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A independência da Costa do Ouro no jornal A Tarde em 6 de março de 1957

A INDEPENDÊNCIA DA COSTA DO
OURO NO JORNAL A TARDE EM
6 DE MARÇO DE 1957

Átila Conceição Rodrigues*

Resumo
Este trabalho pretende analisar a repercussão da independência da Costa do
Ouro no jornal A Tarde do Estado da Bahia examinando uma reportagem
veiculada por este periódico na data da emancipação política da Costa do
Ouro. Apresenta também uma abordagem da participação da mídia dentro
da sociedade brasileira, tendo em vista o reconhecimento do A Tarde no âm-
bito nacional, e na construção dos ideais hegemônicos do século XX. Para
isso é necessário uma apresentação de como a África e os africanos são con-
siderados pela sociedade brasileira e mundial.
Palavras chave: mídia; repercussão; independência da Costa do Ouro.

Abstract
This text intends analyze the impact independence of the Gold Coast the
news paper A Tarde, The State of Bahia examining a report conveyed by this
journal on the date of the political emancipation of the Gold Coast. It also
presents an approach media participation inside Brazilian society, in view of
the recognition A Tarde in plan national and buil ding the hegemonic ideals
of the twentieth century. For this it is necessary a presentation how the Africa
and Africans are considered by society Brazilian and world.
Key words: media; repercussion; independence of the Gold Coast.

O século XX foi marcado por grandes trans- pertencia às nações da Europa Ocidental,
formações de cunho político, econômico, tendo a apartir deste evento a União Soviéti-
social, cultural, tecnológico, industrial e até ca (URSS) e os Estados Unidos (EUA) como
mesmo do discurso, e um dos grandes even- seus detentores, em decorrência os modelos
tos desencadeadores destas modificações de sociedade e cultura passaram a ter estas
neste período foi a Segunda Guerra Mundial duas nações como referencia.
de 1939 a 1945. Mudanças como a posse do Umas das mais significativas mudanças
poder econômico, que no início do século deste período ocorreram na estrutura po-

* Mestre em História da África pela UFRB. E-mail: atilarc@gmail.com.

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lítica mundial, com uma reorganização do Porém para entender a importância da im-
mapa da Europa e os desmoronamentos prensa na sociedade brasileira é preciso al-
dos impérios coloniais na Ásia e na África, gumas considerações sobre a participação
junto a isto uma intensa contestação dos da mídia no Brasil. Ainda é indispensável
discursos que justificavam a colonização de uma exposição da condição da África e dos
qualquer povo, principalmente ao término africanos no mundo, para que se possa ter
da Segunda Guerra que “foi acompanhado uma ideia de como seria construída ou edita-
de toda uma série de declarações dos países da esta reportagem. Na verdade é uma aná-
vencedores nas quais reafirmavam as idéias lise de como a sociedade brasileira se referia
democráticas e de autodeterminação dos à África e aos africanos tendo como foco um
povos.” (ARNAUT, LOPES, 2008, p.80). evento específico, a emancipação política da
Além destas declarações existia já a Carta do Costa do Ouro.
Atlântico que assegurava o desejo dos povos
de escolherem suas formas de governo e a A imprensa no Brasil do
carta da ONU.
século XX
O foco deste texto é discorrer sobre como
as informações sobre as emancipações em A imprensa que, segundo Juvenal Carvalho:
África foram apresentadas aqui na Bahia “Após os anos 50 do século XX, tornou-se
para observar os discursos sobre este con- um dos principais veículos de disputa de
tinente que estava em plena efervescência hegemonia na sociedade brasileira, a sua ca-
política, ideológica e econômica, através de pacidade de reproduzir e construir cenários,
um dos meios de comunicação mais utiliza- estereótipos ou imagens alcançou tal dimen-
dos na época os jornais. Como não é viável são que não são poucas às referências que a
o estudo destes acontecimentos de maneira ela são feitas como sendo o ‘quarto poder’.”
generalizada, para evitar qualquer possibili- (CARVALHO,2002, p.64).
dade de homogeneização dos processos de Devido a essa característica, da impren-
independência em África, este artigo se pro- sa no Brasil, é que a história do século XX
põe a tratar da libertação política na Costa poderá ser escrita tendo a mídia como uma
do Ouro, conhecida atualmente como Gana. fundamental fonte, sobre as informações e
A partir da pesquisa das notícias do jor- ou notícias acerca dos fatos históricos, que
nal A Tarde, referente à independência da aconteciam no mundo, aos brasileiros. Acre-
Costa do Ouro, pode-se analisar a maneira ditando que a imprensa escrita era um dos
como este periódico apresenta este aconte- meios de comunicação mais utilizados para
cimento de fundamental importância para se obter informações sobre os acontecimen-
a História da África e do mundo. Afinal em tos mundiais, os jornais foram essenciais
se tratando de Bahia uma das regiões com para a construção de imagens, que vai além
maior presença de negros no mundo fora do da fotografia, mas enquanto discurso tam-
continente africano, este evento internacio- bém, sobre a ordem mundial vivenciado em
nal não poderia passar despercebido. meados do século XX.
A reportagem a ser analisada neste arti- Os órgãos de comunicação que passaram
go é da independência da Costa do Ouro que a ser empresas, na lógica capitalista, e es-
ocorreu no dia 06 de março de 1957, notícia tava no mercado para vender um produto,
de primeira página do então jornal baiano. vão fazer negócios visando o lucro com isso

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a “mídia e suas tecnologias como os lugares, desta), revelador da verdade e responsável


por excelência, condutores e provocadores pela criação das autênticas autoridades dos
da cristalização de uma sociedade marca- tempos atuais” (BRITTOS, GASTALDOS,
da por relações de poder desiguais, atuam 2006, p. 122).
como dinamizadoras do controle social” Os efeitos da imprensa na sociedade são
(BRITTOS, GASTALDOS, 2006, p.121). extremamente relevantes já que a mesma
Nessa condição a indústria da comuni- pode interferir nas decisões políticas, eco-
cação no Brasil se desenvolve, para tentar nômicas, sociais e culturais de uma nação.
construir a sua influência na política e na Segundo Abramo, “ela é imprescindível
capacidade de formar opinião, que tais ór- como fonte legitimadora das medidas políti-
gãos possuem na atualidade como salienta cas anunciadas pelos governantes e das “es-
Venício Lima, tratégias de mercado” adotadas pelas gran-
des corporações e pelo capital financeiro.”
“O papel mais importante que a mídia de-
sempenha decorre do poder de longo prazo (ABRAMO, 2003, p. 08). Diante deste pen-
que ela tem na construção da realidade atra- samento é indiscutível que as grandes orga-
vés da representação que faz dos diferentes nizações midiáticas constituem hoje – com
aspectos da vida humana – das etnias (bran- toda a complexidade, os seus paradoxos e
co/negro), dos gêneros (masculino/femini- suas contradições – uma coluna de susten-
no), das gerações (novo/velho), da estética
tação de poder.
(feio/bonito) etc. - e, em particular, da polí-
tica e dos políticos. É através da mídia - em A imprensa na Bahia vai manter este pa-
sua centralidade - que a política é construí- drão, e tentar influenciar na opinião da so-
da simbolicamente, adquire um significado” ciedade, alimentando as informações que
(LIMA, 2009, p.21). para ela são mais significativas para a manu-
Foi assim com as notícias de luta de li- tenção da ordem que vigora na sociedade, no
bertação dos países colonizados, o apoio que tange as relações culturais. A imprensa
da grande imprensa a ditadura militar do na Bahia estava quase sempre vinculada às
Brasil, onde tem seu período de grande de- tendências dos grupos políticos aqui exis-
senvolvimento, e o apoio da imprensa a Fer- tentes, que utilizavam estes meios de comu-
nando Collor em 1989, além das imagens nicação para alcançar objetivos particulares.
que estes meios de comunicação fazem dos Seus representantes faziam dos periódicos
eventos esportivos, eventos de entreteni- instrumentos para concretizarem seus dese-
mento e tambem das manifestações popula- jos e interesses políticos.
res como as que aconteceram na Copa das
Confederações em 2013 no Brasil. Todas O Jornal a Tarde
essas evidências e informações expõem com Por isto este artigo irá utilizar o jornal A
nitidez a estreita relação que existe entre Tarde que já detinha no período em que se
poder econômico, poder político e empresas trata a metade do século XX, um reconheci-
jornalísticas “Apresenta-se todo o aparato mento a nível regional e nacional. “Nos anos
midiático como o próprio poder, não só por 50, A TARDE já estava consolidado como
seu papel social (ou a quem serve), mas por- um dos principais jornais do país, vivendo
que assim é visto pela sociedade, que o iden- um período tranquilo marcado pela tão de-
tifica como algo superior, portador/defini- sejada liberdade de exdpressão” (RIBEIRO,
dor da realidade (e não uma representação BOAVENTURA, 2012, p.185). Jornal que na

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perspectiva de Ana Spannenberg se tornou cular. O Jornal possuía uma sucursal na Ca-
o marco do “jornalismo moderno” na Bahia pital Federal, na época o Rio de Janeiro, em
trazendo inovações que iam desde a organi- suas próprias páginas afirmava como slogan
zação gráfica (com a introdução do uso de publicitário, ser um “jornal independente,
manchetes na primeira página, fotos am- político e noticioso”, tinha também uma es-
pliadas em mais de uma coluna e títulos em tratégia para atender a uma diversidade po-
destaque), até a estrutura redacional (pre- pulacional com a venda avulsa e com assina-
dominantemente informativa) e às opções turas semestrais e anuais.
temáticas. Nota-se com essas informações que o jor-
O A Tarde pertencente a Ernesto Simões nal A Tarde era um periódico de relevância
Filho, desde os primórdios assumia tendên- política de nível nacional apesar de circular
cia política, se afirmando como o jornal de apenas em território baiano, o que não o limi-
combate aos governos estabelecidos, e opi- tou a ser considerado um dos maiores jornais
nião que “em face dos problemas locais e da década de 1950 do Brasil. De certa manei-
nacionais confundiam-se com os interesses ra este não deixou de impactar a sociedade
de seus fundadores, diretor e proprietário” com seus noticiários e informações sobre
(SAMPAIO, 2001, p.5650). E como frisa eventos a nível nacional e internacional.
Spannenberg, “o que distingue A Tarde dos Ciente da significativa contribuição da
concorrentes baianos do início do século África e dos africanos na formação da socie-
XX são as manchetes na primeira página, as dade brasileira e baiana surge alguns ques-
fotos ampliadas em mais de uma coluna, a tionamentos; Será que a África continuará a
predominância da informação sobre a opi- ser apresentada, neste periódico, de maneira
nião (entrevista em discurso direto e busca a induzir ao leitor que os africanos não são
de mais de uma fonte), e a diferenciação te- agentes ativos na construção de sua histó-
mática.” (SPANNENBERG, 2006, p. 8). ria? Isto é, quando são considerados que tem
Mesmo com essas características ino- História, será mantido o discursos em que
vadoras trata-se de um jornal que também caracterizava os africanos como bárbaros,
desempenhou o esquema tradicional de vin- seres humanos inferiores intelectualmente?
culação política, afinal Ernesto Simões Filho E as reportagens que se refiram não só a in-
seu fundador, atuava em cargos públicos do dependência da Costa do Ouro, mas aos di-
Estado e segundo Ana Spannenberg “Pedro
versos conflitos pela libertação nacional, são
Calmon seu biógrafo afirma que o jornal pre-
de fundamental importância para responder
tendia ser um porta-voz altissonante de J.J.
tal pergunta, afinal é o momento da conquis-
Seabra.” (SPANNENBERG, 2006, p. 09).
ta da autonomia de povos antes caracteriza-
Desde 1949 o jornalista Jorge Calmon
dos com termos pejorativos que justificavam
passou a assumir a função de redator chefe e
a colonização que iniciou no final do século
junto com o então diretor Ranulfo Oliveira,
XIX e perdurou pelo século XX.
submeteram o jornal a significativas mudan-
ças na linha editorial e na organização das
As ideologias sobre a África e os
seções. O periódico circulava de segunda a
sábado com 12 páginas divididas em seções africanos
de esporte, populares, publicidade, registro O continente africano, berço da humanida-
social e aos sábados tinha um arranjo parti- de, sofreu um violento processo de explora-

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ção e dominação física, cultural, socioeco- imposta pela ordem econômica, política e
nômico e político, iniciado nos séculos XV e social que interessava aos países europeus.
XVI, com a formação do mercado Atlântico O racismo, segundo Silveira, “que favore-
de escravos, espalhando por Europa, Áfri- ceu os europeus e atingiu os demais povos do
ca, América e Caribe africanos que levaram mundo” não foi necessariamente a falta de
consigo as suas heranças culturais fazendo consciência do europeu, ou dos homens que
destes locais “pedaços de África”. Um aspec- o reproduzia, mas sim uma afirmação, uma
to marcante desta dominação foi à estratégia necessidade, uma presença, uma afirmação
de hierarquizar as culturas para justificar, o com sustentações de caráter jurídico e cien-
tráfico, a escravização e o racismo privando tífico. Com isso Silveira afirma: “o racismo
estes seres humanos de manter seus costu- científico foi, portanto, parte importantís-
mes de origem e de terem direitos que asse- sima da estruturação, pela primeira vez na
gurassem a sua condição humana. história da humanidade, de uma hegemonia
É significativo considerar que as opiniões abrangendo todo o globo terrestre” (SIL-
desenvolvidas pelos europeus não visavam VEIRA, 1999, p.90). Foi uma das estratégias
apenas as pessoas, mas também os locais de utilizada pelas potências européias para do-
origem, “é importante ressalvar que a des- minar fisicamente e culturalmente a África e
qualificação dos não europeus não recaiu, perpetuar esta dominação nas diásporas.
como se pensa, unicamente sobre as pes- E no Brasil isso não seria diferente, são
soas e etnias. Bem mais do que isso, a es- poucas as referências ao continente africano
tratégia de inferiorização do outro foi tam- nos livros didáticos, e são menores ainda as
bém estendida ao território habitado pelas informações sobre as independências africa-
populações não-européias, impregnando de nas nestes livros. A sociedade baiana ainda
modo simultâneo o espaço, as sociedades e desconhece o fato de alguns países africa-
as culturas dos demais continentes com to- nos terem menos de 60 anos de emancipa-
dos os signos de negatividade” (SERRANO e ção política, e isso se deve ao anonimato e,
WALDMAN, 2007, p.24). quando não, por causa das informações que
Toda uma classe dirigente no Brasil pas- foram veiculadas sobre estes acontecimen-
sou a utilizar como referência de desenvolvi- tos. Além disso, também é desconhecido por
mento um “ocidente branco e cristão” e com muitos a presença europeia em África, que
estes critérios classificam as demais socie- vai dar origem ao período de colonização
dades e os grupos sociais da sociedade bra- que se estende das últimas décadas do século
sileira. Toda esta hierarquização passou a XIX ao último quarto do século XX, nota-se
ter um caráter científico no século XIX, que que é um período cronológico mais curto de
justificam as idéias de superioridade racial exploração se comparado com a colonização
e cultural, através de teorias que recebem a das Américas, porém a ação colonial foi tão
função de legitimar as diferenças sociais e as avassaladora quanto tanto que até o século
ações das potências européias pelo mundo, XXI é perceptível às consequências desta in-
e até a colonização dos povos africanos. Nes- terferência externa no continente africano.
se sentido a realidade dos africanos e seus A contribuição africana na sociedade
descendentes no mundo não são das mais brasileira é incontestável, afinal está carac-
ideais, já que estes vão sofrer com o racismo terizado na feição, nos falares e nas práticas
por serem o que são diante da necessidade da nossa população laços irreversíveis da

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história do Brasil e da África, como registra uma comunidade brasileira conhecida como
Serrano e Waldman “Inferências de âmbito os Tabom, que levaram muito da cultura
antropológico, geográfico, histórico e socio- brasileira para este país, que já tinha uma
lógico que transformam o Brasil e a África grande presença estrangeira em órgãos ad-
em co-partícipes nas mais diversas situa- ministrativos.
ções e experimentos da vida humana” (SER- A Costa do Ouro foi colonizada pela In-
RANO e WALDMAN, 2007, p.13). glaterra em 1868 oficialmente até o ano de
Porém, uma mínima divulgação dos ele- 1957 quando foi decretada a sua indepen-
mentos africanos na formação nacional, a dência. Porém a presença inglesa foi contes-
generalização das origens dos africanos tra- tada a todo o momento de diversas manei-
zidos para o Brasil e um desequilíbrio no tra- ras e condições. Afinal segundo M’Bokolo “A
tamento dos grupos sociais brasileiros, fazem história da África colonial é, antes de tudo, a
com que o interesse ao legado cultural afri- da notável continuidade de uma tradição: a
cano seja o mínimo possível. Sendo assim a da resistência dos povos às usurpações e as
imprensa escrita também irá se inserir neste lógicas estatais de dominação e exploração”
contexto nacional e fomentará as informa- (M’BOKOLO, 2009, p. 523).
ções referentes à África no bojo destas ideolo- Os países do continente africano tiveram
gias raciais, culturais e afrimativa diante das nas suas lutas de libertação uma pluralida-
lutas de libertação em África. Afinal segundo de de maneiras a conquistar o seu objetivo
Conceição “vale destacar que a luta pela He- que era a independência. As potências euro-
gemonia entre diversas classes sociais, numa peias tiveram que tratar a libertação de suas
determinada sociedade, implica, também, colônias, em África, conciliando os seus in-
numa luta pela imagem que cada uma faz de teresses econômicos e políticos com os inte-
si mesma e das suas adversárias.” Fazendo resses nativos. Sendo assim a Inglaterra, por
com que uma série de produções em nível exemplo, promovera um grande conflito no
de entretenimento, como música histórias Quênia, para evitar a independência de um
de dormir, humor, entre outros, e em nível dos maiores fornecedores de metais precio-
de formação humana como livros didáticos, sos da África, no entanto na Costa do Ouro a
museus, os meios de comunicação, se tornem mesma Inglaterra teve que negociar a eman-
mecanismos desta construção hegemônica cipação política com os líderes do país, já que
euro-cristão-ocidental. os africanos desta região detinham grande
parte da produção mineral e natural local,
além de haver “uma larga camada da popu-
A independência da Costa do
lação africana com uma massa de dinheiro
Ouro advinda da cultura do cacau que participava
A Costa do Ouro está situada na África Oci- ativamente não só dando impulso ao ensi-
dental e limita-se ao norte com Burkina Faso no secundário, mas também financiando o
e Níger, ao sul com o Oceano Atlântico, ao estudo de alguns jovens em universidades
leste com Costa de Marfim, e ao oeste com norte-americanas” (HERNANDEZ, 2005,
Togo. Região que forneceu escravos para a p.195). Porém estas diferenças na relação
América, e, obviamente, Brasil. A Costa do com as metrópoles não minimizam o teor
Ouro no século XIX também recebeu do violento que foi a independência dos países
Brasil alguns retornados que lá formaram africanos.

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Costa do Ouro, que foi o primeiro país da O processo político que desencadeou a
África subsaariana a conquistar a sua inde- luta pela autonomia na Costa do Ouro pode
pendência, teve nesta conquista um caráter ser caracterizado por três correntes. A pri-
singular, até mesmo na apresentação do jor- meira seria uma corrente política através
nal A Tarde, que será analisada mais adian- dos sindicatos e, principalmente, dos parti-
te, pois foi uma emancipação que tem como dos políticos que na perspectiva de M’Bokolo
característica uma serie de modificações na “iriam conhecer seu pleno desenvolvimento
constituição colonial. durante a ‘marcha para a independência’:
Kwame Nkrumah, um dos líderes des- admitidos progressivamente pelas autori-
ta luta de libertação, teve grande envolvi- dades coloniais, apoiando-se em movimen-
mento e participação em congressos in- tos sociais radicalizados, adquirindo formas
ternacionais que contestavam a condição novas e uma dimensão sem precedentes”
de colônia dos países africanos e asiáticos. (M’BOKOLO, 2011, p. 596).
Em seus discursos, Nkrumah sempre teve A segunda corrente é baseada na motiva-
a preocupação em informar de maneira ge- ção popular por meio de palestras, discursos
ral à condição que se encontrava a África e proferidos por jornais e líderes nacionais. E
os africanos no século XX, e a necessidade uma terceira corrente baseada nas transfor-
destes povos em administrar seus países. A maçõesocorridas na constituição colonial,
participação deste líder em Gana foi de mo- impulsionadas pelas duas correntes anterio-
bilizar a sociedade, ou seja, trabalhadores, res, que por sinal desencadeou a autonomia
proprietários de empresas, estudantes e política sem a necessidade de “surtos revo-
desempregados, todos aqueles que estavam lucionários” como define Leila Hernandez
insatisfeitos com a condição de coloniza- as lutas armadas pela libertação. No entanto
dos, a buscar este direito de liberdade, in- esta condição não elimina as prisões, mor-
centivou greves, passeatas e com discursos tes, choques com as forças militares colo-
que inflamam a sociedade em um só senti- nialistas, que sempre atuaram de maneira
do, o da libertação. ostensiva, mesmo quando as ações eram de
É importante destacar que Nkrumah desobediência civil.
teve atuação não só em solo africano, mas Após o V Congresso Pan-Africano, a
também em outras partes do mundo para Costa do Ouro se encontrava com uma lar-
mobilizar as comunidades africanas na con- ga oposição à administração colonial, que
quista da independência. Assim organizou passava a contar com os fazendeiros e os
no ano de 1945, em Manchester na Ingla- homens de negócios do Sul, responsáveis
terra, o V Congresso Pan-africano que não pelo cacau, que se sentiam “descontentes
somente contribuiu para um forte impulso com a administração britânica e já com-
nas atividades nacionalistas especialmente partilhavam certa hostilidade.” (HER-
na África Ocidental britânica. Existiram vá- NANDEZ, 2005, p.195). Com a evolução
rios congressos pan-africanos desde 1900, da situação estes grupos sociais receberam
porém foi este de 1945 que pela primeira vez um grande reforço político dos “antigos
reclamou não somente uma completa e ab- combatentes de guerra (cerca de 65 mil)
soluta independência e uma África unificada que levaram consigo para os territórios
com base em uma economia socialista, mas africanos as experiências das independên-
também esboçou as estratégias a seguir. cias asiáticas, em especial, conhecidas du-

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rante a segunda guerra.” (HERNANDEZ, ção de marchas pacíficas para o palácio do


2005, p. 195). governador, ratificando o boicote aos produ-
Segundo Hernandez esse conjunto de tos europeus para induzir a redução dos pre-
importantes grupos da sociedade da Costa ços destas mercadorias. A postura do gover-
do Ouro foi incrementado de forma signifi- no colonial britânico foi de intensa repres-
cativa pela pressão político-partidária, que são aos manifestantes “Provocou tumultos
se organizou de forma lenta, mas sempre fiel populares em Acra e em cidades do litoral,
ao compromisso de ampliar os direitos indi- com assalto de lojas europeias e sírias, li-
viduais e sociais em relação aos precedentes. bertação de presos e incêndios de grandes
Estas organizações possibilitaram ao nacio- armazéns. No fim de três dias havia 29 mor-
nalismo africano expandir-se e atuar com tos e centenas de presos.” (HERNANDEZ,
eficácia conforme M’Bokolo (2011). 2005, p.196).
Nestas condições, o United Gold Coast Mesmo com esta repressão violenta dos
Convention (UGCC), fundado por intelec- representantes da metrópole, as ações pela
tuais ganeses, em sua assembleia de insti- busca da autonomia política continuavam e
tuição, ocorrida no ano de 1947 se colocava com a participação de vários grupos sociais.
em posição contrária a constituição vigente Desta vez, em 1950, a mobilização popular
e “isto dava grande ânimo e agitava os ideais foi organizada pelos sindicatos. M’Bokolo
de obtenção de completa independência constata que os sindicatos “desempenharam
para a Costa do Ouro. Preliminarmente, o um papel fundamental no amadurecimento
trabalho parecia ser meramente acadêmi- das consciências africanas, na passagem da
co, eis que faltavam planos e motivação das contestação dos efeitos do sistema para a
massas” (BLAY, 1973, p. 27). Foi esta uma contestação do próprio sistema, e na passa-
das estratégias que os principais líderes do gem da contestação para ação.” (M’BOKO-
movimento de emancipação da Costa do LO, 2011, p.596).
Ouro, J. B. Danquah e Francis Kwame Nkru- Se em um momento inicial Nkrumah
mah utilizaram para as suas vozes ecoarem propôs uma ação não violenta, no ano se-
na tentativa de unir as forças nacionais guinte em 1949, defendeu reformas radicais
como informa M’Bokolo, “os intelectuais com amplo apoio dos sindicatos que refor-
representavam geralmente uma espécie de çaram essas medidas, afinal “era indispen-
traço de união estando presente em todas as sável criar condições para uma pressão po-
tendências.” (M’BOKOLO, 2011, p.605). pular eficaz, desencadeando um processo de
Um bom exemplo desta característica desobediência civil.” (HERNANDEZ, 2005,
unificadora direcionada pelos intelectuais p.196). Nessas condições os sindicatos lide-
era o partido, no qual Danquah era um raram uma greve geral em janeiro de 1950,
dos dirigentes e Nkrumah secretário-geral, como parte do processo de luta, demons-
UGCC “que acolhia os diversos setores da trando sua capacidade de mobilização, em
sociedade, incluindo elementos das classes torno de um programa de reivindicações.
populares cada vez mais sensíveis às cir- Demostrando, segundo Elikia M’Bokolo,
cunstâncias daquele momento” (HERNAN- uma forte ligação entre as aspirações de or-
DEZ, 2005, p.196). dem econômica e social e as aspirações po-
Este processo, segundo a mesma autora líticas, com o objetivo de derrubar a ordem
Hernandez, culminou em 1948 na organiza- colonial. (M’BOKOLO, 2011, p.601).

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Esta mobilização levou a uma intensa lhar com eles.” (M’BOKOLO, 2011, p. 617).
repressão do governo colonial britânico Com esse pensamento Kwame Nkrumah
que prendeu algumas lideranças sindicalis- cria o Convention People’s Party, no ano
tas e políticas do movimento de indepen- de 1949, tendo como palavra de ordem a
dência da Costa do Ouro, como Nkrumah independência imediata.“Trata-se, declara
e Danquah. Além de, segundo Hernandez Nkrumah, de uma linha que estará de acor-
(2005), considerar necessário o uso da for- do com as aspirações dos chefes e do povo da
ça militar local acabou abrindo fogo na di- Costa do Ouro.” (BENOT, 1981, p.156). Con-
reção dos manifestantes matando quatro forme M’Bokolo este partido era composto
oficiais africanos. por “um grupo mais jovem, mais determi-
Após esse episódio de repressão violenta nado e mais progressista, desejoso de ver os
do governo central, somado ao crescimento progressos políticos avançarem e de que a
da crise socioeconômica, têm-se algumas re- independência não fosse realizada em pro-
viravoltas na relação entre o movimento de veito das classes privilegiadas.” (M’BOKO-
libertação e o governo imperial. A primeira LO, 2011, p.617).
foi a ampliação do apoio social em favor dos No ano de 1950, conforme M’Bokolo
rebeldes na luta pela emancipação política (2011) houve uma modificação na constitui-
da Costa do Ouro. Já o governo britânico ção colonial da Costa do Ouro a qual reduziu
temeroso de não poder participar, mesmo a idade que dava direito a votar de 25 para
que de maneira indireta, da transição para 21 anos, ampliando assim as bases de apoio
a self-government passou a “adotar por al- do CPP que tinha na sua maioria de jovens
gum tempo uma política menos repressiva, e oriundos das classes populares. É impor-
que incluiu a elaboração de um calendário tante destacar que este partido não tinha
de eleições parciais a serem realizadas em uma ideologia definida estava determinado
Acra e em Cape Coast.” (HERNANDEZ, a chegar o mais rápido possível a autono-
2005, p.197). mia e, como salienta Adu A. Boahen, “estava
A outra modificação ocorreu dentro dos pronto a utilizar todos os meios para atingir
diferentes grupos sociais que se uniram para os seus fins.” (M’BOKOLO, 2011, p. 617).
a formação da frente nacionalista do movi- Um dos principais questionamentos do
mento de oposição na Costa do Ouro ao go- CPP era essa tal autonomia limitada que ca-
verno colonial. Existia efetivamente uma di- racteriza a exclusão dos africanos dos gabi-
visão entre os que “defendiam a autonomia netes das finanças, da administração, da jus-
o mais breve possível” e aqueles que propu- tiça, do exército e da polícia, das eleições por
nham “autonomia imediata” como conside- sufrágio universal e a formação de gabinetes
ra Hernandez (2005). Neste cenário Nkru- integrados. A contestação a essas organiza-
mah decide por se afastar do UGCC, pois ções constitucionais levaram o CPP a vitória
considera ser um partido de opinião mode- nas eleições gerais de fevereiro de 1951, com
rada como afirma em depoimento: “era qua- expressivo número de votos, e, sobretudo
se inútil associar-me a um movimento quase estas eleições vieram legitimar o CPP, con-
inteiramente apoiado por uma classe média forme M’Bokolo (2011) como o partido ma-
reacionária, de advogados e de comercian- joritário na Costa do Ouro.
tes, porque as minhas ideias e o meu passa- A imagem de Nkrumah vinculada a este
do revolucionários me impediam de traba- partido também foi determinante para o re-

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sultado desta eleição e para o processo de Por isso, com a independência, uma das ma-
independência devido o carisma que existia nifestações mais significativas dos líderes
na sua pessoa, “o que lhe permitia subjugar políticos foi a que apontava para a variedade
de culturas pré-coloniais fazendo-se sentir,
uma massa de simpatizantes”. (BOAHEN
logo de início, com a mudança do nome do
e SURET‑CANALE, 2010, p. 200). Pouco país de Costa do Ouro para Gana. Nkrumah
tempo depois reduziu o enfrentamento das ao fazer esta mudança exaltou as tradições
forças sociais, começando a surgir caracte- locais não da região da antiga Costa do Ouro,
rísticas próprias de uma política de tendên- mas de todo a História Antiga da África ‘Eu
cia colaboracionistas, formando a campa- recorri ao nome de Gana porque esta pro-
fundamente enraizado na história antiga da
nha do Action Positive, que se trata de uma
África ocidental, porque fala à imaginação da
“cooperação estratégica”, segundo Hernan- juventude. É preciso celebrar a grandeza e os
dez (2005), “onde o CPP soube jogar com altos feitos de uma civilização que os nossos
toda uma gama de meios de pressão para antepassados fizeram expandir muitos sé-
levar a população a reagir para não a dei- culos antes da penetração europeia e do seu
xar resignar-se a sua sorte de colonizada.” domínio ulterior sobre a África. (HERNAN-
(M’BOKOLO, 2011, p., 617). Para alguns DEZ, 2005, p.198 Apud CORNEVIN, p.143).
pesquisadores este período pode ser consi- É perceptível que o então representante
derado como uma partilha de poder uma es- ganês justifica o resgate de um passado glo-
pécie de “diarquia”. rioso do continente com o intuito também
“De 1951 a 1957, a marcha para a inde- de valorizar as tradições locais, e de certa
pendência vai prosseguir, através de nego- forma aniquilar qualquer relação com os
ciações, de sucessivos retoques, melhora- tempos de colonização, onde esta região era
mentos e concessões mútuas.” (BENOT, batizada com o nome da matéria-prima ex-
1981, p.157) Uma das estratégias foi de não plorada pelos europeus.
distinguir as diferenças e as desigualdades
dos vários grupos reconhecendo o regiona-
A notícia do dia 6 de março de
lismo, existente no território da Costa do
Ouro, “formado por diversas ‘nações’ com 1957
diferentes características culturais, além de O Jornal A Tarde do dia seis de março de
necessidades e interesses econômicos, po- 1957 tem como notícia de primeira página a
líticos e sociais próprios.” (HERNANDEZ, festa pela independência da Costa do Ouro,
2005, p. 1981). (Reportagem que esta anexada no final do
Através destes compromissos, alcança- texto) festividade já programada desde o
se a independência no dia 6 (seis) de março mês de setembro do ano anterior. Uma re-
de 1957 numa cerimônia realizada em Acra portagem digna de primeira página pela im-
com representantes de lideranças políticas portância do acontecimento, afinal trata-se
de países como a URSS e os EUA além de da primeira nação da África subsaariana a
representações do governo britânico. E uma se tornar independente. Uma reportagem
das ações que torna o estudo desta região que oscila em tons afirmativos e negativos a
ainda mais interessante foi a mudança do “nova” nação de Gana.
nome da região, que se referia a uma das Sugere inicialmente a extinção do termo
matérias-primas buscadas pelos coloniza- Costa do Ouro, denominação recebida pela
dores europeus, região, devido a grande quantidade de ouro.

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A independência da Costa do Ouro no jornal A Tarde em 6 de março de 1957

Uma sociedade em sua grande maioria de disputa por territórios para que pudessem
africanos e com presença de estrangeiros melhor perpetuar sua política de interesses,
oriundos dos longos anos de alternância de tanto capitalistas quanto socialistas. O Jor-
portugueses, holandeses e ingleses, estes úl- nal apresenta que este acontecimento não
timos que colonizaram a região após a Con- passou despercebido pelas principais potên-
ferência de Berlim em 1884. cias mundiais do século XX inserindo assim
Por sinal palavra, colonização, que não se a África a nível mundial, mais uma vez, no
ver no texto do jornal, em sessenta e uma li- contexto da Guerra Fria como alvo de dis-
nhas em nenhum momento, se encontra re- puta, entre os países protagonistas deste
ferência à Inglaterra enquanto ex-metrópo- processo caracterizado por Nkrumah como
le, mas sim como membro da primeira ses- o neocolonialismo.
são parlamentar do após a independência. Porém, uma tendência em tornar este
Facilitando para os leigos a interpretação de acontecimento, importantíssimo para a hu-
uma relação amistosa entre ex-colônia e an- manindade, um evento festivo demonstra
tiga metrópole, além de não fazer alusão à uma tentativa do jornal em amenizar a luta
condição de colonizadora da Inglaterra. deste povo na busca pela sua independência.
Um dos trechos da reportagem do jornal, A notícia desta data não teve mais do que
que ainda traz uma grande imagem do pri- isto no seu texto, porém, a não ser a fala do
meiro-ministro Kwame Nkrumah, tem uma primeiro-ministro, não se apresenta uma
parte do seu discurso desta data escrita no luta destes habitantes da então “nova” nação
texto, parte do discurso que demonstra o real na conquista dessa independência. Comen-
interesse da “nova” nação: “Nós não somos tou os fogos de artifício, a cor da bandeira,
mais escravos! Que todos estejam de agora a contribuição soviética e norte-americana e
por diante com a cabeça erguida. O primei- ainda da presença do representante inglês.
ro-ministro disse ainda que a independência E o caráter festivo desta reportagem mini-
de Gana não significa coisa alguma se não miza sim o teor violento e repressivo que foi
estivesse ligada com uma libertação total a luta de libertação da Republica democráti-
das demais áreas coloniais do continente co do Gana.
africano.” (A Tarde, 1957, p.1).
Esta passagem do discurso de N’krumah Conclusão
foi muito bem apresentada pelo jornal, de- A importância de estudar e ensinar os pro-
monstrando a denúncia feita pelo primeiro cessos de emancipações da África em sala de
ministro de Gana á presença europeia em aula esta no que estes representam para o
África e do desejo que este país, na represen- arcabouço construído para legitimar a infe-
tação dos seus dirigentes, tinha para o conti- rioridade deste continente. Como podemos
nente, como um todo, uma nova imagem da observar no caso de Gana trata-se de proces-
África e dos africanos. sos que buscam o fim da presença colonial
A reportagem prossegue com a informa- nas perspectivas políticas, econômicas, so-
ção da presença do representante dos Es- ciais e ideológicas.
tados Unidos e do representante da União Segundo Kabengele Munanga, no prefá-
Soviética. Demonstrando o interesse tanto cio do livro “A África que incomoda”, de Car-
do imperialismo norte-americano e soviéti- los Moore, “a África começou a incomodar a
co em África, as potencias que estavam em partir dos processos de luta pela obtenção de

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suas independências políticas e econômicas, do que é admitir que estivessem errados os


de sua libertação espiritual e cultural do jugo países que serviam de referencia mundial de
colonial” (MOORE, 2010, p.6). A África pas- civilização, e que estes agiam de modo a ferir
sa a incomodar quando se recusa a condição a integridade da humanidade. Sendo assim
de inferioridade que lhe fora imposta pelos a reportagem minimiza a ação dos coloniza-
países europeus, e, ainda segundo Munanga, dores enquanto tal e muito menos valoriza o
“daí o neocolonialismo para manter a rup- povo africano pela conquista.
tura e manter o status quo que se perpetua Ao citar os representantes estrangeiros,
ainda hoje através dos mecanismos de coo- da União Soviética, dos Estados Unidos e da
peração internacional e de novas relações de Inglaterra os colocam na condição de reco-
explorações econômicas altamente sofistica- nhecedores da nova nação, mas não os apre-
das.” (MOORE, 2010, p. 7). sentam enquanto beneficiados pelos longos
Por efeito é com uma análise mais especí- anos de colonização da região em destaque
fica da independência de Gana, da finalidade neste texto, principalmente em se tratando
da mídia no Brasil e das imagens referentes da Inglaterra.
ao continente africano é que se pode ter uma Portanto, África foi tratada de maneira
melhor interpretação das reportagens refe- superficial por esses jornais, contribuindo
rentes às independências africanas. para um não entendimento da realidade do
A mídia no Brasil passou a ser um pro- continente que deu origem a humanidade e
duto comercializado, com fins de alimentar participou de maneira ativa na formação da
a formação de uma hegemonia dentro da sociedade brasileira e no desenvolvimento
sociedade brasileira no que tange as refe- das políticas afirmativas a nível mundial.
rências culturais para repercutir de maneira
coesa nas questões econômicas, políticas e Referências
sociais. ABRAMO, Cláudio Weber. A regra do jogo:
O teor festivo da reportagem caracteriza o jornalismo e a ética do marceneiro. São
esta tentativa em reduzir as dificuldades im- Paulo: Companhia das Letras, 2006.
postas pelos paises europeus na autonomia ARNAUT, Luiz; LOPES, Ana Mônica. Histó-
dos povos da África dando enfoque a uma ria da África: uma introdução [Coleção Bi-
relação amistosa que nunca existiu e dian- blioteca Afro-Brasileira] Rio de Janeiro: Pallas,
2008, 2ªedição.
te do pronunciamento do primeiro-ministro
ganês não existia afinal o objetivo maior se- BENOT, Ives. Ideologias das Independên-
cias Africanas Volume I. Luanda: Instituto
gundo N’krumah era a emancipação do con-
nacional do Livro e do Disco, 1981.
tinente como um todo.
Outra característica peculiar da reporta- BLAY, J. Benibengor. Nkrumah – O Pan
-Africano. Traduzido por José Luiz Pereira da
gem é o fato da mesma não ter mencionada Costa. Acra: 1973.
no decorrer do seu texto a palavra coloni-
zação, não cita a Inglaterra enquanto colo- BOAHEN, Albert Adu e SURET-CANALE, Jean.
A África ocidental; In: História geral da Áfri-
nizadora do novo país Gana o que torna o ca, VIII: África desde 1935 / editado por
texto da reportagem tendencioso para uma Ali A. Mazrui e Christophe Wondji. -Brasília:
relação amistosa e que o processo político UNESCO, 2010, p.191-228.
em prol da emancipação politica da Costa CARVALHO, Juvenal de. Revista Veja: Um
do Ouro foi pacífico. É perceptível o incomo- olhar sobre a independência de Angola. 1

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A independência da Costa do Ouro no jornal A Tarde em 6 de março de 1957

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Reportagem retirada do Jornal A Tarde do dia
SANTIAGO, Theo (org.). Descolonização. Rio 06/03/1957, primeira página.
de Janeiro: Francisco Alves, 1977.
SERRANO, Carlos; WALDMAN, Maurício. Me-
mória D’África: a temática africana na Recebido em 18/03/2016
sala de aula. São Paulo: Cortez, 2007. Aprovado em 14/06/2016

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