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IDENTIDADE E COMUNIDADE
AFRICANA NO BRASIL
[...] ter coragem, como cientista, para levar a sério a ideia de que a África
pudesse ser o nascedouro da humanidade. [...] se um africano
advogasse semelhante tese, era interpretado unicamente como
afirmação absurda e resultado de um complexo psicológico criado pela
colonização. (Diop, 1974, p. 23-24)
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Uma dessas descobertas foi o esqueleto de uma mulher africana (Dinknesh, ou
Lucy), que datava de 3,2 milhões de anos. O fóssil com mais de 40% dos ossos
foi encontrado na Etiópia e conferiu uma nova dimensão à história da evolução
humana, pois foi o esqueleto mais completo de uma antiga espécie humana
encontrada. Esse achado fóssil pertencia a nova espécie que recebeu o nome
científico Australopithecus afarensis.
Seguindo na escala evolutiva, a próxima espécie é o Homo erectus ou
Homo habilis, achado por Mary Leakey no Olduvai, Tanzânia, em 1961. Esse
hominídeo já possuía uma cultura lítica com ferramentas rudes, como o machado
de pedra.
Conforme Moore (2012), dentre as tantas singularidades do continente
africano, a mais marcante é o fato de seus povos terem sidos os progenitores de
todas as populações do planeta. Para essa afirmação, o autor se fundamenta em
dados científicos, originários tanto de pesquisas e análises do DNA mitocondrial
quanto dos achados paleontológicos que continuam sinalizando na direção de que
a África é berço único da espécie humana.
Mas quais seriam os fatores favoráveis para surgimento da espécie
humana na África? Segundo os pesquisadores Lewin e Leakey (1996), o Vale da
Grande Fenda (Etiópia, Quênia e Tanzânia) é matriz ecológica com diversidade
incomum de vegetação, sendo: floresta tropical, savana, deserto semiárido, matas
abertas, campinas alpinas, condições que propiciaram a evolução e disseminação
hominídea na África.
Conforme Pena e Birchal (2006, p. 13), o Homo sapiens é uma espécie
muito jovem na Terra. Tal afirmação ancora-se em duas linhas de pesquisa
genética, que sugerem a origem da espécie humana como única e recente, na
África, há menos de 150.000 anos.
A primeira linha de pesquisa e evidencia genética confirma a observação
de que a diversidade genética humana é maior na África do que em qualquer outro
continente. O olhar interpretativo desse resultado é de que as “que as populações
mais antigas teriam tido mais tempo para acumular variabilidade genética”.
A segunda linha de pesquisa e evidência genética é fornecida pelas
análises filogenéticas feitas pelo DNA mitocondrial. Com base no trabalho seminal
de Can et al. (1987, citados por Pena e Birchal, 2006, p. 14), “praticamente todos
os estudos baseados em DNA mitocondrial produziram uma árvore na qual a
primeira bifurcação separa populações africanas de todas as outras populações”.
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Conforme Moore (2012), o continente africano foi palco exclusivo dos
processos interligados de hominização e de sapienização, é o único lugar do
mundo onde se encontram, em perfeita sequência geológica, e acompanhados
pelas indústrias líticas ou metalúrgicas correspondentes, todos os indícios da
evolução da nossa espécie a partir dos primeiros ancestrais hominídeos.
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a mais conhecida por nós, entretanto, todas as citadas existiram por um longo
período histórico e deixaram importante legado cultural para humanidade.
Nesse sentido, iremos evidenciar de maneira breve as principais
características da civilização egípcia. Apesar da tentativa eurocêntrica de mostrar
o Egito fora da África, com a finalidade de ocultar/destituir suas
produções/contribuições, a autodefinição dos próprios egípcios é crucial
definidora da sua identidade.
Segundo Nascimento (1994, p. 45), os egípcios se autodefiniam em sua
língua como kemet, que quer dizer “cidade negra” ou “comunidade negra”. Nas
esculturas, os egípcios se retratavam como africanos; na arte egípcia, a esfinge,
os faraós e suas rainhas aparecem como africanos clássicos.
A seguir destaca-se algumas contribuições importantes da civilização
egípcia para humanidade, conforme Nascimento (1994):
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Alexandria, durante a ocupação romana do Egito. Por isso, até hoje a Etiópia é
considerada como o país cristão mais antigo da África subsaariana, sem que
houvesse contato com a colonização (Munanga; Gomes, 2006).
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Igualmente, sobre a riqueza do Mali, Lambert (2001) destaca que atraiu
letrados árabes e propiciou a modernização da cidade de Tombuctu, na época,
considerada grande centro intelectual. Enquanto a Europa estava envolvida no
caos da Guerra dos Cem Anos, o universo das letras se fazia presente em cidades
como Tombuctu, Djenné e Ualata, que além de oferecer conforto e segurança aos
sábios, possuíam centros comerciais, religiosos e literários.
O declínio do império do Mali teve início na primeira metade do século XV,
com a morte de Mansa Mussa. Também a invasão dos portugueses aguçou
rivalidades e fomentou a desorganização geral.
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London, a pele clara que associamos aos europeus modernos, principalmente do
Norte, seria um fenômeno relativamente recente.
Os especialistas destacam dois fatores principais para explicar esse
fenômeno que nos diferencia fenotipicamente.
De acordo com o professor Víctor Acuña, da Escola Nacional de
Antropologia e História do México, o primeiro deles é a mobilidade geográfica das
populações africanas há cerca de 150 mil anos. Essas populações, nossos
ancestrais diretos, começam a migrar e chegaram na Europa há cerca de 45 mil
anos. Estudos genéticos indicam que a pigmentação da pele mais clara teve início
em algumas regiões europeias, por volta de 25 mil anos atrás.
O segundo fator apontado como mais importante é a proteção contra os
raios ultravioletas. Conforme explica Víctor Acuña, os seres humanos,
diferentemente de outros primatas, têm muito pouco pelo no corpo. Por isso, a
pigmentação da pele era uma barreira aos efeitos negativos dos raios
ultravioletas, que é tão intensa na África.
A migração africana para o Norte do planeta, nas altas latitudes, chegou a
locais onde a intensidade dos raios solares é menor, portanto, a pigmentação da
pele com mais melanina vai se tornando desnecessária. O percentual maior de
melanina servia como proteção natural contra queimaduras e possíveis doenças
de pele. Nas regiões com menos Sol, a pele clara permitia maior absorção da luz
ultravioleta, vital para obtenção de vitamina D.
O desenvolvimento de pesquisas genéticas a partir de 1980 tem lançado
novas luzes sobre a origem africana da nossa espécie. O foco das pesquisas é
no DNA nuclear e DNA mitocondrial, que apresentam diferenças significativas;
aqui não serão elucidadas porque não é nosso objetivo. Entretanto, os estudos
sobre o DNA mitocondrial nos ajudam a compreender as migrações africanas e a
formação/evolução/mutações do fenótipo humano ao longo das gerações.
Conforme Symanski (2013, p. 71), o DNA mitocondrial é herança exclusiva
materna, e suas mutações ocorrem de forma regular a cada 100 gerações. Essa
regularidade possibilitou estimar datas com maior precisão para o aparecimento
das características de cada população. Assim, “quanto mais similar o DNA
mitocondrial de uma população em relação a outra, mais próximo o ancestral
comum entre essas duas populações”.
No decorrer dos milênios, nossa espécie se disseminou pela África e por
volta de 110 mil anos atrás um grupo migrou para além das fronteiras daquele
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continente, seguindo pela região que hoje compreende a Síria, Líbano, Israel e
Palestina. Essa região era um grande corredor para passagem de animais e
humanos entre África e Eurásia (Symanski, 2013).
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A cultura e princípios da civilização africana estão presentes na Ásia, a
partir da transposição dos rios Tigre e Eufrates, na região que compreende a porta
de entrada do Oriente Médio (Irã, Iraque, Palestina e Israel). Em 1872, John
Baldwin registrava que:
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Segundo Walters (2005, p. VII), diáspora refere-se ao “espaço global, uma
teia de abrangência mundial, que se deve tanto pelo continente original quanto
por qualquer lugar no mundo em que seus filhos possam ter sido levados pelas
infortunas forças da história”. Essa definição expressa referências nítidas no que
tange a migração forçada dos filhos daquela terra, desterritorializados pelos
colonizadores.
Além disso, a autora acredita que “a noção de diáspora pode representar
uma construção do lar múltipla, plurilocal, portanto, evitando ideias de fixidez,
liberdade espacial, e exclusividade nostálgica que a ideia de lar tradicionalmente
levanta” (Walters, 2005, p. XVI). Diáspora é a ausência de lar em um primeiro
momento e, em seguida, a reconstrução do ambiente acompanhada do frequente
desejo de retorno ao que foi perdido.
No entanto, Paul Gilroy afirma que “parece imperativo impedir que a
diáspora se torne apenas um sinônimo de movimento” (Gilroy, 2001, p. 22), e
cuidemos para não observar o fenômeno africano apenas como o resultado final
do trânsito – uma vez que encarar dessa maneira o fenômeno possibilitaria retirar
dele o aspecto conflituoso e violento –, mas toda sua extensão de movimento – a
busca, a captura, as negociações de venda, o armazenamento das “peças”, a
viagem já como cativos, a travessia no Atlântico, a chegada ao Novo Mundo e,
finalmente, a adaptação e as manifestações culturais desses homens e mulheres
nas novas terras.
Entre os séculos XV e XIX, a diáspora de povos africanos pela Europa,
América e Ásia foi intensa, pois é período da escravização, do tráfico humano.
Conforme Gilroy (2001), esse é um dos movimentos migratórios mais desumanos
da História moderna, a migração forçada, sendo que os cálculos indicam que
aproximadamente de dez a cinco milhões de pessoas foram brutalmente
arrancadas da África para América, cuja a travessia foi feita pelo Oceano Atlântico.
A diáspora africana, junto com o domínio colonial, deixou profundas
sequelas na organização social, econômica e política do continente africano.
Diversos países europeus ocuparam e subjugaram territórios e povos africanos
em nome de uma ideologia do progresso, e justificavam suas ações como
benéficas à humanidade. Hoje, vários Estados africanos enfrentam diversos
problemas e desafios.
No século XIX, o olhar científico e ideológico para o continente africano era
da não civilização; com o passar do tempo, essa concepção irá se transformar,
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sendo a Segunda Guerra Mundial um marco nessa mudança de perspectiva
ideológica. Assim, gradativamente construção de outras representações são
engendradas para África, porém, a desqualificação continua sendo adjetivo
central.
Nos materiais didáticos, na mídia, enfim, nos diversos meios de
comunicação, os discursos e representações sobre a África após a Segunda
Guerra Mundial são de um continente dominado pela miséria, desordem, doenças,
analfabetismo, golpes de Estados contínuos, seca e conflitos étnicos; em síntese,
o subdesenvolvimento.
Assim, nas longas batalhas pela independência e posterior conquista, os
países africanos surgidos tiveram que lidar com várias questões no esforço de
uma “construção nacional”. Esses novos países não poderiam ignorar a
diversidade de povos e culturas existentes em seus espaços. Conforme M’Bokolo
(2007, p. 587), “os Estados nascidos das independências declaram todos que
‘cultura’, constituía uma das principais prioridades”. Ainda segundo o autor, “há de
maneira geral, um retorno a elementos considerados ‘tradicionais’ dentro das
culturas africanas, de retorno a dignidade do passado, da valorização da história
que fora negada ou mal contada pelo colonizador” (M’Bokolo, 2007, p. 589).
Além do esforço para que a diversidade cultural não fosse o motivo de
conflitos entre diferentes povos que ocupam o mesmo espaço, há o desafio das
fronteiras artificiais criadas pelos colonizadores. Também a saída das
ex-metrópoles dos territórios africanos aguçou várias disputas entre grupos
antagônicos que desejam ocupar o poder para defender seus interesses
particulares e não do povo.
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REFERÊNCIAS
DIAZ, M. G. Por que os humanos que migraram da África para a Europa ficaram
brancos há milhares de anos. BBC. Disponível em
<https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43008445>. Acesso em: 4 out.
2020.
_____. A origem dos antigos egípcios. In: MOKHTAR, G. (Org.). História geral
da África II: África Antiga. Brasília: UNESCO, 2010.
LEWIN, R.; LEAKEY, R. O povo do lago: o home, suas origens, natureza e futuro.
Brasília: Universidade de Brasília, 1996.
MUNANGA, K.; GOMES, N. O negro no Brasil de hoje. São Paulo: Global, 2006.
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PENA, S.; BIRCHA, T. A inexistência biológica versus a existência social de raças
humanas: pode a ciências instruir o etos social. Revista USP, São Paulo, n. 68,
p. 10-21, 2006.
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