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Introdução: Como o atomismo foi retomado?

A força crescente do Cristianismo nos primeiro séculos da era cristã foi um


duro golpe no atomismo. O atomismo era essencialmente uma filosofia materialista e
que negava o argumento teleológico, isto é, afirmava que todos os fenômenos têm
uma causa natural independente da existência de Deus. Apesar do movimento dos
átomos ser aleatório (incluindo o clinamen de Epicuro), isto não implicava em um
acaso absoluto, mas resultava em leis naturais inalteráveis.
Como foi visto anteriormente, a filosofia de Aristóteles também contribuiu para
o enfraquecimento do atomismo. A influência dos Epicuristas praticamente
desapareceu na era Cristã, enquanto o próprio Aristóteles foi inspiração para membros
Comentário:
da igreja, como Santo Agostinho (354 - 430) e São Tomás de Aquino (1225 - 1274). De acordo com Maritain "Na
filosofia de Aristóteles e Tomás
Excetuando-se uns poucos pensadores da Idade Média, não encontramos de Aquino, toda substância
representantes do atomismo até que o filósofo francês Pierre Gassendi (1592-1655) corpórea é um composto de
duas partes substanciais
tentou harmonizar o atomismo com o Cristianismo, postulando a existência de átomos complementares, uma passiva
em um número finito, ainda que inumerável, e criados por Deus. Escreveu uma obra e em si mesma absolutamente
sobre Epicuro – Vie et moeurs d’Épicure – e, como os Epicuristas, acreditava que todo indeterminada (a matéria),
outra ativa e determinante (a
conhecimento advinha da experiência sensível. Isto significava que não bastava forma)".
somente a reflexão para atingir o conhecimento, mas também realizar experimentos e
confiar nos sentidos.

Gassendi viveu em uma época de grande renovação do pensamento e da


ciência. Foi contemporâneo de Evangelist Torricelli (1608-1647), Francis Bacon (1561
- 1626), Galileu Galilei (1608-1647) e René Descartes (1596-1650), entre outros.

E foi com Descartes que travou uma longa polêmica sobre a ciência. Na sua
obra Syntagma Philosophicum (Tratado Filosófico), Gassendi enfatiza o método
indutivo da ciência e refuta os excessos do processo dedutivo sugerido por Descartes.
Curiosamente, para Descartes, o universo era um plenum, sendo completamente
preenchido por uma matéria sutil, o "éter" onipresente, e, portanto, não admitia espaço
vazio. O éter era o suporte da propagação da luz no espaço e transmitia o movimento
da revolução do sol aos planetas. Ambos, porém, compartilhavam uma visão
mecânica de natureza.

A polêmica atravessou quase vinte séculos e continuava viva:

Era o universo um plenum, um contínuum de matéria ou apenas átomos e


vazio? E os nossos sentidos eram confiáveis para examinar esse universo ou
apenas interferiam naquilo que somente a razão podia deduzir?

Aula 3 - O mecanicismo
3.1 O que era o Universo-Máquina?

O século XVII é considerado como um marco importante para o pensamento


científico ocidental. Afinal, foi nesse período que viveu o físico italiano Galileu Galilei
(1564-1642); os astrônomos Johannes Kepler (1571-1630) e Tycho Brahe (1546–
1601); o filósofo francês Renné Descartes (1596-1650); o físico francês Edme Mariotte
(1620–1684); o químico inglês Robert Boyle (1627-1691); o físico inglês Isaac Newton
(1642-1727); o microscopista holandês van Leeuwenhoek (1632–1723); entre outros.

Estamos no segundo século do Renascimento na Europa. O período é


conhecido, entre outras coisas, pelo novo olhar que é dado para os textos gregos
clássicos, recuperados dos mosteiros e de traduções árabes, lidos em latim ou no
grego original. Muitos cientistas da época, entre eles Isaac Newton, compartilhavam
um profundo respeito por esse conhecimento quase esquecido.

Entretanto, se havia um olhar para o passado, também existiam novidades na


forma de pensar e de fazer a ciência e a técnica. A partir do século XII as máquinas
começaram a ser utilizadas na Europa. Máquinas como moinhos de vento, relógios e
outras funcionavam boa parte do tempo sem a intervenção do homem. Esse fato
colocou Deus como o engenheiro que criou o universo-máquina e o pôs em
funcionamento não necessitando mais atuar a cada acontecimento. Até mesmo o
corpo humano era comparado a uma máquina.
Um aspecto interessante é que os filósofos naturais desse século fizeram uma
distinção entre as qualidades primárias e as qualidades secundárias.

3.2 O que são qualidades primárias e qualidades secundárias?

Qualidades primárias são qualidades objetivas no sentido de sua realidade, não


dependem da existência de seres para percebê-las. Qualidades secundárias são
subjetivas, na medida que só se manifestam na sensação, isto é, são efeitos da ação
das qualidades primárias das coisas sobre os nossos sentidos. São qualidades
secundárias os odores, os sabores, as cores etc.
Cada filósofo natural elegeu uma lista de qualidades primárias ao longo do século
XVII. Para Decartes, por exemplo, havia uma única qualidade primária: a extensão.
Para Galileu seriam a grandeza (o número), a figura (ou forma geométrica) e o
movimento. Para Boyle, seriam a extensão, a forma e a impenetrabilidade. Newton
incluiu na sua lista a extensão, a dureza, a impenetrabilidade, a inércia e a mobilidade.
O que essas listas têm em comum é a restrição do que é objetivo às qualidades
mecânicas e do que é passível de ser quantificado. Assim, com essa separação, o
programa de “matematização” do conhecimento do mundo físico foi se estabelecendo.

Imagens do séc XVI: roda d’água, o microscópio, a luneta de Galileu

As novas técnicas, os instrumentos científicos desenvolvidos e os


experimentos imaginados por alguns desses pensadores, levaram o conhecimento
muito além da filosofia grega original. Era a filosofia mecanicista de Galileu,
Descartes e Newton, que tentava explicar a natureza como se fosse uma máquina e
quantificar ou geometrizar todos os fenômenos naturais como resultado de uma
estrutura de leis universais de causalidade mecânica.

No mecanicismo tudo era reduzido a leis mínimas e universais. Uma


conseqüência importante desse pensamento foi o fim da divisão do mundo em uma
parte celeste, imutável e perfeita; e uma parte terrestre e corruptível, como na filosofia
aristotélica. O contraste entre os movimentos circulares dos planetas e os movimentos Comentário: Galileu
retilíneos dos corpos em queda livre traduzia a separação entre o mundo supralunar enfatizava que as leis físicas
valiam tanto na Terra quanto no
(céu) e o mundo sublunar (Terra). céu.
Kepler era astrônomo e aluno
3.3 Como o mecanicismo uniu o céu e a Terra? de Tycho Brahe que fez
observações astronômicas
muito importantes e atribuiu a
Ao contrário de Descartes, Newton atribuía à matéria uma atividade, a Kepler a tarefa de encontrar
uma descrição matemática do
propriedade de atração por meio da força gravitacional. movimento do planeta marte.
Sobre ombros de gigantes ,Newton uniu o céu e a terra, pois a mesma lei que Kepler tentou construções por
explicava a queda de uma maçã no solo, explicava a “queda” (atração) da Lua em círculos e não conseguindo
resolveu experimentar outras
direção à Terra, ou dos planetas, ao Sol. abordagens, se afastando
A queda dos corpos não se justificava mais pelo retorno ao seu “lugar natural”, o portanto do quadro platônico
centro da terra e sim pela força de atração. O movimento da lua em torno da Terra (círculos=perfeição).
Descreveu, então, todo o
também não era mais explicado porque era da natureza da lua girar dessa maneira, sistema solar com órbitas
mas por que a Terra exercia uma força de atração que não lhe permitia escapar pela elípticas.
tangente e obrigava-a a manter sua trajetória fechada. Comentário: O famoso
experimento com os
“hemisférios de Magdenburg”,
Outra conseqüência da filosofia mecanicista era a separação entre a lei e a causa do de 1654, demonstrando a
fenômeno estudado: uma vez que lei da gravitação universal era útil na previsão do pressão atmosférica. Duas
movimento de queda, podia ser usada, independente de qual fosse a causa da atração parelhas de cavalos não
puderam separar os dois
dos corpos ou de como essa atração funcionava à distância. Newton mesmo não hemisférios que formavam uma
explicou nem a causa da gravidade, nem como essa atração se transmitia entre os esfera sem ar no seu interior.
Os hemisférios eram mantidos
corpos (ação à distância). juntos por serem “empurrados”
Os sucessos da mecânica newtoniana influenciaram a própria concepção de pela pressão do ar no exterior.
ciência. Antes, a ciência parecia ter o papel de explicar os fenômenos e revelar as Comentário: Para saber mais:
causas deles. Com as leis de Newton era possível fazer previsões com grande “A natureza tem horror ao
precisão e qualquer diferença nos resultados experimentais significava um problema a vácuo”.
Essa sentença da escolástica
resolver. da Idade média teve como
inspirador Aristóteles. A não
existência do vácuo era
3.4 Como a filosofia mecanicista influenciou a química? defendida pelos gregos –-
A visão de natureza como máquina que se expandiu durante o século XVII,de através do argumento de que a
certa forma impulsionava uma teoria corpuscular da matéria como era a de Descartes água subia em uma coluna da
qual o ar havia sido retirado,
e a de Gassendi, que como já foi dito são extremamente diferentes. para preencher o espaço vazio.
O inglês Robert Boyle é um legítimo representante dessa época: seus Posteriormente Galileu afirmara
experimentos em química e física lhe permitiram elaborar leis sobre o comportamento que a subida do líquido não era
ilimitada como se supunha e
da matéria e concluir que os três princípios básicos de Paracelso: enxofre, mercúrio e sempre atingia um determinado
sal - a tria prima, a partir dos quais toda matéria seria formada, não respondiam pelos nível. Com a construção do
barômetro por Torricelli, a
diversos materiais existentes. teoria de Galileu foi confirmada,
Seu princípio unificador em todos os experimentos variados foi a tentativa de porém uma nova questão
usar a idéia de matéria e movimento para explicar mecanicamente todas as reações surgiu: aquele espaço era
realmente vazio ou ali existiria
químicas e todas as propriedades físicas, bem como para descartar todas as ar?
propriedades ocultas. Torricelli substituiu a água por
Seu primeiro trabalho científico foi sobre as propriedades do ar. Ele, juntamente um líquido mais denso, o
mercúrio, pois com esse a
com seu auxiliar construiu uma bomba de ar semelhante à recentemente inventada elevação deveria ser menor, o
por Otto Von Guerricke para provar a existência do vácuo e estudou o comportamento que foi confirmado. Pascal
repetiu o experimento no alto
físico do ar. A bomba de vácuo de Boyle possibilitou aos filósofos naturais o estudo do de uma montanha, encontrando
som, da respiração, da combustão e da relação do ar com esses fenômenos. Esse a diferença esperada em
trabalho provocou grande celeuma na época e teve como resposta a publicação de relação ao experimento
realizado no nível do mar e
dois livros com violentos ataques tanto às experiências como às interpretações de justificou esse fato pela
Boyle. Um deles era da autoria de Thomas Hobbes, defensor da não existência do diferença de pressão
vácuo e da teoria do “éter” que preencheria todo o universo. O outro foi escrito pelo atmosférica entre os dois
locais. Portanto, o que faz com
jesuíta Franciscus Linus que fazia objeções a todo o esquema conceitual sobre o peso que um líquido suba em uma
do ar e o vácuo, desenvolvido por Pascal a partir do barômetro de Torricelli. coluna é em última análise o
peso do ar e não o horror ao
vácuo.
Pesquisando a elasticidade do ar, Boyle obteve a lei que ficou conhecida como
a Lei de Boyle-Mariotte (ambos formularam a mesma lei em trabalhos individuais Comentário: Sob
quase simultaneamente). temperatura constante
(condições isotermas), o
produto da pressão e do
Em 1661, Boyle publicou seu famoso livro O Químico Cético, onde na forma volume de uma massa gasosa
é constante, sendo, portanto,
de diálogo, Boyle esclarece velhas idéias e destrói teorias antigas como, por exemplo, inversamente proporcionais.
a dos quatro elementos aristotélicos (Ar, Água, Terra e Fogo) e a dos princípios de Qualquer aumento de pressão
Paracelso (Enxofre, Mercúrio e Sal). produz uma diminuição de
volume e qualquer aumento de
Seu livro foi extremamente influente em estabelecer um novo olhar entre os volume produz uma diminuição
químicos do século XVII, que já suspeitavam que os quatro elementos aristotélicos de pressão." A mesma lei foi
fossem misturas, em vez de substâncias puras. formulada por Edmé Mariotte
em 1676, na França.

3.5 Boyle era atomista?

Boyle não aceitou totalmente nem a teoria de Descartes, nem a teoria de


Gassendi, formulando uma hipótese baseada na concepção atômica da matéria. O
termo corpuscularismo foi formulado pela primeira vez por Boyle, na obra intitulada
Origem das Formas e Qualidades (1666).
Nesse obra, ele apresenta seu “atomismo”, na tradição dos minima naturalia ou Comentário: A idéia de
prima naturalia, partícula que ao mover-se no vácuo, criaria aglomerados de matéria, mínima naturalia procede
diretamente dos escritos de
os corpúsculos secundários, responsáveis pelas características imutáveis das Aristóteles e corresponde a
substâncias. Esses corpúsculos poderiam se agregar diferentemente para formar toda existência de um mínimo que
possuía as propriedades
matéria existente. Se Boyle tivesse traduzido o conceito de elemento para sua características da substância
linguagem, os corpúsculos secundários seriam para ele os elementos. da qual elas eram o mínimo.
Tudo indica que Boyle pensava a matéria em três níveis distintos: o das Essa idéia foi identificada com
uma entidade física por
partículas mais simples criadas por Deus, o dos agregados ou corpúsculos Averróis e seus seguidores. Foi
secundários e o dos corpos do mundo sensível. uma teoria desenvolvida numa
Essas pequenas partículas - minima naturalia são equivalentes aos átomos dos tentativa de explicar as
mudanças químicas e não
antigos no sentido que são os menores blocos constituintes da matéria, entretanto como uma teoria de todas as
essas partículas são divisíveis no pensamento ou por Deus, embora por processos coisas como o atomismo.
naturais físicos ou químicos não o sejam. As duas tradições diferem, entretanto, no
que diz respeito ao fato de quem os átomos mecânicos são imutáveis e possuem um
mínimo de propriedades (qualidades primárias) enquanto que a minima naturalia
possuía as propriedades das substâncias das quais elas eram o mínimo. Elas não
eram imutáveis porque elas eram transformadas em mínimas mais complexas devido
às combinações químicas.

3.6 O conceito de elemento na Teoria de Boyle corresponde ao conceito


adquirido pelo termo posteriormente?

Segundo LEICESTER (1956), Boyle não conceituava elemento de acordo com


o sentido adquirido por esse termo a partir do século XVIII. Para ele, os agregados
das partículas últimas constituíam a maioria das substâncias conhecidas que,
entretanto, poderiam ser transmutadas em quase qualquer outra substância por um
rearranjo das partículas mínimas. De fato, Boyle ainda acreditava na possibilidade de
transmutação.
Com efeito, Boyle e Descartes são sem dúvida corpuscularistas, porém, como
já foi dito, Descartes recusa a noção de vazio e não recorre aos átomos para explicar
a sua teoria da matéria. Boyle, por sua vez constrói uma hipótese que une elementos
do atomismo antigo, em especial as propriedades primárias da matéria: extensão,
forma, impenetrabilidade e movimento, e elementos dos minima naturalia, sobretudo a
ênfase nos aspectos qualitativos dos corpúsculos como a textura que ele também
elegeu com propriedade dos agregados. Tudo indica que Boyle focou sua atenção nas
propriedades e qualidades dos corpúsculos e não das partículas mínimas que
formavam os corpúsculos. Disso resulta sua aproximação com a Química.

Aula 4 - As bolas de bilhar de Dalton.

4.1 Por que a massa se conserva em uma transformação química?

E por que não se podem obter quantidades arbitrárias de um produto a partir


de uma determinada quantidade de reagente ou ainda por que as
transformações químicas ocorrem mantendo relações proporcionais em massa?

O trabalho de John Dalton (1766-1844) pode


dar uma resposta a essas questões.
Dalton adotou as idéias do físico e
matemático Isaac Newton (1642-1727). Comentário: Newton admitia
Diferentemente de “atomismos” anteriores, Dalton que o ar era constituído por
pequenas partículas ou átomos
parte de uma visão descontínua da matéria agora de matéria, que se repeliam
fundamentada pelas novas práticas quantitativas da mutuamente com uma força
que aumentava à medida que
Química. Seus átomos estão apoiados nas leis diminuía a distância entre elas.
quantitativas derivadas do estudo das proporções em
massa nas transformações químicas, como a tabela
de equivalentes de Richter (1792), a Lei da
conservação da massa – de Lavoisier (1789), das
proporções fixas e definidas de Proust (1802), e a Lei
das proporções múltiplas do próprio Dalton.

From Shuster & Shipley, facing


p. 16. In turn from a painting by
R. R. Faulkner in the posession,
in 1917, of the Royal Society.

Richter havia mostrado, em 1792, que, na formação dos sais, uma determinada
quantidade de ácido se une sempre a uma determinada quantidade de base. A partir
daí ele construiu uma tabela de equivalentes (massas que se equivalem). A idéia de
proporções fixas foi estendida a todas as combinações químicas por Joseph Proust e
reforçada pela noção de proporções múltiplas de Dalton: se dois elementos se
combinam para formar dois ou mais compostos, as proporções de cada elemento são Comentário: Desde 1792,
Richter trabalhava com uma
sempre múltiplas inteiras de uma quantidade inicial. tabela de pesos equivalentes
É importante ressaltar que as leis ponderais poderiam ser explicadas de outra tomando com referência o
maneira que não envolvesse uma teoria atômica e nem todos os supostos compostos Oxigênio (como 100). Esse
método foi elogiado por Davy e
da época obedeciam à lei de Proust. Essa questão gerou opositores a teoria atômica continuado no trabalho de
de Dalton. O próprio Berthollet se dedicou a uma outra linha teórica que buscava Wollaston na Inglaterra e Gay
Lussac na França. Uma vez
explicar os fenômenos através do conceito de atividade química. Existiam aqueles que equivalentes podiam ser
empregavam uma metodologia fenomenalista em oposição aos átomos de Dalton e escritos em termos de volumes
seus pesos atômicos. O argumento era que a escolha dos pesos atômicos era de gases sob determinadas
condições de temperatura e
arbitrária e que os pesos equivalentes eram reais, uma vez que eram unidades pressão, equivalentes e
observáveis nas reações químicas. Essa visão foi fortalecida com a descoberta de volumes tornaram-se termos
intercambiáveis.
Faraday dos equivalentes eletroquímicos. Seguiam essa linha Richter, Humphry Davy,
Wollaston e Gay Lussac entre outros.

4.2 Você sabe qual é a idéia mais importante da teoria de Dalton?

O conceito novo e central introduzido por Dalton, é o peso atômico. Cada


elemento químico correspondia a um tipo de átomo que seria identificado pelo seu
peso atômico, porém, essa era sua maior dificuldade: como obtê-los?
As idéias de Dalton foram contestadas devido a uma dificuldade central:
Existiam três parâmetros: a composição de uma substância expressa em percentagem
por elemento, os pesos atômicos dos seus componentes expressos em valor relativo e
a fórmula química de certa substância. Só que esses parâmetros possuem uma
relação de interdependência, isto é, para calcular um dos parâmetros é necessário
conhecer os outros dois e só o primeiro pode ser obtido diretamente da experiência.
Para determinar os pesos atômicos, Dalton era obrigado a recorrer a hipóteses
sobre as fórmulas das substâncias compostas, hipóteses que hoje são conhecidas
como “Regras de Simplicidade”. Essas “regras” criavam um enorme obstáculo por
ocasião da determinação dos pesos atômicos, o peso atômico de um elemento podia
variar até de o dobro. Nelas residia o ponto fraco da sua teoria e eram consideradas
como “suspeitas” no contexto científico do século XIX. Pode-se citar como exemplo
dessas regras as duas primeiras que fazem parte de um conjunto de sete na teoria de
Dalton:
Quando uma só combinação de dois corpos pode ser obtida,
nós devemos presumir que ela é binária, a menos que uma
certa causa indique o contrário.[...] Quando duas combinações
são observadas, deve-se presumir que elas são uma binária e
a outra ternária. (DALTON, 1808 apud BENSAUDE-VICENT,
1991, p.83).

Tendo sempre como referência a hipótese mais simples, Dalton admitia que as
combinações químicas ocorrem por unidades discretas, isto é, por átomos e que os
átomos de cada elemento químico são idênticos em massa. Dalton criou símbolos
químicos para representar os elementos químicos. Na sua representação, o símbolo Comentário: Os símbolos
indicava não só o elemento, mas também um átomo desse elemento com uma massa atuais foram propostos por
Berzelius em 1813.
característica.
Assim, o hidrogênio era representado por ~ e o oxigênio por { de modo que a
água era escrita desta forma: ~{ (HO), devido a sua concepção de simplicidade.

4.3 Então, a partir de Dalton todos os químicos são atomistas?

Muitos químicos se recusavam a usar os pesos atômicos calculados a partir


desse pressuposto formulado por Dalton. Para as necessidades cotidianas, eles
escolhiam, sem esforço, os pesos equivalentes propostos por Wollaston em 1814, Comentário: O nosso famoso
porque eles eram inferidos diretamente da experiência. Químicos famosos como eqg (equivalente-grama) que já
foi abolido do ensino da
Berthelot não aceitaram a realidade atômica e continuaram a usar a tabela Química, de acordo com a
equivalentista. A notação atomista foi banida do ensino francês até a morte de IUPAC.
Berthelot em 1907, conforme cita BENSAUDE-VICENT (1991, p. 81).
Curiosamente, a Teoria de Dalton seria reforçada pela Lei de volumes de Gay
Lussac (1809) e pela Hipótese de Avogadro (1811) se Dalton houvesse concordado
com elas.
Na verdade, ele rejeitou tanto a Lei de Volumes quanto a Hipótese de
Avogadro. Dalton sabia que a densidade do vapor d’água era menor que a do
oxigênio, a da amônia menor que a do nitrogênio, e a densidade do óxido de
carbono1 menor que a do oxigênio. Se volumes iguais de gases diferentes continham
o mesmo número de partículas, o óxido de carbono (gás cujas partículas eram
formadas por átomos de carbono e átomos de oxigênio), por exemplo, deveria ser
mais denso que o oxigênio (gás cujas partículas eram formadas somente por átomos
de oxigênio). Como esse não era o caso, ele concluiu que a lei de Gay Lussac era Comentário: Na primeira
inválida. metade do século XIX, o
vocabulário compreendia uma
Ele acreditava que as partículas de um gás composto tinham tamanho maior constelação de nomes. Dalton
que as partículas de um gás elementar. De acordo com o que se supunha na época, o falava de átomos simples e
átomos compostos, por
vapor d’água deveria ser mais denso que o gás oxigênio. Se o contrário era observado exemplo, a substância oxigênio
experimentalmente, então volumes iguais de vapor d’água e oxigênio continham era constituída de átomos
números de partículas diferentes. Dalton concluiu que deveria haver menos partículas simples de oxigênio e a
substância água de átomos
de vapor d’água que partículas de oxigênio em volumes iguais. No sistema de Dalton, compostos formados por
cada átomo estava rodeado por uma esfera de calor, que se pensava ser do material átomos de hidrogênio e átomos
fluido denominado calórico. Dalton sugeriu que todas as partículas de um gás de oxigênio. Avogadro falava
em moléculas. Além de outras
possuem o mesmo tamanho, mas diferem em tamanho das partículas de um outro palavras que traduziam
gás. Como as esferas de calórico se tocam e as partículas possuem tamanhos conceitos forjados em bases
diferentes como peso
diferentes para cada gás, o número de partículas por volume é diferente para cada equivalente e peso atômico.
gás. Sua conclusão é, portanto frontalmente oposta à hipótese de Avogadro.
A composição dos corpos era então expressa em termos de átomos
constituintes. Partindo de proporções de combinação e de leis quantitativas, os
químicos procuravam obter dois resultados conexos: tabelas de pesos atômicos para
todos os elementos identificados e representar cada substância por uma fórmula
química que permitisse analisar e classificar. Comentário:
Para saber mais: Acesse o artigo “200 anos da teoria atômica de Dalton” Para refletir:
As atividades dos químicos do
de Carlos A. L. Filgueiras publicado pela revista Química Nova na Escola, número 20 começo do século XIX –
em novembro de 2004 no endereço sbqensino.foco.fae.ufmg.br. analisar e classificar –
poderiam ser feitas
independentemente de suas
Atividade 3: convicções sobre a realidade
Questões a se pensar... dos átomos. Os átomos servem
menos para pensar a estrutura
da matéria que para resolver
Use as idéias de Dalton para explicar a Lei da Conservação da Massa e a Lei das questões de linguagem,
Proporções Fixas. notação, fórmulas e
classificação. Mesmo assim, a
utilização desta linguagem, de
fórmulas expressando a
proporção em termos de
átomos constituintes, contém
no seu significado alguns
elementos da teoria. Trata-se
aqui da implicação da teoria na
descrição. A própria simbologia
química escolhida para os
elementos por Dalton já implica
em reconhecer a teoria através
da descrição.

1
É com esse nome que Avogadro se refere em seu texto de 1811 a substância que hoje conhecemos por
monóxido de carbono (CO).
Teoria da Combustão x Teoria do Flogisto

George Stahl, médico e químico alemão adotou como os três princípios


elementares a água, a terra e o ar. Para a inflamabilidade, Stahl adaptou o termo
grego phlogistos, usado por Becker, para flogisto. O fogo na teoria de Stahl não
constituía um elemento com na teoria aristotélica, mas uma ferramenta mecânica que
ajudava a criar a mescla.
Stahl fazia uma distinção bem clara entre misturas, que chamava de agregados
e compostos químicos, que ele chamava de mesclas e que requeria uma reação
química para ser produzido. De acordo com Stahl, o fogo agiria sobre o flogisto, tanto
na teoria da corrosão, como na teoria da combustão e na da calcificação.
De acordo com Stahl, quando qualquer substância combustível queimava,
perdia uma porção de flogisto que fazia parte de sua constituição. A corrosão era vista
por ele de modo semelhante, porém de forma mais lenta.
A calcinação era um processo no qual o aquecimento de certos metais gerava
o que era chamado na época de cal e que hoje denominamos óxidos. A cal era
identificada com o minério e a técnica de fundir o minério com carvão envolvia a
transferência do flogisto do carvão para o minério. O minério com flogisto passava a
ser então o metal.
O flogisto teórico era o princípio da combustibilidade e os materiais
combustíveis, como o carvão, eram ricos em flogisto. A chama se extinguia quando o
material havia libertado todo o flogisto que possuía.

Você pode achar essa teoria meio absurda, uma vez que você já conhece a
explicação da combustão como uma reação onde o oxigênio é incorporado, porém não
existe apenas uma maneira para se explicar um fenômeno, muitas vezes há mais de
uma explicação possível, resta saber qual é a que melhor descreve a realidade.

A teoria do flogisto estava errada, porém funcionava e representava o que


havia de mais moderno na década de 1760. Stahl raciocinou que o flogisto libertado
nas queimas era absorvido pelas plantas e árvores e por isso a madeira era tão
combustível.
O importante é que a teoria do flogisto foi edificada a partir de um raciocínio
lógico e que explicava logicamente uma série de observações empíricas. Esse fato fez
com que vários químicos do século XVIII a adotassem e a defendessem.
A teoria do flogisto era puramente qualitativa e não quantitativa e foi com
relação a esse aspecto que Lavoisier questionou o ponto fraco da teoria: se na
calcinação ocorre perda de flogisto, como explicar então, que o produto formado pese
mais que o reagente?
Na época, se supunha que o flogisto tivesse um peso, porém ninguém havia
conseguido pesá-lo e o aumento de peso de uma substância que havia perdido
flogisto não estava de acordo com o princípio da conservação da matéria. Foi nessa Comentário: Houve algumas
linha que a pesquisa de Lavoisier se estabeleceu. Em 1º de novembro de 1772, ele tentativas para exolicar o
aumento do peso com a saída
entregou suas anotações com o seguinte título: “Sobre a causa do peso ganho por do flogisto. Guyton de Morveau,
metais e diversas outras substâncias quando calcinadas” ao secretário da por exemplo, explicou o
aumento de peso dos óxidos
Academia de Ciências, onde explicava o aumento de peso pela fixação do ar durante metálicos, como chamamos
a combustão. Sua teoria só foi apresentada a Academia em 21 de abril de 1773, mas hoje, afirmando que o flogisto
as anotações entregues anteriormente lhe preservavam a precedência. era mais leve que o ar. Outros
atribuíam ao flogisto peso
Lavoisier continuou realizando experimentos de calcinação até outubro de negativo.
1773, quando chegou a conclusão que alguma espécie de fluido elástico contido no ar
era a substância fixada nos corpos e responsável pelo aumento de peso.
Existe na atmosfera um fluido elástico
específico que se encontra misturado ao ar, e é no
momento que a quantidade desse fluido contido sob a
campânula se esgota que a calcinação não consegue
mais ocorrer.

Esse fluido elástico só veio a ser identificado e diferenciado do ar fixo (gás


carbônico) com as experiências com mercurius calcinatus na presença de carvão e na
ausência de carvão. Na presença de carvão forma-se o ar fixo que já havia sido
descrito por Black, Priestley e outros como o gás que extingue a chama das velas e
sufoca os animais. Na ausência de carvão forma-se o fluido elástico, o ar
eminentemente respirável que Lavoisier denominou posteriormente de oxigênio e que
já havia sido anunciado pelo britânico Priestley como ar desflogisticado e pelo sueco
Scheele como ar do fogo. Comentário: Lavoisier tinha
conhecimento dos
experimentos de Priestley e de
Em 26 de abril de 1775, Lavoisier anunciou a academia que o princípio que C. W. Scheele. Scheele havia
se unia aos metais durante a calcinação era o próprio ar, entretanto Lavoisier também isolado e descrito as
propriedades do oxigênio, seu
mencionou que o novo gás era mais puro e respirável que o ar da atmosfera. Sua ar de fogo em 1771, porém só
palestra foi publicada no mês seguinte com o título: “Sobre a natureza do princípio publicou seu Tratado sobre o
que se combina com metais durante calcinações e aumenta seu peso”. fogo e o ar em 1777. Ele não
reivindicou a precedência a que
fazia jus sobre a descoberta do
Resumidamente temos: oxigênio. Priestley reagiu a
publicação de Lavoisier,
reividicando para si a
descoberta do oxigênio, mas
Stahl: metal Æ cal + flogisto (metal = composto) continuou fiel a Teoria do
flogisto até a sua morte
Lavoisier: metal + oxigênio Æ cal (metal = elemento) em1804.

Observa-se que na Teoria do flogisto o metal é o composto que se decompõe


em flogisto e cal e na Teoria da combustão proposta por Lavoisier, o metal é o
elemento que se combina para formar o composto cal ou óxido.
Em um outro exemplo podemos observar a aplicação da teoria do flogisto à
formação da água a partir do gás hidrogênio, denominado por Stahl de ar inflamável:

Stahl : ar inflamável Æ água + flogisto (água = elemento)


Comentário: Pode-se
Lavoisier: Hidrogênio + oxigênio Æ água (água = composto) perceber que há uma grande
diferença conceitual entre as
duas teorias e uma mudança
Na concepção de Priestley, o ar não era um elemento indestrutível e conceitual na linguagem
Kuhniana é denominada
inalterável, mas uma composição. Foi provavelmente ao tomar conhecimento das mudança de paradigma.
experiências de Priestley que Lavoisier entre 1776 e 1777 descobriu a verdadeira
composição da atmosfera. Ele chamava o oxigênio de ar desflogisticado de M.
Priestley, porém foi na memória de 5 de setembro de 1777 que ele designou o ar
eminentemente respirável no estado de fixidez ou combinação de princípio acidificante
ou ainda, o mesmo significado com um nome grego - princípio oxygine. Na memória
de 25 de novembro de 1780, Lavoisier empregou a expressão ar vital para o ar
desflogisticado de Priestley.
Para Lavoisier, o oxigênio seria a combinação do princípio oxigênio e a
hipotética matéria do fogo e do calor denominada calórico. Na calcinação, o calórico
se perde e o princípio oxigênio é incorporado pelo metal, formando a cal. Várias
dessas cais eram ácidas e decorre dessa observação a idéia de Lavoisier que todos
os ácidos seriam substâncias oxigenadas.
As idéias de Lavoisier se baseavam sempre em medidas ponderais e
volumétricas muito precisas, as mais precisas que os melhores aparelhos da época
permitiam. Seu método consistia em fazer experiências e estabelecer
experimentalmente a prova contrária. Por exemplo, Lavoisier realizou experiências de
síntese e de decomposição da água. Em 24 de junho de 1783, através da síntese,
provou que a água não era elementar e sim constituída de dois princípios, sendo um
deles o princípio oxigênio.
No dia seguinte Lavoisier e Laplace comunicaram a academia:

“A água não é uma substância simples, ela está


composta peso por peso, de ar inflamável e de ar vital”.

É interessante observar que outros cientistas da época já haviam sintetizado


a água, porém explicaram a síntese em termos da Teoria do flogisto como foi o caso
de Henry Cavendish.
Em 1784, Lavoisier e Meusnier foram indicados pela academia para
aperfeiçoar os aeróstatos (balões de ar quente ou de hidrogênio). Eles fizeram
pesquisas sobre métodos de produção de hidrogênio em grandes quantidades e
tentaram obtê-lo pela decomposição da água. Utilizaram para esse fim um cano de
fuzil de ferro levado a incandescência. A água escorria gota a gota pelo cano se
decompondo em hidrogênio e oxigênio. O hidrogênio era recolhido enquanto o
oxigênio reagia com o ferro, oxidando-o.
Ascensão de Pilâtre de Rozier e do Marquês d’Arlandes num balão de ar
quente em 21 de novembro de 1783
Durante o período de 27 de fevereiro a 12 de março de 1785, Lavoisier,
juntamente com Meusnier, realizou a decomposição e a síntese da água. Os volumes
dos gases empregados foram medidos com muita precisão na presença de um grande
número de convidados.
Combatendo a teoria do flogisto, Lavoisier também demonstrou que aquilo
que se pensava ser elemento (ar e água), desde Aristóteles, era de fato composto.

Prancha IV do Tratado Elementar de Química de Lavoisier. Os desenhos


foram feitos pela Senhora Lavoisier. A figura 5 corresponde a aparelhagem utilizada
para sintetizar a água e a figura 2 ao aparelho utilizado por Lavoisier para o estudo do
oxigênio.

Para saber mais:


Acesse o artigo A revolução Química de Lavoisier: uma verdadeira
revolução? Publicado na revista Química Nova 18(2), 1995 do professor Filgueiras no
endereço http://quimicanova.sbq.org.br/qn/qnol/1995/vol18n2/v18_n2_14.pdf.
Outro artigo muito interessante e detalhado sobre a obra de Lavoisier se
encontra no famoso artigo Lavoisier: Uma revolução na química de Lúcia Tosi
publicado na revista Química Nova 12(1), 1989 que pode ser encontrado no seguinte
endereço http://quimicanova.sbq.org.br/qn/qnol/1989/vol12n1/v12_n1_%20(8).pdf
Um livro muito interessante para o trabalho com o ensino médio, inclusive por
permitir uma Interseção com a disciplinas de História é o para- didático Lavoisier e a
Ciência no Iluminismo do grupo Teknê, editora Atual.
As Leis Ponderais de Lavoisier e Proust.
Comentário: Na Europa, a
alquimia foi difundida
As leis ponderais refletiam o desejo de construir uma base teórica para a principalmente pelos árabes,
durante a dominação da
Química que apagasse seus fundamentos metafísicos, afastando de uma vez por península Ibérica, entre os
todas qualquer influencia do seu passado alquímico. séculos VIII e XV. Os
Esse desejo foi uma característica do movimento iluminista no século XVIII. alquimistas árabes se
apropriaram das idéias da
Vários cientistas procuraram eliminar qualquer referência metafísica na ciência. filosofia grega a partir dos
Lavoisier viveu nessa época e seu país, a França, foi um dos países onde o escritos de Aristóteles, como,
iluminismo teve a sua maior expressão. Pesar substâncias e investigar elementos por exemplo, a teoria dos
quatro elementos (ar, água
com muito rigor eram práticas recorrentes no seu cotidiano. terra e fogo) e essas idéias
Lavoisier procurou estabelecer suas explicações apoiadas em fatos passaram para os alquimistas
europeus medievais.
quantitativos, de modo que a lei obtida pudesse ser expressa em linguagem
matemática. Comentário: O iluminismo foi
um movimento filosófico que se
Como os nomes das substâncias ainda evocavam as referências alquímicas, desenvolveu particularmente na
Lavoisier concluiu que era necessário criar uma nova nomenclatura que banisse da França, Alemanha e Inglaterra
Química as referências religiosas e místicas do seu passado. Por exemplo, o gás no séc.XVIII. Defendia a
supremacia da razão diante
obtido da combinação do nitrogênio com o hidrogênio podia ser chamado dos dogmas e superstições.
indiferentemente de amônia, amoníaco, ou álcali volátil urinoso. Nomes como Pretendia fundar uma nova
razão diferente da razão
manteiga de estanho, fígado de enxofre, régulo de antimônio ou cáustico lunar eram teológica e difundi-la, o que
antigas heranças da alquimia. Isso causava muita confusão e do ponto de vista acarretaria a construção de
didático a situação era bastante insatisfatória. uma nova cultura.
Em 1787, Lavoisier publicou juntamente com Guyton de Mourveau, Berthollet e
Antoine Fourcroy o Método de Nomenclatura Química. Nessa obra propôs novos Comentário: Correspondem
a cloreto estânico hidratado,
termos para designar os elementos químicos: nomes simples deveriam estar mistura de sulfatos e
associados a substâncias simples, nomes compostos a substâncias compostas e polissulfetos de potássio,
antimônio elementar e nitrato
nomes arbitrários a substâncias desconhecidas. Logo no início Lavoisier escreveu: de prata.
“...É tempo de desembaraçar a Química dos obstáculos de toda espécie que
Comentário: Humphry Davy
retardam seu progresso; de introduzir nela um verdadeiro espírito de análise, e nós quando estabeleceu que o
estabelecemos suficientemente que era pelo aperfeiçoamento da linguagem que esta cloro era uma substância
reforma deveria operar-se”. elementar e não um óxido com
se pensava devido as
propriedades do ácido
Dos seus estudos sobre a acidez, Lavoisier concluíra que o ar eminentemente oximuriático (na verdade ácido
muriático) colocou em dúvida a
respirável, participante dos processos de combustão e de calcinação, era também o definição de gerador de ácidos
formador de ácidos e, portanto, o nome adequado para esse gás deveria ser oxigênio, de Lavoisier atribuída ao
pois em grego oxus quer dizer ácido. Outros nomes como hidrogênio, azoto (atual oxigênio e provou que o
oxigênio não era o único
nitrogênio), também foram criados por Lavoisier. A nomenclatura tinha um conteúdo comburente, uma vez que o
ideológico muito importante, pois estava intimamente relacionada com a teoria cloro mantinha a combustão.
desenvolvida por Lavoisier sobre a combustão, a composição da água, do ar, dos Comentário: A utilização
ácidos etc. desta linguagem contém no seu
significado elementos da teoria.
Trata-se aqui da implicação da
O Tratado Elementar de Química surgiu em 1789 e é uma obra a abrangente teoria na descrição. A própria
pois une teoria à prática. Em dois volumes, no primeiro Lavoisier se ocupa da nomenclatura química
escolhida para os elementos
formação dos gases e de suas reações químicas, da combustão das substâncias por Lavoisier já implica em
simples e da formação dos óxidos. Trata também das reações dos ácidos com as reconhecer a teoria através da
bases e da formação dos sais. O segundo volume é um manual prático de laboratório descrição.
no qual descreve os aparelhos e técnicas usuais no trabalho experimental. As
ilustrações são de Madame Lavoisier. Comentário: Muito tempo
depois Einstein vai propor que
O princípio da Conservação da Matéria já existia, desde a Grécia antiga na a massa não se conserva
forma de um enunciado mais geral: “do nada, nada sai; e nada se torna nada”. podendo se converter em
2
energia. E = m . c
Difundido como: “Na natureza nada se cria e nada se perde, tudo se transforma”, não
foi enunciado dessa forma por Lavoisier. No seu livro Tratado ELementar de Química
(1789), ele assim se expressou:
“Podemos estabelecer como um axioma incontestável, que em todas as
operações da arte e da natureza nada é criado: existe uma quantidade igual de
matéria antes e depois do experimento; a qualidade a quantidade dos elementos
permanecem precisamente as mesmas e nada acontece além de variações e
modificações nas combinações desses elementos. Deste princípio depende toda a
arte de executar experimentos químicos: devemos sempre supor uma igualdade exata
entre os elementos do corpo examinado e aqueles dos produtos de sua análise”.

Para saber mais: O Tratado de Lavoisier teve 23 edições integrais entre 1789
e 1805 em sete países, das quais 7 foram na França. Houve também mais três
edições parciais, uma delas no México em 1897.
A tabela dos elementos de Lavoisier foi denominada Tabela das substâncias
simples e contém 33 elementos divididos em quatro classes. A primeira classe é
constituída de por 5 substâncias das quais as duas primeiras são imponderáveis: luz,
calórico, oxigênio, azoto e hidrogênio que são substâncias que pertencem aos três
reinos. A segunda classe é formada por seis “substâncias oxidáveis e acidificáveis”:
enxofre, fósforo, carbono,radical fluórico, radical borácico, radical muriático. A terceira
classe é formada por dezessete “substâncias metálicas, oxidáveis e acidificáveis”:
antimônio, prata, arsênico, bismuto, cobalto, cobre, estanho, ferro, manganês,
mercúrio, molibdênio,níquel, ouro, platina, chumbo, tungstênio, zinco. A quarta classe
é a das cinco “substâncias salificáveis terrosas”: cal, magnésia, barita, alumina, e
sílica.

Frontispício da primeira edição do Tratado Elementar de Química de Lavoisier /Tabela das 33


substâncias simples ou elementos com o novo nome e o nome antigo, entre os quais Lavoisier
incluiu a luz e o calórico.
Em 1799, Proust demonstrou que o carbonato de cobre preparado
artificialmente era idêntico em composição aquele descoberto na natureza. Proust
sugeriu que a composição constante poderia ser um critério para os compostos
químicos diferenciando-os de misturas e soluções.
Proust formulou sua lei com se segue:
“Nós devemos reconhecer uma mão invisível que mantém a proporção na
formação dos compostos. Um composto é uma substância para o qual a natureza
estabelece uma razão fixa, isto é, um ser que a natureza nunca cria outro, a não
ser na mesma proporção, peso e medida”.

Embora atualmente essa lei pareça evidente, no início do século XIX ela não
era aceita por todos. Proust se envolveu em uma famosa controvérsia com
Berthollet que defendia a idéia de que a composição era variável.
Berthollet tinha a seu favor, entre outros, a existência de vários óxidos de ferro
diferentes, o que levava à suposição de que uma quantidade de ferro fosse capaz
de se combinar com qualquer quantidade arbitrária de oxigênio e que a mudança
na composição fosse contínua. A lista de Berthollet sobre compostos de
composição variável incluía ainda soluções, ligas, vidros e óxidos de outros metais
como os de estanho, chumbo etc. Era muito comum nessa época que compostos e
misturas ainda fossem confundidos.
Berthollet acreditava que a afinidade química era uma força semelhante à
gravidade e achava que qualquer tipo de combinação entre substâncias era uma
expressão dessa mesma força. Não havia nenhuma diferença fundamental entre
solução e combinação química e desse modo a Lei das Proporções Constantes era
apenas um caso especial da lei geral da afinidade.
Durante os próximos nove anos Proust se dedicou a purificar e a analisar
compostos para dar suporte a Lei das Proporções Constantes e para demolir os
argumentos de Berthollet que era, então, um químico bastante influente.
Proust demonstrou isolando os diferentes componentes, que quando uma
análise indicava uma porcentagem de oxigênio intermediária, isso era devido à
presença de misturas.
Posteriormente, foram identificados compostos que não seguem a lei de
Proust como, por exemplo, o pigmento branco rutilo de fórmula variando entre
TiO2, e TiO1,8 . Esses compostos foram chamados de bertolídeos em oposição
àqueles que seguem a lei de Proust denominados daltonídeos.
Eis um caso interessante, havia uma falha geral para reconhecer e estudar
compostos nos quais íons de tamanho e carga semelhantes pudessem se
permutar em um cristal e produzir uma variação na composição. Talvez, o
desconhecimento de tais compostos nesse tempo tenha favorecido o
desenvolvimento da Teoria Atômica, uma vez que a Lei das Proporções
Constantes era um dos pilares da Teoria atômica de Dalton.
Aula 5: A Hipótese de Avogadro ou caminhando contra o
vento.

Busto de Amedeo Avogadro Gay Lussac

5.1 Do que trata a hipótese de 1811?


Avogadro publicou sua hipótese no artigo Essai d’une manière de déterminer
les masses relatives des molécules élementaires des corps et les proportions
selon lesquelles elles entrent dans ces combinaisons, no Journal de Physique, de
Chimie, d’Histoire Naturelle et des Arts, de Delamethérie em Paris.
Ele formulou a hipótese de que um determinado volume de um gás qualquer
contém sempre o mesmo número de “moléculas integrantes” em 1811. Ele apresentou Comentário: A lei vlumétrica
seu trabalho como uma extensão da lei de Gay Lussac sobre a combinação de de Gay Lussac estabelece que
nas mesmas condições de
volumes de 1809. temperatura e pressão, os
volumes dos gases
participantes de uma reação
Avogadro empregava os termos molécula, molécula integrante, molécula têm entre si uma relação de
constituinte e molécula elementar, e nunca o termo átomo. Freqüentemente, os números inteiros e pequenos.
historiadores se referem à falta de clareza no uso dos termos. A correspondência
conceitual estabelecida pelos historiadores entre os termos de Avogadro e os termos Comentário: Mémoires de la
atuais é de molécula integrante com substância composta, molécula constituinte com Société d’Arcueil, volume II.
substância simples e molécula elementar com átomo. O uso indistinto do termo Comentário: Os termos parte
molécula também é muito comum em seus textos. integrante, molécula primitiva
integrante, e parte constituinte
não são originais e já
5.2 Avogadro era um atomista? constavam do Dicionário de
Química de Macquer de 1766.
Os termos molécula integrante,
Freqüentemente a hipótese de Avogadro é associada à pesquisa dos pesos molécula constituinte e
atômicos e à teoria atômica, porém Avogadro nunca mencionou o termo átomo em molécula elementar são citados
no livro Systèmes de
seus trabalhos ou se referiu a suas moléculas como diatômicas ou poliatômicas. O Connaissances Chimiques de
próprio Dalton rejeitou explicitamente a hipótese em favor da sua teoria que Fourcroy de 1800
pressupunha o contrário, isto é, que o número de partículas por volume era diferente (CROSLAND, 1980). Fourcroy
indicava que os corpos eram
para gases diferentes. formados pela reunião de um
Avogadro se insere na tradição de pesquisa de Berthollet e seu principal grande número de moléculas
integrantes através da força de
interesse era o de determinar os pesos moleculares e não os pesos atômicos, para agregação. Cada uma dessas
então obter a afinidade pelo calórico de uma substância. Em decorrência da hipótese moléculas podia por sua vez
de Avogadro (volumes iguais contêm o mesmo número de méculas), os pesos ser formada pela reunião de
várias moléculas constituintes
moleculares de dois gases estão na mesma razão que as densidades desses gases. que correspondiam aos
“princípios” ou elementos que
formam os compostos.
Os pesos moleculares assim obtidos são determinados em relação ao peso da
molécula de hidrogênio e não em relação ao átomo de hidrogênio. Comentário: A densidade de
vapor de uma substância é a
relação entre o peso de
determinado volume de vapor,
5.3 Se volumes iguais de quaisquer gases possuem o mesmo número de sob determinadas condições, e
o peso do mesmo volume de
partículas (submetidos à mesma pressão e temperatura) como explicar que n hidrogênio nas mesmas
partículas de oxigênio que ocupam o volume V ao se combinarem com n condições. Pela Hipótese de
partículas de nitrogênio que ocupam o volume V formando n partículas de NO Avogadro, ambos os volumes
contêm o mesmo número de
resultava em um volume de NO correspondente a 2 V e não esperado, uma vez moléculas (n). A densidade de
que o número de partículas era o mesmo: n ? vapor da substância será dada
por:

A hipótese de Avogadro foi refutada na época, por dois conjuntos de dados Peso de n moléculas da
experimentais: reações cujos volumes gasosos obedeciam a proporção 1:1:2 como na substância/peso de n
moléculas de hidrogênio ou
síntese do óxido nítrico e a densidade incomum de alguns gases como o oxigênio. ainda
Para explicar reações do tipo da síntese do óxido nítrico, Avogadro introduziu
uma hipótese ad hoc de que as moléculas integrantes se dividiam durante a reação Peso de 1 molécula da
substância/peso de 1 molécula
em tantas partes quanto o “que é necessário para satisfazer o volume de gás de hidrogênio
resultante” (AVOGADRO, 1811). Deste modo, a molécula integrante que se forma “se e portanto o peso molecular
divide em duas ou mais partes ou moléculas integrantes constituídas pela metade, será dado por
Densidade de vapor da
quarta parte, etc. do número de moléculas elementares de que era formada a substância x peso molecular
molécula constituinte da primeira substância, combinada com a metade, a quarta do hidrogênio.
parte, etc. do número de moléculas constituintes da outra substância que deveria se
combinar com a molécula total, ou, o que é a mesma coisa, com um número igual ao
número de meias-moléculas, de quartos de molécula, etc., desta segunda substância,
de modo que o número de moléculas integrantes do composto se tornam o dobro,
quádruplo, etc. do que ele deveria ser sem essa divisão” (AVOGADRO, 1811).

1 VOLUME DE
+ 1 VOLUME DE Æ 2 VOLUMES DE
NITROGÊNIO OXIGÊNIO ÓXIDO NÍTRICO

5.4 Você percebe que Avogadro propôs um mecanismo de reação ao supor


que moléculas se dividem? Que obstáculos essa idéia posterior teve que
enfrentar?

A suposição de moléculas constituídas por unidades elementares iguais que


podiam se dividir conflitava com a teoria dualística de Berzelius.
Partículas idênticas deveriam se repelir de acordo com os antigos fundamentos
newtonianos ou de acordo com fundamentos mais recentes sobre a natureza elétrica
dos elementos químicos revelada nos experimentos de eletrólise. O próprio Berzelius
tinha uma hipótese mais simples que a de Avogadro: volumes iguais de gases
elementares contêm o mesmo número de átomos.
Berzelius foi um cientista extremamente conceituado e lido pelos cientistas da
Comentário: As referências
época e era muito difícil gerar um conhecimento que se opusesse às suas idéias. para os pesos atômicos eram
Mesmo como método para obter pesos moleculares, a hipótese era de limitada obtidas através da lei dos
aplicação, pois embora permitisse obter pesos moleculares diretamente das calores específicos de Dulong e
Petit e da lei do isomorfismo de
densidades, o método se restringia a gases e vapores. Mitscherlich e por analogias
como, por exemplo, entre o
5.5 Que anomalias foram apontadas em relação à Hipótese? amoníaco e a fosfina.
Comentário: Wollaston em
1814 sugeriu o termo peso
Em 1826, Dumas desenvolveu um novo método para medir diretamente a equivalente para expressar a
densidade de vapor e determinar indiretamente o peso molecular relativo de diferentes razão com que os elementos se
substâncias no estado gasoso. Seu método é ainda utilizado em análises químicas. combinam e o seu uso, no que
foi seguido em 1838 por
Entretanto, Dumas não havia feito uma clara distinção entre moléculas e átomos e os químicos muito influentes como
resultados foram decepcionantes. Dumas empregou seu método para determinar as Liebig, Wöhler e Gmelin. O
densidades do fósforo, arsênio, mercúrio e enxofre. Os pesos atômicos calculados a sistema de equivalentes de
Leopold Gmelin, muito
partir das densidades de vapor determinadas variaram da metade do peso atômico difundido na Europa, foi
aceito para o mercúrio até o quádruplo do peso atômico aceito para o fósforo e com construído exclusivamente a
partir de relações ponderais,
resultados variáveis para o enxofre. Gaudin forneceu uma explicação para esses sem qualquer referência às
resultados que consistia em considerar o fósforo tetratômico, o vapor de mercúrio relações volumétricas.
monoatômico e o enxofre hexatômico. Essa explicação, porém, deve ter sido Comentário: Ampère formulou
considerada ad hoc pelos químicos. a mesma hipótese em 1814.
A hipótese inicial de que a densidade de vapor de um gás poderia fornecer Dumas e Prout também
formularam a hipótese em 1827
uma medida direta de seu peso atômico relativo foi reprovada. Em 1836, Dumas e 1834 respectivamente.
abandonou a hipótese de Avogadro como um meio de determinar os pesos atômicos e Comentário: Em Recherche
concluiu que diferentemente dos pesos equivalentes, pesos atômicos não podiam ser sur la Structure Intime des
simplesmente e precisamente determinados. Corps Inorganiques Définis,
Marc A. Augustin Gaudin
Outras tentativas para determinar o peso atômico ou o peso molecular também se propõe: “Nós estabeleceremos,
mostraram anômalas devido a, então, desconhecida dissociação no estado de portanto uma distinção bem
vapor de algumas substâncias, como o cloreto de amônio. Até 1850, não havia um marcada entre os termos átomo
e molécula, e isto com muito
modelo teórico consistente para explicar esse fenômeno. As anomalias eram mais certeza, pois se até hoje
facilmente interpretadas como uma refutação da hipótese. não se chegou às mesmas
conclusões que eu, foi
unicamente por não terem
estabelecido essa distinção.
5.6 Será que todos eram contra ou indiferentes a Hipótese? Quem adotou a Um átomo será para nós um
Hipótese de Avogadro? pequeno corpo esferóide
homogêneo, ou ponto material
essencialmente indivisível,
Pode-se afirmar, entretanto, que a hipótese não permaneceu desconhecida. enquanto uma molécula será
Muitos químicos a conheciam seja como hipótese de Avogadro, ou como hipótese de um grupo isolado de átomos,
Ampère. A hipótese foi discutida por Laurent, Berzelius, Gaudin, Baudrimont e outros em qualquer número e de
qualquer natureza. A fim de
nos anos vinte, trinta e quarenta do século XIX. Nos anos cinqüenta, ela foi discutida evitar as repetições e em vez
por Wurtz, Williamson, Odling, Brodie e Kekulé, o que não significa dizer que ela tenha de dizer: uma molécula
composta de 1, de 2, de 3, de
sido aceita. A hipótese de Avogadro foi restrita quase inteiramente a artigos teóricos, 4, de 5, de muitos átomos, etc,
sendo raramente mencionada em livros textos e apenas citada em publicações faremos o adjetivo
semelhantes por Dumas em Traité de chimie appliquée aux arts (1828), Daubeny monoatômico, diatômico,
triatômico, tetratômico,
em An introduction to the atomic theory (1831) e Baudrimont em Traité de chimie pentatômico, poliatômico, etc.
générale et expérimentale (1844). De acordo com FISHER (1982), a hipótese foi acompanhar o substantivo
simplesmente mencionada e não utilizada para organizar o caos dos pesos atômicos molécula”. Ainda em outra
passagem do mesmo artigo:
ou com propósito instrutivo, o que contribui para a sua interpretação de que a hipótese “Consideremos as
foi considerada suspeita. combinações de gases. Desde
que as partículas estejam
Baudrimont e Laurent foram os primeiros a estender o campo explicativo da mantidas a uma mesma
hipótese de Avogadro quando justificaram em termos de átomos livres a alta distância, por uma mesma
reatividade dos elementos no estado nascente diante da reatividade menor das pressão e temperatura, diremos
1, 2, 3 partículas, em vez de 1,
moléculas, na substituição do hidrogênio pelo cloro em hidrocarbonetos (1844/1846). 2, 3 volumes e substituiremos
A hipótese de moléculas que se dividiam propõe um mecanismo de reação que mesmo o termo partícula pelo
justifica a presença de átomos livres. Até esse momento, a distinção entre átomos e termo molécula, uma vez que
agora, o termo partícula é
moléculas dos elementos, feita primeiramente por Gaudin, tinha sido um assunto de considerado como contendo
vários átomos”.
simples definição, subordinada inteiramente à hipótese de Avogadro, e não teve uso
posterior. Na explicação de Baudrimont e Laurent, as considerações de Avogadro da
reação entre hidrogênio e cloro como HH + ClCl = 2HCl, teve pela primeira vez uma
distinta vantagem explicativa sobre as considerações de Berzelius H + Cl = HCl.
Influenciados pelos conhecimentos já adquiridos na cristalografia, alguns
químicos tentaram explicar os fenômenos químicos através do arranjo espacial dos
átomos na molécula. Marc Antoine Gaudin já havia sugerido a idéia de uma
“arquitetura do mundo dos átomos” (1833), e Alexandre Édouard Baudrimont tentou
uma interpretação das combinações químicas em termos de rearranjos de átomos
(1833).

Laurent, ao tratar hidrocarbonetos com cloro, concluiu que o cloro substituía o


hidrogênio nesses compostos, isto é, ele ocupava o lugar do hidrogênio. Esse fato já
havia sido observado por Dumas, que em 1834 havia enunciado uma lei empírica de
substituição que pode ser resumida da seguinte forma: quando uma substância
contendo hidrogênio é submetida a desidrogenação pela ação de cloro, bromo ou
iodo, para cada volume de hidrogênio que ela perde, ela ganha um volume igual de
cloro, bromo ou iodo e quando a substância contém água, ela perde o hidrogênio
correspondente a essa água sem substituição (DUMAS, 1834 apud IHDE, 1970).
Posteriormente, em um artigo publicado em 1846, Recherches sur les
combinaisons azotées nos Annales de Chimie, Laurent se refere às moléculas de
corpos simples como, por exemplo, hidrogênio, cloro, bromo como sendo diatômicas e
propondo um mecanismo de substituição para explicar a reação entre hidrogênio e
cloro, como se segue:
A molécula de hidrogênio, cloro (...) é formada de dois
átomos que constituem uma combinação homogênea (HH),
(ClCl), (MM), etc. Essas combinações homogêneas colocadas
em presença umas das outras podem dar lugar a uma dupla
decomposição ou a uma substituição e formar desse modo
uma combinação heterogênea:
(HH) + (ClCl) = (HCl) + (ClH)
Admitiremos que cada molécula de corpo simples é ao
menos divisível em duas partes que poderemos chamar átomo;
essas moléculas só podem se dividir no caso de combinação.
Então, cada letra O, H, Cl representa um meio-volume ou meia-
molécula ou um átomo.
O átomo de M. Gerhardt representa a menor
quantidade de um corpo simples que possa existir em uma
combinação. Minha molécula representaria a menor quantidade
de um corpo simples que é necessário empregar para operar
uma combinação, quantidade que é divisível em dois pelo
próprio ato da combinação.
Desse modo Cl pode entrar numa combinação, mas
para isso é necessário empregar Cl2 (...). (LAURENT, 1846,
p.295-296).
5.7 Como a hipótese de Avogadro foi finalmente aceita quase cinqüenta anos após
sua publicação?

Em 1857, Clausius, professor de física do Instituto Politécnico de Zurique


publicou um artigo denominado Über die Art der Bewegung, welche wir Wärme nennen
(Sobre o tipo de movimento que nós denominamos calor). Clausius parece ter
pensado no movimento de moléculas diatômicas e poliatômicas indiferentemente do
que ocorria na época. Parece, portanto, desconhecer o longo debate entre os
químicos e a hipótese de Avogadro ou de Ampère, como foi muitas vezes citada, e a
hipótese ad hoc de Avogadro da existência de “moléculas constituintes” e
“moléculas integrantes”. Da teoria de Clausius foi possível obter a lei de Gay Lussac
da combinação de volumes e posteriormente, em 1860, Maxwell derivou a hipótese de
Avogadro a partir de uma teoria física independente em Illustrations of Dynamical
Theory of Gases.
Em 1860, Cannnizzaro distribuiu por meio de Angelo Pavesi sua monografia
denominada Sunto di un corso di filosofia chimica (1858) no Congresso de Karlsruhe.
Nela, Cannizzarro oferecia uma definição pragmática e ao mesmo tempo oportuna de
átomo químico a partir do conhecimento adquirido nos últimos cinqüenta anos:
“As diferentes quantidades de um mesmo elemento contidas em diferentes
moléculas são todas múltiplos inteiros de uma e mesma quantidade, que sendo
sempre inteira, tem o direito de ser chamada átomo” (CANNIZZARO, 1858 apud
BROOKE, 1995, p. 241).
Cannizzaro propôs uma reforma do ensino de Química através da adoção dos Comentário: Gaudin nos
pesos atômicos corrigidos por Laurent-Gerhardt e da hipótese de Avogadro. anos trinta já havia insistido
que até que se pudesse provar
A monografia de Cannizzaro impressionou fortemente Lothar Meyer, químico que meias moléculas de
alemão que havia estudado com Bunsen e Kirchhoff, de tal forma que em 1864 ele hidrogênio e cloro pudessem
ser divididas, elas deveriam ser
publicou o primeiro livro de Química organizado dedutivamente: Die Modernen tomadas por átomos, e como
Theorien der Chemie no qual desenvolveu a teoria química a partir da Hipótese de Cannizzarro também sugeriu
Avogadro. em 1860, Gaudin havia usado o
calor específico e o
isomorfismo como princípios
complementares à
determinação dos pesos
atômicos empregando a
hipótese de Avogadro (COLE,
1975 apud BROOKE 1995),
uma vez que todos os métodos
de determinação de pesos
atômicos tinham suas exceções
(FRICKÉ, 1976).

Comentário: De acordo com


FISHER (1982), a aparente
facilidade com que Meyer
removeu as dúvidas e
incertezas no seu livro, foi de
Figura 2 – Fotografias de Stanislao Cannizzaro (esquerda) e Lothar Meyer crucial importância para a
eventual aceitação da hipótese
Em 1872, Cannizzaro foi convidado pela Chemical Society para fazer uma pelos professores de química.
Esse livro foi traduzido para o
conferência. O tema escolhido foi “Considerações sobre alguns pontos do ensino inglês e para o francês e teve
teórico de Química” e a reforma proposta, que incluía a hipótese de Avogadro, era várias edições, pelo menos
cinco. A partir da segunda
uma reforma dos professores. Cannizzaro questionou se seria melhor manter a edição, Meyer incorporou seu
tradição empirista do ensino de química da primeira metade do século, evitando assim sistema de classificação
discutir nas aulas a Teoria atômica e molecular como perigosa e especulativa e manter periódica dos elementos.
a atenção confinada às leis empíricas da Química. Obviamente, ele enfaticamente
concluiu que isso não seria do maior interesse dos estudantes (FISHER, 1982). Comentário: Journal of the
Chemical Society, xxv, 1872,
Nessa época, a aversão ao método dedutivo na Química e as questões reimpresso em Chemical
metafísicas sobre a hipótese atômica estavam sendo superadas. O tempo estava Society, Faraday Lectures,
Londres, 1928. Citado por
propício, então, para que a interpretação dada por Avogadro aos fatos estabelecidos FISHER, 1982.
por Gay Lussac pudesse ser apreendida.
Atividade 4
4.1 - A fórmula da água para Dalton era HO e para Avogadro era H2O (não com essas
representações), explique a partir de reações entre o Hidrogênio e o Oxigênio, as duas
fórmulas obtidas.
4.2 - Qual a novidade introduzida por Avogadro para explicar a constituição das
substâncias simples?

Conclusão

A física no século XVIII sofreu uma grande transformação. Não era suficiente
considerar na matéria as divisões, figuras e movimentos e, entre as diversas partículas
dos corpos, supôs-se a ação de atração ou repulsão.
Segundo Descartes, a única qualidade sensível da matéria era a extensão,
conseqüentemente, ele negava a possibilidade de vazio e para ele o espaço era
plenamente preenchido. O plenum e a divisibilidade infinita da matéria justificavam,
portanto, a rejeição ao atomismo. Descartes não acreditava na existência de forças a
distância e segundo ele, o movimento era comunicado de uma parte da matéria a
outra por contato direto. Como a matéria era identificada com extensão, onde há
extensão há substância e como o espaço era infinitamente divisível, o mesmo podia
ser dito em relação à matéria.
Para o mecanicismo, a natureza deve ser redutível em último à matéria e
movimento e a explicação deve se restringir às causas mecânicas. Isso permitiu que o
atomismo grego fosse revivido através de teorias mecanicistas que incluíam o vazio.
Vimos neste módulo que a teoria atômica de Dalton era compatível com o
conceito de elemento químico de Lavoisier e estava baseada nas leis das
combinações químicas e na identificação dos átomos químicos de acordo com o seu
peso relativo. As regras de simplicidade eram frequentemente criticadas como o ponto
fraco da teoria e Dalton acreditava que átomos do mesmo tipo se rejeitavam.
O congresso de Karlsruhe em 1860 trouxe o reconhecimento gradual da
Hipótese de Avogadro de 1811 e do seu método de determinação de pesos atômicos
por intermédio de Cannizzaro, o que reforçou o status conceitual da teoria atômica
química.
O atomismo químico era, entretanto, diferente das partículas dos físicos, que
significavam simplesmente partículas indivisíveis.
Para Dalton os fenômenos químicos se explicavam pela existência de diferentes
elementos. Isto o levou a admitir dezenas de átomos irredutíveis: o átomo de
nitrogênio é diferente do átomo de oxigênio que por sua vez é diferente do átomo de
hidrogênio, e nada havia que fosse comum a estes diversos componentes da matéria.
Este ponto foi vivamente discutido, pois segundo muitos químicos, por trás da
aparente multiplicidade de elementos, de tal diversidade, devia haver alguma coisa
mais simples e mais fundamental que unificasse os diferentes constituintes materiais.
Esta concepção ficou conhecida como “unidade da matéria” e seus partidários se
opuseram ao sistema de Dalton.
Prout, por exemplo, sugeriu a hipótese de que todos os pesos atômicos eram
múltiplos do peso atômico do hidrogênio: o hidrogênio era a “matéria primeira” da qual
os outros elementos eram constituídos. O inconveniente era que, para obter esses
múltiplos, Prout deveria dar uma “ajuda” aos números geralmente aceitos.
À mesma corrente “unitária” ligavam-se nomes como Humphry Davy e
Thomas Graham. Davy, diferentemente de Lavoisier supunha que as propriedades
não eram decorrentes simplesmente dos componentes da substância, mas também de
seu arranjo relativo. Desse modo, para Davy um elemento químico não se comportava
como um princípio. Thomas Graham só admitia para a matéria um único constituinte e
todas as diferenças observadas entre os elementos decorriam de diferenças nas
condições de movimento dessa partícula última.
Faraday também ressaltou o caráter hipotético dos pretendidos átomos. Para
ele, mas valia ver neles uma “ilusão materialista”. De acordo com Faraday, a matéria,
de fato, não é senão “a força submetida a certas determinações”. Influenciado pela
corrente alemã da Naturphilosohie, Faraday era francamente favorável ao modelo
proposto no século XVIII dos átomos pontuais de Boskovich - centros imateriais de
força, podendo a força ser de atração ou repulsão. Essa forma de explicar a natureza,
na qual as unidades da matéria são meros centros de força, reais, homogêneos e
indivisíveis, ficou conhecida na filosofia como dinamista.
O dinamismo é “a visão de que todos os fenômenos da
natureza, inclusive a matéria, são manifestações de forças”
(CAPEK, 1967 apud ABRANTES, 1998, p.73).
Essa visão de natureza será explorada no próximo módulo.

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