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O éter – termo considerado obsoleto para a física dos dias de hoje – fez parte
de alguns dos mais interessantes episódios e discussões de toda a história da
ciência. Ele vem da antigüidade: já estava presente nos primeiros modelos de
céu que os filósofos gregos conceberam. Depois, através dos séculos, podemos
encontrá-lo em meio a outros problemas científicos, a uma riqueza de idéias e
questões que poucas outras palavras chegaram a propiciar.
Mas por que os gregos imaginaram a existência do éter? Não existe uma
resposta completa, mas certamente é possível identificar alguns fatores que
contribuíram para isso. É óbvio que nenhum homem da antigüidade pôde
pegar um foguete, sair da atmosfera e constatar diretamente a existência do
vácuo. Pelo contrário, a experiência de viver continuamente sob a atmosfera
terrestre levava-os a acreditar que o vácuo não existia. Na natureza, um espaço
desocupado por uma substância acaba sempre ocupado por outra (e.g. uma
urna cuja água é retirada, acaba preenchida por ar), de forma que não existe
espaço vazio. A natureza abomina o vácuo, escreveu Aristóteles; um pensamento
que, sob o contexto da atmosfera terrestre, é bastante verdadeiro.
Pois bem, havia esses “corpos” que se moviam pelo céu, que ninguém sabia
exatamente o que eram, nem quão distantes estavam, nem muito menos por
que se moviam... Me parece natural supor que os antigos imaginassem que
esses planetas estivessem imersos em algum tipo de substância (assim como
tudo aqui na Terra está). Mais estranho seria supor que eles tivessem imaginado,
através de uma surpreendente intuição, a existência do vácuo (apesar de que,
entre os gregos, tais intuições eram possíveis e muitas vezes aconteciam).
Acima de tudo, não havia motivo para se imaginar que “acima” da atmosfera
havia vácuo e não algum tipo de ar ou outra substância. Tal motivo só
apareceria no século XVII, conforme veremos adiante...
Voltando à história, modelos de céu similares ao de Aristóteles, com a Terra
no centro de tudo, foram defendidos pela maioria dos filósofos da antigüidade.
Houve diferenças entre as propostas de um filósofo ou outro – como, por
exemplo, um maior ou menor número de esferas concêntricas e transparentes,
às quais os diversos astros estariam fixados, e que girariam a diferentes
velocidades – houve também notáveis trabalhos de observação, destacando-se
acima de todos o catálogo de estrelas de Hiparco (século II A. C.); mas a
essência dos modelos permaneceu a mesma: a Terra no centro e explicações
cada vez mais complexas para justificar as trajetórias observadas dos planetas
contra o fundo de estrelas.
Foi esse acervo de conhecimento que foi sintetizado por Ptolomeu no século
II d. C., e que, conforme veremos adiante, acabou divulgado para o mundo
inteiro.
E assim seguia o modelo ptolomaico, sempre mais e mais complexo, mas sem
nunca conseguir explicar o que se via no céu.
Esta nova compreensão não teve nenhum efeito direto sobre o éter que
continuava sobrevivendo tranqüilo, do jeito os gregos o haviam criado: uma
substância de densidade menor do que a do ar, que ocupava os espaços
superiores (distantes da superfície terrestre). O mundo já sabia como os
planetas se moviam (descrição), mas ainda não sabia por quê (causa,
mecanismo). E, assim, ainda não havia surgido nenhum argumento contrário à
idéia de que os planetas estivessem imersos no éter e de que através dele
realizassem seu movimento orbital, exatamente da forma descrita por Kepler.
Claro que, partindo dessa força motora de Kepler (e de suas leis segunda e
terceira, que mostravam que os planetas se moviam mais rápido quando
estavam mais próximos do Sol), restava ainda um longo caminho até se chegar
à Lei da Gravitação Universal. O passo mais importante desse caminho foi a
compreensão da mecânica do movimento circular. Como sabemos, os planetas
se movem não porque alguma força os impulsiona, mas sim porque preservam
(por inércia) o movimento que já tinham quando se formaram (o movimento,
em outras palavras, que possuíam as partículas que os formaram). A força da
gravidade do Sol apenas faz com que os planetas se mantenham em suas
órbitas elípticas, ao invés de partirem para o espaço em linha reta, para nunca
mais voltar; a gravidade do Sol é a força centrípeta do movimento circular
(estudado por Newton). Assim, verificamos que a velocidade da órbita
(que Kepler observou) não é uma proporção direta da intensidade da força da
gravidade do Sol, mas sim uma relação mais complexa: a intensidade da aceleração
da gravidade do sol sobre o planeta é igual ao quadrado da velocidade do mesmo dividido pelo
raio de sua órbita.
Newton percorreu esse caminho, mas não sozinho. Robert Hooke (com
quem teve sérias desavenças) publicou em 1674 uma teoria conceitualmente
correta do movimento planetário, baseada na inércia e no equilíbrio entre duas
forças: a centrífuga de um lado e a atração gravitacional em direção ao Sol de
outro. O mesmo Hooke, em 1679, escreveu uma carta a Newton propondo
que a atração gravitacional seria sempre inversamente proporcional ao
quadrado da distância. Faltou a Hooke, porém, a habilidade matemática para
dar uma exata expressão quantitativa a ambas proposições. Newton também
recebeu apoio e sugestões de Edmond Halley. Na verdade, a idéia da
gravidade era um tópico comum por volta de 1679, e cada um desses três
cientistas, além de outros, trabalhou com o conceito. Mas, no fim,
foi Newton que formulou a Lei da Gravitação Universal: matéria atrai matéria,
pela razão direta das massas e razão inversa do quadrado das distâncias, publicada em
sua célebre obra Principia, de 1687.
Então os planetas se moviam através vácuo! e não do éter! Era o fim do éter
antigo, aquela suposta substância menos densa do que o ar, que preencheria os
espaços superiores! Daquele éter que existira no mínimo desde
de Anaxágoras, no século V A. C., que fora defendido por Aristóteles e pelos
diversos filósofos do século IV A. C., que sobrevivera dois mil anos, que
chegara praticamente intacto ao século XVII, e que encontrara
em Descartes (1596-1650) um de seus últimos defensores.
Descartes utilizou o termo éter de forma muito similar à dos gregos. O filósofo
francês, como Aristóteles, não acreditava na existência do vácuo (A natureza
abomina o vácuo... Lembra-se o leitor desta frase de
Aristóteles?). Descartes concebia o éter como uma substância que, na ausência
de outras, preencheria todos os espaços. É curiosa esta semelhança de
pensamento entre Descartes e Aristóteles, cuja proposta filosófica do
conhecimento o francês combateu e ajudou a tornar ultrapassada.
A história do éter na época de Descartes tende a ser obscurecida pela maior
importância dos acontecimentos posteriores (do século XIX). Provavelmente
por isso, certas pessoas ficam admiradas ao saber que os conceitos de éter da
metade do século XVII eram ainda muito similares aos da antigüidade, que
o éter dessa época era realmente uma substância que se opunha ao vácuo.
Uma obra que ilustra claramente essa dicotomia éter x vácuo é The Sceptical
Chemist, publicado por Boyle em 1661. Nela, entre muitos outros assuntos, o
naturalista inglês argumenta contra a idéia do éter, por não haver encontrado
evidência experimental de sua existência, e defende a idéia do vácuo, cuja
existência havia sido indicada por muitas de suas experiências.
Voltando à história, o vácuo, que dera fim ao antigo éter, trouxera um problema
adicional: como a luz conseguia atravessá-lo? Como ela fazia para chegar do sol
até a Terra? ou das estrelas até a Terra?
Na verdade, isso não era bem um problema. Não ainda. Como no final do
século XVII ninguém ainda sabia exatamente o que era a luz (apesar de todos
terem opiniões a respeito), poucos estavam preocupados em com a questão de
como ela fazia para atravessar o vácuo (Hooke e Huygens eram honrosas
exceções). [Se eu adiantasse para o leitor que a resposta para esse problema
(que ainda não era problema) viria a ser o novo éter, talvez ele achasse cômico.
Mas tenhamos um pouco de paciência, e chegaremos lá.]
Poucas coisas da natureza conseguem ser mais diferentes entre si do que uma
partícula e uma onda: Ondas podem se propagar umas através das outras,
partículas não. Partículas transferem matéria ao longo de seu percurso, ondas
não. Ondas podem atravessar orifícios ou vãos menores do que elas próprias,
partículas não. Acima de tudo, partículas, como qualquer massa, não precisam
de um meio para se “locomover”: De acordo com a Lei da Inércia, uma massa
em movimento continuará nesse movimento até que uma força aja sobre ela; e,
assim, uma massa não apenas pode atravessar o vácuo absoluto, como terá mais
facilidade para fazê-lo do que para atravessar qualquer meio existente. Uma
onda, pelo contrário, necessita absolutamente de um meio de propagação: as
ondas mecânicas que vemos na superfície de um lago, ou as que sentimos sob
os pés ao marchar sobre uma pequena ponte, ou as ondas sonoras no ar, todas
se propagam através de um meio definido.
Robert Hooke, mais conhecido por sua lei sobre elasticidade [Lei de
Hooke: para pequenas deformações, a intensidade da força (ou carga) é proporcional à
deformação], já havia descoberto dois fenômenos que indicavam a natureza
ondulatória da luz: um deles foi interferência (descoberta também,
independentemente, por Robert Boyle) o outro foi a difração. Ele já havia
efetivamente sugerido, em sua Micrografia (1665), uma teoria ondulatória para a
luz; e, em 1672, havia proposto que a direção de vibração fosse perpendicular à
direção de propagação.
A idéia básica de éter era simples: O vácuo, o espaço entre O Sol e os Planetas,
não seria um vazio absoluto, mas estaria inteiramente preenchido por uma
substância transparente, sem peso, que não causaria atrito aos corpos
que viajassem através dela, indetectável por meios químicos ou físicos, e
elástica. Esta substância seria o éter: o meio elástico através do qual a luz
se propaga. Para sermos mais precisos, é importante ressaltar que o éter não
era admitido apenas no vácuo, mas universalmente, tanto no vácuo como
permeando toda a matéria que existe. Conforme veremos adiante, havia
fortíssimos motivos para imaginá-lo assim.
Essa é a idéia do (novo) éter que surgiu a partir da segunda metade do século
XVII.
Ao lado de Hooke, outro defensor da natureza ondulatória da luz foi o
cientista holandês Christiaan Huygens (1629-1695). Huygens explicou a
refração e a reflexão através do princípio atualmente conhecido como Princípio
de Huygens: Na propagação destas ondas, cada partícula do éter não só transmite o seu
movimento à partícula seguinte, ao longo da reta que parte do ponto luminoso, mas também a
todas as partículas que a rodeiam e que se opõem ao movimento. O resultado é uma onda em
torno de cada partícula e que a tem como centro (Publicado em 1690 em seu Tratado da
Luz). Assim, a luz se propagaria através do éter como uma série de ondas de
choque, e cada ponto da frente de onda atuaria como uma nova fonte, gerando
uma nova frente de onda esférica. Huygens foi também um dos primeiros a
acreditar que a velocidade da luz não fosse infinita.
Seguindo com nossa história, ainda no século XVII, no ano de 1669, o cientista
dinamarquês Erasmus Bartholin (1625-1698) descobriu o fenômeno da
birrefringência (ou dupla refração) dos cristais de calcita: ao se observar uma
imagem (uma linha em um papel, por exemplo) através de um cristal de calcita,
a imagem aparece duplicada.
Este fato (de as ondas serem transversais) era mais um forte argumento em
favor da existência de um éter, pois ondas transversais precisam de um meio
especial, com um tipo particular de elasticidade, para se propagar; uma
elasticidade que não existe em gases nem em líquidos (como o ar ou a água,
que podem transmitir ondas longitudinais, mas não ondas transversais*). Assim,
para se explicar a propagação da luz através da água e do ar, era necessário
imaginar um meio elástico que permeasse esses materiais.
[*Obs.: as ondas da superfície da água são um fenômeno particular, restrito à
interface ar-água.]
De acordo com essa idéia, as ondas de luz que atravessam o ar, ou a água, não
estariam sendo propagadas pelo próprio ar, ou pela própria água, mas pelo éter,
que permearia esses materiais; um éter presente universalmente, tanto no vácuo
como permeando toda a matéria que existe. (Um éter que deveria ter
propriedades de elasticidade similares às de um sólido).
Este raciocínio foi apenas um dos motivos para o éter ser admitido não apenas
no vácuo espacial, mas permeando tudo, universalmente. O motivo principal já
existia muito antes da demonstração de que as ondas eram transversais, e se
resume ao seguinte: Os planetas estão continuamente, em seu movimento pelo
espaço, em suas órbitas em torno do Sol, atravessando o éter. Ao atravessar o
éter, eles não sofrem nenhum tipo de atrito (como vimos ao falar
de Kepler e Newton), nem causam no éter nenhum tipo de arrasto* ou
turbulência. A ausência de turbulência tanto pode ser deduzida do fato de não
haver atrito, como pode ser verificada na prática: Quando um planeta, ou uma
estrela distante, é ocultado pela Lua (ocultação de um astro significa a
interposição da Lua ou de um planeta entre ele e a Terra), podemos observar
que imediatamente antes e imediatamente depois da ocultação não ocorre
nenhuma perturbação na imagem do astro ocultado. Se a Lua causasse
turbulência no meio de propagação da luz, evidentemente a imagem do astro
ocultado seria afetada por essa turbulência. A ausência de turbulência leva à
única conclusão possível de que a Lua atravessa o éter sem afetá-lo, ou, em
outras palavras, que o éter é absolutamente permeável à Lua. E, então,
chegamos à óbvia conclusão final de que toda a matéria da Lua, e de todos os
planetas, está permeada de éter. (* A possibilidade de um arrasto mínimo nunca
foi descartada. Houve inclusive, na segunda metade do século XIX, tentativas
de medir este arrasto, conforme veremos adiante ao estudarmos Maxwell.)
Ao leitor que esteja um pouco cansado, devo reconhecer que esta história da
luz é de fato um pouco longa. Mas tenhamos um pouco mais de paciência, que
logo chegaremos a Maxwell e o quadro completo estará formado; então o
esforço da leitura estará amplamente recompensado. Antes, porém, é
necessário examinarmos uma história paralela, a história da eletricidade e do
magnetismo, que pouco a pouco vão se mesclando entre si, e se mesclando
com a luz, até se tornarem uma coisa única.
André-Marie Ampère (1775-1836) já em 1816 defendia com veemência a
teoria ondulatória. Ao saber do experimento do físico dinamarquês H. C.
Orsted, realizado em 1820, onde uma agulha magnética é desviada pela
passagem de corrente elétrica em um fio próximo, Ampère interessou-se pela
relação entre eletricidade e magnetismo. Apenas uma semana depois, ele
demonstrou a atração ou repulsão entre dois fios eletrificados paralelos,
dependendo de as correntes estarem em sentidos iguais ou opostos. Ele
também demonstrou que a força magnética em volta de um fio elétrico era
circular, e produzia uma espécie de cilindro em torno do fio. Ampère criou um
instrumento utilizando uma agulha para medir o fluxo elétrico, tornando-se o
primeiro homem a desenvolver uma técnica para medir a eletricidade. Seu
trabalho mais importante foi a descrição matemática da força magnética
produzida por uma corrente elétrica, descrição que ficou conhecida com Lei
de Ampère.
Coube ao próprio Faraday dar o primeiro passo nesse sentido: em 1945 ele
demonstrou que um campo magnético podia girar o plano de polarização da
luz, fenômeno conhecido como Efeito Faraday.
Faraday acreditava que o éter era composto por partículas discretas, não
identificadas, carregadas positiva e negativamente, ligadas elasticamente umas
às outras. (Devemos recordar que, a partir da constatação de que as ondas de
luz são transversais, o éter obrigatoriamente deveria ter características de
elasticidade similares às de um sólido.) Ele escreveu em 1838: “... a indução
elétrica é uma ação das partículas contíguas do meio isolante ou dielétrico.
Nota: eu uso a palavra dielétrico para expressar essa substância através da qual,
ou por meio da qual, as forças elétricas agem”.
A teoria das Linhas de força continham a idéia de que para cada ponto do espaço,
em volta de um imã, existe definida uma possível ação ou força; uma ação ou
força que seria experimentada por um outro imã se ocupasse aquela posição.
Esta idéia já é, por si, um conceito de campo.
Partindo dessas teorias das Linhas de força elétricas e magnéticas, James Clark
Maxwell (1831-1879) chegou à compreensão e à descrição matemática do
eletromagnetismo. Em 1855 e 1856 ele apresentou publicamente sua
formulação matemática das idéias físicas de Faraday. Maxwell estudou a ação
reciproca dos campos elétrico e magnético, e a forma como uma alteração em
um campo magnético produz um campo eletromagnético induzido. Através
desses estudos ele descobriu que (teoricamente) poderiam haver ondas
transversais no meio dielétrico (dielétrico quer dizer isolante, e o meio
dielétrico era o éter), e foi assim, teoricamente, que ele previu a existência das
ondas eletromagnéticas. Mais tarde ele calculou que a velocidade de
propagação de tais ondas deveria ser próxima à velocidade da luz. Por volta de
1862 ele escreveu: Dificilmente podemos evitar a conclusão de que a luz consiste nas
ondulações transversais do mesmo meio que é a causa dos fenômenos elétricos e
magnéticos. Por fim, em 1864 ele concluiu: luz e magnetismo são resultados de uma
mesma substância, (...) a luz é um distúrbio eletromagnético propagado através do campo de
acordo com as leis do eletromagnetismo.
Pois bem, enquanto nosso barco ainda está parado, nós fazemos a primeira
experiência: começamos a fazer ondinhas na superfície da água, exatamente no
meio do barco, com uma vareta, que é o único objeto dentro do barco que não
é fantasmagórico. (Nossa capacidade de segurar essa vareta mesmo sendo
fantasmas é uma inconsistência que eu não consegui solucionar; portanto
conto com a boa vontade do leitor para fingir que não reparou nela). As ondas
avançam livremente em todas as direções, passando através de nossas canelas-
fantasmas e do casco-fantasma do barco. Nós então medimos a velocidade de
propagação dessas ondas, em todas as direções, e contatamos que a velocidade
é sempre 10 km/h. As ondas saem do centro e chegam até a proa a uma
velocidade de 10 km/h. Saem do centro e chegam também à popa, chegam ao
lado direito do barco, e chegam ao lado esquerdo do barco, sempre a 10km/h.
Ótimo! A experiência foi um sucesso! Verificamos que a velocidade absoluta de
propagação daquela onda, naquele meio, é 10km/h. E, como estávamos
parados, a velocidade (relativa ao barco) em todas as direções também foi
10km/h.
Muito bem. Agora vamos fazer nosso barco-fantasma andar lentamente, à uma
velocidade de apenas 1 km/h, e vamos repetir a experiência. Qual resultado
esperamos obter? Evidentemente, esperamos que, ao medir a velocidade de
propagação das ondas do centro até a popa (a traseira), obtenhamos 11 km/h.
Claro, pois se as ondas se movem através da água, do centro para a popa, a
uma velocidade de 10 km/h, e a popa se move de encontro às ondas à uma
velocidade de 1 km/h, então a velocidade relativa entre a popa (assim como o
barco inteiro e tudo que está dentro dele) e as ondas que se propagam em
direção à popa é 11 km/h.
De maneira oposta, a velocidade que esperamos medir para as ondas que vão
do centro até a proa (a dianteira) é 09 km/h. Pois, se a onda se move do centro
para a proa a uma velocidade de 10 km/h, e a proa se move no mesmo sentido
à uma velocidade de 1 km/h, então a velocidade relativa entre a proa (assim
como o barco inteiro e tudo que está dentro dele) e as ondas que se propagam
em direção à proa é 09 km/h.
Apesar de tudo isso, o éter continuava, no final do século XIX, a ser aceito de
forma quase unânime. Por quê? Por um único motivo: as ondas
eletromagnéticas precisavam de um meio de propagação. Usando a analogia de
nosso velho barco-fantasma: acreditava-se que a luz se propagaria pelo éter da
mesma forma que as ondinhas se propagam pela superfície da água do lago.
Dessa forma, o éter serviria como referência ao movimento da luz, assim como
a água serve como referência ao movimento das ondinhas de nosso lago.
Quando dizíamos que velocidade de propagação das ondinhas era
10 km/h, queríamos dizer que as ondinhas se moviam a 10 km/h em relação à
água do lago.
Assim como a água de nossas ondinhas, todo meio de propagação serve como
referência para as ondas que nele se propagam. Vejamos um outro exemplo: se
fizermos ondinhas na superfície de um aquário que está apoiado sobre o chão,
as ondinhas se propagarão a uma determinada velocidade em relação a seu
meio, que é a interface ar-água. Se pegarmos o mesmo aquário, entrarmos na
cabine fechada de um avião supersônico (em velocidade constante), e fizermos
as mesmas ondinhas (considerando que a gravidade permanece idêntica à da
primeira experiência) verificaremos que a velocidade de propagação das
ondinhas em relação a seu meio continuará a mesma. O que podemos
comprovar com isso é que (não importa se o meio está “se movendo” ou
“estático”) quando falamos em velocidade de propagação de determinado tipo
de onda, nós estamos na verdade nos falando velocidade de propagação da
onda em relação ao meio. É exatamente aí que está toda a questão.
Será que a água também está se movendo a 1 km/h junto conosco? Então
damos meia volta com o barco, e, andando a 1 km/h na direção oposta,
verificamos que a velocidade de propagação das ondas continua a ser 10 km/h,
em todas as direções!!
Se não existe margem nem qualquer outra referência fixa (em terra firme), se as
únicas referências de nosso movimento são os outros barcos, se não podemos
demonstrar nosso movimento em relação à água, então na verdade não existe
movimento absoluto. Todo movimento que podemos verificar é o movimento
de um barco-fantasma em relação a outro, mas não podemos afirmar de forma
absoluta qual está parado e qual está se movendo.
A idéia de que existe uma água para as ondinhas se propagarem perdeu sua
utilidade. Como a água só havia sido imaginada para isso, ela própria perdeu
sua utilidade.
Isso é a Teoria da Relatividade Restrita! (Pelo menos é um de seus muitos
aspectos.)
E foi isso que aconteceu com o éter. Vamos abandonar definitivamente nosso
barco-fantasma e fazer o último comentário sobre a Relatividade Restrita,
utilizando os três astronautas citados anteriormente. Se a velocidade da luz é a
mesma para os três, qual a velocidade de cada um deles em relação ao éter? E
qual a velocidade da luz em relação ao éter? Como não há no universo uma
referência de repouso absoluto, nem de movimento absoluto (nosso lago não
tem margens), o conceito de éter “provar-se-á supérfluo”(nas palavras de
Einstein).
Partícula? – Mas nós não vimos que o grande avanço do conhecimento da luz,
e do eletromagnetismo, no século XIX foi justamente devido à comprovação
da natureza ondulatória da luz? – Isso é verdade, porém as coisas começaram a
se complicar a partir de 1905, quando Einstein mostrou que a luz, ao contrário
do que acontece com uma onda, pode ser “quantificada” em porções discretas
de energia, ou “pacotes de energia” (veja Mecânica Quântica – o que é ? no anexo
1), e propôs que a luz possuía propriedades também de partículas. Esses
trabalho abriu o caminho que levaria Louis de Broglie, em 1924, à dualidade
partícula-onda.
Essa dualidade partícula-onda não é (e não deve ser encarada como) algo trivial.
Como vimos anteriormente, partículas e ondas são duas coisas tão diferentes
entre si quanto a natureza consegue produzir. Falar em dualidade partícula-onda é
como falar em dualidade Jóquei-Lutador-de-sumô, ou dualidade corinthiano-
palmeirense, mas, enfim, como Hamlet bem sabia, o mundo não é tão simples
quanto os nossos modelos mentais.
Isto não deve, de maneira alguma, dar a idéia de que partículas reais possam
violar qualquer lei de conservação. No surgimento das partículas reais ou em
sua aniquilação, todas as leis de conservação são respeitadas. Tomemos a
conservação da massa-energia como exemplo: uma partícula e uma
antipartícula podem surgir, mas é imprescindível que antes já exista energia
suficiente para fornecer a equivalente massa-energia do par. Da mesma forma,
as partículas podem se aniquilar mutuamente, porém a energia continuará a
existir, na forma de bósons, como por exemplo fótons. A energia, porém, é
apenas um entre múltiplos aspectos que sempre se preservam, ou que pelo
menos têm se preservado até hoje nas experiências realizadas. Assim, existem
múltiplas leis de conservação: da massa-energia, do momento, do momento
angular, da carga elétrica, da cor ou carga ligada às interações fortes, do número
de quarks (ou número de baryons), do número de elétrons, do número de
múons, e do número de taus (veja Leis de Conservação no anexo 1).
Neste ponto já fica claro que, aos olhos da física atual, se o vácuo não é o
antigo éter de Maxwell, também não é o nada absoluto que alguns imaginam que
Einstein tenha criado quando deu fim ao éter com sua Teoria da Relatividade
Restrita.
Porém a questão vai ainda mais além. O Modelo Padrão, que é a teoria
corrente das partículas fundamentais e do modo como elas interagem, ainda
não tem uma explicação estabelecida para o fato de certas partículas
fundamentais possuírem massa.... [Para situar o leitor, vale dizer que o Modelo
Padrão integra três dos quatro tipos conhecidos de interação (veja Forças
Fundamentais, anexo 1) e assume para cada um deles um conjunto de partículas
mediadoras (carrier particles) associadas. Assim, para as interações fortes,
fracas e eletromagnetismo, respectivamente, haveriam os glúons, bósons w e z,
e fótons. A gravidade, que não faz parte do Modelo Padrão, teria uma partícula
mediadora com o nome de graviton.] Enfim, como eu ia dizendo, o Modelo
Padrão ainda não tem uma explicação estabelecida para o fato de certas
partículas fundamentais possuírem massa. Uma hipótese para tentar solucionar
essa questão foi apresentada pelo físico Peter Higgs em 1966, propondo que
o universo seria inteiramente preenchido por um campo chamado de Campo
de Higgs. Distúrbios nesse campo, causados pelo movimento de partículas
através dele, seriam a causa da massa dessas partículas.
E o éter que aparece em Humanos? Ora, este não tem nada de científico. Eu
uso a palavra éter porque, além de bela, ela é excelente para sugerir a idéia (não
científica) de substrato do universo.
Meu éter, ou substrato do universo, é uma elucubração (que no campo da
literatura tem seu direito de existir). A idéia é que tudo o que nós vemos e
podemos experimentar ou conhecer, direta ou indiretamente – a energia, a
matéria, e todas as leis de física – não passa de desenhos de cera sobre uma
folha de papel. Por mais que nos esforcemos, tudo que está a nosso alcance é
distinguir as cores e o branco. Nós jamais seremos capazes de verificar que
existe um papel.
De acordo com essa idéia, o vácuo espacial é quase idêntico ao interior da terra,
que é quase idêntico ao interior do Sol, que é quase idêntico a um buraco negro.
As diferenças são pequenas nuances de tonalidade na cera. Tudo faz parte, e
tudo está intrinsecamente ligado, a um único “éter”, que é a verdadeira essência
de nosso universo.
A mangabaetérea seria uma estrutura desse “éter” que, assim como o próprio
“éter”, não estaria ao alcance de nosso conhecimento. (Como uma dobradura
no papel, por exemplo)