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Metafísica

A palavra metafísica foi usada pela primeira vez por Andrônico de Rodes (filósofo grego discípulo de Aristóteles), por
volta do ano 50 a.C, quando recolheu e classificou as obras de Aristóteles que, durante muitos séculos, haviam
ficado dispersas e perdidas. Com essa sentença - tà meta tà physica – o organizador dos textos aristotélicos
indicava um conjunto de escritos que, em sua classificação, localizavam-se após os tratados de física ou sobre a
natureza, pois a palavra grega meta quer dizer “depois de”, “após”, “acima de”.
Os escritos que Andrônico de Rodes deixou para depois dos escritos de física haviam recebido uma designação por
parte do próprio Aristóteles quando este definira o assunto de que tratavam: são os escritos da Filosofia Primeira,
cujo tema é o estudo do “Ser enquanto ser”. Desse modo, o que Aristóteles chamou de Filosofia Primeira passou a
ser designado como Metafísica.

As indagações metafisicas
Por que uma coisa pode mudar e, no entanto, conservar sua identidade individual de tal maneira que podemos dizer
que é a mesma coisa, ainda que a vejamos diferente do que fora antes? Como sabemos que uma determinada
roseira é a mesma que, no ano passado, não passava de um ramo com poucas folhas e sem flor? Como sabemos
que Paulo, hoje adulto, é o mesmo Paulo que conhecemos criança?
Por que sinto que sei que sou diferente das coisas? Porém, por que também sinto que sei que outro corpo, diferente
e semelhante ao meu, não é uma coisa, mas um alguém? Por que eu e o outro podemos ver de modo diferente,
sentir e gostar de modo diferente e, no entanto, ambos admitimos que um triangulo, o número 5, o círculo, os arcos
do palácio da Alvorada ou as pirâmides do Egito são exatamente as mesmas coisas para ele e para mim?
O que é uma coisa? O que é um objeto? O que é subjetividade? O que é o corpo humano? O que é uma
consciência?
Perguntas como essas constituem o campo da metafisica, ainda que nem sempre as mesmas palavras tenham sido
usadas para formulá-las.
Por exemplo, um filósofo grego não falaria em “nada”, mas em “NÃO SER”. Não falaria em “objeto”, mas em “ente”,
pois a palavra objeto só foi usada a partir da Idade Média e, no sentido que empregamos hoje, só foi usada depois do
séc.XVII.
A mudança no vocabulário da filosofia no curso dos séculos, indica que mudaram os modos de formular as questões
e responde-las, pois a filosofia está na história e possui uma história. No entanto, sob essas mudanças, permaneceu
uma questão metafísica fundamental: O que é? .
A metafísica é a investigação filosófica que gira em torno da pergunta “O que é?”. Este “é” possui dois
sentidos:
1. Significa “existe”, de modo que a pergunta se refere à existência da realidade e pode ser transcrita como:
“O que existe?”;
2. Significa “natureza própria de uma coisa” de modo que a pergunta se refere à essência da realidade,
podendo ser transcrita como: “Qual é a essência daquilo que existe?”.
Existência e essência da realidade em seus múltiplos aspectos são, assim, os temas principais da metafísica, que
investiga os fundamentos, os princípios e as causas de todas as coisas e o Ser íntimo de todas as coisas, indagando
por que existem e por que são o que são.
Portanto, o primeiro esforço filosófico de cunho metafísico, realizado pelo homem foi obra dos Gregos, como
instrumento de discernimento entre a existência real, como uma existência em si mesmo, e a existência fenomênica
ou aparente.

Características da metafísica.
No período pré-socrático, socrático e sistemático:
- investiga aquilo que é ou existe, a realidade em si;
- é um conhecimento racional apriorístico, ou seja, não se baseia nos dados conhecidos diretamente pela experiência
sensível e sensorial (dados empíricos), mas nos puros conceitos formulados pelo pensamento puro ou pelo intelecto;
- é um conhecimento sistemático, isto é, cada conceito depende de outros e se relacionam com outros, formando um
sistema coerente de ideias ligadas entre si:
- exige a distinção entre ser e parecer ou entre realidade e aparência , seja porque, para alguns filósofos, a
aparência é irreal e falsa, seja porque, para certos filósofos, a aparência só pode ser compreendida e explicada pelo
conhecimento da realidade que está subordinado a ela.

Período cosmológico e a metafisica.


A filosofia nasce da admiração e do espanto, dizem Platão e Aristóteles. ADMIRAÇÃO: “Por que o mundo existe?”.
ESPANTO: “Por que o mundo é tal como é?”
Desde o seu nascimento, a filosofia perguntou: “O que existe?”, “O que é isso que existe?”, “Por que e como surge,
muda e desaparece?”, “Por que a natureza ou o mundo se mantem ordenados e constantes, apesar da mudança
contínua de todas as coisas?”. Essas questões levaram os primeiros filósofos a buscar uma explicação racional para
a origem de um mundo ordenado, o cosmo. A busca do principio que causa e ordena tudo quanto existe na natureza
(minerais, vegetais, animais, humanos, astros, qualidades como úmido, seco, quente, frio) e tudo quanto nela
acontece (dia e noite, estações do ano, nascimento, transformação e morte, crescimento e diminuição, saúde e
doença, bem e mal, belo e feio...) foi a busca de uma força natural perene e imortal, subjacente as mudanças,
denominada pelos primeiros filósofos de physis. A cosmologia era uma explicação racional sobre a physis e,
portanto, uma física, ou, como a chamava Aristóteles, uma fisiologia, isto é, o estudo da physis.

Heráclito de Éfeso (540 – 470 a.C)


Investiga o principio a partir do conceito: “Tudo flui”
O devir (vir- a- ser) é uma característica estrutural de toda a realidade.
O devir é uma passagem ordenada e não caótica de um contrário ao outro, uma luta de opostos que no conjunto se
revela em uma harmonia dos contrários.
O mundo é luta particulares e harmonia na totalidade.
O principio é idêntico com o fogo. “ O fogo vive da morte do combustível, transformando-o continuamente em cinzas,
mas se manifesta harmonicamente como chama de modo constante”.
O fogo está conectado com o conceito de racionalidade (logos): razão de ser da harmonia do cosmo.
Princípio (arché):fogo; devir (vir- a- ser).

Parmênides de Eléia (530 – 460 a.C)


(Primeira via ) A via da verdade absoluta – “ O ser existe e não pode não existir”, “ O não-ser não existe”. [i] fora dos
er não existe nada e pensamento é ser (não é possível pensar o nada); [ii] o ser é não-gerado (para não derivar do
não-ser, já que o não-ser não existe); [iii] o ser é incorruptível ( se fosse corruptível poderia terminar no não-ser); [iv]
não tem nem passado nem futuro; [v] existe um eterno presente, é imóvel, homogêneo, perfeito, limitado (o limite é
intendido como um elemento de perfeição ) e uno. “Tudo aquilo que os sentidos atestam como múltiplo e em devir é
falso”.

(Segunda via) A via do erro – Se confiarmos nos sentidos, somos levados a admitir que o devir existe e, desta
maneira, erramos ao admitir a existência do não-ser.

(Terceira Via) Os opostos coincidem no ser (opinião plausível; doxa plausível) – via de mediação entre as duas vias
anteriores. Afirma que os opostos também se identificam no ser (por exemplo, a luz é, a noite é, portanto, ambas
coincidem no ser). Todos os testemunhos dos sentidos devem ser repensados à luz da razão.
Inaugura a ontologia, o estudo do ser enquanto ser.
Princípio (arché): o ser (imutável); o ser é o princípio e fora dele nada existe.

O limite conceitual e investigativo dos pré-socráticos foi atingido como as contribuições da escola atomista (A escola
atomista, iniciada pelo filósofo Leucipo no século V a.C. e tendo como principal figura, Demócrito (460 – 370 a.C),
propunha que todo objeto físico é composto por átomos e vácuo que se organizavam em diferentes formas). O tipo
de investigação desenvolvido pelos pensadores pré-socráticos – a respeito dos fundamentos da physis proporcionou:
- um distanciamento considerável das explicações mitológicas;
- a fundação de um tipo de racionalidade (logos) que se tornaria a característica da filosofia grega (uma razão que
busca as explicações da realidade em perspectivas que se distanciam das antigas explicações mitológicas).
Metafísica Platônica
Platão dedicou sua obra a resolução do impasse filosófico criado elo antagonismo entre o pensamento de Heráclito e
Parmênides.
Platão considerou que Heráclito tinha razão no que se refere ao mundo material e sensível, mundo das imagens e
opiniões. A matéria diz Platão, é, por essência e por natureza, algo imperfeito, que não consegue manter a identidade
das coisas, mudando sem cessar, passando de um estado ao outro, contrário ou oposto. O mundo material ou de
nossa experiência sensível é mutável e contraditório e, por isso, dele só nos chegam as aparências das coisas e
sobre ele só podemos ter opiniões contrárias e contraditórias.
Por esse motivo, diz Platão, Parmênides está certo ao exigir que a filosofia deva abandonar esse mundo sensível e
ocupar-se com o mundo verdadeiro, invisível aos sentidos e visível apenas ao puro pensamento. O verdadeiro é o
Ser, uno, imutável, idêntico a si mesmo, eterno, imperecível, puramente inteligível.
Eis porque a ontologia platônica introduz uma divisão no mundo, afirmando a existência de dois mundos inteiramente
diferentes e separados: o mundo sensível da mudança, da aparência, do devir dos contrários e o mundo inteligível
da identidade, da permanência, da verdade, conhecido pelo intelecto puro, sem nenhuma interferência dos sentidos e
das opiniões. O primeiro é o mundo das coisas. O segundo, o mundo das ideias ou das essências verdadeiras. O
mundo das ideias ou das essências é o mundo do Ser; o mundo sensível das coisas ou aparências é o mundo do
Não Ser. O mundo sensível é uma sombra, uma cópia deformada ou imperfeita do mundo inteligível das ideias ou
essências.

Fonte: Iniciação a Filosofia


Marilena Chauí
Ed. Ática 2010.

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