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A favela é o mundo: a estratificação social das massas nas periferias de São Paulo

e a resistência da juventude negra através da Educação

Os bairros periféricos da Zona Sul de São Paulo têm uma das maiores populações
por metro quadrado: só o Grajaú, bairro mais populoso da cidade, têm em média 392 734 mil
habitantes, seguido por Jardim Ângela e Capão Redondo, com 341 881 mil e 298 611 mil,
respectivamente. Segundo o mapa da Desigualdade de
São Paulo (2022) são nesses espaços que também se
encontram grande parte das favelas da cidade: 13,5% no
Grajaú, 19,4% no Jardim Ângela e 21,1% no Capão
Redondo. As periferias são hoje o maior expoente da
desigualdade social, afastados geograficamente e com
Figura 1 - Fotografia que mostra a divisão entre
pouco poder monetário, resultado de um processo Paraisópolis e Morumbi na Zona Sul de São
Paulo. Fonte: Tuca Vieira
histórico que marca a instauração do sistema capitalista
no mundo moderno e dá início ao que Karl Marx (1818-1883) vai conceituar como Luta de
Classes.
Para a tradição marxista as contradições advindas do sistema de classes são
causadas pelo antagonismo entre o proletariado e a burguesia, que em outras eras foi
definido pelo conflito entre outros papéis de dominantes e dominados. Segundo Martins
(1997), para Marx, o proletariado está submetido a uma dominação econômica, política e
cultural da classe dominante:
[...] uma dominação econômica, uma vez que se encontravam excluídos da
posse dos meios de trabalho. A dominação estendia-se ao campo político,
na medida em que a burguesia utilizava o Estado e seus aparelhos
repressivos, como a polícia e o exército, para impor os seus interesses ao
conjunto da sociedade. A dominação burguesa estendia-se também ao
plano cultural, pois ao dominar os meios de comunicação, difundia seus
valores e concepções às classes dominadas. (MARTINS, 1997, p. 32)

Para Florestan Fernandes (2006), a burguesia no Brasil se forma através de uma


descolonização mínima, mantendo a ordem social escravocrata e senhorial e no mais
tardar oligárquica que bloqueiam “[...] tanto econômica e socialmente quanto politicamente
a formação das classes e dos mecanismos de solidariedade de classes, impondo o
controle conservador e o poder autocrático das elites das classes dominantes como
fio condutor da história.” (FERNANDES, 2006, p. 231, grifo próprio). A partir da
manutenção do poder das classes dominantes, a educação ganha um caráter estagnador
e nessa trama social a escola recebe o papel de mantenedora da ordem social
conservadora. No que se refere ao ensino, Florestan Fernandes apresenta que o dilema
educacional no Brasil diz respeito também ao papel da burguesia na manutenção de seu
status:
As instituições escolares brasileiras estão organizadas para satisfazer as
funções estáticas universais da educação sistemática na civilização
letrada do Ocidente, mas sem entrosá-las às flutuações socioculturais da
vida humana na sociedade brasileira e em completo detrimento das
potencialidades dinâmicas da própria educação sistemática. (FERNADES,
p. 418, grifo próprio)

Para Durkheim (1858-1917) pouco diz


respeito aos fatores sociais a manutenção de
uma ordem social dominadora. Muito pelo
contrário, para o autor, as diferenças sociais são
naturais do homem e a mobilidade social
depende do esforço único do indivíduo. O
fracasso escolar é também resultado de uma Figura 2 - Sala de Aula do Cursinho Popular UNEAfro
Brasil. Fonte: Reprodução UNEAfro
incapacidade individual, já que “nem todos
somos feitos para refletir” (DURKHEIM apud PEREIRA; FORACCHI, 1987, p. 35). Essa
concepção corrobora para um processo de estratificação social que beneficia a
manutenção ideologia das classes dominantes, pois, parte do princípio de que a
desigualdade é algo natural da sociedade.
A partir das concepções sociológicas de Marx sobre a estrutura social capitalista e
a análise de Florestan Fernandes sobre a burguesia brasileira, podemos observar que
exponentes transformações sociais devem ser realizadas pela classe trabalhadora. No
que diz respeito a Educação, a insurgência dos Cursinho Populares na periferia
demonstra um movimento novo, que advém das classes trabalhadoras e tem caráter
transformador. O vestibular que poderia ser considerado uma barreira para esses jovens
que, ao longo dos anos, tiveram o acesso à uma educação de qualidade negada, se
torna, a partir de políticas públicas que incentivam a entrada das classes sociais mais
baixas na universidade, uma barreira possível de ser enfrentada.
O movimento de transformação vai para além do ingresso na universidade; diz
respeito ao retorno desses jovens periféricos para periferia, ou seja, os jovens que
quebraram a barreira social da escolarização básica e chegaram na universidade mudam
o cenário social e extrapolam o processo de estratificação social, retornam e fazem parte
do processo de outros jovens que almejam a mesma conquista. Iniciativas como os
Cursinhos Populares caracterizam o que Florestan Fernandes vai apresentar elementos
de uma Pedagogia da transformação social: um espaço educacional que funciona como
instrumento da racionalidade cientifica e, para além disso, se preocupa com a formação
da cidadania, demonstrando que a partir da organização de classes, a Educação pública
e de qualidade dá para as classes sociais dominadas a possibilidade de uma insurgência
social, quebrando as barreiras impostas pelas oligarquias dominantes.

Referências:

ABRAHÃO, J. (Org.) Mapa da Desigualdade. São Paulo: Rede Nossa São Paulo, 2022.
Acesso disponível em:
https://www.nossasaopaulo.org.br/wp-content/uploads/2023/01/Mapa-da-Desigualdade-
2022_TABELAS_23.pdf

FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação


sociológica. 5. ed. São Paulo: Globo, 2006.

MARTINS, C. B. O que é sociologia. Brasiliense: São Paulo, 1997.

PEREIRA, L. FORACCHI, M. (Orgs.) Educação e sociedade. São Paulo: Nacional, 1987.

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