história da África abaixo do Saara, legitimando
afirmações de que o continente não possui história, sendo apenas a história do Egito
disseminada pelo mundo como uma nação europeia ou mesmo asiática. Por isso,
encontramos livros sobre a civilização egípcia apenas e livros sobre o continente
africano, como se ambos não tivessem relação alguma.
Referências bibliográficas
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NASCIMENTO, Elisa Larkin (org.). Sankofa 4 Afrocentricidade: uma abordagem
epistemológica inovadora. São Paulo: Selo Negro, 2009.
BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História: sociedade e cidadania, 6º ano. São Paulo: FTD,
2009.
DIOP, Cheikh Anta. A origem dos antigos egípcios. In: MOKHTAR, Gamal (Edit.).
História geral da África, II: África Antiga. 2. ed. rev. Brasília: UNESCO, 2010.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da Língua Portuguesa. 2ª
ed. rev. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira S.A., 1986.
FINCH III, Charles S. Cheikh Anta Diop confirmado. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin
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Paulo: Selo Negro, 2009.
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Brasília: Unesco, 2010.
SENTINELLA, David E. O enigma das múmias. São Paulo: Novo Século, 2008.