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Anti-heliocentrismo 901

Anti-heliocentrismo de Matemática, que fora ocupada por Pe-


dro Nunes até 1563. O prestígio que tinha
adquirido após a publicação da Cronogra-
fia contribuiu para que fosse considerado
um dos homens que em Portugal havia
mais conhecedores das ciências físico-ma-
temáticas; que a obra lhe granjeou grande

O matemático e astrónomo Pedro Nu-


nes era considerado, no começo do
séc. xxi, o maior vulto científico português
sucesso pode ser avaliado pelo número de
reimpressões que dela se fizeram até 1612.
Nela, André de Avelar manifestava‑se favo-
não só na época de D. João III, mas tam- rável à opinião da imobilidade da Terra,
bém, na opinião de vários historiadores de afirmando que tal se provava com muitas
ciência, de todos os tempos. Nunes conhe- demonstrações, ainda que houvesse va-
cia a teoria heliocêntrica, tendo referido a rões “mui doutos” que tinham afirmado
obra de Copérnico nos seus escritos. Ape- que ela se movia, como Pitágoras e recen-
sar de indicar alguns erros que encontrou temente Copérnico, o qual afirmara estar
em questões de geometria plana e esférica, o Sol quieto e fixo no meio do mundo e a
não se alongou muito a respeito do livro Terra ser o astro que se movia. Acrescen-
De Revolutionibus Orbium Coelestium (1543) tava que, ainda que este “doutíssimo as-
e, embora tivesse considerado o sistema de trónomo” tivesse suposto a mobilidade da
Copérnico correto do ponto de vista mate- Terra por suas demonstrações, não seria
mático, não arriscou pronunciar-se sobre crível que se entendesse tal ser verdade:
a sua realidade física. Esta situação poderá Copérnico teria atribuído à Terra aqueles
ser mais bem compreendida se atender- movimentos para melhor conseguir des-
mos ao facto de, até 1600, não haver na crever o mundo, como fizera Ptolomeu,
Europa mais de 10 pensadores a defender “colocando uma vez excêntricos e outra
o sistema de Copérnico, sendo os mais concêntricos com epiciclos”, e concluí-
destacados Giordano Bruno, Galileu, Ste- ra o que queria, que era conhecer “as
vin, Rheticus, Maestlin e Kepler.
Só cerca de 30 anos após a morte de Nicolau Copérnico (1473-1543).
Nunes é que o ensino da matemática
em Coimbra foi retomado, agora por
André de Avelar, que em 1585 publicou
Cronografia ou Reportório dos Tempos, onde
discutia o calendário gregoriano. Apesar
do longo tempo decorrido desde Copér-
nico, Avelar ainda se manifestava favorá-
vel à imobilidade da Terra; tentava talvez
evitar conflitos com a Igreja, mas acabou
por cair nas malhas da Inquisição e por
ver o seu livro incluído no Index (não por
causa das suas opiniões científicas, mas
por acusação de judaísmo). No início do
séc. xvii deve assinalar-se a influência de
Avelar no ensino das matérias científicas
em Coimbra. Em 1592, ocupou a cátedra

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aparências dos planetas”. André de Avelar que, pelos argumentos matemáticos, a di-
escreveu também uma Apostillæ, seu Expo- vergência estabelecida se tornava impro-
sitio in Theorias Septem Planetarum, et Octa- fícua, uma vez que tanto um como outro
væ Purbachii. Também analisou o sistema descreviam adequadamente todas as ob-
heliocêntrico, para o rejeitar, embora te- servações dos astros.
nha louvado Copérnico pelo seu esforço Ainda em meados do séc. xviii, havia
para “salvar as aparências celestes com autores que mostravam alguma relutân-
subtilíssimas demonstrações e observa- cia na adoção do heliocentrismo. No seu
ções exatas” (OSÓRIO, 1986, 120). Compendio dos Elementos de Mathematica, no
Ao longo do séc. xvii foram publica- capítulo intitulado “Elementos de esfera
das em Portugal diversas obras de astro- e astronomia”, Inácio Monteiro afirmava
nomia, entre as quais se encontram As- que a Providência tinha colocado o ho-
tronomia Moderna, de Francisco de Melo mem no meio de uma máquina prodigio-
e Torres, editada em Lisboa em 1637, sa, composta com artifício mais do que
Sphæra Artificial e Natural e o Tratado sobre humano e constituída por inumeráveis
a Teórica dos Planetas, de Simão Falónio, e prodigiosas peças. Quanto às hipóteses
que entre cerca de 1635 e 1652 ensinou para o sistema do mundo, afirmava que
Astronomia, Agrimensura, Astrologia e numa destas “se viu a Terra arremessada
Cosmografia no Colégio de S.to Antão, e por um alemão, o excelente Nicolau Co-
que viria a ser nomeado, por D. João IV, pérnico”, desde o centro do firmamento
engenheiro‑mor do reino. Falónio refe- até à eclíptica, na qual girava à roda do
riu-se à teoria de Copérnico, descreven- Sol. Este era o sistema “de quase todos os
do‑a sumariamente e rejeitando‑a como Astrónomos deste tempo”. Sobre este sis-
doutrina definitivamente comprovada, tema afirmava que nenhuma razão, física
para aceitar como verdadeira a hipótese ou matemática, o convencia da sua falsi-
tychonica, a qual salvava as “novas apa- dade, “nem havia argumentos de causas
rências”, ou seja, através do sistema pro- naturais que o impugnasse, com vigor”
posto pelo Dinamarquês explicavam‑se as (MONTEIRO, 1756, 125-133). Contudo a
fases de Mercúrio e de Vénus, bem como obediência à Congregação do Santo Ofí-
as variações das distâncias dos planetas à cio impedia a sua defesa como tese, por
Terra. ser heresia, i.e., uma doutrina contrária à
Entre 1678 e 1680, António Tomás, na- ensinada pelo magistério romano.
tural de Namur, na Bélgica, ensinou Ma-
temática no Colégio das Artes, destinado
aos candidatos da missão da China. Estas Bibliog.: LEITÃO, Henrique, “Uma nota sobre
lições foram publicadas sob o título Sinop- Pedro Nunes e Copérnico”, Gazeta de Matemá-
sis Mathematica, onde o autor expunha, tica, n.º 143, 2002, pp. 60-64; MAURÍCIO,
Domingos, “Os Jesuítas e o ensino das mate­
com algum pormenor, o sistema de Co-
máticas em Portugal”, Brotéria, vol. xx, fasc. 3,
pérnico, declarando‑se também um se- mar. 1935, pp. 189-205; MONTEIRO, Inácio,
guidor do sistema tychonico. Não deixou, Compendio dos Elementos de Mathematica, t. ii,
no entanto, de notar que se, por um lado, Coimbra, Real Collegio das Artes da Com­
as observações astronómicas se mostra- panhia de Jesus, 1756; OSÓRIO, J. Pereira,
vam em concordância com este sistema, Sobre a História e Desenvolvimento da Astronomia
também o estavam com o sistema coper- em Portugal, Lisboa, Academia das Ciências de
niciano; e justificando a sua preferência Lisboa, 1986.
pelo sistema de Tycho Brahe afirmando Décio Ruivo Martins

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