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10º Ano

O alargamento do conhecimento do Mundo


O contributo português

Inovação nas técnicas náuticas


 Instrumentos de navegação
Quando iniciaram a expansão marítima, os Portugueses já possuíam um conjunto de
conhecimentos e técnicas de navegação, legadas por Árabes e Judeus. Elas eram o lemo
fixo à popa (imerso e preso ao cadaste com dobradiças; mais fácil de manobrar e
permitindo rápidas mudanças de direção); a bússola (invenção chinesa que séculos antes
permitira o traçado de linhas de rumo nas cartas-portulanos – misto de mapa e roteiro
com as mais variadas informações); o astrolábio (instrumento de orientação astronómica
de origem grega). Técnicas complementadas com estudos de matemáticos, astrónomos e
geógrafos.

 Os progressos na construção naval


- A necessidade de navegar à bolina motivou mudanças estruturais na construção de
barcos – surge a Caravela, um barco de porte pequeno, leve e veloz.

- O recurso à vela triangular que permitia navegar com ventos contrários e com
maior segurança.
- A construção de naus e galeões, com casco em U, velas quadrangulares (redondas)
e boa capacidade de artilharia.

 As técnicas de navegação
- A generalização do uso da bússola.
- O aperfeiçoamento dos portulanos – dando origem às cartas náuticas.
- O recuso à navegação astronómica a partir da observação dos astros e sem
qualquer referência terrestre. Recorrendo a diversos instrumentos de orientação, como o
astrolábio, o quadrante, a balestilha, os marinheiros aprenderam a medir a altura do sol e
determinar a latitude do ponto em que o barco se encontrava. A declinação do sol passou
a ser calculada para períodos de 4 anos e registadas nas tábuas de declinação solar.
- A elaboração de cartas de marear, formas aperfeiçoadas das cartas-portulano já
muito próximas dos mapas traçados cientificamente.
 Cartografia medieval  Cartografia moderna
Era incipiente e simplista. Exemplos Os contornos de mares e terras
disso são o planisfério T-O (em que a adquirem um traço mais rigoroso. As
terra aparecia apresentada como um dico distancias em escala aproximam-se da
plano, com 3 continentes rodeados por realidade. Os mapas passam a ter escalas
um oceano); aqueles planisférios que e latitudes, planos hidrográficos e
decompunham a terra em zonas; e ainda informações sobre etnias, fauna e flora.
aquelas representações influenciadas Traçado correto do Equador, paralelos e
pelas conceções de Ptolomeu (que não meridianos.
admitiam a comunicabilidade entre o
oceano Atlântico e o Indico).

 Os novos conhecimentos
Ao terminar o século XVI, graças ao movimento das descobertas portuguesas,
imagem que o ocidente tinha do Mundo foi radicalmente transformada:
- Os continentes são traçados com uma correção muito próxima da realidade;
- Confirma-se a comunicabilidade dos oceanos e os continentes deixam de ser mundos
isolados;
- Demonstra-se a esfericidade da Terra e dissipam-se os velhos conceitos de “fim do
mundo”;
- Alarga-se o horizonte intelectual, pelo conhecimento de novos espaços, com novos
climas, novas redes hidrográficas, correntes marítimas, regimes de ventos, movimento de
astros;
- Conhece-se novas paisagens, plantas e animais;
- Descobrem-se novas raças humanas e novas civilizações;
A tradicional perspetiva mediterrâneo-continental do Globo cede lugar a uma
perspetiva oceânica e pluricontinental.

As origens da ciência moderna


Os novos conhecimentos abalaram todos os fundamentos da sabedoria tradicional. O
que era dogmaticamente tido como certo passa a ser criticamente tico como errado e nada
mais pode ser aceite pela inteligência humana sem resultar da observação e da
experiencia. É um novo saber que está em formação – o experiencialismo. Seria esse o
único método que não engana e permite sem erro chegar à verdade. Como dizia Duarte
Pacheco Pereira, “A experiencia é madre de todas as cousas e por ela soubemos
radicalmente a verdade”.
Deste modo, ficava bem evidenciada a superioridade dos modernos e a falibilidade
do saber antigo, livresco, tradicional, bem como o do clássico.
Todavia, os conhecimentos derivados do Experiencialismo resultavam da observação
e descrição empírica da Natureza, não sendo o resultado de experiencias feitas
propositadamente para a verificação de hipóteses.
Mas, embora ainda não se possam considerar científicos, em virtude do seu carácter
empírico, estes estudos contribuíram de modo irreversível para a consolidação do espirito
critico, base e raiz do pensamento moderno.

O conhecimento cientifico da Natureza


A revolução das conceções cosmológicas
Científico já se pode considerar o novo conhecimento do Universo assente na teoria
heliocêntrica de Nicolau Copérnico (1473-1543).
Segundo Aristóteles e Ptolomeu, a Terra situava-se, imóvel, no centro de um universo
fechado e finito em que todos os planetas e estrelas giravam eternamente à sua volta não
conseguindo, todavia, encontrar explicações rigorosas para o movimento dos elementos
celestes. Eram as teorias geocêntricas.

 A revolução coperniciana
Em 1531, Copérnico retomou opiniões de outros pensadores gregos, como Heraclito,
que já punham em causa o geocentrismo, e colocou em duvida aquela teoria. Depois de
formular as suas hipóteses e de as experimentar aturadamente, conclui e anunciou
que:
- A Terra não é um planeta imóvel. Ela move-se em torno de si própria e move-se em
torno do Sol;
- Imóvel é o Sol e o seu movimento não é mais do que uma ilusão para quem s
encontra na Terra;
- A Terra não pode ser, por conseguinte, o centro do Universo. O centro do Universo
só pode ser o Sol.
Os estudos de Copérnico prosseguiam com as observações de outros estudiosos, como
Tycho Brahe (1546-1601) que, apetrechadas como novas tecnologias de observação
astronómica, chegou à conclusão de que as orbitas dos corpos celestes não são
circulares. Nos seus movimentos de traslação, os planetas descrevem uma elipse, ora se
aproximando, ora se afastando do Sol.
Ainda no seculo XVI, Giodano Bruno (1548-1600), na sua obra Del Universo
Infinito Et Mondi, acrescenta aos conhecimentos anteriores da teoria que o Universo era
infinito, povoado por milhares de sistemas solares onde coexistiam outros planetas com
vida inteligente.
Já no século XVII, Johannes Kepler (1571-1630), que chegou a trabalhar com Brahe,
desenvolveu de tal modo os estudos sobre o Universo que veio a ser considerado um dos
grandes fundadores da Astronomia moderna.
Contemporâneo de Kepler, Galileu (1564-1642), considerado um dos maiores génios
da Humanidade, inventou o primeiro telescópio e, com ele, chegou a novas descobertas
sobre o Universo, como as montanhas da Lua, os satélites do Júpiter, as manchas solares
e planetas até então desconhecidos; dissipou todas as dúvidas que ainda persistiam
sobre o heliocentrismo.
Estas descobertas vieram não só abalar o conhecimento antigo, mas também pôr em
causa a autoridade da Igreja, pois muitos dos seus princípios doutrinários tinham como
funcionamento o geocentrismo ptolomaico.
Formulava-se um novo saber que sobrepunha o conhecimento com base na razão
ao conhecimento com base na fé.

A produção cultural
A reinvenção das formas artísticas
Do estudo dos conteúdos que antecedem este ponto do programa, deve ter ficado a
saber que a mentalidade renascentista foi fortemente marcada pelos valores do
humanismo clássico, numa clara rutura com as formas de aproveitamento desses valores
pela inteligência medieval. Por conseguinte, novos padrões estéticos dominaram também
a produção de todas as manifestações culturais do Renascimento.

A imitação e superação dos modelos da Antiguidade


Classicismo é o nome que se dá à tendência estética que assenta na imitação das
formas clássicas, na literatura e nas artes plásticas. Isto é, os homens das letras e das artes
do Renascimento inspiraram-se nos modelos clássicos e procuraram reproduzir as suas
características.
Todavia, não se limitaram a uma imitação passiva dos modelos greco-latinos.
Habilidades com as inovações técnicas próprias dos progressos entretanto verificados e
com elementos culturais novos proporcionados pelo conhecimento do mundo, os artistas
do Renascimento, mais do que imitar, acabaram por produzir uma plástica inteiramente
nova. Fazer melhor do que os artistas gregos e romanos que lhes serviam de modelos
acabou por ser o grande desafio que os artistas renascentistas se propuseram.
Por conseguinte, a estética renascentista não pode dissociar-se das características
clássicas nas suas manifestações de individualismo, naturalismo, realismo e
racionalismo, patentes:
- Na exaltação da dignidade humana e das suas realizações;
- Na valorização do individuo e da sua liberdade;
- Na preocupação em reproduzir fielmente a Natureza;
- No realismo patente na representação no corpo humano, nu ou vestido, e no retrato
que reproduz finalmente os modelos;
- No predomínio da razão sobre o sentimento.
A centralidade do observador na arquitetura e na pintura
 A pintura
A pintura foi a manifestação plástica mais original do Renascimento. Os pintores
renascentistas, fortemente classicistas nos temas, conseguiram abrir largos caminhos à
inovação, na forma de os representar. Recorrendo a novas técnicas e a novos suportes
transformam a pintura na arte mais rica do Renascimento.
O classicismo está presente nos temas da pintura renascentista:
- Na arte do retrato que retoma o gosto clássico de prestar culto à individualidade,
por vezes, com tal realismo que nem as imperfeições físicas são omitidas, como fez
Memling e Ghirlandio;
- No realismo e naturalismo de figuras do povo na sua vida quotidiana, como fez
Bruegel, o Velho; de paisagens exuberantes, como as de Van Eyck; na expressividade dos
corpos e dos rostos, conseguidos por Leonardo da Vinci;
- Nos temas inspirados na mitologia clássica;
- Pelo cuidado na composição geométrica dos quadros, visível na obra de Rafael;
- Pelo conhecimento da anatomia humana e pelo culto do nu praticado por Miguel
Ângelo.
Já a inovação é conseguida pelo recurso a elaboradas técnicas, como:
- Pintura a óleo: permite uma representação mais pormenorizada e a obtenção de
uma maior gama de cores, tonalidades e matrizes; favorece a visualização do detalhe.
Maior durabilidade, possibilidade de retoque, efeitos de luz e sombra.
- Perspetiva: conjunto de regras geométricas que permitem reproduzir, numa
superfície plana, objetos/pessoas como forma tridimensional. Considera-se que o campo
de visão do observador é estruturado por linhas que tendem unificar-se, confluindo num
ponto de fuga (pirâmide visual).
- Perspetiva linear: as linhas do quadro convergem par um ponto de fuga; as figuras
mais afastadas têm menor dimensão; técnicas: cruzamento de obliquas, efeitos de luz e
cor, aberturas rasgadas de fundos arquitetónicos.
- Perspetiva aérea: a ideia de afastamento é dada por uma atmosfera nebulosa, por
uma degradação de tons; técnicas: sfumatto, gradação infinitesimal de luz, pouca nitidez
dos objetos mais longínquos (Da Vinci).
- Geometrização: utilização de formas geométricas para a composição das cenas,
sendo a mais utilizada a forma piramidal.
- Proporção: os pintores renascentistas procuravam que as dimensões dos objetivos
figurados fossem proporcionais entre si. O espaço pictórico passa a ser construído com
rigor matemático, sendo projetado a partir de uma medida padrão – o módulo.
- Uso da tela: permitiu à pintura libertar-se dos suportes fixos, ou dos painéis de
madeiro, proporcionando aos artistas uma maior comodidade e liberdade no transporte e
na rapidez de execução das obras;
 Os construtores do novo espaço pictórico
Giotto (1267-1337), Masaccio (1401-1428), Van der Weiden (1399-1464), Van
der Goes (1440?-1482), Jan Van Eyck (1390?-1441), Leonardo Da Vinci ( 1452-
1519), Rafael (1483-1520), Sandro Botticelli (1445-1510) e Miguel Angelo (1475-
1564).
 A escultura
Nas suas manifestações românicas e góticas, a escultura tinha um estatuto de arte
menor porquanto era praticada como manifestação acessória da arquitetura. A principal
novidade da escultura renascentista foi a sua libertação relativamente à arquitetura,
adquirindo interesse próprio pelo recurso às características classicistas:
- No abandono da rigidez e da frontalidade das formas dos corpos que ganham
expressividade e movimento, assumindo a sua naturalidade;
- Na representação realista da figura humana, graças à harmonia, equilíbrio
sobriedade das formas, à perfeição anatómica e à expressividade dos corpos, apesar da
monumentalidade de algumas representações;
- No recurso ao geometrismo das estruturas que respeitam rigorosamente os
princípios da proporcionalidade clássica;
- No culto clássico da imponente estatua equestre.

 Os grandes escultores do Renascimento


Ghiberti (1378-1455), Donatello (1386-1466) e Miguel Ângelo (1475-1564)

 A arquitetura
Recuperando a visão racionalista da realidade subjacente às realizações arquitetónicas
antigas, os arquitetos renascentistas adotaram os elementos estruturais e a gramatica
decorativa greco-romanos, mas procuraram evidenciar o aspeto geométrico dos edifícios
pela ordenação matemática das formas.
Quanto aos elementos estruturais, procurou-se aa simplicidade clássica das
construções pelo:
- Recurso à abobada de berço e à cúpula bizantina, em vez da abobada gótica
assente em ogivas cruzadas.
- Abandono da verticalidade e adoção da horizontalidade, pelo recurso à
colocação de pilastras nas fachadas e a longas cornijas e balaustradas;
- Redução dos elementos decorativos que passaram a ser aplicados apenas em
determinadas partes do edifício;
- Utilização do arco de volta perfeita nas portadas em vez do arco ogival;
Os elementos decorativos são predominantemente de origem clássica:
- adoção das ordens arquitetónicas: a dórica, jónica e coríntia utilizadas pelos
Gregos e a toscana;
- o uso e abuso de frontões triangulares;
- a decoração baseada em elementos da Natureza e figuras mitológicas;
O racionalismo das construções é patente no aspeto geométrico e matemático dos
edifícios conseguido pelo:
- uso das formas simples das estruturas;
- estabelecimento rigoroso das proporções;
- recurso à simetria absoluta;
- aplicação da teoria da perspetiva linear.

 A arquitetura civil
A arquitetura civil também teve um considerável desenvolvimento neste período.
As elites burguesas e aristocráticas do Renascimento promoveram a construção de
sumptuosos palácios com afirmação de seu poder e riqueza, mas também para o conforto
pessoal.
A estrutura mais comum é a clássica romana: quatro corpos residenciais em torno de
um pátio central para o qual se abriam vistosas portadas. As portas não vertiam
diretamente para o pátio, mas sim para as loggia, uma espécie de corredor construído por
arcadas suportadas por colunas que percorre todo o perímetro do pátio.
As fachadas exteriores eram decoradas com os elementos característicos das ordens
clássicas.

 A racionalidade do urbanismo
No âmbito das suas preocupações urbanísticas, os arquitetos do Renascimento
projetam cidades ideias – geralmente envolvidas por fortificações poligonais, tomando
em consideração as condições meteorológicas e a estratégias militar; idealizavam
cidades-modelo – racionais e submetidas a regras de higiene, funcionalidade e beleza.
Projetos que, porem, nunca foram concretizados. Na maior parte dos casos, as
intervenções urbanísticas constituíram remodelações pontuais, circunscritas à abertura de
praças públicas, remetidas à função de enquadramento a estátuas, monumentos
comemorativos ou edifícios importantes.

A arte em Portugal
 O gótico-manuelino
Da Itália, o Renascimento irradiou para outras partes da Europa, fundindo-se com a
criatividade e as tradições locais em que o Gótico persistia. Surgiram assim por toda a
Europa novas e originais reinterpretações do gosto renascentista que associavam as
estruturas de um gótico tardio com novos elementos decorativos.
Manuelino foi o nome encontrado, já no seculo XIX, para identificar a
particularidade da arte portuguesa de finais do seculo XV e inícios do século XVI, quando
uma visão romântica e nacionalista, acolhida com entusiasmo por Almeida Garrett,
pretendeu fazer do Manuelino um estilo genuinamente português, imagem da expansão
ultramarina.
Considerado por recentes estudiosos da Arte como simples manifestação do gótico
final português, o Manuelino foi buscar o seu nome ao rei D.Manuel I, em cujo reinado
mais se afirmou a exuberância decorativa que o caracteriza.
Com efeito, a sensibilidade estética manuelina insere-se na conjuntura económica
de prosperidade do reino, que vive o apogeu das descobertas e a afluência das riquezas
ultramarinas, e numa conjuntura politica de modernização do Estado, pela
consolidação do poder real, reorganização das estruturas governativas e faustosa vida
cortesã.
Em conformidade com esta conjuntura económica e política, o Manuelino define-se
pela presença de:
- uma exuberante decoração naturalista, inspirada em motivos marinhos, ligados à
flora e às atividades marítimas como conchas, algas, corais, cordas, etc.
- elementos ligados à heráldica régia, como a esfera armilar, a crus de Cristo, o
escudo real;
- elementos ligados à simbologia cristã;
- elementos de influência mudéjar como as cúpulas gomadas e janelas de vão
geminado.
Enquanto pratica predominante decorativa, o Manuelino encontra-se presente em
portais, janelas, claustros onde os arcos ogivais góticos assumem as mais rebuscadas
formas, as colunas assumem a forma de troncos esgalhados e as ogivas góticas, de cordas
retorcidas, formam complexos motivos florais, com o objetivo de preencher os espaços.

 As novas tendências renascentistas


No reinado de D.João III, as dificuldades financeiras provocaram o abandono da
exuberância decorativa manuelina e a adoção da sobriedade clássica. Assim, a partir
de 1541, com o regresso de Francisco de Holanda e graças à influência do bispo de Viseu,
D.Miguel da Silva, chega a Portugal a sensibilidade estética renascentista.
A arquitetura teve alguns praticantes, mas o gosto clássico foi de pouca duração e
de pequena expressão. É em Tomar que se encontram dois exemplares tipicamente
renascentistas, a Igreja da Conceição e o Claustro do Convento de Cristo, segundo projeto
de João de Castilho e a igreja da Graça, em Évora. A Casa dos Bicos, em Lisboa, e o
Palácio da Quinta da Bacalhoa, em Azeitão são exemplos de arquitetura civil.
A escultura renascentista não conseguiu, em Portugal, a afirmação como estilo
liberto do enquadramento arquitetónico, como conseguiu em Itália. Todavia, escultores
como Diogo Pires, o Velho, e o seu filho Diogo Pires, o Moço, João de Castilho, Diogo
de Arruda, Nicolau Chanterenne e João de Ruão distinguiram-se na produção de
retábulos, estatuária civil e religiosa e outras manifestações onde evidenciaram
notoriamente e suas preocupações classicistas.
Foi na pintura que mais se dez notar a influencia do gosto renascentista, tanto no que
concerne à inovação como às temáticas retratadas.
A partir de meados do século XV, as relações económicas e culturais com Itália e com
a Europa setentrional facilitaram a presença de importantes artistas flamengos no reino e
a passagem de artistas portugueses pelas mais importantes oficinas flamengas e italianas.
Em consequência, floresceu entre nós uma próspera escola de pintores que se
especializou, com considerável mestria, na prática da pintura a óleo e soube romper
definitivamente com os rígidos esquemas góticos, privilegiando a modelação naturalista
da figura humana e a rigorosa geometrização das composições.
O políptico de S.Vicente (c.1470) atribuído a Nuno Gonçalves e as obras de Vasco
Fernandes (Grão-Vasco c.1475 – c.1540) constituem alguns dos exemplares mais
significativos das influências renascentistas na pintura portuguesa.

A renovação da espiritualidade e religiosidade


A reforma protestante
Em finais do seculo XV, apesar das profundas cicatrizes deixadas pelas situações de
crise por que passou a Igreja Católica, a unidade cristã constituía ainda a única
manifestação de união do Ocidente Europeu.
Todavia, o ambiente cultural humanista em nada favorecia a estabilidade no seio do
catolicismo. Uma reforma na Igreja, desenvolvida pela sua própria hierarquia ou
procedente do seu exterior, era uma clara exigência dos novos tempos.
As criticas à Igreja Católica
A cisão operada no seio do cristianismo, na primeira metade do século XVI, que se
traduziu no afastamento da obediência ao Papa e na rejeição dos dogmas da Igreja
Católica Romana por parte de importantes regiões da Europa, encontra alguns
antecedentes ao longo dos tempos medievais e, com maior gravidade, no decurso dos
séculos XIV e XV.

 Os primeiros sinais e crise das instituições


Conforme estudou no ponto 1 do Módulo 2, remonta ao século XI a necessidade de a
Igreja de Roma moralizar os costumes e o comportamento dos clérigos, bem como de
afirmar a autoridade do papado perante a crescente afirmação das autoridades
nacionais e consequente relutância das monarquias europeias em aceitarem submeter-se
à autoridade pontifícia. Deve lembrar-se que foi nesta conjuntura que Gregório VII
empreendeu a primeira grande reforma da Igreja, a partir de 1073.
Já no ponto 3 do Modulo 2, deve ter ficado a saber que, entre os séculos XII e XIII, o
alto clero se identificava com a nobreza na ambição de poder e de riquezas, bem como
na vivência mundana da prosperidade económica que marcou aqueles tempos. Deve
lembrar-se que, nessa altura, muitos crentes preferiam afastar-se do catolicismo e aderir
a seitas religiosas que pregavam o ideal de pobreza e de penitencia e negavam alguns dos
dogmas e formas de culto tradicionais, deixando transparecer os primeiros grandes sinais
de crise de autoridade da Igreja Católica. Também deve recordar que a Igreja, numa
reação à proliferação destas heresias, instituiu a Inquisição, e confiou a novas ordens
religiosas entretanto surgidas no seio da própria Igreja – as ordens mendicantes dos
Franciscanos e dos Dominicanos – o dever de pregação do ideal evangélico de pobreza
e de penitência.

 O Grande Cisma do Ocidente


Ao longo do século XIV, minada pela corrupção moral e pela anarquia que
grassava no seu seio, a Igreja viveu as consequências da divisão politica da Europa,
agravadas pela Guerra dos Cem Anos (1337-1453), entre a França e a Inglaterra e
respetivos aliados.
As rivalidades existentes entre os cardeais e as pressões políticas dos monarcas,
desejosos de ter na cadeira pontifícia um papa da sua confiança, conduziram à mais grave
cisão na autoridade eclesiástica. Em 1378, para suceder a Gregório XI, foi escolhido um
papa sob pressão da Inglaterra, da Alemanha e da Itália, que continuou em Roma.
Imediatamente, sob pressão francesa, foi eleito outro papa que se retirou para Avinhão,
no Sul de França.
A Igreja romana permaneceu dividida durante 39 anos até que, em 1417, no Concilio
de Constança, a escolha de Martinho V trouxe de novo a unidade ao seio do catolicismo
e à autoridade de Roma.

 A secularização da Igreja
Já no século XVI, a Santa Sé não se alheou do ambiente material do Renascimento.
Pelo contrário, viveu-o intensamente. Com efeito, a vida de um Papa em nada se
distinguia da vida de qualquer príncipe renascentista.
- Roma era a cidade de todos os prazeres mundanos e os altos dignatários da igreja
viviam-nos, em vez de os condenarem, entrando em total contradição com a doutrina que
pregavam.
- Os papas há muito tempo que viviam como autênticos príncipes laicos, mais
preocupados com a sua autoridade e prestigio politico, mais envolvidos na complicada
diplomacia italiana e nas questões de política internacional do que nos problemas da
cristandade, como Júlio II demonstra, entre 1503 e 1513.

 Os primeiros apelos da Reforma


Além das varias heresias clandestinas que se espalharam pela Europa ao longo da
Idade Média, assistimos já na segunda metade do século XIV, à denuncia dos vícios da
Igreja e à proposta de novas formas de culto por importantes membros da vida intelectual
e religiosa.
John Wyclif (1330–1384), teólogo inglês, contestou publicamente a autoridade do
Papa e pôs em causa a utilidade do clero e o valor dos sacramentos. Desafiou a tradição
católica com uma tradução da versão latina da Bíblia. Criticou o pagamento de tributos a
Roma, rejeitou o culto dos santos e das relíquias, repudiou o principio da
transubstanciação e afirmou a Bíblia como única fonte de fé. Os Iolardos foram os
seguidores da sua doutrina.
Jan Huss (1369-1415), ensinou as teorias reformistas de Wyclif de quem fora aluno
em Oxford. Foi grande defensor de uma igreja nacional checa e pregador do principio do
Sacerdócio Universal dos Crentes, segundo o qual qualquer pessoa pode comunicar com
Deus sem intermediação da hierarquia católica. O cisma com Roma estava implícito nas
suas teses. Foi condenado à fogueira.
Jerónimo Savonarola (1452-1498), personalidade controversa condenou os
excessos do materialismo e a imoralidade renascentistas. Proclamou uma ditadura
teocrática em Florença, afirmando Jesus como único rei. Pretendia que, em Florença, se
iniciasse a regeneração da Itália e da Igreja. Foi feroz adversário do Papa Alexandre VI,
cuja imoralidade denunciou publicamente, e dos Médicis, que, curiosamente, tinham sido
seus protetores, para cujo derrube contribuiu. Morreu enforcado e queimado.

 A crítica humanista
Ainda no século XV, os textos sagrados, nas suas versões originais, não escaparam
à curiosidade dos humanistas, que sobre eles desenvolveram aturados estudos e através
deles chegaram ao conhecimento das primitivas formas de culto cristão.
Dotados de enorme sensibilidade crítica, os humanistas depressa concluíram que,
entre o cristianismo clássico e o cristianismo do seu tempo, existiam profundas
contradições, em resultado da adulteração dos ensinamentos de Cristo feita pelas
autoridades eclesiásticas.
Defensores como eram, em especial os humanistas cristãos, da justiça social e de uma
sociedade purificada de todos os vícios e pautada por princípios de coerência,
autenticidade, integridade de carácter, honradez e moralidade cristãs, os humanistas:
- iniciam uma campanha de divulgação dos textos sagrados nas suas versões
originais, despidos de todos os comentários que, no seu entender, lhes tinham deturpado
o sentido primitivo;
- no âmbito dessa divulgação, publicam traduções dos Evangelhos, primeiro em
grego e depois nas várias línguas nacionais, desrespeitando a proibição imposta pela
autoridade eclesiástica;
- não só traduzem a bíblia, como a comentam livremente;
- desenvolvem uma feroz denúncia da hipocrisia e da corrupção do clero secular, da
ignorância e da devassidão do clero regular e da ambição material dos papas;
Erasmo de Roterdão e a corrente erasmita que nele teve origem destacaram-se nesta
proposta de uma teologia renovada fundada na liberdade do individuo, no conhecimento
dos fundamentos de cristianismo e na reflexão pessoal sobre esses fundamentos.
As suas posições encontraram eco em grande número de crentes, pelo que a
necessidade de uma reforma começava a ser cada vez mais sentida e desejada.
 O individualismo religioso
Este espírito crítico das práticas e dos dogmas católicos e a proliferação de
movimentos religiosos de contestação organizada devem também ser inseridos num
ambiente de desilusão gerado na incapacidade da religião tradicional de resolver as
dificuldades vividas pelo mundo cristão ao longo do século XIV.
A desilusão dos crentes face à incapacidade da Igreja corresponder às suas
necessidades espirituais mantinha-se no século XV agravada pela denúncia humanista da
ignorância dos clérigos patente na pobreza da sua liturgia.
Definitivamente, os crentes deixam de acreditar na sua Igreja, por conseguinte:
- a hierarquia eclesiástica é cada vez mais desvalorizada e substituída pela emergência
de formas de culto tuteladas por leigos ou organizações laicas;
- generaliza-se o sentimento de que a Igreja não serve para nada e que o culto cristão
pode ser praticado fora do seu seio;
- acredita-se que o verdadeiro culto pode ser praticado individualmente e o
individualismo religioso ganha cada vez mais adeptos;
- publicam-se guias espirituais, sob iniciativa de particulares, que propõem formas
de culto assentes na imitação fiel da vida de Cristo;
- proliferam movimentos de crentes, em que os membros se ajudam entre si e cujo
culto assenta fundamentalmente no estudo das Sagradas Escrituras.
Além destas formas de piedade intimista e individualista, os tempos favorecem
também práticas de superstição e de fanatismo, como evidencia a proliferação das
acusações de bruxaria e de procissões de flagelantes por toda a Europa do Norte.

A rutura teológica de Lutero


O movimento de efetiva revolta contra a Igreja de Roma foi iniciado na Alemanha.
À sua frente este o monge da Ordem de Santo Agostinho, radicalmente opositor da venda
das Indulgências- Martinho Lutero (1483-1546).

 A angústia de Lutero
Talentoso observador da inquietação em que viviam os crentes, crítico humanista do
desvirtuamento da originalidade cristã, sobretudo após uma visita a Roma, em 1510,
Lutero vivia atormentado pelo problema da salvação da alma.
Debruçou-se aprofundamente sobre os textos bíblicos e veio a encontrar a solução
para a sua angústia na Epístola de S.Paulo aos Romanos, de onde concluiu que a salvação
eterna reside unicamente na fé absoluta em Deus e na total confiança no seu poder de
perdoar.
 A venda de Indulgências
Entretanto, em 1515, o Papa Leão X, necessitando de dinheiro para concluir as obras
da Basílica de S.Pedro, resolveu proceder a mais uma ampla venda de indulgências,
escandalizando os espíritos mais esclarecidos ao envolver no “negócio” poderosas
famílias de banqueiros europeus.
Desta vez, o perdão dos pecados era prometido não só a todos os que mostrassem
arrependimento, mas abrangia também a libertação das penas do Purgatório das almas
dos parentes já falecidos.

 O protesto de Lutero
Agora, Lutero já estava tranquilamente consciente de que o perdão dos pecados
jamais podia ser comprado, que as obras de nada valiam e que era Deus quem decidia
sobre a salvação, independentemente das obras praticadas pelos crentes. Assim, em 1517,
protestou violentamente contra aquilo que considerou ser mais uma extorsão de dinheiro
aos fiéis, afixando, em 31 de outubro, na porta da igreja do Castelo de Wittenberg as 95
Teses contra as Indulgências, em que punha em causa alguns dos fundamentos
teológicos do catolicismo romano e definia as linhas mestras da sua doutrina face ao
Evangelho.

 A excomunhão e a revolta
As teses de Lutero foram conhecidas em Roma e, em 1518, foi intimado a retratar-se
perante os seus superiores. Não só não o fez, como declarou ao legado pontifício que a
autoridade das Escrituras era superior à autoridade do Papa.
Em 1520, Leão X deu-lhe um prazo de sessenta dias para se retratar, sob pena de
excomunhão. Lutero respondeu com a intensificação da sua revolta contra a hierarquia
católica e publica três obras em que apresenta os fundamentos da sua teologia.
Em dezembro, acaba mesmo por rasgar o ultimato papal e, em janeiro de 1521, foi
excomungado.

 A condenação política na dieta de Worms


Pelo édito de Worms (1522), foi condenado e banido do império e os seus textos
foram proibidos. Acabou por ser protegido por um poderoso adepto, Frederico, o Sábio,
da Saxónia, que lhe deu guarida no seu castelo de Watburg.

 A tradução do Novo Testamento


Durante dez meses de retiro forçado, Lutero procedeu à tradução da Bíblia para
alemão popular, pondo assim a palavra de Cristo ao alcance de todos e dando um grande
contributo para a afirmação nacional da língua alemã dada a elevada qualidade
linguística do resultado final.
As Igrejas reformadas
A reforma luterana
 A justificação pela fé e o principio da predestinação
A justificação pela fé (aquisição da qualidade de justo, indispensável para se obter a
salvação) constituiu o princípio básico da doutrina luterana. O homem tronar-se-á justo
e será salvo, não pelas obras, mas pela fé em Cristo.
Só que, para Lutero, é Deus quem elege aqueles que merecem ser dotados com a fé
que os salvará e aos crentes nada mais resta se não respeitar os desígnios divinos.

Partindo desse pressuposto, Lutero nega o principio do livre-arbítrio tão caro aos
humanistas e contrapõe a doutrina do servo-arbítrio, segundo a qual o Homem nasce com
o pecado e, se não for agraciado com o dom da fé, com ele morrerá porque é impotente
para dele se libertar pelas obras.

O luteranismo advoga assim a teoria da predestinação pois é Deus quem predestina o


Homem à salvação. Humanista nas suas críticas à Igreja, Lutero entra em polémica com
a tradicional corrente humanista sobre a questão da liberdade individual. Em 1524,
Erasmo de Roterdão publica o texto Do Livre-Arbítrio, no qual condena claramente as
teses de Lutero, ao defender o poder do Homem em confiar na razão e na sua livre vontade
em se libertar do pecado original.

 A simplificação do culto e dos dogmas


Face à resistência da Igreja em corrigir algumas das suas posições tradicionais sobre
os seus fundamentos dogmáticos, Lutero preconiza uma revolução que, no fundo, assenta
na recusa dos fundamentos da fé instituídos pelo Homem – os Doutores da Igreja e as
decisões dos concílios (papa e cardeais).
Assim, os luteranos:

- Advogam a primazia da palavra sobre o rito, propõem um culto reduzido à leitura


e ao comentário livre da Bíblia, ao sermão e ao canto dos salmos, feito ma língua nacional;

- Defendem uma nova relação do crente com Deus, que assenta na prática do culto
espiritual, interior e individual, opondo-se às manifestações exteriores que apenas
servem para distrair os fiéis;

- Rejeitam o culto aos santos e à Virgem porque entre Deus e os homens não deve
haver intermediários;

- Quanto aos dogmas propriamente ditos, admitem apenas os que foram instituídos
por Cristo. Em consequência, desvalorizam os sacramentos, reduzindo-os a dois: o
Batismo e a Comunhão;
- Negam a transubstanciação, o poder de o sacerdote transformar o pão e o vinho
na carne e no sangue de Cristo, mas aceitam a presença de Cristo na Eucaristia –
Consubstanciação.

 A reforma disciplinar
Ao mesmo tempo, o luteranismo propõe importantes alterações na organização da
Igreja:
- propõe a extinção do clero regular e impõe ao clero secular uma vida próxima e
igual à dos demais cidadãos. Este conceito de clero conduz ao fim do celibato;
- reconhece a todos os fiéis a capacidade para interpretarem os textos bíblicos e
defende o princípio do sacerdócio universal. Todos os crentes são sacerdotes, embora
desempenhem funções diferentes. Sendo assim, é abolida a hierarquia da Igreja;
- propõe a nacionalização da Igreja, isto é, a tutela espiritual, nos Estados que
aderem ao luteranismo, deve ser exercida pela autoridade temporal, libertando-se a
religião da Tutela da Santa Sé;
- numa Igreja assim entendida, os bens eclesiásticos deveriam ser também
nacionalizados e entregues às autoridades laicas.

A reforma fora da Alemanha


A reforma de Lutero depressa ultrapassou as fronteiras do Império. Foi adotada na
Suíça, na França, na Dinamarca, na Suécia e na Inglaterra.

 O calvinismo
Em França, sopravam fortes ventos reformistas. Existia um forte movimento de
critica da instituição católica liderado por influentes humanistas, ao qual não era alheio o
próprio monarca Francisco I.
É neste contexto que surges João Calvino (1509-1564). Influenciado pelas ideias de
Lutero, começou a afirmar-se publicamente contra o catolicismo tradicional. Temendo
ser perseguido, retirou-se para Basileia, na Suíça, onde entrou em contacto com outras
teorias reformistas que vinham sendo pregados por Zwínglio, desde 1521. Em 1536,
instalou-se em Genebra e publicou a obra Da Instituição da Religião Católica, onde expôs
a sua doutrina.
O calvinismo revelou-se mais antipapista e mais extremista que o luteranismo ao
radicalizar a teoria da predestinação e a luta contra as imagens e ao negar qualquer
presença de Deus na Comunhão. Este radicalismo calvinista conduziu mesmo a práticas
que implicavam a perseguição intolerante a praticantes de outros cultos.
 A dissidência de Henrique VIII na Inglaterra
Mais do que por questões de dogma, a rutura foi causada por uma circunstância da
vida privada de Henrique VIII que, tendo-se apaixonado por Ana Bolena, solicitou à Santa
Sé a anulação do seu casamento com Catarina de Aragão, em 1529. Tendo o papa
recusado a pretensão do monarca, este recorreu ao arcebispo de Cantuária que
prontamente acedeu à sua vontade.
Henrique VIII foi excomungado e, em resposta, o Parlamento inglês cotou o Acto de
Supremacia (1534) pelo qual o rei de Inglaterra ascende à chefia suprema da Igreja.
Nos reinados seguintes, a evolução religiosa da Inglaterra confundiu-se com o
complicado problema politico da sucessão de Henrique VIII.
Eduardo VI, rei entre 1547 e 1553, aderiu ao culto e aos dogmas calvinistas.
Já com Maria Tudor, entre 1553 e 1558, assistiu-se à reconciliação da igreja inglesa
com Roma, com oposição dos protestantes que foram violentamente reprimidos.
Com a subida ao trono de outra filha de Henrique VIII, Isabel I (1558-1603), a
Inglaterra estabilizou politicamente. Com o objetivo de encontrar também a estabilidade
religiosa, o cisma da Igreja inglesa evoluiria para uma espécie de compromisso entre
liturgia católica e os dogmas protestantes calvinistas, construindo-se uma nova igreja
reformada – a Igreja Anglicana.
Em 1563, um sínodo episcopal reunido em Londres, adotou a Declaração dos 39
artigos, a carta doutrinal do Anglicanismo.
- Aí se defendia a justificação (beatificação, santificação) pela fé e não pelas boas
ações; aceitava-se o pecado original, mas também o livre-arbítrio, condenando-se a
predestinação absoluta calvinista;
- Reconheciam-se as Escrituras como única autoridade em matéria de Fé – a Bíblia é
o texto-base da doutrina anglicana;
- O culto passava a ser celebrado unicamente em inglês; rejeitava-se a doutrina
romana da existência do purgatório assim como a venda de indulgências; rejeitava-se a
veneração de imagens e relíquias;
- Rejeitava-se a doutrina católica do culto da Virgem e dos santos;
- Existência de presbíteros;
- Era igualmente abolido o celibato dos padres, embora se mantivesse a hierarquia
eclesiástica (bispos, padres, diáconos);
- Aceitavam-se somente os sacramentos do Batismo e da Comunhão;
- Nesta, a presença de Cristo era celeste e espiritual; negava-se a transubstanciação.
Reforma Católica e Contrarreforma
A intensificação das críticas humanistas e o avanço das Igrejas reformadas tornaram
inevitável a intervenção urgente da autoridade eclesiástica.
Iniciada em 1536, no pontificado de Paulo III, a reação da Igreja Católica revestiu-se
de duas formas:
- a Reforma Católica, uma via autorreforma, pela qual foi levada a cabo uma
profunda reorganização interna;
- a Contrarreforma, uma via repressiva pela qual se empreendeu o combate às
criticas humanistas e ao avanço das Igrejas reformadas,

A Reforma Católica
A Reforma Católica iniciou-se com a convocação de um concilio a realizar em
Trento, uma pequena cidade situada no Norte de Itália. O Concilio de Trento estendeu-se
por um período não contínuo de 18 anos, entre 1545 até 1563. Os bispos espanhóis vieram
a ter um papel preponderante, mas a Igreja portuguesa também esteve bem representada
através de notáveis bispos.
A dimensão reformadora deste concílio traçou as linhas de orientação do
catolicismo até ao Concílio do Vaticano II, reunido entre 1962 e 1965, apesar de,
entretanto, terem ocorrido outros concílios.

 O concílio de Trento
A obra reformadora do Concílio de Trento assentou no principio de recusa
terminante de qualquer cedência aos movimentos protestantes e refletiu duas
preocupações fundamentais:
- reforçar os dogmas da Igreja Católica e normalizar o culto;
- definir princípios de disciplina eclesiástica.
Quanto ao reforço dos dogmas e a normalização do culto, as conclusões do concílio
reafirmaram:
- a forma do Credo aprovada no Concílio de Niceia de 325;
- o reconhecimento das Sagradas Escrituras e da tradição, como fontes de fé;
- a necessidade da prática da boas obras para se obter a salvação, não bastando a fé;
- o livre-arbítrio e consequente possibilidade de todos os pecadores poderem
alcançar a salvação, repudiando a tese da predestinação;
- a importância das indulgências alcançadas pela penitência, mas proibição da sua
aquisição com dinheiro;
- a doutrina do Purgatório, o culto da Virgem e dos Santos, bem como os sete
sacramentos;
- a transubstanciação de Cristo no momento da Eucaristia.
Quanto à disciplina eclesiástica:
- a missa continuou a ser celebrada em latim e confirmou-se a Vulgata como única
versão autorizada da Bíblia;
- o papa foi proclamado como pastor universal da Igreja, reforçando-se a sua
autoridade sobre os concílios;
- foi decidido publicar um catecismo como norma para o ensino da religião, um
breviário de leitura obrigatória pelos clérigos e um missal para uniformizar a oração e o
culto;
- foi decidido instituir a formação do clero em seminários onde seria ministrada aos
padres a formação intelectual, religiosa e moral para um competente desempenho da sua
missão.

A contrarreforma
Ao movimento da Contrarreforma incumbiu o combate ideológico que assumiu
duas vias:
- a via da vigilância e repressão exercidas pelo Índex e pela Inquisição;
- a via do proselitismo (missionação, pregação e ensino) exercido pelas
tradicionais ordens religiosas e pela Companhia de Jesus.

 A Congregação do Índex
Reconhecida a importância do livro impresso na difusão das ideias reformistas, a
Santa Sé resolveu proibir a divulgação de publicações consideradas prejudicais á fé e á
moral católicas. Para o efeito, criou uma verdadeira comissão de censura denominada
Congregação do Índex, à qual incumbia detetar e listar em índice as obras proscritas aos
fiéis.
Constituído como poderoso instrumento de censura intelectual, neste índice
estavam as obras dos humanistas. Por conseguinte, facilmente se pode avaliar quanto
esse Índex contribuiu para o atraso cultural dos países onde vigorava, pois impedia a
divulgação das novas ideias e dos novos conhecimentos.
 A Inquisição ou Tribunal do Santo Ofício
Antecedentes
A Inquisição era uma instituição criada na Idade Média para repressão das heresias e
outras práticas contrárias à moral cristã. Nessa altura, caíam nas malhas da Inquisição
casos de magia, bruxaria, abandono de fé cristã, poligamia e heresias.
No século XVI, o seu funcionamento pleno quase estava limitado à Espanha na
repressão de judeus e mouros, constituindo-se, então, mais do que como arma religiosa,
como arma política utilizada pelos monarcas como instrumento de reforço do seu poder,
pela condenação, por motivos religiosos, de adversários políticos.

Inquisição e Reforma
A partir de 1542, a Inquisição foi reativada e colocada ao serviço da repressão dos
movimentos reformistas.
Este tribunal religioso dispunha de uma organização poderosa e constituiu-se como
uma instituição monstruosa, pela forma de elaboração dos processos, de obtenção das
confissões e pelas penas a que eram sujeitos os condenados.
A elaboração dos processos começava com denúncias, geralmente anónimas, muitas
vezes feitas por questões de rivalidades pessoais, outras por questões económica, já que
as fortunas de muitos condenados iam engordar os cofres da Inquisição. Os denunciados
eram imediatamente detidos sem qualquer averiguação do fundamento da denúncia.
Dificilmente conseguiriam organizar a defesa da sua inocência.
A confissão oferecia-se ao julgado por heresia como o fim mais certo e como uma
alternativa preferível ao arrastar do processo. Era normalmente arrancado em longos
interrogatórios feitos sob meios requintados de tortura e encarceramento do acusado em
condições desumanas.
As penas passavam sempre pelo vexame público com a fixação em locais habituais
do nome dos suspeitos e das suas famílias; podiam ser a prisão se o acusado demonstrar
claros sinais de arrependimento ou a condenação à fogueira, em auto de fé se não
conseguisse demonstrar a sua inocência ou persistisse na heresia. Outra pena era o
confisco dos bens do condenado.

 As ordens religiosas
A ação reformadora da Santa Sé foi apoiada por uma série de ordens religiosas que
foram profundamente reformuladas no intuito de dar um exemplo de aperfeiçoamento
interno, ou criadas de novo, sob o signo da austeridade franciscana. Os Capuchinhos,
os Carmelitas e o Oratório do Amor Divino são exemplos de ordens reformuladas as quais
incumbe uma importante missão proselitista pela divulgação da fé católica e prestação
de caridade às populações.
A companhia de Jesus
São, todavia, os Jesuítas ou Companhia de Jesus quem vai desempenhar o papel
mais importante na obra da Contrarreforma. Fundada por Santo Inácio de Loiola (1491-
1556), em 1537, veio a ser reconhecida por Paulo III, em 1540, como verdadeiro
instrumento de combate à heresia protestante.
A Companhia foi organizada como um exército de Cristo:
- era dirigida por um vigário-geral eleito para toda a vida e dotado de autoridade
absoluta;
- o vigário-geral desdobrava-se em vigários provinciais;
- a seleção dos membros era feita após um estudo muito rigoroso do perfil dos
candidatos;
- obediência incondicional e a lealdade absoluta ao papa e aos superiores
hierárquicos eram as primeiras qualidades do jesuíta a que se juntavam os tradicionais
votos de pobreza e de castidade;
Na sua ação, os Jesuítas tinham como missão a missionação e o ensino.
A missionação constitui:
- na reconquista das regiões que tinham sido “perdidas” para o protestantismo,
pela criação de missões de pregação que serviam de apoio à ação proselitista;
- na conversação de populações pagãs à fé católica, evitando que caíssem na
heresia, através da ação missionária na América do Sul, Índia, Extremo Oriente e África.
No âmbito do ensino:
- criaram seminários para a formação dos seus membros;
- numerosos colégios por toda a Europa católica onde era ministrado um ensino
de carácter conservador, mas de reconhecida qualidade.

A Contrarreforma em Portugal

 A introdução do Santo Ofício


Alegando a existência de muitos judeus e cristãos-novos que não davam garantias de
uma vida religiosa exemplar, D.Manuel I manifestou vontade de introduzir o Santo Ofício
em Portugal, a partir de 1515.
Todavia, a sua pretensão só seria bem-sucedida em 1536, já no reinado de D.João III,
no seguimento de intensa negociações, nas quais contou com o apoio do imperador Carlos
V, e após ter convencido a cúria romana de que a instituição do Tribunal da Inquisição
em Portugal era importante para:
- combater a reincidência de judeus e cristãos-novos nas práticas de judaísmo;
- evitar a propagação do protestantismo, apesar de, em Portugal, a Reforma não ter
granjeado número significativo de adesões;
- serenar o ânimo popular contra a comunidade judaica.
Em Portugal, a comunidade judaica era violentamente discriminada e, por vezes, alvo
da fúria popular mesmo após D.Manuel ter transformado os judeus em cristãos-novos,
em 1497. Porém, a religião, muitas vezes, servia para encobrir motivos de ordem
económica e social, pois, como os judeus se dedicavam preferencialmente ao comércio e
a operações bancárias e de empréstimos de dinheiro, eram mal vistos pela comunidade
cristã, que os acusava de usura, e, em particular, pela burguesia comercial em crescimento
que não aceitava a sua concorrência. Além disso, pela sua formação intelectual, eram
muitos os judeus que desempenhavam as mais prestigiantes atividades liberais e
importantes cargos junto dos monarcas e de outras figuras de prestígio nacional.

 Organização da Inquisição
O Tribunal do Santo Ofício, tal como em Espanha, ficou sob tutela do monarca, a
quem incumbia escolher o inquisidor-geral e submetê-lo à aprovação do papa.
O inquisidor-geral nomeava os restantes inquisidores que, na qualidade de delegados
do papa, se sobrepunham a todas as autoridades civis, militares e mesmo religiosas,
que com eles deviam colaborar. Os inquisidores e respetivos tribunais estavam instalados
em Lisboa, Évora e Coimbra e, mais tarde, em Goa.
Num nível inferior existiam os comissários e os visitadores das naus. Os primeiros
representavam os inquisidores nas várias localidades do país; os segundos, como o nome
sugere, visitavam as naus à procura de pessoas e de materiais “subversivos”.
Por último, havia os familiares que eram agentes civis do Tribunal e que tinham um
papel auxiliar nas atividades da Inquisição. Concretamente, apoiavam os comissários e
atuavam principalmente nos sequestros de bens, notificações, prisões e condução dos
réus, bem como durante os autos de fé, para além de denunciarem práticas consideradas
heréticas. Eram indivíduos que, mantendo as suas profissões, tinham, para obter esta
categoria, passado pela análise inquisitorial de limpeza de sangue, obtendo este estatuto
que consideravam prestigioso socialmente e lhes dava uma série de privilégios.

O impacto da Reforma na sociedade portuguesa


Como deve recordar, os marinheiros portugueses, com as suas viagens, foram
pioneiros na construção de novos saberes que conduziram ao desenvolvimento da ciência
moderna.
Também deve lembrar que o movimento humanista teve em Portugal
importantes adeptos, não ficando muitos dos nossos intelectuais a dever nada à
modernidade cultural europeia dos séculos XV e XVI.
Todavia, enquanto, na Europa do Norte, o espírito renascentista frutificou e esteve
na origem de novos avanços no campo da inteligência, no século XVI, a mentalidade
portuguesa perdeu todo o vigor que a caracterizou ao longo do século XV. Segundo
António Sérgio (1883-1969), o espírito português do quinhentismo foi promessa que
não se cumpriu. Para este ensaísta, Portugal, do século XV para o século XVI, passou
do Reino da Inteligência para o Reino da Estupidez. Compara Portugal a um adolescente
talentoso e prometedor a quem uma doença do sistema nervoso arrancou subitamente os
dotes físicos e mentais.
Com efeito, a máquina inquisitorial provocou a paralisação intelectual do reino
ao atacar toda e qualquer manifestação que viesse pôr em causa a autoridade medieval da
ordem nobiliárquico-eclesiástica.
E não só paralisou a cultura, mas também a renovação social e, por conseguinte,
o desenvolvimento económico. É que, entre as comunidades de judeus e cristãos-novos,
estavam algumas das maiores inteligências e alguns dos grandes homens de negócios,
dotados de mentalidade ativa e de espírito empreendedor que, em vez de contribuírem
para o desenvolvimento do país, foram engrandecer economias e culturas de outras terras
onde a liberdade, entretanto, triunfou.
E Portugal, quando reunia todas as condições materiais e intelectuais para se
afirmar como um país moderno, regrediu, assistindo à atrofia da sua frágil burguesia e
à eternização dos valores tradicionais com os quais se identificavam os setores mais
conservadores do clero e da nobreza.

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