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MOBILIZAÇÃO

SOCIAL

Ligia Maria Fonseca Affonso


Trajetória dos movimentos
sociais no Brasil
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir os movimentos sociais populares.


 Estabelecer a relação entre participação social, educação popular e
movimentos sociais.
 Contextualizar a trajetória dos movimentos sociais no Brasil.

Introdução
Os movimentos sociais existem desde os tempos de colônia no Brasil, o
qual é marcado por lutas e movimentos contra a dominação, a exploração
econômica, a exclusão social e, atualmente, a política, a corrupção, a falta
de ética dos políticos, entre outros problemas que o país vem enfrentando.
Eles contribuíram e vêm contribuindo para a conquista e a manutenção
de direitos e espaços de participação social, fortalecendo a cidadania e
a democracia brasileira.
Neste capítulo, você estudará sobre o conceito de movimentos
sociais populares, compostos na maioria das vezes de classes sociais
desprivilegiadas; a relação entre participação social, educação popular
e movimentos sociais fundamentais para a construção e o exercício do
poder popular; e a trajetória dos movimentos sociais no Brasil, desde a
colônia até os dias atuais.

Movimentos sociais e populares


Apesar de haver muitos estudos sobre os movimentos sociais, as teorias exis-
tentes ainda não apresentam definições precisas devido à multiplicidade de
interpretações e enfoques. Veja um conceito de movimento social sob o olhar
de Gohn (2000, p. 13):
2 Trajetória dos movimentos sociais no Brasil

Movimentos sociais são ações coletivas de caráter sociopolítico, construídas


por atores sociais pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Eles
politizam suas demandas e criam um campo político de força social na so-
ciedade civil. Suas ações estruturam-se a partir de repertórios criados sobre
temas e problemas em situações de conflitos, litígios e disputas. As ações
desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade
coletiva ao movimento, a partir de interesses em comum. Esta identidade
decorre da força do princípio da solidariedade e é construída a partir da
base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo.

Dessa forma, os movimentos sociais se estruturam com base em um grupo


social que compartilha uma dada situação social a qual gera insatisfação, cau-
sando neles um sentimento de pertencimento e objetivos específicos a serem
alcançados por meio de reivindicações, projetos etc. (VIANA, 2016) (Figura 1).

Figura 1. Movimentos sociais.


Fonte: Nosyrevy/Shutterstock.com.

O termo movimentos sociais populares ou movimentos populares é bastante


utilizado, mas também não possui um conceito claro e, em alguns casos, é
confundido com os movimentos sociais urbanos. Poucos autores tentaram
defini-lo, sendo Camacho (1987) um deles, quando tentou diferenciar os
movimentos sociais e os populares, mas ao final acabou definindo-os como
uma manifestação dos sociais, o que é uma contradição. Para o autor, esses
movimentos sociais possuem dois tipos de atuação distintos: eles podem ex-
pressar os interesses dos grupos hegemônicos e podem expressar os interesses
dos grupos populares, os chamados movimentos populares, que se diferem
dos demais por sua formação social, elemento chave para entender o que o
diferencia dos outros movimentos sociais (VIANA, 2016).
Trajetória dos movimentos sociais no Brasil 3

Os movimentos sociais populares são compostos, na maioria das vezes, de


classes sociais desprivilegiadas e, geralmente, sofrem processos de dominação,
exploração, subordinação e marginalização. Nesse contexto, estão incluídos
trabalhadores, camponeses, trabalhadores domésticos e manuais, moradores
de periferia, desempregados, desabrigados e lumpemproletariado. Como a
situação social dos grupos de base desses movimentos é distinta das classes
mais privilegiadas, sua insatisfação, sua luta e seus objetivos também são
diferentes.

Lumpemproletariado é um termo criado e utilizado por Marx para denominar as


camadas mais baixas da velha sociedade, possíveis de serem arrastadas aos movimentos
por uma revolução proletária e levando-as a vender-se, devido a suas condições
precárias de existência (MARX, 1932).

Os movimentos sociais possuem inúmeras diferenças que decorrem de


suas orientações políticas e ramificações, em que as orientações políticas são
determinadas pela formação social do grupo social de base e pela hegemonia
no seu interior. Nesse contexto, os movimentos sociais podem ser classificados
em três tipos (VIANA, 2016).

 Conservadores: visam retomar uma situação que existia anterior-


mente ou impedir que reivindicações de grupos sociais opostos se
mantenham. São monoclassistas ou policlassistas, com predomínio
das classes privilegiadas.
 Progressistas ou reformistas: visam mudar a situação do grupo social.
São policlassistas, com grande presença de burocracia e intelectualidade.
 Revolucionários: visam a uma mudança radical da situação que so-
mente é possível se uma nova sociedade surgir para substituir a atual.
Constitui-se como um processo que resolve o problema do grupo social.
Podem ser monoclassistas ou policlassistas.
4 Trajetória dos movimentos sociais no Brasil

Os grupos de base podem ser nomoclassistas, cujos componentes pertencem às


classes sociais desprivilegiadas; e/ou policlassistas, cujos componentes são jovens,
intelectuais e de diversas classes sociais, este é o que predomina nos movimentos
sociais (VIANA, 2016).

Entender a composição social de um movimento é fundamental para mostrar


as possibilidades e as posições políticas, sendo que estas são definidas pela
hegemonia existente em seu interior. Os movimentos sociais conservadores,
por exemplo, possuem uma hegemonia burguesa, assim como a maioria dos
movimentos sociais progressistas. Porém, algumas de suas ramificações po-
dem apresentar uma hegemonia burocrática ou proletária. Já nos movimentos
sociais revolucionários, a hegemonia surge como uma radicalização das lutas
sociais ou tempos de revolução proletária (VIANA, 2016).

Os movimentos sociais revolucionários praticamente não existem em tempos de


estabilidade social e política (VIANA, 2016).

Os movimentos populares são uma parte dos sociais progressistas, cuja


hegemonia em seu interior pode ser burguesa, burocrática ou proletária, o que
depende de múltiplas determinações. Para Viana (2016), os grupos sociais de
base possuem tendência a gerar uma hegemonia semiproletária e, em casos
raros, uma proletária, acarretada por sua situação de classe.

A hegemonia na sociedade como um todo é burguesa por isso tende a in-


fluenciar os movimentos populares no sentido da hegemonia burguesa ou,
secundariamente, burocrática. Assim, há uma contradição entre os interesses
de classe e tudo que é derivado da situação de classe (desprivilegiada) e a
hegemonia na sociedade civil, além do aparato estatal, meios oligopolistas
de comunicação, necessidades imediatas, etc. É por isso que há uma forte
contradição no interior dos movimentos populares no plano da consciência e
Trajetória dos movimentos sociais no Brasil 5

da hegemonia. Tal contradição se manifesta sob várias formas, entre os quais


através da submissão a valores atrelados ao consumismo convivendo com
a incapacidade de consumo, o que provoca uma contradição valorativa ou,
então, a percepção do caráter conservador da política institucional ao lado da
dificuldade de romper totalmente com ela (VIANA, 2016, p. 76).

As reivindicações dos movimentos populares são voltadas às questões de


educação, saúde, estrutura urbana, moradia e terra; as dos sociais urbanos,
voltadas às questões urbanas como moradia, transporte, estrutura urbana
etc.; já as dos movimentos sociais rurais possuem foco sobre as questões
ambientais ou contra as políticas estatais ou sobre o desenvolvimento capi-
talista que atinge setores da população rural. Todas essas reivindicações são
direcionadas ao aparato estatal, direta ou indiretamente, o que muitas vezes
gera confronto entre eles.
A forma mais comum de o Estado responder aos movimentos é com a
repressão seletiva, que acontece sobretudo quando os movimentos populares
realizam manifestações e ocupações por meio de discursos como agressão a
policiais, reintegração de posse, entre outros. Quando eles não interferem de
forma direta nos interesses do Estado, é dito que há omissão e, geralmente, a
cooptação é em menor grau, tendo maior incidência nos demais movimentos
sociais (CASTELLS, 1988; VIANA, 2016).

O aparato estatal é o alvo direto ou indireto dos movimentos populares. Quando a


luta é por bens coletivos, o alvo é direto. Já quando ela é por bens materiais, o alvo é
indireto (VIANA, 2016).

Os movimentos sociais têm dificuldades para se organizar, uma vez que


as condições de vida desses grupos são precárias, bem como suas condições
financeiras, culturais etc. No entanto, isso não os impede de lutar por suas
questões, avançando ou recuando em suas lutas, que dependem de fatores
como estabilidade dos governos, crises financeiras, aumento do desemprego,
inflação, deterioração dos bens coletivos, entre outros. Sua dinâmica depende
do desenvolvimento capitalista e da intensidade com que este impacta na vida
de seus grupos sociais de base. Porém, essa relação será sempre marcada
6 Trajetória dos movimentos sociais no Brasil

pelo conflito mais ou menos intenso, de acordo com os períodos de relativa


estabilidade ou não.
Para Gohn (2011), os movimentos sociais populares ficaram famosos no
Brasil e em outros países da América Latina no final da década de 1970 e em
parte dos anos de 1980, planejados por grupos que se opunham aos regimes
militares, principalmente aqueles com base cristã, inspirados pela teologia da
libertação. No entanto, o cenário sociopolítico mudou radicalmente no fim dos
anos de 1980 e ao longo dos anos de 1990, fazendo as manifestações de rua,
que davam visibilidade aos movimentos populares nas cidades, declinarem,
segundo alguns analistas, por terem perdido seu principal alvo e inimigo,
os regimes militares. Na verdade, as causas desse declínio foram as mais
diversas, e não se pode negar que esses movimentos, no Brasil, contribuíram
significativamente para a conquista de vários direitos sociais, instituídos por
leis na Constituição Federal de 1988 (CF/88).

Exemplos de movimentos populares: Custo de Vida (Carestia), Movimento dos Traba-


lhadores Sem Terra (MST), Via Campesina, Grito dos Excluídos etc. (MUTZENBERG, 2011).

Participação social, educação popular e


movimentos sociais
Os movimentos sociais dos anos de 1980 contribuíram para a institucionali-
zação de espaços públicos para a participação social, garantindo aos cidadãos
identidades e novas formas de organização. Como resultado desse processo de
lutas sociais acerca da democratização, tem-se a consolidação de valores como
igualdade, solidariedade e liberdade, constituindo a democracia social (CAR-
VALHO, 1998; BENEVIDES, 2002). No entanto, a democracia participativa
somente será plena se tiver a participação ativa dos indivíduos nos espaços
públicos, ação que sinaliza a existência de um processo educativo o qual tem
a participação como um meio, e a construção e o exercício do poder popular
como o fim (HURTADO, 2000). Dessa forma, praticar ações democráticas
contribui para a reconfiguração do contexto sociopolítico das lutas no Brasil
e para a construção da cidadania.
Trajetória dos movimentos sociais no Brasil 7

A democracia, assim, não é um sistema político entre tantos, mas é a prática


específica pela qual o povo se institui como sujeito. Nela, os indivíduos se
tornam sujeitos públicos enquanto seres políticos ativos, se transformam em
seres socializados porque desenvolvem relações sociais e responsabilidades
coletivas (SEMERARO, 2002, p. 222).

A participação contribui para a construção da cidadania, pois possibilita


aos indivíduos adquirir maior consciência sobre seus interesses individuais e
coletivos, gerando benefícios para toda a sociedade. Essa participação política
pode ser vista como uma escola na qual o cidadão adquire conhecimentos
sobre o funcionamento institucional da democracia e os valores democráticos,
como o da solidariedade social (DIAS, 2002). Enquanto participa, o indivíduo
adquire o sentido de pertencimento e o significado de sua atuação em um
grupo ou movimento social, assumindo uma condição de protagonista de
sua própria história. Ao participar, ele desenvolve uma consciência crítica,
agrega uma força sociopolítica ao grupo ou à ação coletiva, novos valores e
nova cultura política (GOHN, 2005).
A participação social configura-se como um processo que estimula o
compartilhamento de poder por meio do fortalecimento da sociedade civil e
da construção de caminhos que permitam alcançar uma nova realidade social
pela cultura cidadã. Dessa forma, esse processo deve ser considerado de “baixo
para cima”, tendo os cidadãos comuns como os principais protagonistas da ação
transformadora das relações de poder da sociedade, o que mostra a importância
de se implantar e manter práticas participativas no contexto sociopolítico,
promovendo a sua autonomia, reconstruindo a história das lutas populares
no Brasil, fortalecendo e renovando cada vez mais os princípios democráticos
de igualdade, cidadania e justiça social (DIAS, 2002). Nesse contexto, a edu-
cação popular tem favorecido a participação da população na esfera pública,
empoderando os indivíduos e democratizando os espaços públicos.
A educação popular privilegia a dimensão ética do diálogo, uma vez que
considera os aspectos da realidade do indivíduo, como cultura, trabalho, liber-
dade e igualdade, que geram experiências e reflexões no processo de superação
da exclusão e da desigualdade (MELO NETO, 2004). O caráter político da
educação popular está na busca pela transformação da realidade na qual os
indivíduos estão inseridos, pois, com a consciência sobre sua realidade, estes
conseguem perceber as práticas opressoras e desiguais a que estão sujeitos e
interferir nessa situação (PATROCÍNIO, 2007).
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Desse modo, a educação popular possui caráter transformador e libertador,


tendo como princípios de sua existência justiça social e igualdade de direitos,
uma vez que permite a emancipação e autonomia dos indivíduos, que assumem
o papel de sujeitos de sua própria história. O caráter político na proposta da
educação popular constituiu-se como elemento transformador da educação,
já que buscou integrar a conscientização sobre a realidade dos indivíduos
às melhorias de suas condições de vida, proporcionando resultados como
a instituição de uma cultura cidadã que prega princípios de solidariedade,
reciprocidade e sociabilidade (HURTADO, 2000).

Educação popular é um modo de educação que considera os saberes prévios das


pessoas e suas realidades na construção de novos saberes. Ela visa ao desenvolvi-
mento da reflexão e do olhar crítico, por meio de diálogo e participação comunitária,
permitindo uma leitura melhor da realidade social, política e econômica na qual os
educandos estão inseridos (BRANDÃO, 2017).

O conjunto das práticas educativas populares ganhou espaço junto aos


movimentos sociais quando possibilitou o estabelecimento de uma dimensão
educativa em suas ações, reforçando seu caráter político e transformador. Os
movimentos sociais valorizam essa concepção e estimulam ações reflexivas
nos indivíduos para que compreendam conceitos como cidadania e demo-
cracia, transformando suas visões de mundo, renovando seus ideais sociais e
construindo realidades a partir de relações mais justas e solidárias. Assim, eles
formam indivíduos enquanto estes participam de suas ações, contribuindo para
a elevação de sua autoestima e o surgimento do sentimento de pertencimento,
permitindo sua atuação política, social e cultural, transformando-os em sujeitos.
Nesse processo, os sujeitos constroem saberes, valores, cultura e ensaiam
a vivência de novas relações sociais. Enquanto realizam a luta social, os mo-
vimentos buscam materializar as relações econômicas, políticas e culturais,
além de um projeto de futuro. É este vínculo entre formação, organização e
luta que faz dos movimentos um espaço de construção de indivíduos renovados
e um meio renovado de promoção da educação popular por intermédio das
ações e práticas educativas que desenvolvem (GOHN, 1992).
Trajetória dos movimentos sociais no Brasil 9

As práticas educativas populares, de modo geral, buscam adequar seus conteúdos a


partir da realidade e das necessidades dos grupos populares, valorizando e recuperando
as experiências, o saber e a cultura popular por meio de reflexão, diálogo e participação
de todos os envolvidos (TORRES, 1988).

O caráter político e sociocultural dessas práticas tem por base a concepção


de que os indivíduos podem querer para si um mundo mais justo e diferente,
determinando o estado das coisas e das relações sociais. Além de (re)educar
quem participa dele, os movimentos (re)educam a sociedade, porque eviden-
ciam as contradições sociais. Nesse contexto, pode-se dizer que coletividade,
sentimento de pertencimento, movimento, identidade de projeto, organização,
luta e transformação são expressões fortes que, interconectadas, permitem
compreender o caráter educativo dos movimentos sociais (CALDART, 2000).
A visão popular de educação trouxe a discussão sobre cidadania, direitos
humanos e participação popular como uma causa de luta, reestruturando-se
no campo da educação cidadã. No Brasil, permitiu o desenvolvimento de
uma prática cidadã, trazendo para o centro das discussões a compreensão dos
sujeitos sobre democracia participativa. Assim, as organizações populares e
os movimentos sociais passaram a participar e intervir nas discussões sobre
políticas públicas com maior frequência e responsabilidade, tomando para si
os processos e estabelecendo um poder popular (GOHN, 1992).

Histórico dos movimentos sociais no Brasil


A sociedade brasileira é marcada por lutas e movimentos sociais desde a época
do Brasil Colônia, contra a dominação, a exploração econômica e a exclusão
social. Há registros históricos sobre lutas de índios, negros, brancos e mestiços
que eram pobres e viviam nos vilarejos, bem como de brancos que perten-
ciam às camadas médias da sociedade e eram influenciados pelas ideologias
libertárias e contra a opressão dos colonizadores europeus (GOHN, 1995).
No Brasil, a maioria das lutas e movimentos sociais no período colonial
foi realizada pelos negros escravos e pela plebe, indivíduos pobres e livres.
Os indivíduos que se incluíam na categoria povo eram comerciantes e ar-
tesãos; já senhores de engenho, militares, funcionários graduados e clero
10 Trajetória dos movimentos sociais no Brasil

encontravam-se no topo da camada social e eram seguidos pelos lavradores,


grandes mercadores e artesãos.

Alguns movimentos e lutas no Brasil Colônia e na fase do Império até o século XX:
Zumbi dos Palmares, Inconfidência Mineira, Conspiração dos Alfaiates, Revolução
Pernambucana, Balaiada, Revolta dos Malês, Cabanagem, Revolução Praieira, Revolta
de lbicaba, Revolta de Vassouras, Quebra-Quilos, Revolta Muckers, Revolta do Vintém,
Canudos (GOHN, 2000).

No início do século XX, com a chegada da República e a substituição da


mão de obra escrava pela assalariada, composta em sua maioria de imigrantes,
a questão social mudou. Nesse período, o modo de produção se altera com
a industrialização ainda incipiente e a formação de um proletariado urbano,
fazendo surgir organizações de luta e resistência dos trabalhadores por meio
de associações de auxílio mútuo, ligas e uniões, que reivindicavam serviços
urbanos ou protestavam contra a política local. Dessa forma, o movimento
operário foi influenciado pelas ideias anarquistas trazidas pelos imigrantes
europeus (GOHN, 2000; LEMOS; FACEIRA, 2015).

Exemplos de revoltas e lutas do século XX: Revolta da Vacina, Revolta da Chibata, Revolta
do Contestado, ligas contra o analfabetismo, ligas nacionalistas pelo voto secreto e
expansão da educação, revoltas contra o preço do pão, inspeção de bagagens nas
estações de trens e colocação de trilhos para os bondes (GOHN, 2000).

Na primeira metade da década de 1920, houve um retrocesso do movimento


operário, ocasionado pelas repressões e limitações das conquistas alcançadas
pela classe trabalhadora. Já na segunda metade dessa década, o movimento
operário cresce influenciado por ideias comunistas, passando a exercer sua
hegemonia. Surgem também várias lutas e movimentos das camadas médias
Trajetória dos movimentos sociais no Brasil 11

da população urbana e as revoltas de militares (GOHN, 2000; LEMOS; FA-


CEIRA, 2015).

Movimentos messiânicos e de cangaceiros no sertão nordestino do país, como o


liderado pelo padre Cícero no Ceará e por Lampião na Bahia, Revolução dos Tenentes,
Coluna Prestes, lutas pela educação lideradas por Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo
etc. (GOHN, 2000).

Na década de 1930, a economia sofre uma mudança. O movimento estru-


turado pelas elites, chamado de Revolução de 30, marca um novo tempo no
país, que além de produtor agrícola, passa a produtor de industrializados na
área têxtil, mobiliária e de gêneros alimentícios de primeira necessidade. A
classe operária sofre uma mudança em sua composição, passando a ter imi-
grantes nacionais, vindos do campo para a cidade; já o movimento operário
teve sua atuação limitada pelas reformas e pela institucionalização de políticas
sociais, que visavam atender a suas reivindicações e abrem-se oportunidades
para a formação de uma classe burguesa industrial (GOHN, 2000; LEMOS;
FACEIRA, 2015).

Movimento dos Pioneiros da Educação, Marcha Contra a Fome, Revolução Constitu-


cionalista de São Paulo, Revolta do Caldeirão, criação da Aliança Libertadora Nacional
e o Movimento Pau de Colher (GOHN, 2000).

O período entre 1945 e 1964 ficou marcado na história como regime político
populista, sendo propício para o surgimento de lutas e movimentos sociais.
A redemocratização do país, o desenvolvimento de um cenário internacional
da sociedade de consumo e a política da guerra abrem espaços propícios a
projetos que visavam ao desenvolvimento nacional, nos quais criam-se condi-
ções para a instalação de indústrias multinacionais no país; são desenvolvidas
12 Trajetória dos movimentos sociais no Brasil

políticas para o setor de energia, em que a Petrobrás é criada e estradas, silos,


armazéns, portos e usinas hidrelétricas são patrocinados pelo Estado; e são
inauguradas Brasília e as primeiras fábricas de automóveis. Surge também
um novo setor da classe operária no ABCD paulista, os metalúrgicos, e há
um crescimento do movimento operário com certa autonomia e liberdade,
possibilitada pela Constituição Liberal em vigor até 1964 (GOHN, 2000;
LEMOS; FACEIRA, 2015).

Ligas Camponesas do Nordeste, Movimento dos Agricultores Sem Terra, Movimento


de Educação de Base e Círculos Populares de Cultura (GOHN, 2000).

Nesse período, os movimentos sociais avançaram com participação cres-


cente da população nas discussões sobre os problemas nacionais, processo
interrompido com o golpe militar de 1964. Entre 1964 e 1969, foram poucos
os movimentos de resistência, nos quais duas greves ficaram conhecidas, as
de Contagem (MG) e de Osasco (SP); os estudantes entram em cena, influen-
ciados pela situação nacional e internacional; novas leis são instituídas; e
novos aparelhos burocráticos de controle são criados. O Ato Institucional nº 5
(1968) atua na cassação e punição de pessoas e estabelece duras restrições
aos direitos sociopolíticos dos cidadãos. Trata-se de uma época de medo,
repressão e violação dos direitos humanos, comandada por regimes militares
(GOHN, 2000).
No início dos anos de 1970, os movimentos sociais renascem, motivados
pela Teoria da Libertação, como o Custo de Vida (depois Carestia), movimen-
tos por transportes, direito a terra, saúde nos centros, postos de saúde, vagas
nas escolas etc., o que desencadeou greves por todo o país e possibilitou a
recriação e a articulação das centrais sindicais aos partidos políticos (GOHN,
2000; MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010). Na segunda metade da década de
1970, com a redemocratização brasileira, novos atores sociais são inseridos
na esfera política, cujos resultados seriam sentidos mais adiante.
Trajetória dos movimentos sociais no Brasil 13

Associação Nacional de Movimentos Populares e Sindicais, Central Única dos Traba-


lhadores (CUT) e Central Geral dos Trabalhadores (CGT), Confederação Nacional das
Associações de Moradores (CONAM) (GOHN, 2000).

Nos anos de 1980, os movimentos sociais contribuíram para o avanço e


a conquista de vários direitos sociais e da elaboração da CF/88, que garantiu
os direitos fundamentais dos cidadãos, declarando a morte do regime mili-
tar. Foram conquistas sociais de trabalhadores, mulheres, índios, menores e
cidadãos que até então eram considerados de segunda classe. A inserção de
novos atores sociais na esfera política, na década de 1970, refletiu ao longo
dos anos, de 1980 a 1990, na proliferação de espaços públicos de participação
da sociedade civil, como fóruns, conselhos e comitês.

Movimento Diretas Já, Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR),
Movimento dos Aposentados, do Negro, do Indígena, (GOHN, 2000; MIRANDA; CAS-
TILHO; CARDOSO, 2009).

Os anos de 1990 são marcados por desemprego, reformas, reestrutura-


ções no mercado de trabalho, entre outros. Os sindicatos dos trabalhadores
se enfraqueceram e passaram a lutar contra políticas de exclusão social do
governo, aumentando significativamente o número de pessoas que atuam de
modo informal na economia; as reivindicações dos trabalhadores passam a ter
foco na luta para a manutenção do emprego, e não por melhores salários ou
condições de trabalho; os movimentos sociais populares urbanos se desarti-
culam; a luta social no campo cresce; e o MST, criado nos anos de 1980, volta
à cena, transformando-se no principal agente de conflito social no país. Um
movimento que ficou marcado nessa década foi o dos “caras-pintadas”, com o
intuito de estabelecer a ética na política brasileira (GOHN, 2000; MIRANDA;
CASTILHO; CARDOSO, 2009; LEMOS; FACEIRA, 2015).
14 Trajetória dos movimentos sociais no Brasil

Fóruns são espaços públicos de participação social, caracterizados por encontros


periódicos para diagnosticar problemas sociais e definir metas e objetivos (GOHN, 2000).

Os movimentos sociais passaram a adotar uma postura mais propositiva


do que de manifestações e reivindicações, em que as contestações ficaram de
lado e a ênfase recaiu para um nível mais operacional e propositivo; já os novos
atores entraram em cena para lutar por inclusão e integração dos excluídos
gerados pelo sistema, chamado de terceiro setor. Na década de 1990, esses
movimentos se constituíram em redes, dentro do próprio movimento social e de
redes com outros sujeitos sociais. Dessa forma, o seu perfil se alterou em razão
da mudança da conjuntura política (GOHN, 2000; LEMOS; FACEIRA, 2015).

O terceiro setor é composto de organizações, movimentos sociais, organizações não


governamentais (ONG), associações comunitárias, fundações, entidades filantrópicas,
empresas cidadãs etc. (GOHN, 2000).

O ano 2000 é marcado pela volta dos movimentos sociais à cena política. Os
movimentos sociais urbanos retomam lentamente em outras bases, integrando
a experiência assimilada nos processos de participação em conselhos, fóruns
e outros meios institucionalizados de participação; o MST retorna com novo
fôlego, se espalhando por todo o país; os estudantes voltam às ruas, mais poli-
tizados e lutando contra o desemprego e a corrupção; os professores entram em
greve; e outras categorias também passam a se organizar e protestar. Surgem
também as ONG, como uma nova forma de resistência em substituição aos
movimentos sociais, que se organizam para defender os direitos e reconstruir
a vida social.
Desse período até os dias atuais, muitos eventos aconteceram e ainda
acontecem por meio de manifestações, marchas e ocupações contra a política, a
corrupção, a falta de ética dos políticos etc. O perfil dos participantes também
se modificou e hoje são chamados de ativistas. Um fato interessante que deve
Trajetória dos movimentos sociais no Brasil 15

ser destacado é a convocação e organização dos movimentos sociais pelas redes


sociais, que ganha mais força a cada dia (GOHN, 2004). Você pode perceber
que os movimentos sociais sempre existiram e continuarão existindo para
dar voz à sociedade civil na conquista e manutenção de direitos e espaços
de participação social, contribuindo para o fortalecimento da cidadania e da
democracia brasileira.

Movimentos dos índios, movimento dos caminhoneiros das estradas, dos perueiros,
entre outros (GOHN, 2000).

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Trajetória dos movimentos sociais no Brasil 17

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Leituras recomendadas
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