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UniCV: FILOSOFIA DA RELIGIÃO

Prof. Dr. Eduardo Sales


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A ESCOLA ESTÓICA
Iniciada na última década do século IV antes da era cristã, por um certo Zenão: não o antigo
criador de paradoxos eleáticos, mas natural da cidade cipriota de Cítio e, portanto, geralmente
distinguido como “Zenão de Cítio” (330-262 a.C.). Embora nenhum destes três fosse ateniense
de nascimento, todos estudaram e trabalharam em Atenas, e foram profundamente
influenciados pelas escolas de Atenas que os precederam: a Academia de Platão, em primeiro
lugar, mas também o Liceu de Aristóteles, e também, de forma adversária, a escola rival de
Epicuro.

O estoicismo teve proponentes relevantes durante os quatrocentos anos seguintes. A escola


fez uma passagem fácil para Roma quando eclipsou a Grécia no século II a.C, e encontrou até
adeptos entre os primeiros cristãos. Os estóicos romanos fornecem-nos a maior parte das
nossas evidências escritas da escola. Os escritos de Sêneca (4 a.C.-65 d.C.), Epicteto (55-135
d.C.) e Marco Aurélio (121-180 d.C.) sobreviveram praticamente intactos, enquanto os escritos
mais volumosos de Zenão, Cleantes e Crisipo sobreviveram apenas de forma breve em breves
fragmentos dispersos. Entre os cristãos, Tertuliano (160-225 d.C.) é o caso mais famoso.

Mostraram a influência do legado socrático – tanto a sua teologia como a sua ética. Apresenta
aproximações e rupturas com seus antecessores. No segmento de Sócrates, apresenta a
filosofia como reflexão sobre a vida, com foco na virtude e no auto-controle, mas não como
uma dádiva divina, antes pela observação (daí se aproxima de Aristóteles) encontrando a
sabedoria de regular a vida de acordo com a physis (natura), daí o reconhecimento de todos,
inclusive dos escravos, como iguais. Nisto, também identifica algumas desordens como a Ira, a
Inveja e o cíume, por exemplo.
A filosofia não promete assegurar nada externo ao homem, caso contrário
estaria admitindo algo que está além do seu próprio tema. Pois assim como
o material do carpinteiro é a madeira, e o da estatuária, o bronze, o tema da
arte de viver é a própria vida de cada pessoa. ( Epicteto, Discursos 1.15.2)

Desta compreensão, resulta uma forma de empirismo (só existe a matéria), mas também
alguma forma de racionalismo, pois adquirimos crenças (doxa) ao concordarmos com
impressões, crenças verdadeiras ao concordar com impressões verdadeiras (episteme), e falsas
ao concordar com impressões falsas (συγκατάθεσις). Logo, a felicidade, a virtude e o
conhecimento eram igualmente raros. Todas as pessoas, e eles próprios, eram miseráveis,
cruéis e não tinham conhecimento algum. Aqui podemos ver em evidência a visão socrática de
que a virtude é ao mesmo tempo suficiente e necessária para a felicidade, bem como a ideia
de que o vício é sempre o resultado da ignorância.

A partir destes compromissos filosóficos, rejeitaram grande parte da religião tradicional, ou


apoiaram apenas nominalmente. Assim, um estóico não teria objeção a orar e sacrificar a
Zeus, Hera e Afrodite.

Outra consequência deste “materialismo” era a compreensão da existência limitada aos


corpos, não falam em alma ou em relação com as Formas de Platão, nem deuses imateriais:
tudo o que existe é corpóreo. Eles aceitaram a existência tanto de almas como de deuses, mas
construíram a ambos a partir da matéria (Aproximam-se de Epícuro).

Segundo a noção de physis, o universo em que nos encontramos contém um sistema cósmico
organizado, com a nossa Terra esférica no centro de um céu esférico. A Terra, o céu e os corpos
celestes também são inteiramente corpóreos e, de fato, não há vácuo ou vazio dentro do
cosmos esférico; é um continuum de matéria de um lado ao outro. Em suas categorias eles
também concebiam alguns incorpóreos, as categorias de tempo, lugar, vazio e linguagem;

O resultado dessa compreensão física do universo é o determinismo. Uma forma de panteísmo


clássico (Deus é identificado com o universo e sua ordem). Assim, acreditavam que a sequência
de eventos no cosmos (Destino) envolve o pneuma em diferentes aparências e aspectos, que
mais uma vez é simplesmente Deus em seu papel como princípio ativo.

Assim, as qualidades de uma coisa são correntes de pneuma – uma espécie de ar aquecido, ou
mistura de fogo e ar – ou dizer que Deus é uma espécie de pneuma que permeia as coisas
(Plutarco, Sobre as Contradições dos estóicos 1053f–1054b [= SVF 2.449]). O princípio ativo,
então, é Deus, como um sopro de fogo, permeando todas as partes do cosmos e dando a cada
coisa as qualidades que possui. Isso não é verdade apenas para coisas como o ferro ou o sal,
mas também para unidades orgânicas como uma árvore ou um animal. Nestes casos, porém, a
parte do pneuma em ação recebe nomes especiais para indicar sua função de unificar e animar
toda a estrutura. 'Alma' ou psuchē é a palavra apropriadamente reservada para a porção do
pneuma que é o princípio animador dos animais não-racionais.

Logo, o destino é simplesmente a rede total de causas ativas inter-relacionadas (Aëtius,


Opiniões 1.28.4 [= SVF 2.917]). Há, portanto, um sentido muito direto em que podemos dizer
que tudo o que acontece é causado por Zeus e acontece de acordo com o destino. Neste
determinismo, eles acreditavam que cada ação que ocorre foi determinada desde toda a
eternidade. Eles têm vários argumentos para esta visão. Partem da coerência causal dos
eventos, apontando o princípio geral de que nenhum movimento é não causado ou
desconectado de outras causas, e conclui que todo evento acontece como resultado de causas
que foram suficientes para o seu acontecimento (Alexander de Afrodísias, 185 [= SVF 2.982],
191–2 [= SVF 2.945]).

Como tudo estava determinado, entendiam que os deuses nos fornecem sinais que nos
permitem prever o futuro. A adivinhação confiável e precisa que requer o domínio da ciência
da adivinhação, conhecimento possuído apenas pelos Sábios. Ainda assim, é uma
consequência do amor e da preocupação providencial dos deuses pelos seres humanos que
eles nos forneçam sinais do que está por vir e um método para interpretar esses sinais (Cícero,
Sobre Adivinhação 1.82).

Os estóicos pensavam que os seres humanos tinham alma. Pensavam, em comum com os
epicuristas, mas distintos dos platônicos e aristotélicos, que a alma é material e não imaterial.
Isto por si só não representa qualquer obstáculo à imortalidade, uma vez que vimos que os
deuses também são materiais. E, de fato, há diversas passagens onde se diz que a alma
humana é uma espécie de fragmento ou pedaço destacado dos deuses (presumivelmente, uma
porção do pneuma divino). Mas, e o que acontece com esse pedaço depois da morte do
indivíduo? Os estóicos parecem ter negado a ideia platônica de que as almas reencarnam
numa sucessão de novos corpos (Orígenes, Contra Celso 1.1.66 [= SVF 2.819]). Os relatos mais
explícitos sugerem que cada alma é capaz de sobreviver após a morte, mas que a duração e a
coerência de sua sobrevivência dependerão da virtude do indivíduo (DL 7.157 [= SVF 2.811]).
Os estóicos declaram que Deus é inteligente, um fogo projetista que procede metodicamente à
geração do cosmos, contendo todos os princípios seminais, segundo os quais tudo acontece
por destino. E deus é o espírito que permeia todo o cosmos, mudando suas denominações de
acordo com as variações na matéria que ele permeia. O cosmos também é um deus, assim
como as estrelas e a terra e o mais elevado de tudo é o Nous. (Aécio, Opiniões 1.7.33 [= SVF
2.1027])

A existência de Deus é garantida por adesão de todos. Eles entendiam que o ponto principal é
o acordo entre todos os homens de todas as raças. Pois todos têm inato e praticamente
gravado em suas mentes que existem deuses. As opiniões variam quanto à sua aparência, mas
ninguém nega que existam”.

ANTOLOGIA – SÊNECA
Continue a agir assim, meu querido Lucílio – liberte-se por conta própria; poupe e salve
o seu tempo, que até recentemente tem sido retirado a força de você, ou furtado, ou
simplesmente escapado de suas mãos. Faça-se acreditar na verdade de minhas
palavras, – que certos momentos são arrancados de nós, que alguns são removidos
suavemente, e que outros fogem além de nosso alcance. O tipo mais desgraçado de
perda, no entanto, é aquela, devida ao descuido. Ademais, se você prestar atenção ao
problema, você verá que a maior parte de nossa vida passa enquanto estamos fazendo
coisas desagradáveis, uma boa parte enquanto não estamos fazendo nada, e tudo isso
enquanto estamos fazendo o que não se deveria fazer. (Cartas de um Estóico Vl I, I –
sobre aproveitar o tempo)
São as coisas supérfluas pelas quais os homens labutam, as coisas supérfluas que
desgastam nossas togas a farrapos, que nos obrigam a envelhecer no acampamento,
que nos levam às costas estrangeiras. O que é suficiente está pronto e ao alcance das
nossas mãos. Aquele que fez um justo pacto com a pobreza é rico." (Cartas de um
Estóico Vl I, IV – sobre os terrores da morte).
Bestas evitam os perigos que veem, e quando escapam estão livres de preocupação;
mas nós homens nos atormentamos sobre o que há de vir, assim como sobre o que é
passado. Muitas de nossas bênçãos trazem a nós desgraça; pois a memória recorda as
torturas do medo, enquanto a antevisão as antecipa. O presente sozinho não faz
nenhum homem infeliz (Cartas de um Estóico Vl I, V – sobre a virtude do filósofo).
Ligar-se à multidão é prejudicial; não há ninguém que não torne algum vício cativante
para nós, nem o escancare sobre nós, nem nos manche inconscientemente com ele.
Certamente, quanto maior a multidão com que nos misturamos, maior o perigo. Mas
nada é tão prejudicial ao bom caráter como o hábito de frequentar os estádios; pois é
lá que o vício penetra sutilmente por uma avenida de prazer. (Cartas de um Estóico Vl I,
VII – Sobre as multidões).
Confesso que todos temos um afeto inato por nosso corpo; confesso que somos
responsáveis por sua proteção. Eu não defendo que o corpo não deva ser saciado em
tudo; mas mantenho que não devemos ser escravos dele. Haverão muitos que fazem
de seu corpo seu mestre, que temem demasiadamente por ele, que julgam tudo de
acordo com o corpo. (Cartas de um Estóico Vl I, XIV – Sobre as razões para se retirar do
mundo).
Talvez alguém diga: "Como pode a filosofia me ajudar, frente a existência do destino?"
De que serve a filosofia, se Deus governa o universo? De que vale, se a fortuna governa
tudo? Não só é impossível mudar as coisas que são determinados, mas também é
impossível planejar de antemão contra o que é indeterminado, ou Deus já antecipou
meus planos, e decidiu o que devo fazer, ou então a fortuna não dá liberdade aos meus
planos. Se a verdade, Lucílio, está em uma ou em todas estas perspectivas, nós
devemos ser filósofos; se o destino nos amarra por uma lei inexorável, ou se Deus,
como árbitro do universo, providenciou tudo, ou se a fortuna dirige e lança os assuntos
humanos sem método, a filosofia deve ser nossa defesa. Ela nos encorajará a obedecer
a Deus alegremente, e a fortuna desafiadoramente; ela nos ensinará a seguir a Deus e
a suportar a fortuna. (Cartas de um Estóico Vl I, XIV – Sobre a filosofia, o Guia da Vida).
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Atividade: Leitura Dirigida e debate em sala – Cartas de um Estóico

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