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O EMPIRISMO DE DAVID HUME

UMA TEORIA EMPIRISTA

ACERCA DA POSSIBILIDADE
DO CONHECIMENTO
O PROJETO HUMEANO
• David Hume (1711-1776) ) foi um dos maiores filósofos empiristas do século
XVIII.
• Ao contrário de Descartes, que encarava a experiência sensível com
enorme suspeita e defendia que o estatuto de crença básica deveria ser
atribuído ao cogito, ou seja, a uma crença cuja verdade pode ser
estabelecida apenas pelo pensamento, Hume acreditava que as crenças
básicas autoevidentes (sem necesidade de serem justificadas e a
justificação e base para os conhecimentos não básicos seguintes) tinham
origem na nossa experiência sensível imediata.

• Por exemplo:“Estou neste momento a ter uma experiência da cor azul”.


DE ONDE PROVÉM O CONHECIMENTO?
A MENTE É UMA TÁBUA RASA
• Tal como a maioria dos empiristas, tinha a forte convicção de que,
quando nascemos, a nossa mente é como uma tábua rasa, uma folha
em branco, que posteriormente seria preenchida pela experiência. Para
estes autores, todo o conteúdo das nossas mentes tem a sua origem na
experiência sensível.

• São os cinco sentidos que fornecem informação sobre o mundo,


registando nas nossas mentes as impressões colhidas do exterior.
“Todas as perceções do espírito humano reduzem-se a duas espécies
distintas que denominarei impressões e ideias. A diferença entre estas
reside nos graus de força e vivacidade com que elas afetam a mente e
abrem caminho para o nosso pensamento ou consciência. Às per-
ceções que penetram com mais força e violência, podemos chamar-
lhes impressões [...]. Por ideias entendo as imagens ténues das
impressões nos nossos pensamentos e raciocínio [...].
Julgo que não será necessário empregar muitas palavras a explicar
esta distinção. Cada um per si facilmente entenderá a diferença entre
o sentir e o pensar.” David Hume (1740).
Ideia-chave do texto: O conteúdo das nossas mentes encontra-se dividido entre as impressões – aquilo
que estamos a sentir num dado momento – e as ideias – cópias enfraquecidas das impressões.
“Há outra divisão das nossas perceções, que convirá notar, a qual
abrange tanto as impressões como as ideias. É a divisão em simples e
complexas. As perceções ou impressões e ideias simples são as que
não admitem distinção nem separação. As complexas são o contrário
destas, podendo dividir-se em partes. Embora uma cor particular, um
sabor e um odor sejam qualidades conjuntamente unidas nesta maçã,
é fácil de perceber que não se confundem, mas podem pelo menos
distinguir-se umas das outras. David Hume (1740).

Ideia-chave do texto: Quer as impressões, quer as ideias podem ser


divididas em simples – não se podem decompor – e compostas –
podem ser decompostas em impressões ou ideias mais simples.
PERCEÇÕES (OU REPRESENTAÇÕES)
Conteúdo das nossas mentes (observações, sensações, recordações e imaginação) derivado da experiência dos sentidos

IDEIAS (ou pensamentos)


IMPRESSÕES (ou sensações)
Cópias enfraquecidas das impressões.
Aquilo que estamos a sentir num dado momento.
Menor grau de intensidade e vivacidade.
Dados da nossa experiência imediata. Por ex. recordar que se teve uma dor de dentes, que se teve calor, que se
Elevado grau de intensidade e vivacidade. viu uma cor azul, e imaginação de um objeto possível.
Por ex. sensações externas (auditivas, visuais, táteis, olfativas e
gustativas) como é a sensação de ver a cor azul.
Sentimentos Internos (emoções e desejos) como é o
sentimento de raiva, amor, sentir calor, ter uma dor de dentes.

Complexas
Simples
Não se podem decompor. Podem ser decompostas em impressões ou ideias
mais simples.
Ex.: Esfera, azul, ...
Ex.: Esfera azul, cavalo branco, maçã vermelha...
Não admitem qualquer separação ou divisão.

Simples

Exemplo: Exemplo:
• impressão de um • ideia de um tom de
tom de azul. azul.
Impressões Ideias
(sensações) (pensamentos)
Exemplo: Exemplo:
• impressão de uma • ideia de uma equipa
equipa de futebol. de futebol.

Complexas

Podem ser divididas em partes, resultando da combinação


das impressões ou das ideias simples.
O PRINCÍPIO DA CÓPIA

Todas as ideias são cópias


enfraquecidas de impressões.
“O mais vivo pensamento é ainda inferior à mais
baça sensação”. Hume

“Todas as nossas ideias, ou perceções mais fracas, são cópias


das nossas impressões mais intensas”. Hume

Não pode existir na nossa mente nenhuma ideia que não tenha
uma impressão que lhe corresponda – princípio da cópia.
AS IDEIAS (OU PENSAMENTOS) DERIVAM DAS
IMPRESSÕES (OU SENSAÇÕES).

Não só cada ideia ou pensamento deriva de determinada impressão ou


sensação, como não podem existir ideias das quais não tenha havido
uma impressão prévia.

As impressões sensíveis constituem o material primitivo do nosso


conhecimento e a inexistência de impressão origina a inexistência da
ideia.
O ARGUMENTO DA PRIORIDADE
Toda a impressão simples é acompanhada por uma ideia correspondente e toda a
ideia simples por uma impressão correspondente. Desta conjunção constante de perceções
semelhantes concluo imediatamente que existe uma forte conexão entre as nossas impressões
e ideias [...]. Uma tal conjunção constante, num tão ilimitado número de casos, não pode
nunca provir do acaso, provando claramente que há dependência das impressões com relação
às ideias, ou das ideias com relação às impressões. Para saber de que lado se encon-
tra esta dependência observo a ordem do seu primeiro aparecimento, e verifico mediante uma
experiência constante que as impressões simples precedem sempre as ideias correspondentes,
nunca aparecendo na ordem inversa. Por outro lado, constatamos que qualquer impressão,
seja da mente ou do corpo, é sempre seguida de uma ideia que se lhe assemelha, sendo
diferente dela apenas nos graus de força e vivacidade. A conjunção constante das nossas
perceções semelhantes é prova convincente de que umas são causas das outras; e esta
prioridade das impressões é igualmente prova de que as nossas impressões são as causas das
nossas ideias, e não as nossas ideias as causas das nossas impressões. David Hume

Ideia-chave do texto: As impressões são as causas das nossas ideias.


O ARGUMENTO DA PRIORIDADE

1) Cada impressão simples tem uma ideia simples que lhe corresponde.

2) Se cada impressão simples tem uma ideia simples que lhe


corresponde, então ou as impressões simples são cópias de ideias
simples, ou as ideias simples são cópias de impressões simples.

3) As impressões simples não são cópias de ideias simples.

4) Logo, as ideias simples são cópias de impressões simples.


O ARGUMENTO DO CEGO DE NASCENÇA
Para confirmação disto, examino outro fenómeno claro e convincente: sempre
que um acidente qualquer põe obstrução às operações das faculdades que
dão origem a certas impressões, como quando alguém é cego ou surdo de
nascença, perdem-se não só as impressões, mas ainda as ideias a elas
correspondentes, de tal modo que jamais aparecem no espírito os mínimos
vestígios de quaisquer delas. E isto não é verdade apenas quando os órgãos
da sensação são inteiramente destruídos, mas igualmente quando estes
órgãos nunca foram exercitados para originar uma impressão particular. Não
podemos formar uma ideia exata do gosto de um ananás antes de realmente o
saborearmos. David Hume

Ideia-chave do texto: Um cego de nascença não pode formar a ideia de azul.


O ARGUMENTO DO CEGO DE NASCENÇA

1) Se as ideias simples não são cópias de impressões simples, então é


possível que um cego de nascença tenha a ideia da cor azul, apesar de
não ter qualquer impressão que lhe corresponda.

2) Um cego de nascença não pode ter a ideia da cor azul.

3) Logo, as ideias simples são cópias de impressões simples. (De 1 e 2, por


modus tollens)

(1) (A B)
(2) ¬ B
(3) ╞ ¬ A
MEMÓRIA E IMAGINAÇÃO
• As ideias complexas (por ex. esfera azul, sereia, cidade de ouro, cavalo branco, etc)
são combinações de ideias mais simples que podem ter duas origens distintas: a
memória e a imaginação.
• Quando uma ideia complexa tem origem na memória (recordação), tem a mesma
configuração que tinha na experiência e é cópia de impressão complexa. Por ex.
esfera azul, cavalo branco.
• Quando uma ideia complexa tem origem na imaginação, pode ser composta de
uma forma relativamente livre, podendo aparecer juntas duas ideias simples que na
experiência e enquanto impressões estavam separadas. Exs.: Sereia, Centauro,
Montanha Dourada, etc.
• Deste modo, Hume pode concluir que, efetivamente, todas as ideias são, direta
ou indiretamente, cópias de impressões.
IDEIAS

Complexas
Podem ser decompostas em ideias mais simples.
Ex.: Esfera azul, cavalo branco, sereia, centauro ...

Memória Imaginação
Configuração idêntica à da experiência. Configuração diferente da experiência
Ex.: esfera azul, cavalo branco, ... Ex.: Sereia, centauro, ...
TODO O CONHECIMENTO DERIVA
DA EXPERIÊNCIA SENSÍVEL

A MENTE É, À PARTIDA, UMA TÁBUA RASA

NÃO EXISTEM IDEIAS INATAS.


QUE TIPO DE CONHECIMENTO PODEMOS OBTER?

QUE CAMINHO SEGUIR PARA OBTER O


CONHECIMENTO?
TIPOS DE CONHECIMENTO
Todos os objetos da razão ou investigação humanas podem ser naturalmente divididos em dois tipos,
a saber, as relações de ideias e as questões de facto. Da primeira espécie são as ciências da
geometria, da álgebra e da aritmética e, em resumo, toda e qualquer afirmação que seja intuitiva ou
demonstrativamente certa. […]
As questões de facto, que são os segundos objetos da razão humana, não são determinadas da
mesma maneira, e tampouco a evidência que temos da sua verdade, por maior que seja, é da
mesma natureza que a dos anteriores. O contrário de toda e qualquer questão de facto permanece
sendo possível, porque não pode jamais implicar contradição, e a mente concebe-o com a mesma
facilidade e nitidez, como se fosse perfeitamente conforme à realidade. Que o sol não vai nascer
amanhã não é uma proposição menos inteligível nem implica maior contradição do que a afirmação
de que ele vai nascer. David Hume

Ideia-chave do texto: Existem apenas dois tipos de conhecimento: as


relações de ideias e as questões de facto
(bifurcação de Hume).
RELAÇÕES DE IDEIAS. São proposições verdadeiras, evidentes,
intuitivas, analíticas (podem descobrir-se pela simples operação do
pensamento, sujeito e predicado expressam um só conceito) nada nos dizem
sobre o que existe e acontece no mundo, sem dependência do que existe no
universo, conhecidas sem recurso às impressões, necessárias e baseadas no
princípio de não contradição. É um conhecimento a priori e estabelece
relações entre as ideias que constituem cada uma das proposições. São
exemplos as verdades de Ciências como a Lógica e a Matemática
(Geometria, Álgebra e Aritmética). Por ex: o todo é maior do que as suas
partes; três vezes cinco é igual à metade de trinta; doze é o triplo de quatro,
o triângulo é um polígono de três lados; nenhum solteiro é casado; …
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QUESTÕES DE FACTO. Enunciados relativos a factos e baseados
nas impressões (experiência). São proposições contingentes
(verdadeiras tal como as coisas são). São verdades sintéticas, que
nos dizem qualquer coisa sobre o que acontece e se passa no mundo
e que não está presente nos elementos relacionados. É um
conhecimento a posteriori porque o valor de verdade está dependente
do teste empírico. Podem assentar na relação de causa e efeito. O
contrário da proposição em causa é possível e não envolve
contradição. Este conhecimento é característico das ciências da
natureza. Por ex: afirmar que chove, ou que vejo uma nuvem, ou que
aquelas aves voam, ou que o calor dilata os corpos, ou que o Sol se
levantará amanhã ou que a neve é branca e fria…
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Tipos de
conhecimento

Relações de ideias Questões de facto

São proposições contingentemente verdadeiras, isto é, são


São proposições necessariamente verdadeiras, isto é, que verdadeiras mas poderiam ser falsas.
não podem ser falsas.

Só podemos saber que são verdadeiras através da


Podemos saber que são verdadeiras apenas através da experiência.
análise do significado dos seus termos.

O seu contrário não implica uma contradição


O seu contrário implica uma contradição nos termos. nos termos.
São um bom exemplo de conhecimento
São um bom exemplo de conhecimento a priori. a posteriori.

Exemplos: Exemplos:
Nenhum círculo é quadrado. Alguma relva é verde.
Nenhum solteiro é casado. Alguns estudantes são casados.

Áreas: Geometria, Matemática, Lógica, etc. Áreas: Física, Química, Biologia, História, Sociologia, etc.
Apenas o conhecimento sobre questões de facto nos pode
fornecer informações acerca do mundo, pois as relações de
ideias, embora expressem verdades necessárias, referem-se
apenas às relações entre o significado das ideias envolvidas,
mas nada dizem acerca do que existe (é verdade que
nenhum solteiro é casado, mas nada nos diz sobre se há
solteiros ou não!).

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Todo o conhecimento sobre questões de facto tem de se basear
na experiência ou ter na experiência a base para que saibamos
algo acerca do mundo.

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(1) Se não partíssemos de algum facto presente à memória ou aos
sentidos, os nossos raciocínios seriam puramente hipotéticos e, por
mais que os elos individuais pudessem estar ligados uns aos outros, a cadeia
de inferências, como um todo, nada teria que a pudesse sustentar, e jamais
poderíamos, por meio dela, chegar ao conhecimento de qualquer existência
real. (2)Se vos perguntar porque acreditais em algum facto particular
que me contais, tereis de me apresentar alguma razão, e essa razão será
algum outro facto ligado ao primeiro. Mas como não se pode proceder
dessa maneira in infinitum, tereis por fim de chegar a algum facto que
está presente na vossa memória ou nos vossos sentidos, ou então admitir
que a vossa crença é inteiramente destituída de fundamento.
David Hume

Ideia do texto: (1) Apenas através da experiência podemos saber algo acerca
do mundo.
O conhecimento sobre questões de facto encontra cadeias de razões
suportadas sucessivamente noutros factos dados pelos sentidos ou
pela memória e pode chegar à justificação última autoevidente e
básica. Assim, contesta o argumento cético da regressão infinita.

Ideia do texto: (2) Rejeição do argumento cético da regressão infinita das


justificações que não chega a uma crença básica e
autoevidente e assim afirmam a impossibilidade de
conhecer.
A REJEIÇÃO DO CETICISMO
Hume rejeita a conclusão do argumento cético da regressão infinita, pois, embora
reconheça que as nossas cadeias de justificações podem, de facto, acabar por
regredir infinitamente, deixando as nossas crenças injustificadas, também acredita
que estas podem acabar por desembocar em algo autoevidente, presente à nossa
memória ou aos nossos sentidos, que, em última análise, possa servir de
fundamento ou de justificação para algumas das nossas crenças.

A este respeito a perspetiva de Hume contrasta com a de Descartes. Para Hume,


todo o conhecimento acerca do mundo tem necessariamente um fundamento a
posteriori. Ao passo que Descartes acreditava na possibilidade de haver
conhecimento a priori acerca do mundo, nomeadamente Descartes pensava que,
ainda que a experiência sensível seja inteiramente
ilusória, podíamos, apenas com base no nosso pensamento, saber coisas como “Eu
existo”, “Deus existe”, “Deus não é enganador”.
COMO RACIOCINAMOS OU PENSAMOS?
Quando pensamos, associamos ideias na mente segundo três princípios.

 Semelhança

 Contiguidade no espaço e no tempo

 Causalidade ou relação causa/efeito

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• A SEMELHANÇA: se dois objetos se assemelham, então a ideia de um
conduz o pensamento ao outro. Um rosto desenhado remete-nos para o rosto
original, um objeto remete-nos para o seu autor…

•A CONTIGUIDADE NO ESPAÇO E/OU NO TEMPO: se dois objetos são


contíguos no espaço e/ou no tempo, a ideia de um leva facilmente à ideia de
outro. A lembrança do comboio leva a pensar na estação, nos passageiros, ou
noutras coisas; se pensarmos em grandes pirâmides lembrar-nos-emos do
Egito, se pensarmos na Torre Eiffel lembramo-nos de Paris ou se pensarmos
em Paris lembrar-nos-emos de diversas coisas…

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• A CAUSALIDADE (a relação de CAUSA E EFEITO): pensamos os
objetos em função da relação ou conexão de um com o outro. A causa
traz-nos ao pensamento o efeito. O efeito transporta o pensamento para a
causa. Água fria posta ao lume (causa) leva a pensar na fervura (efeito)
que se lhe seguirá, se olharmos para uma cicatriz é provável que
pensemos no que a provocou, se pensarmos numa ferida naturalmente
pensamos na dor associada…

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O PROBLEMA DA CAUSALIDADE

• A ideia de causalidade é a ideia de uma conexão necessária entre dois acontecimentos.

• Temos ideia de uma relação causal, ou conexão necessária, entre dois acontecimentos quando
pensamos que a ocorrência de um deles torna necessária a ocorrência do outro.

• O problema é que não vemos essa conexão necessária entre os dois, apenas vemos um
acontecer depois do outro.

• Surge assim o problema da causalidade, que pode ser formulado conforme se segue: qual é a
origem da nossa ideia de causalidade se, aparentemente, não temos nenhuma impressão que lhe
corresponde?
A RESPOSTA DE HUME

• A solução de Hume para o problema da causalidade consiste em assumir que a ideia de relação
causal ou conexão necessária entre dois acontecimentos mais não é do que a expectativa de
que um deles – o efeito – irá ocorrer sempre que o outro – a causa – ocorra.

• Esta expetativa resulta do hábito, ou costume, isto é, da experiência que temos de uma conjunção
constante desses dois acontecimentos.

• Temos experiência de uma conjunção constante entre dois acontecimentos quando a experiência
de um deles surge sempre associada à experiência do outro.
O ARGUMENTO DO ADÃO INEXPERIENTE

Apresente-se um objeto a um ser humano dotado da mais forte


capacidade e razão natural; se esse objeto for inteiramente novo
para ele, mesmo o exame minucioso das suas qualidades sensíveis
não lhe permitirá descobrir quaisquer das suas causas ou efeitos.
Adão, ainda que supuséssemos que as suas faculdades racionais
fossem inteiramente perfeitas desde o início, seria incapaz de
inferir da fluidez e transparência da água que o sufocaria, nem da
luminosidade e calor do fogo que este o poderia consumir. […]
O ARGUMENTO DO ADÃO INEXPERIENTE

Observaria imediatamente uma contínua sucessão de objetos e


um evento a seguir a outro, mas não conseguiria descobrir nada
mais além disso. […] Não seria, no início, capaz de apreender por
meio de qualquer raciocínio a ideia de causa e efeito; […] sem
mais experiência, jamais poderia conjeturar ou raciocinar acerca
de qualquer questão de facto ou assegurar-se de alguma coisa
além do que estivesse imediatamente presente à sua memória e
aos seus sentidos.
O ARGUMENTO DO ADÃO INEXPERIENTE

Suponhamos agora que ele tenha adquirido mais experiência e


tenha vivido no mundo o suficiente para observar que objetos ou
acontecimentos similares estão constantemente conjugados uns
com os outros. Qual é a consequência desta experiência? Que ele
passa imediatamente a inferir a existência de um objeto a partir
do aparecimento do outro. […] Há um […] princípio que o obriga
a chegar a essa conclusão. Esse princípio é o costume ou hábito.

David Hume (1748). Investigação sobre o Entendimento Humano.


Trad. João Paulo Monteiro. Lisboa: INCM, 2002, pp. 56-57 (adaptado)
O ARGUMENTO DO ADÃO INEXPERIENTE

1) Se não tivermos experiência da conjunção constante entre dois


acontecimentos, não temos a ideia de uma relação causal, ou conexão
necessária, entre eles.
2) Se tivermos experiência da conjunção constante entre dois
acontecimentos, passamos a ter a ideia de uma relação causal, ou
conexão necessária, entre eles.
3) Logo, temos ideia de uma relação causal, ou conexão necessária,
entre dois acontecimentos se, e só se, temos a experiência de
uma conjunção constante entre eles.
O PROBLEMA DA INDUÇÃO

• A solução de Hume para o problema da causalidade mostra-nos que a nossa expetativa de que
causas semelhantes terão efeitos semelhantes se baseia unicamente no hábito – ou seja, na nossa
experiência de certas regularidades ou repetições – pelo que não temos legitimidade para
postular a existência de uma força ou poder secreto da natureza que estabelece uma relação causal
(ou conexão necessária) entre diferentes objetos ou acontecimentos.
• Mas será que temos justificação para confiar nas nossas inferências indutivas, isto é, nas inferências
que se baseiam num determinado número de casos observados para chegar a conclusões que
incluem casos dos quais ainda não tivemos experiência?
• Este problema ficou conhecido como “problema da indução”.
A RESPOSTA DE HUME

• A resposta de Hume para o problema da indução é a seguinte: “Não temos forma de justificar a
nossa confiança na indução”.
• Isto acontece porque, uma vez que não se trata de uma relação de ideias, essa confiança não
pode ser estabelecida a priori.
• Contudo, essa confiança também não pode ser estabelecida através da experiência, isto é, a
posteriori, pois nunca teremos experiência de todos os casos possíveis de indução e se
generalizarmos a nossa confiança na indução a partir de alguns casos bem-sucedidos de indução,
estaremos a cometer petição de princípio, visto que estaremos a usar a própria indução para
justificar a nossa confiança na mesma.
O ARGUMENTO DA INJUSTIFICABILIDADE
“ Todos os raciocínios podem ser divididos em duas espécies, nomeadamente o raciocínio demonstrativo, que diz respeito às relações
de ideias, e o raciocínio [...] relativo às questões de facto e existência. Parece evidente que não há argumentos demonstrativos neste
caso, visto não implicar contradição que o curso da natureza possa mudar, e que um objeto aparentemente semelhante àqueles de
que tivemos experiência possa vir acompanhado de efeitos diferentes ou contrários. [...] Haverá afirmação mais inteligível do que
afirmar que todas as árvores vão florescer em dezembro e janeiro e perder as folhas em maio e junho? Ora nada que seja inteligível
e possa ser distintamente concebido implica contradição, e nunca pode ser provado como falso por qualquer argumento
demonstrativo ou raciocínio abstrato a priori.
[...] Dissemos que todos os argumentos relativos à existência assentam na relação de causa e efeito, que o nosso conhecimento
dessa relação deriva inteiramente da experiência, e que todas as nossas conclusões experimentais assentam na suposição de que o
futuro será conforme ao passado. Portanto, tentar provar esta última suposição por meio de argumentos prováveis, ou argumentos
relativos à existência, é evidentemente andar em círculos, tomando como estabelecido precisamente o ponto que está em discussão.

David Hume (1748). Investigação sobre o Entendimento Humano.



Trad. João Paulo Monteiro. Lisboa: INCM, 2002, pp. 50-51

A indução não pode ser justificada nem a priori, nem a posteriori.


O ARGUMENTO DA INJUSTIFICABILIDADE

1) A crença de que “a indução é fiável” só pode ser justificada a priori ou a


posteriori.

2) A crença de que “a indução é fiável” não pode ser justificada a priori.

3) A crença de que “a indução é fiável” não pode ser justificada a posteriori.

4) Logo, a crença de que “a indução é fiável” não pode ser justificada.


O PROBLEMA DO MUNDO EXTERIOR

• A nossa confiança na indução não é a única crença comum cujo fundamento é posto em causa por
Hume.

• Sem refletir muito sobre o assunto, todos nós estamos dispostos a assumir a existência de um
mundo exterior às nossas mentes, que não depende da nossa perceção e que é a verdadeira
causa das nossas impressões.

• Mas será que podemos justificadamente confiar na existência de um mundo exterior às nossas
mentes?

• Este problema ficou conhecido como “problema do mundo exterior”.


A RESPOSTA DE HUME

• A resposta de Hume para o problema do mundo exterior pode ser resumidamente apresentada
conforme se segue: “nada pode estar presente à mente a não ser uma imagem ou perceção, e
[...] os sentidos são apenas as entradas por onde as imagens são transportadas, sem conseguirem
suscitar uma comunicação imediata entre a mente e o objeto”.
• Assim, Hume conclui que é um erro confundir os objetos exteriores e o mundo exterior à
nossa mente com as nossas perceções dos mesmos.
• Ora, uma vez que nunca podemos sair do interior das nossas mentes para verificar se os
objetos correspondentes às nossas perceções de facto existem, não temos uma justificação
para acreditar que existe um mundo exterior às nossas mentes.
O ARGUMENTO DA MESA
“ A mesa que vemos parece diminuir à medida que dela mais nos afastamos, mas a mesa real, que existe
independentemente de nós, não sofre qualquer alteração; não era, pois, nada a não ser a sua imagem o que estava
presente ao espírito. Estes são os óbvios ditames da razão; e ninguém capaz de refletir jamais duvidou de que as
existências que consideramos quando dizemos esta casa e aquela árvore não passam de perceções na mente,
cópias ou representações transitórias de outras existências que permanecem uniformes e independentes.

David Hume (1748). Investigação sobre o Entendimento Humano.
Trad. João Paulo Monteiro. Lisboa: INCM, 2002, p. 164

É um erro confundir os objetos exteriores e o mundo exterior à nossa mente


com as nossas perceções dos mesmos.
O ARGUMENTO DA MESA

1) Se a mesa que está presente na nossa mente fosse a mesa real (e não apenas uma
imagem ou representação mental da mesma), então o seu tamanho não se alterava em
função da nossa perspetiva.
2) Mas a mesa que está presente na nossa mente parece diminuir à medida que dela mais
nos afastamos, ou seja, o seu tamanho altera-se em função da nossa perspetiva.
3) Se aquilo que está presente na nossa mente não é a mesa real, mas sim uma imagem ou
representação mental da mesma, então não podemos justificadamente acreditar na
existência do mundo exterior.
4) Logo, não podemos justificadamente acreditar na existência do mundo exterior.
O CETICISMO MODERADO DE HUME

• Embora sustente que a crença na indução e a crença no mundo exterior não são
racionalmente justificáveis, Hume não considera que estas devam ser abandonadas, pois
não podemos viver sem as assumir como verdadeiras.
• Não podemos deixar de nos apoiar em certas regularidades para prever acontecimentos
futuros (dos quais ainda não tivemos experiência).
• Não poderemos deixar de assumir que existe um mundo real para lá das nossas mentes.
• Assim, Hume acaba por defender apenas a adoção de um ceticismo moderado
como forma de nos protegermos contra o dogmatismo, as decisões precipitadas
e as investigações demasiado especulativas, distantes da experiência e
sem suporte empírico.
OBJEÇÕES AO EMPIRISMO HUMEANO

• O contraexemplo do tom de azul desconhecido:


• O próprio David Hume prevê a possibilidade de se encontrar um contraexemplo ao princípio
da cópia. Esse contraexemplo consiste em imaginar uma situação em que alguém é colocado
perante uma vasta gama de tons de azul, tendo um dos tons de azul sido propositadamente
escondido. Alguém que nunca tenha tido experiência desse particular tom de azul pode, ainda assim,
formar uma ideia a seu respeito, mesmo na ausência de uma impressão que lhe corresponda.
Ora, isso não seria possível se, de facto, todas as nossas ideias fossem cópias de impressões.
OBJEÇÕES AO EMPIRISMO HUMEANO

• Objeção à concepção humeana de causalidade – parte I:


• Thomas Reid (1710-1796), um filósofo escocês contemporâneo de Hume, rejeita a análise
humeana do conceito de causalidade em termos de conjunção constante. Reid procura mostrar
que haver uma conjunção constante entre dois acontecimentos não é nem uma condição
suficiente, nem uma condição necessária para que exista uma relação de causalidade
entre ambos.
OBJEÇÕES AO EMPIRISMO HUMEANO

• Objeção à concepção humeana de causalidade – parte II:


• Não é suficiente porque existem acontecimentos que se sucedem constantemente sem que
sejam a causa um do outro, como a sucessão dos dias e das noites, por exemplo.
• Não é necessária porque existem acontecimentos que se encontram numa relação causal,
embora não surjam constantemente associados. Como acontece, por exemplo, com a origem do
universo, não podemos dizer que há uma conjunção constante entre a causa e o efeito, o que
significa que a teoria humeana da causalidade tem a estranha implicação de que o universo não teve
uma causa.
OBJEÇÕES AO EMPIRISMO HUMEANO

• Objeção baseada na argumentação a favor da melhor explicação – parte I:


• Bertrand Russell (1872-1970) rejeita as conclusões céticas de Hume, pois considera que a sua
ideia de “fundamento racional” (ou “racionalmente justificável”) é demasiado restrita. Para Russell,
pode ser racional acreditar numa crença simplesmente porque, de entre as alternativas disponíveis
para explicar a nossa experiência, essa é a hipótese mais plausível (pelo que é mais racional
acreditar na sua verdade do que em qualquer uma das alternativas). Chama-se a esta forma de
argumentação “abdução” ou, mais especificamente, “argumentação a favor da melhor
explicação”.
OBJEÇÕES AO EMPIRISMO HUMEANO

• Objeção baseada na argumentação a favor da melhor explicação – parte II:


• Assim, Russell acredita que a existência de um mundo exterior às nossas mentes é uma explicação
da nossa experiência muito mais simples e apelativa do que qualquer cenário cético que possamos
imaginar e, por isso, considera que estamos racionalmente justificados a acreditar nisso. Por
exemplo, quando vemos um gato aparecer numa parte da sala e posteriormente nos apercebemos
que este está noutro espaço da casa, parece bastante mais aceitável a hipótese de que ele se
deslocou de um lado para o outro, do que aceitar que o gato não passa de uma imagem mental.
OBJEÇÕES AO EMPIRISMO HUMEANO

• Objeção baseada na argumentação a favor da melhor explicação – parte III:


• Esta estratégia argumentativa aplica-se igualmente à ideia de causalidade. Se Hume estiver certo,
como se explica a conjunção constante entre certos acontecimentos? Como um sucessão de
coincidências? Parece mais razoável aceitar que as relações causais, de facto, existem do que supor
que essas conjunções constantes simplesmente ocorrem no mundo de um modo casual.

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