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Antiguidade

O COSMOS E A CRIAÇÃO DA CIÊNCIA


As Cidades Gregas e a formação da
Ciência

―No ano de 540 A.C., ou por volta dele, na ilha de Samos, subiu ao
poder um tirano chamado Polícrates. Pareceu começar como fornecedor,
entrando depois para a pirataria internacional. Polícrates era um protetor
generoso das artes, ciências e engenharia, mas oprimia seu próprio povo.
Guerreou contra seus vizinhos. Temeu uma invasão, circundando a capital
com uma parede maciça de seis quilômetros de comprimento, cujos
remanescentes existem até hoje. Para transportar água de uma nascente
distante através das fortificações, ordenou a construção de um grande
túnel. Com um quilômetro de extensão, ele perfurava uma montanha. Foram
cavadas duas entradas que se encontram quase que com perfeição no
meio. O projeto levou quinze anos para ser completado, um testamento da
engenharia civil da época e uma indicação da extraordinária capacidade
prática dos jonianos. (...)‖
Carl Sagan – COSMOS 178-179
A Ciências Grega - Hipócrates

―Foi a época de Teodoro, principal engenheiro, a quem os gregos


creditavam a invenção da chave, da régua, do esquadro de carpinteiro, do
nível, do torno mecânico e do aquecimento central. Por que não há
monumentos a esse homem? Os que sonham e especulam as leis da Natureza
falam com tecnólogos e engenheiros. Muitas vezes são os mesmos. A teoria e a
prática eram uma só.‖
Na mesma época, na ilha de Cós, bem próximo, Hipócrates estabelecia
sua famosa tradição médica, atualmente muito pouco lembrada, a não ser o
seu próprio juramento. Era uma escola de medicina prática e eficaz, que
Hipócrates insistia em buscar no equivalente contemporâneo da física e da
química. Também apresentava um lado teórico. Em seu livro Sobre a Medicina
Antiga, Hipócrates escreveu: "Os homens têm a epilepsia como divina,
simplesmente porque não a entendem. Mas se chamarem tudo o que não
entendem de divino, então não haverá fim das coisas divinas".‖
Carl Sagan – COSMOS 178-179
A Ciência Grega - Empédocles

―A influência jônica e o método experimental espalharam-se pela Grécia, Itália e


Sicília. Houve uma época em que dificilmente acreditava-se no ar. Sabiam, naturalmente,
um pouco sobre a respiração, e pensavam que o vento era a respiração dos deuses. Mas a
idéia do ar como uma substância estática e material, embora invisível, era inimaginável. A
primeira experiência com o ar registrada foi feita por um médico chamado Empédocles,
que prosperou em torno do ano 450 A.C. Alguns relatos dizem que ele se identificava como
um deus. Mas talvez ele fosse tão inteligente que os outros é que o identificavam como tal.
Acreditava que a luz se deslocava com muita rapidez, mas não infinitamente rápido.
Ensinava que tinha existido uma grande variedade de seres na Terra, mas que muitas raças
de seres "foram incapazes de procriar e dar continuação à sua espécie". No caso de todas
as espécies existentes, tanto a habilidade quanto a coragem e a velocidade desde o início
da sua existência as protegeram e as preservaram. Em sua tentativa para explicar a
encantadora adaptação dos organismos aos seus ambientes, Empédocles, como
Anaximandro e Demócrito, anteciparam claramente alguns aspectos da idéia da evolução
pela seleção natural de Darwin.‖
Carl Sagan – COSMOS 178-179
A Ciência Grega - Anaxágoras

―Anaxágoras foi um experimentalista jônico que viveu em torno de 450 a.C. em


Atenas. Era um homem rico, indiferente à opulência e apaixonado pela ciência.
(...)
Foi a primeira pessoa a expor com clareza que a Lua brilhava pela luz que
refletia e, em conseqüência, idealizou uma teoria das fases da Lua. Esta doutrina era
tão perigosa que os manuscritos que a defendiam tiveram que circular em segredo,
um Samizdat ateniense. Não sustentava os preconceitos da época que explicavam as
fases ou os eclipses lunares pela geometria relativa da Terra, da Lua e do Sol com sua
luz própria. Aristóteles, duas gerações depois, gostava de argumentar que estas coisas
aconteceram porque era da natureza da Lua apresentar fases e eclipses —
meramente uma deturpação verbal, uma explicação que não explicava nada. ‖
Carl Sagan – COSMOS 178-179
A Ciência Grega - Pitágoras

―Talvez o elemento mais influente jamais associado a Samos tenha sido Pitágoras,
um contemporâneo de Polícrates, no século VI A.C. De acordo com a tradição local, ele
viveu por algum tempo em uma caverna no monte Kerkis e foi a primeira pessoa na
história do mundo a deduzir que a Terra era uma esfera. Talvez tenha deduzido isto por
analogia com a Lua e o Sol, ou notado a sombra curva da Terra na Lua durante um
eclipse lunar, ou reconhecido que, quando os navios deixavam Samos e se dirigiam para o
horizonte, seus mastros desapareciam por último.
Ele ou seus discípulos descobriram o teorema pitagoriano: a soma dos quadrados
dos catetos de um triângulo retângulo é igual ao quadrado da hipotenusa. Pitágoras
enumerou os exemplos deste teorema e também desenvolveu um método de dedução
matemática para prová-lo genericamente. A tradição moderna do argumento
matemático, essencial a todas as ciências, deve muito a Pitágoras. Foi ele o primeiro a usar
a palavra Cosmos com a conotação de um universo bem ordenado e harmonioso, um
mundo acessível à compreensão humana.‖
Carl Sagan – COSMOS 181-182
O declínio da Ciência Grega

―Uma explicação do declínio da ciência antiga foi exposta pelo


historiador da ciência, Benjamin Farrigton: a tradição mercantil que levou à
ciência jônica, também conduziu à economia baseada na escravidão. Possuir
escravos era o caminho para a opulência e o poder. As fortificações de
Polícrates foram obras de escravos. Atenas, na época de Péricles, Platão e
Aristóteles possuía uma vasta população escrava. Todos os bravos atenienses
falavam de uma democracia aplicada somente a uns poucos privilegiados.
Caracteristicamente os escravos faziam o trabalho manual. A
experimentação científica é um trabalho manual do qual os donos de
escravos estavam e se colocavam distantes, enquanto somente estes
senhores polidamente chamados de gentis-homens em algumas sociedades
tinham tempo para a ciência. Então, quase ninguém fazia ciência.―
Carl Sagan – COSMOS 186
O declínio da Ciência Grega

―Platão e Aristóteles tinham uma posição confortável na sociedade de


escravos. Ofereciam justificativas para a opressão. Serviam a tiranos. Ensinavam a
alienação do corpo em relação à mente (um ideal bem natural em uma
sociedade de escravos); separavam a matéria do pensamento, divorciavam a
Terra dos céus, divisões que dominariam o pensamento ocidental por mais de
vinte séculos. Platão, que acreditava que "todas as coisas estão repletas de
deuses", utilizou realmente a metáfora da escravidão para unir a sua política à sua
cosmologia. Diz-se que incitou a queima de todos os livros de Demócrito (teve a
mesma recomendação quanto aos de Homero) talvez porque este não tivesse
reconhecido as almas e deuses imortais, ou o misticismo pitagórico, ou porque
tivesse acreditado em um número infinito de mundos. Diz-se que dos setenta e três
livros escritos por Demócrito, nenhum permaneceu. Tudo o que temos
conhecimento são fragmentos, principalmente sobre ética e justificativas não
originais. O mesmo se aplica a quase todos os outros antigos cientistas jônicos.‖
Carl Sagan – COSMOS 186 - 187

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