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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

GUARULHOS – SP
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 2

2 MOVIMENTOS SOCIAIS ........................................................................................ 3

2.1 Teorias sobre movimentos sociais ...................................................................... 6

2.2 Principais movimentos sociais no Brasil ............................................................. 13

2.3 Objetivos dos movimentos sociais ...................................................................... 16

2.4 Conscientização para os movimentos sociais..................................................... 21

2.5 Relação entre movimentos sociais, leis e políticas públicas ............................... 25

3 OS MOVIMENTOS SOCIAIS NA CONTEMPORANEIDADE................................ 28

3.1 Movimentos sociais e sua formação e desenvolvimento no Brasil ..................... 30

3.2 Evolução e importância dos movimentos sociais na contemporaneidade .......... 34

4 ESTADO E CLASSES SOCIAIS ........................................................................... 37

4.1 O Estado e os seus papéis ................................................................................. 38

4.2 O Serviço Social e a divisão de classes ............................................................. 41

5 AS RELAÇÕES ENTRE POLÍTICA SOCIAL E CIDADANIA NO BRASIL ............ 44

5.1 O que é cidadania? ............................................................................................. 44

5.2 O desenvolvimento das políticas sociais a partir da concepção de cidadania .... 46

5.3 Efetivação das políticas sociais: garantia de cidadania ...................................... 48

6 LUTA E MOBILIZAÇÃO SOCIAL .......................................................................... 50

6.1 Democracia e cidadania...................................................................................... 51

6.2 Luta e mobilização social .................................................................................... 54

6.3 Papel e funções da comunicação nos processos de mobilização ...................... 59

7 REFERÊNCIAS..................................................................................................... 63

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora
que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 MOVIMENTOS SOCIAIS

Os movimentos sociais apresentam as demandas da sociedade, enfrentadas


por determinada classe social, que na ação concreta adotam diferentes estratégias
que variam de simples denúncia, passando mobilizações, marchas, concentrações,
passeatas, distúrbios à ordem constituída, até atos de desobediência civil,
negociações etc. Essas ações são capazes de sensibilizar os participantes, pois, “ao
realizar essas ações, projetam em seus participantes sentimentos de pertencimento
social. Aqueles que eram excluídos passam a se sentir incluídos em algum tipo de
ação de um grupo ativo” (GOHN, 2011, p. 336). Para Frank e Fuentes (1989, p. 19),
os movimentos sociais se apoiam “num sentimento de moralidade e (in) justiça e num
poder social baseado na mobilização social contra as privações (exclusões) e pela
sobrevivência e identidade”.

Fonte: www.abrasco.org.br

Os movimentos sociais podem ser motivados por diversas razões, como a


insatisfação da sociedade diante dos problemas de gestão dos governos, nas áreas
de saúde, educação, meio ambiente, entre outras, que causam indignação na
população fazendo emergir os movimentos e as manifestações populares. Cabe
destacar que não existe uma definição única na literatura para o termo movimento
social, mas você verá algumas definições sob o olhar de alguns autores.
Ferreira (2003) considera os movimentos sociais uma ação coletiva de grupos
que se organizam com a finalidade de realizar mudanças sociais por meio da luta
política, compartilhando valores ideológicos e questionando determinada realidade.
Para Gohn (1995, p. 44) os movimentos sociais são:
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Ações coletivas de caráter sociopolítico, construídas por atores sociais
pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Eles politizam suas
demandas e criam um campo político de força social na sociedade civil. Suas
ações estruturam-se a partir de repertórios criados sobre temas e problemas
em situações de: conflitos, litígios e disputas. As ações desenvolvem um
processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva ao
movimento, a partir de interesses em comum. Esta identidade decorre da
força do princípio da solidariedade e é construída a partir da base referencial
de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo.

O movimento social é caracterizado pela união de pessoas em torno de um


objetivo comum, que compartilham valores políticos e culturais, criando, assim, uma
identidade comum ao movimento. Cabe destacar que dependendo do que se
pretende, o movimento pode ser composto por diferentes classes e estratos sociais,
não se baseando apenas na relação contraditória entre capital e trabalho como
percussores de tais movimentos (GOHN, 1995).
Para Scherer-Warren (1984), o movimento social deixou de se fundamentar
apenas no conflito, incorporando uma visão de mundo divergente, na busca pela
liberdade social e individual. Para a autora, o movimento social é a reunião de pessoas
que buscam superar os modos de opressão, de forma ativa ou passiva. Já Silva (2001)
considera o movimento social como um agir por meio de vários procedimentos e um
pensar por meio de ideias que motivam ou embasam a ação individual e coletiva.
Dessa forma, você pode entender movimento social como um instrumento que
possibilita o alcance de objetivos individuais e coletivos, permitindo a superação de
condições de opressão, possibilitando mudanças sociais e construindo uma nova
forma de sociedade (MIRANDA; CASTILHO; CARDOSO, 2009). Avritzer (1994)
afirma que os movimentos sociais não são apenas um simples objeto social, mas sim
um meio de abordar problemas mais gerais.
Na realidade, os movimentos sociais sempre existiram e, no Brasil, se
intensificaram na década de 1970, em oposição ao regime militar, travando uma luta
social e uma forte resistência à ditadura e ao autoritarismo estatal. Esse período da
ditadura militar fez os movimentos sociais surgirem com maior efervescência por meio
de movimentos estudantis, sindicatos, comunidades e pastorais que eram impactadas
por essa forma de governo, etc. Gohn (2011, p. 23) afirma “que os movimentos sociais
dos anos 1970/1980, no Brasil, contribuíram decisivamente, via demandas e pressões
organizadas, para a conquista de vários direitos sociais, que foram inscritos em leis
na nova Constituição Federal de 1988”. Assim, os movimentos sociais vêm

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acompanhando os passos da democracia não só do Brasil, mas de diversas nações
nas últimas décadas, com presença constante nos acontecimentos históricos
relevantes, principalmente no que diz respeito às conquistas sociais. Na verdade,
esses movimentos são uma forma de os cidadãos reivindicarem e terem seus
interesses e anseios coletivos reconhecidos (GOHN, 2004).
Nos anos de 1980 é notável a relevância dos movimentos sociais nos avanços
importantes referentes aos direitos dos cidadãos. Movimentos com foco em questões
éticas e valorização da vida também surgiram, motivados pela violência, pelos
escândalos políticos, pelo clientelismo e pela corrupção, levando a população a reagir.
Nos anos 1990, as intensas mobilizações da sociedade civil culminam no
impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, com destaque para os
“cara-pintadas”, cujo objetivo era o de estabelecer a ética na política. Nos anos 2000,
os movimentos sociais e a participação popular assumem nova configuração em
função da globalização, inclusive por meio de organizações não governamentais
(ONGs), que surgem como uma nova forma de resistência, em substituição aos
movimentos sociais (MIRANDA; CASTILHO; CARDOSO, 2009).
Nos dias de hoje, a situação sociopolítica, econômica, cultural e tecnológica é
diferente da década de 1990, o que faz os movimentos sociais serem diferentes.
Atualmente, vemos os movimentos sociais acontecerem sob a forma de
manifestações, marchas e ocupações com o intuito de reagir contra a política e o
comportamento antiético de muitos políticos.
Em geral, são promovidos por grupos organizados que se estruturam,
convocam/convidam e se organizam por meio das redes sociais. O perfil dos
participantes também se modificou, passando da condição de militante para a de
ativista; as “marchas” se transformaram em protestos; a participação nos eventos
acontece eventualmente, conforme a necessidade; e os simpatizantes de determinada
causa podem se tornar participantes ativos de um novo movimento social. Dessa
forma, crê-se que os movimentos sociais sempre existirão, uma vez que representam
forças sociais organizadas que unem as pessoas não como força tarefa, de ordem
numérica, mas como campo de atividades e de experimentação social, gerando
criatividade e inovações socioculturais (GOHN, 2004).

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2.1 Teorias sobre movimentos sociais

As transformações que vem acontecendo no mundo, nas últimas décadas, têm


influenciado a motivação dos movimentos sociais, evidenciando que eles não se
limitam mais à política, à religião ou às demandas socioeconômicas e trabalhistas,
mas também acontecem por motivos de reconhecimento, de identidade e culturais, se
destacando ao lado de movimentos sociais globais. Portanto, os movimentos sociais
no novo milênio deparam-se com novas demandas, novos conflitos e novas formas
de organização, gerados pelos efeitos da globalização, em suas múltiplas faces
(GOHN, 2008).

Fonte: www.revistaensinosuperior.gr.unicamp.br

O tema movimento social é motivo de vários estudos e, por isso, existem muitas
e amplas abordagens teóricas com eixos analíticos, como as que você verá a seguir
(GOHN, 2008).
- Culturais: relacionados à construção de identidades atribuídas ou adquiridas,
em que os diferentes tipos de pertencimentos são fundamentais em um determinado
contexto. As ações nascem de processos reflexivos entre os participantes que criam
vínculos e constroem sentidos e significados para suas ações coletivas.
- Da justiça social: com foco em questões relacionadas ao reconhecimento de
diferenças e desigualdades e de redistribuição de bens ou direitos, como
recompensas às injustiças acumuladas ao longo da história. Abordagens sustentadas
pelas teorias críticas.

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- Capacidade de resistência dos movimentos sociais: com foco em
questões como autonomia, formas de lutas a favor da construção de um novo mundo,
de novas relações sociais e da luta contra o neoliberalismo. Essa abordagem critica a
luta pela emancipação e cidadania por meio de políticas públicas que visam à
integração social, ao consenso e à participação.
- Institucionalização das ações coletivas: preocupa-se com a criação de
vínculos e redes de sociabilidade entre as pessoas e seu desempenho em instituições,
organizações, espaços segregados, associações, entre outros. É uma abordagem
baseada nas teorias da privação social.
São muitas as teorias que tentam explicar o fenômeno dos movimentos sociais.
Você verá a seguir a TMR, a TPP e a TNMS.
A TMR surgiu motivada pelas transformações políticas que ocorreram na
sociedade norte-americana nos anos de 1960. Movimentos como os dos direitos civis,
contra a guerra do Vietnã e os do feminismo levaram à elaboração da TMR. Essa
teoria enfatiza que os movimentos sociais resultam da união de grupos que
compartilham os mesmos interesses e, em ação coletiva, buscam estratégias para
alcançar seus objetivos. Os autores mais importantes da primeira fase dessa teoria
foram Olson, McCarthy e Zald (1965, 1973 e 1977). McCarthy e Zald eram contra o
funcionalismo e defendiam movimentos, como os dos direitos civis nos Estados
Unidos, por terem sentido e organização. Opunham-se também às versões
economicistas do marxismo, argumentando que insatisfações e motivos para a
mobilização, de qualquer natureza, sempre existirão, sendo insuficientes para explicar
a formação de mobilizações coletivas.
Dessa forma, mais importante que identificar as razões seria explicar o
processo de mobilização. A decisão de agir seria por vontade individual, resultando
da reflexão racional entre custos e benefícios e, a ação coletiva só seria viável se
houvessem recursos financeiros e infraestrutura; ativistas e apoiadores e organização,
ou seja, coordenação entre indivíduos, em forma de associações ou estruturas
comunitárias, que seriam a base organizacional para os movimentos sociais (GOHN,
1997; ALONSO, 2009).
A TMR aplicou a sociologia das organizações no estudo dos movimentos
sociais fazendo analogia com uma organização. Os movimentos sociais vão se
burocratizando conforme a racionalização da atividade política, criando normas,

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hierarquia interna e divisão do trabalho, especializando seus participantes como
gerentes, administradores de recursos e coordenadores das ações (McCARTHY;
ZALD, 1977). Dessa forma, quanto mais longos, mais burocratizados eles vão se
tornando. Além disso, essa longevidade estaria condicionada à capacidade de os
movimentos sociais vencerem a concorrência, pois vários movimentos podem ser
constituídos em torno de um mesmo tema, formando uma “indústria de movimento
social”, na qual, além da cooperação, há também competição em torno de recursos
materiais e de participantes a serem atraídos para um mercado de consumidores de
bens políticos. Assim, surgiriam os conflitos internos, resultando em formação de
facções, rompimento de movimentos grandes e formação de subunidades acerca de
uma mesma causa, ou seja, apenas sucesso os movimentos que possuíssem
características de uma organização formal hierárquica (GOHN, 1997; ALONSO,
2009).
Olson (1965) tem sua teoria focada nos indivíduos, estudando os grupos de
interesse em vez dos movimentos sociais. Para ele, é muito mais fácil organizar
interesses coletivos em grupos compostos por muitos membros do que em grupos
pequenos, destacando a importância do papel dos líderes organizadores desses
interesses.
Na TMR, as ações coletivas são analisadas sob a “perspectiva da relação
custo/benefício, excluindo valores, normas, ideologias, culturas dos movimentos
sociais estudados” (SILVA, 2001, p. 20). É uma teoria que compara os movimentos
sociais a um fenômeno social com características de uma organização formal. Por
esses e outros motivos, foi uma teoria que recebeu críticas de vários autores, entre
elas o fato que excluía valores, normas, ideologias, projetos, cultura e identidade dos
grupos sociais estudados (COHEN, 1985) e que possuía uma visão burocrática dos
movimentos sociais (FERREE, 1992).
Com o evento da globalização, a TMR entrou em uma nova etapa, ampliando
seu campo explicativo, com ênfase no desenvolvimento do processo político no
campo da cultura e na interpretação das ações coletivas. Nessa nova fase, podemos
destacar os trabalhos teóricos de autores como Klandermas; Friedman; Tarrow; Taylor
e Whitter; Traugott; entre outros (GOHN, 1997).
A TPP nasceu de debates marxistas sobre as possibilidades da revolução, e
protestava contra explicações deterministas e economicistas da ação coletiva e contra

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a ideia de um sujeito histórico universal. É uma teoria que rejeita a economia como
explicação chave e combina política e cultura para explicar os movimentos sociais,
considerando a coordenação dos ativistas como fundamental na construção de atores
coletivos que se formam durante o processo de contestação. Essa coordenação é
condicionada à solidariedade, que resulta da combinação do sentimento de
pertencimento a uma categoria e da densidade das redes interpessoais que vinculam
os membros do grupo entre si (TILLY, 1978 apud ALONSO, 2009). No entanto, a
solidariedade só gera ação se puder contar com estruturas de mobilização como
recursos formais (organizações civis) e informais (redes sociais, que favorecem a
organização). Dessa forma, a solidariedade entre um grupo e o controle coletivo sobre
os recursos necessários para sua ação são criados pelo processo de mobilização.

Fonte: www.engenheiropassos.com

Nessa teoria a mobilização tem por base o conflito entre Estado e sociedade,
em que é possível que as posições variem e os atores migrem entre elas. Por isso, é
preciso superar as barreiras estabelecidas sobre a definição de “Estado” e “sociedade”
como duas entidades coesas e monolíticas. ATPP considera o Estado como detentor
do poder, membros da política possuem, portanto, controle ou acesso ao governo que
rege uma população; e a sociedade civil como desafiante, que busca ter influência
sobre o governo e acesso aos recursos controlados pela política. Dessa forma, na
TPP, o movimento social é definido como uma interação contenciosa, envolvendo

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necessidades recíprocas entre sociedade (desafiantes) e Estado (detentores do
poder), em nome de uma população sob litígio (TILLY, 1993 apud ALONSO, 2009).
A ênfase na teoria da mobilização política e o esforço para inserir aspectos
culturais e ideológicos, mesmo que limitadamente, são características fundamentais
da TPP, e as oportunidades políticas e os frames são suas categorias mais relevantes
(CORRÊA; ALMEIDA, 2012).
As oportunidades políticas referem-se a fatores externos à sociedade civil que
influenciam a capacidade de mobilização e recrutamento de grupos sociais, ou seja,
são dimensões do contexto político capazes de estimular ou desestimular as pessoas
a participarem de ações coletivas. A ideia central é muito simples: quando as
estruturas de oportunidade política reduzem os custos da participação, há mobilização
social (TARROW, 1994 apud RENNÓ, 2003). Para Goffman (1974), os frames dizem
respeito à forma como os indivíduos dão significado a suas experiências e ações, ou
seja, como eles percebem a realidade e, enquanto atores dos movimentos sociais,
elaboram seu entendimento sobre justiça/injustiça, moral/imoral, tolerável/intolerável,
que influenciam em sua motivação para se mobilizar (CORRÊA; ALMEIDA, 2012).
Essa teoria foi amplamente criticada por Goodwin (1996), que considera a tese
das oportunidades políticas confusa e imprecisa, com resultados repetitivos e sem
nada novo, ambíguos e insuficientes. O autor criticou ainda os conceitos de frame e
estruturas de mobilização destacando que aspectos culturais são excluídos, reduzindo
a compreensão da cultura a uma perspectiva instrumental e trabalhando apenas com
movimentos que a auxiliam na área da contracultura (GOHN, 1997).
Em relação à cultura, a TPP abriu espaço para ela por meio do conceito de
repertório. Para Tilly (1995, p. 26), repertório é um “conjunto limitado de rotinas que
são aprendidas, compartilhadas e postas em ação por meio de um processo
relativamente deliberado de escolha”. Assim, os atores escolhem quais as formas de
interação mais adequadas aos seus propósitos, isto é, eles atribuem o sentido às
formas, que podem ser tanto de contestação como de reiteração da ordem.
A TNMS possui foco nas mudanças de ordem cultural e diz respeito a
movimentos sociais dos ambientalistas, das mulheres, pela paz e outros. Os novos
movimentos se opõem às práticas e aos objetivos dos velhos movimentos sociais
organizados a partir do mundo do trabalho, ou seja, se opõem ao movimento operário-
sindical (GOHN, 1995). Os novos movimentos sociais possuem foco em questões que

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vão além do conflito de classes, envolvendo questões culturais. Esses movimentos
surgiram em meados do século XX e têm como objetivo atuar como complemento às
lutas de classes dos movimentos clássicos, como alternativa aos movimentos de
classes tradicionais e como alternativa aos partidos políticos de esquerda. Assim, os
novos movimentos sociais poderão surgir como complemento ou como oposição aos
partidos políticos de esquerda e aos movimentos de classes tradicionais. Os novos
movimentos sociais ganharam força na década de 1970 com as lutas sindicais contra
a divisão hierárquica do trabalho (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010). É nesse mesmo
período que os novos movimentos sociais surgem, como o movimento mundial de
protesto contra a guerra dos Estados Unidos no Vietnã, pelos direitos civis dos negros
nos no mesmo país, movimentos feministas e urbanos, entre outros (MONTAÑO;
DURIGUETTO, 2010, p.265).
São características fundamentais dos novos movimentos sociais, as
mobilizações situadas fora do contexto do trabalho e da reprodução da força de
trabalho, destacando o não envolvimento de seus protagonistas nas formas de
organização e com a ideologia do movimento operário, de forma direta, e sua postura
contra Estado e partidos políticos revolucionários. Assim, os novos movimentos
sociais surgem de novas demandas da sociedade contemporânea que requerem
respostas diferenciadas.
Outras características dos novos movimentos sociais são seus valores
antimodernistas; suas formas de ação não convencionais; sua formação, por grupos
marginalizados pelo status quo vigente ou sensíveis aos resultados do capitalismo; as
novas aspirações e a satisfação de necessidades que se colocam em risco frente às
exigências da burocratização e o aumento da industrialização, rompendo laços
tradicionais e estruturas de lealdade existentes. Como resultado tem-se maior
receptividade às novas visões sobre novas utopias sociais (ALONSO, 2009).
Os novos movimentos sociais se preocupam em garantir direitos sociais que já
existem ou que ainda deverão ser conquistados, por meio da mídia e de atividades de
protestos visando à mobilização da opinião pública a seu favor, para pressionar os
órgãos e as políticas estatais. Dessa forma, se valendo de ações diretas, buscam
mudar os valores dominantes e as situações de discriminação, principalmente dentro
de instituições da própria sociedade civil (PONTES, 2015).

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Uma crítica a essa teoria é que ela apresenta novidades na prática histórica
dos movimentos, no entanto, utiliza categorias que não permitem explicar de forma
clara as novas formas de processo social, uma vez que partem dos resultados nos
quais a identidade coletiva é sua maior expressão, é a categoria mais relevante na
análise da TNMS. Assim, essa teoria fez uso do binômio causa e efeito, sem se
aprofundar no conjunto de processos que formam os movimentos sociais. Extraiu da
política a questão da ideologia, mas não abordou o caráter dessas representações
coletivas, como parte de projetos políticos mais abrangentes. Dessa forma, as
análises possuem lacunas em certos aspectos da realidade que podem não se
relacionar com as formas empíricas em um dado momento histórico. Tanto os códigos
culturais como a identidade coletiva são produtos do movimento social, que é um
processo de articulação de ações coletivas (PONTES, 2015).

Fonte: www.correiodobrasil.com.br

Alguns dos autores dessa teoria não fazem distinção entre velhos e novos
movimentos, portanto, essa distinção é criada com base em análises sobre questões
culturais, ideológicas, de consciência, crença, micromobilização e solidariedade, com
foco principalmente no papel que os processos de construção de identidades coletivas
desempenham na formação dos movimentos (LARAÑA, 1999). São autores dessa
teoria Alain Touraine, Jurgen Habermas, Alberto Melucci e Claus Offe.
Podemos dizer que as três teorias sobre movimentos sociais aqui apresentadas
possuem formas bastante particulares. A TMR focou na dimensão micro
organizacional e na estratégica da ação coletiva; a TPP focou o ambiente
macropolítico, incorporando a cultura na análise e utilizando o conceito de repertório,
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mesmo que de forma limitada; e a TNMS focou em aspectos simbólicos e cognitivos
e nas emoções coletivas incluindo-os na própria definição de movimentos sociais,
dando menor importância ao ambiente político em que ocorrem as mobilizações e aos
interesses e recursos materiais envolvidos nela.
Na dimensão histórica, o desenvolvimento da TPP reduziu o espaço da TMR e
logo a derrubou; a TNMS continuou a existir e desenvolveu-se para além da Europa.
Ainda assim, o debate entre a TPP e a TNMS, foi essencial para estabelecer
consensos (ALONSO, 2009).

2.2 Principais movimentos sociais no Brasil

No Brasil, os movimentos sociais ganharam força e destaque a partir da década


de 1960 contra o regime militar. No entanto, a sociedade brasileira é marcada por lutas
e movimentos sociais desde os tempos do Brasil colônia, por movimentos contra a
dominação, a exploração econômica e a exclusão social, como as lutas de índios,
negros, brancos, mestiços pobres e brancos da camada média, influenciados pelas
ideologias de libertação, contra a opressão dos colonizadores europeus.
Veja os movimentos com maior destaque no Brasil colônia e na fase do Império
até o século XX (GOHN, 2000):
 Zumbi dos Palmares (1630-1695);
 Inconfidência Mineira (1789);
 Conspiração dos Alfaiates (1798);
 Revolução Pernambucana (1817);
 Balaiada (Maranhão, 1830-1841);
 Revolta dos Malés (1835);
 Cabanagem (1835);
 Revolução Praieira (1847-1849);
 Revolta de lbicaba (1851);
 Revolta de Vassouras (1858);
 Quebra-Quilos (1873);
 Revolta Muckers (1874);
 Revolta do Vintém (1880);
 Canudos (1874-1897).
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Com a chegada da República, o cenário social se modifica, substituindo a mão
de obra escrava pela mão de obra assalariada. O modo de produção também se altera
com o início, ainda incipiente, da industrialização e com o proletariado urbano.
Surgem, então, as organizações de luta e resistência dos trabalhadores por meio de
ligas, uniões, associações de auxílio mútuo etc. Veja alguns movimentos ocorridos
nas duas primeiras décadas do século que reivindicavam serviços urbanos ou
protestavam contra políticas locais (GOHN, 2000):
 Revolta da Vacina (1905);
 Revolta da Chibata (1910);
 Revolta do Contestado (1912);
 Ligas contra o analfabetismo (1915).

Entre os movimentos ocorridos na década de 1930 estão (GOHN, 2000):


 Movimento dos Pioneiros da Educação (1931);
 Marcha Contra a Fome (1931);
 Revolução Constitucionalista de São Paulo (1932);
 Revolta do Caldeirão no Ceará (1935);
 Criação da Aliança Libertadora Nacional (1935);
 Movimento Pau de Colher (1935).

No período entre 1945 e 1964 muitas lutas e movimentos sociais aconteceram


no cenário de redemocratização do país, aliados a um cenário internacional de
desenvolvimento da sociedade de consumo e à política da Guerra Fria entre Estados
Unidos e ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, as potências mundiais na
época.
Entre os anos de 1961 a 1964 os seguintes movimentos podem ser destacados
(GOHN, 2000):
 Ligas Camponesas do Nordeste;
 Movimento dos Agricultores Sem-Terra (MASTER), no Sul do país;
 Movimento de Educação de Base (MEB);
 Círculos Populares de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes
 (UNE).

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A partir de 1974 o país entra em crise e os movimentos sociais ressurgem.
Entre 1978-1979 tivemos os seguintes (GOHN, 2000):
 Associação Nacional de Movimentos Populares e Sindicais (ANAMPOs);
 Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT);
 Central Única dos Trabalhadores (CUT);
 Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM).

Em 1984, o movimento “Diretas Já” marca a história sociopolítica do Brasil.


Entre os anos de 1984 e 1988, o país se mobiliza em prol de uma nova Constituição.
Os anos de 1990 foram marcados pelo capitalismo globalizado que se espalhou pelo
mundo, foram tempos marcados pelo desemprego, reestruturações no mercado de
trabalho, flexibilização dos contratos, reformas, etc., com destaque para o movimento
dos “cara-pintadas”.

Fonte: www.marcelocoruja.blogspot.com

Nos anos 2000 os movimentos sociais retornam ao cenário da política nacional


com força total. De lá para cá, podemos citar os seguintes movimentos (GOHN, 2000):
 Movimentos dos índios;
 Via Campesina;
 Movimento Passe Livre;
 Movimentos Brasil Livre.

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Em um sistema democrático, a sociedade está em constante construção, por
meio da participação cidadã. Dessa forma, os movimentos sociais, no Brasil e no
mundo, expressam esse esforço de construção social a partir da atuação coletiva dos
indivíduos. Nesse contexto, os movimentos sociais possuem relevância para a
sociedade civil, enquanto instrumento de manifestação e reivindicação. Movimentos
como dos negros, feminista, ambientalistas, da causa operária, estudantis, LGBT e
outros, centralizam-se em algumas regiões específicas, no entanto, outros
movimentos, estimulados pelo processo de globalização e pela disseminação da
informação e meios de comunicação, rompem fronteiras geográficas, em razão da
natureza de suas causas, ganhando adeptos por todo o mundo, como é o caso do
Greenpeace.
A necessidade de os movimentos sociais contarem com uma organização bem
desenvolvida e planejada, demanda a mobilização de recursos e pessoas realmente
comprometidas. Assim, você pode concluir que os movimentos sociais não se limitam
a manifestações públicas, contando também com organizações que atuam com a
finalidade de alcançar seus objetivos políticos, o que significa que há uma luta
constante e em longo prazo, de acordo com cada causa que se quer defender.

2.3 Objetivos dos movimentos sociais

Os movimentos sociais envolvem grande complexidade em decorrência de


suas características próprias e específicas, além de seu vínculo com todo um conjunto
de relações sociais e sua formação social em uma sociedade também complexa.
Nesse contexto, as teorias sobre os movimentos sociais necessitam de amplo
desenvolvimento e, cada novidade teórica que ajude a compreender esse fenômeno,
traz consigo novas questões a serem analisadas e novos problemas que devem ser
abordados e resolvidos. Dessa forma, o estudo sobre movimentos sociais ainda
necessita de desenvolvimento em diversas questões, sendo um processo sem fim
(VIANA, 2016).
Uma dessas questões se refere aos objetivos dos movimentos sociais.
Pesquisadores dos movimentos sociais já realizaram alguns estudos sobre o tema,
mas, de forma superficial ou descritiva, com abordagens ingênuas e com pouca
criticidade, ou seja, de maneira oposta ao que deve ser, pois, para que os movimentos

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sociais sejam compreendidos, bem como qualquer outro fenômeno que se queira
estudar, é necessário um estudo realizado a partir de uma abordagem crítica e geral.
Essa questão sobre objetivos dos movimentos sociais, talvez uma das mais
importantes nesse contexto, ainda é pouco discutida, o que causa certo
estranhamento, uma vez que sem objetivo não existe movimento.
Grande parte dos estudos sobre movimentos sociais apresenta o objetivo sem
análise ou problematização e, outras vezes, apenas o colocam de modo superficial ao
lado de outras questões. O mais comum é a apresentação do objetivo como sendo a
“mudança social”, de forma generalizada. Essa é uma visão hegemônica, que, apesar
de superficial, é muito utilizada no contexto dos movimentos sociais. A ideia de
mudança social equivale à ideia de transformação social, que na verdade significa
substituir uma forma de sociedade por outra, dando um caráter revolucionário para os
movimentos, o que não corresponde à realidade (BOTTOMORE, 1981; TOURAINE,
1997). Alguns sociólogos enxergam a mudança social como uma simples alteração
de algum aspecto da realidade social, reproduzindo uma ideologia em vez de produzi-
la.
Você já se perguntou qual é ou quais são os objetivos dos movimentos sociais?
A importância do objetivo dos movimentos sociais fica evidente no conceito desse
fenômeno, considerado por Viana (2016) como ações coletivas compartilhadas por
grupos sociais que se originam de situações que causam insatisfação, sentimento de
pertencimento e possuem um objetivo a ser perseguido, sendo este um dos elementos
que definem um movimento e que não pode ser deixado em segundo plano. Portanto,
um movimento social surge motivado pela insatisfação gerada por determinada
situação, que é sentida pelo grupo atingido, gerando um sentimento de pertença e o
objetivo que provoca a mobilização. Dessa forma, o objetivo é a meta a ser alcançada
e a razão de ser do movimento social, justificando a mobilização. O objetivo então
existe para que ações sejam implementadas, visando transformar uma situação
problemática. Nesse contexto, o objetivo visa a uma transformação situacional.
Viana (2016) considera que a transformação situacional pode assumir um
estado defensivo, que busca manter a situação impedindo que ocorram mudanças
prejudiciais, ou a volta da situação social anterior, sem que as mudanças tenham
ocorrido; já o estado ofensivo, busca modificar determinada situação social que causa
insatisfação em seu grupo social de base. Você pode entender o primeiro caso como

17
uma conservação e não uma transformação da situação. No entanto, o autor
considera que, ainda assim, existe um elemento de transformação que é a ação contra
tendências, atos, posições, etc., de outros grupos, do Estado, etc., que pode gerar a
mudança que se quer evitar e que se considera prejudicial. Dessa forma, a
transformação situacional defensiva só terá sentido se houver alguma mobilização na
sociedade que ameace a continuidade daquilo que se quer manter.
Transformação situacional e transformação social são ações distintas. A
transformação situacional diz respeito à situação do grupo social ou situação
relacionada a outros grupos. No entanto, se o grupo social que gera o movimento
considerar que sua transformação situacional só é possível com uma transformação
social, o que na maioria dos casos é verdadeiro, então se tem um objetivo de
transformação situacional e social.
A transformação situacional pode ser conservadora, o que significa retomar
uma situação existente anteriormente ou impedir que as reivindicações do grupo
social oposto se mantenham. É reformista e visa à mudança da situação do grupo
social e revolucionária, pois acontece simultaneamente a uma transformação social,
uma vez que somente com uma mudança radical da situação é que pode surgir uma
nova sociedade em substituição da atual, sendo um processo que efetiva a resolução
do problema do grupo social. A transformação social, por sua vez, significa uma
revolução que atinge a toda a sociedade, caracterizando-se como uma mudança
radical, por exemplo, a passagem do feudalismo para o capitalismo (VIANA, 2016).
Observe um exemplo dos tipos de transformações na Figura 1.

18
Agora que você já viu alguns elementos que podem ajudá-lo a compreender os
objetivos dos movimentos sociais, reflita: como os objetivos são formados? De que
forma eles podem ser identificados? Como se materializam?
Os objetivos se formam motivados pela insatisfação em relação a alguma
situação indesejada, que gera um objetivo individual em determinados indivíduos de
um grupo que, tomados pelo sentimento de pertencimento, compartilham com seu
grupo social, por considerar que se trata de um problema coletivo, do grupo todo.
Sendo um problema de todos, gera um objetivo coletivo que irá gerar uma
mobilização. Dessa forma, temos um movimento social (VIANA, 2016).
Um aspecto fundamental para que os objetivos se concretizem é que todos
possuam interesses comuns. Nos movimentos sociais estão presentes interesses
pessoais e grupais, sendo estes últimos os que movem o grupo na mesma direção.
Cabe destacar que interesses divergentes dentro do grupo social ou a predominância
de interesses pessoais sobre os interesses coletivos podem causar situações
constrangedoras dentro dos movimentos sociais, como a formação de um subgrupo
com a finalidade de lutar por benefícios pessoais em vez de lutar pela solução do
problema do grupo social. O interesse pessoal pode fazer com que o indivíduo resolva
seu problema de forma individual, usando o movimento para essa finalidade ou
abandonando a luta do grupo, entre outros.

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Viana (2016) alerta que nos movimentos sociais conservadores o interesse
pessoal coincide com o interesse do grupo, não havendo contradição. No caso das
tendências conservadoras e reformistas dos movimentos sociais reformistas, existem
contradições, mas são encobertas por ideologias, doutrinas, etc. No caso de
movimentos sociais com tendências revolucionárias, os interesses pessoais podem
ser incompatíveis com o interesse grupal, motivando o abandono da luta ou sua
substituição por formas oportunistas. Há de se ter cuidado, pois muitos indivíduos
focados em interesses pessoais tendem a gerar o oportunismo nos movimentos
sociais. No entanto, indivíduos voltados aos interesses fundamentais tendem a
reforçar os interesses do grupo.
Para identificar o objetivo de um movimento social é importante distinguir
objetivos reais e objetivos declarados, que possibilitam verificar se há diferença entre
os objetivos que constam nos discursos e os que são efetivos, chamando a atenção
para uma possível dicotomia entre eles. Se uma organização mobilizadora tem como
objetivo a defesa do meio ambiente e busca garantir sua preservação, temos o seu
objetivo declarado. No entanto, é preciso verificar se esse objetivo é real, ou seja, é o
objetivo verdadeiro e efetivo de tal organização.
Etzioni (1976) recomenda que os gastos sejam analisados, bem como as
despesas com recursos e energia da organização, pois se há um gasto maior para
sua manutenção do que com a mobilização em defesa do meio ambiente, então há
uma dicotomia entre objetivo real e declarado. Caso a situação seja inversa, ou seja,
se os gastos forem inferiores e as energias e recursos forem voltados para a
preservação ambiental, então objetivos reais e declarados estão em equilíbrio. Claro
que existem outros aspectos a serem considerados, mas a partir dessa comparação
já é possível verificar se há ou não compatibilidade entre discurso e ação efetiva
(ETZIONE, 1976).
Outra forma de identificar os objetivos é por meio da análise do
desenvolvimento histórico do movimento social e suas ramificações. Entender as
ramificações é fundamental para compreender qual é o objetivo que predomina no
interior do movimento, lembrando que uma organização mobilizadora pode
inicialmente apresentar um objetivo e, posteriormente, alterá-lo devido a mudanças
de hegemonia na sociedade civil, nos integrantes da organização, etc. Esta ação a
chamada substituição de objetivos que para Etzioni (1976) é mais comum ocorrer

20
entre meios e fins. A organização para ação é o meio para se atingir o fim, que é o
objetivo do movimento social do qual se faz parte.
Outra forma de identificar os objetivos de um movimento social é por meio das
reivindicações, que são a forma concreta de explicitação dos objetivos dos
movimentos sociais. Sem as reivindicações, qualquer objetivo declarado em
documentos, manifestos, e outras formas, não possuem valor e estarão em oposição
aos objetivos reais. Nesse contexto se encontram as reivindicações específicas,
ligadas aos interesses imediatos e específicos; e as reinvindicações gerais, ligadas
aos interesses gerais ou universais/fundamentais. Dessa forma, as reivindicações dos
movimentos sociais ou de suas ramificações são as fontes de revelação dos seus
reais objetivos, ou seja, os objetivos dos movimentos sociais são a verdadeira
expressão dos interesses de seus grupos sociais de base, que estão ligados ao
contexto social e histórico mais amplo (ETZIONI, 1976; VIANA, 2016).

Portanto, você pode entender que os objetivos dos movimentos sociais são
formados a partir da consciência e geração de valores, concepções, sentimentos, etc.
e com uma gama de opções. No entanto, isso não é suficiente para explicar o motivo
de escolha de um objetivo, pois, como é possível notar nos exemplos apresentados,
os movimentos podem ter objetivos distintos, dependendo da causa que se quer
defender ou da situação a ser transformada, etc.

2.4 Conscientização para os movimentos sociais

Vamos iniciar este tema fazendo uma reflexão sobre o que é um problema no
contexto dos movimentos sociais. Você já parou para pensar que um problema é o
elemento principal dos movimentos sociais? Assim, é fundamental compreendê-lo

21
para fornecer aos integrantes dos movimentos, uma base sólida de conhecimento e
uma capacidade consistente de análise, que permitam a elaboração do/dos objetivos
que devem ser alcançados por meio dos movimentos sociais. Podemos pensar em
problema social como uma situação que causa mal-estar, insatisfação e
consequências negativas a alguém, uma comunidade, sociedade, instituições, etc.
Entender o problema/a situação que se deseja mudar é fundamental para que as
pessoas se comprometam com a causa.
Um passo importante é diagnosticar a situação que causa insatisfação, listando
suas consequências e avaliando-as sob a ótica dos integrantes dos movimentos,
situando os problemas no tempo e no espaço, verificando a relação ou contradição
entre esses problemas, identificando os fatores que evidenciam sua existência,
realizando um levantamento de suas causas e consequências e destacando entre elas
as mais críticas e que podem sofrer intervenção. São três os tipos de problemas
existentes (DAGNINO, 2009):
 Os que representam uma ameaça, ou seja, o perigo de agravar uma situação
ou a possibilidade de perda de algo conquistado;
 Os que representam uma oportunidade, ou seja, podem ser aproveitados ou
descartados pelos atores sociais;
 Os que representam um obstáculo, dificultando uma conquista ou benefício.

É importante compreender corretamente o problema porque será ele o motivo


da ação com o intuito de reduzi-lo ou soluciona-lo. Do contrário, há risco de se chegar
a uma visão distorcida da situação e, consequentemente, tomada de decisões
equivocadas. Perceba que um problema pode ser, por exemplo, uma situação ou um
estado negativo que influencia a vida de várias pessoas, a utilização de recursos de
forma indevida que impacta na qualidade de vida dessas pessoas, uma ameaça ou
uma intenção de provocar algo que já foi conquistado, etc. Daí a importância de
identificar problemas atuais ou realmente potenciais, evitando “achismos” e
imaginação, pois um problema não significa ausência de uma solução.
Os problemas devem ser detalhados em sua reivindicação e não de forma
generalista como saúde, meio ambiente, direitos humanos, etc., pois, dessa forma,
indicam um sentido amplo sem necessariamente indicar qual é a situação que se
busca resolver/transformar. Portanto, você pode concluir que compreender a origem

22
do problema é fundamental para a formulação dos objetivos dos movimentos sociais,
ou seja, conhecer as causas do problema permite identificar quais opções têm chance
de funcionar (DAGNINO, 2009).
Nesse contexto, outro elemento fundamental para o movimento social é a
conscientização. Para Freire (1980), a conscientização é um processo que se constrói
quando o indivíduo se aproxima da realidade.

A conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato


ação-reflexão. [...] Por isso mesmo, a conscientização é um compromisso
histórico. É também consciência histórica: é inserção crítica na história,
implica que os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o
mundo. [...] A conscientização não está baseada sobre a consciência, de um
lado, e o mundo, de outro; por outra parte, não pretende uma separação. Ao
contrário, está baseada na relação consciência-mundo. [...] (FREIRE, 1980,
p. 26 e 90).

Para Sandoval (1994) a consciência está ligada aos significados que os


indivíduos dão às interações e aos acontecimentos em sua vida. Para o autor,
consciência, antes de tudo, refere-se à atribuição dada pelos indivíduos ao ambiente
social em que estão inseridos, significados esses que guiam sua conduta e que
apenas são compreendidos dentro do contexto no qual se inserem. Tal afirmação
corrobora com o pensamento de Marx (1845) de que o ser social é que determina a
consciência do homem.
Existem dois momentos em um processo de mobilização: o momento do
despertar do desejo e da consciência sobre a necessidade de mudanças e de atitudes;
e o momento da transformação desse desejo e dessa consciência em disposição para
agir e na própria ação (TORO; WERNECK, 2004).

23
Fonte: www.uipi.com.br

No contexto dos movimentos sociais, a conscientização é fundamental para o


surgimento do sentimento de pertencimento social, pois, aqueles que se sentem
excluídos passam a se sentir incluídos em um grupo de ação ativo, acolhidos e iguais
(GOHN, 2011). A compreensão do problema motiva o processo de conscientização,
principalmente quando é entendido como um problema coletivo e não somente
individual. Despertar a consciência sobre os problemas vividos estimula a participação
e o comprometimento das pessoas nos movimentos sociais que, para consolidação e
ampliação dos direitos sociais e a manutenção dos direitos já conquistados, deve ser
um processo constante e contínuo.
Para que as mudanças sociais ou políticas ocorram, as pessoas devem ter
consciência de sua capacidade de desempenhar papéis importantes para a
construção dessas mudanças; ter conhecimento sobre a realidade, descobrir a si
próprio e refletir sobre as relações com os outros e com o meio em que estão inseridas.
Isso faz com que valores como respeito, solidariedade, empatia e outros sejam
repensados e orientem a nova forma de agir. Apenas quando o valor individual é
despertado que se pode acreditar no potencial transformador. Assim, a
conscientização é capaz de promover a interiorização e apreensão da realidade,
levando à reflexão sobre o papel do indivíduo enquanto cidadão, sua relação com os
outros e suas atitudes em relação à realidade (TORO; WERNECK, 2004).

24
2.5 Relação entre movimentos sociais, leis e políticas públicas

A política pública refere-se à ação cuja finalidade é atender às necessidades


sociais que não conseguem ser resolvidas na esfera privada, individual ou
espontânea, necessitando ser resolvida por decisão coletiva sob os princípios de
justiça social, protegidos por leis que efetivam direitos. É denominada política pública
porque contempla todas as forças e sujeitos sociais. Nesse contexto, a palavra política
refere-se às medidas que são formuladas e executadas para o atendimento de
demandas e necessidades sociais, caracterizando-se como uma estratégia de ação
planejada e avaliada, na qual o Estado e a sociedade civil desempenham papéis
específicos, em uma relação recíproca e antagônica.
Desse modo, a política pública envolve a intervenção do Estado com a
participação de diferentes atores sociais, públicos e privados, contemplando
demandas da sociedade e resultados da ação política dos governos. Portanto, a
política pública assume o significado de ação e não de ação intencional de autoridade
pública diante de um problema ou necessidade. Sob essa ótica, a função da política
pública é efetivar os direitos conquistados pela sociedade, incluindo-os nas leis, o que
caracteriza o caráter universal dos bens públicos (PEREIRA, 2008).
As políticas públicas são classificadas por tipo em decorrência de sua
complexidade e, também, para facilitar sua análise. Cabe ressaltar que elas podem
variar dependendo do contexto histórico e geográfico, sendo formuladas em uma
arena de conflito associada à forma de regulação.
Entre os vários tipos de arena, você verá a seguir os quatro principais
(PEREIRA, 2008).
 Arena regulamentadora: na qual normas e regras são estabelecidas pelo
Estado de forma coercitiva.
 Arena redistributiva: refere-se ao acesso de vantagens a determinados
sujeitos em detrimento de outros, estabelecidas pelo poder público, utilizando
recursos obtidos em outros grupos específicos.
 Arena distributiva: quando as necessidades sociais de determinado grupo
são atendidas com recursos obtidos por meio da arrecadação de impostos,
contribuições sociais e econômicas e taxas (tributos), mantendo um caráter
compensatório.

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 Arena constitutiva: em que decorrem ações públicas cuja coerção afeta
indiretamente o cidadão, ou seja, define regras e procedimentos sobre a
formulação e implementação de políticas públicas nas demais arenas.

A interação entre Estado e sociedade civil, no contexto das políticas públicas,


está inserida em um processo histórico complexo, no qual os dois possuem
particularidades e interesses próprios, apesar de sua interdependência e autonomia,
ou seja, ambos se influenciam mutuamente. Montaño e Duriguetto (2010) contam que
os movimentos sociais são representações do processo de organização da classe
trabalhadora, da luta de classes e das lutas sociais existentes no Brasil desde o início
do século XX. No entanto, foi na década de 1970 que eles se intensificaram, quando
se opunham ao regime militar, por meio de uma luta social que resistia à ditadura e
ao autoritarismo estatal. Esse foi um período que propiciou o surgimento de vários
movimentos sociais, como os movimentos estudantis, os da classe operária e os das
comunidades que sofriam os impactos causados por essa forma de governo.
Os movimentos sociais dos anos de 1970 e 1980 foram decisivos para a
conquista de vários direitos sociais, instituídos por lei na Constituição Federal de 1988
(CF/88) (GOHN, 2011). Esses movimentos contribuíram para a redemocratização do
Brasil, que teve como característica a inclusão de novos atores sociais na esfera
política, fazendo surgir, ao longo dos anos de 1980 e 1990, os espaços públicos
destinados à participação da sociedade civil, por exemplo, os conselhos, os fóruns e
os comitês.
Nesse período houve também uma mudança no perfil dos movimentos sociais,
que passaram da atuação por meio de manifestações e reivindicações para uma
atuação mais focada em ações propositivas, por meio de ONGs.
Para Gohn (2007), com uma atuação mais participativa e de parceria com o
Estado, os movimentos sociais ajudaram a construir os vários canais de participação
e a institucionalização de espaços públicos relevantes, como os fóruns e os conselhos,
nas esferas municipais, estaduais e federais. Também assumiram posturas menos
reivindicatórias e mais construtivistas e produtivas, tendo como principais
características a participação cidadã e a dimensão estratégica. Dessa maneira, os
novos associativismos, sob a ótica da participação cidadã, atuam na prestação de

26
serviços à comunidade e à população, distanciando-se do campo das reivindicações
e atuando em parceria com o Estado.

Fonte: www.brainly.com.br

Apesar de ainda existir certa dificuldade de esses movimentos se inserirem na


sociedade civil, em razão de valores tradicionais da política brasileira, eles vêm ao
longo do tempo contribuindo para levar ao espaço público, a discussão e a construção
coletiva e pública sobre temas e questões que antes eram considerados problemas
privados e individuais, constituindo-os como objetos de políticas públicas. Nesse
sentido, para efetivar a democracia em nosso país, é preciso fortalecer as esferas
públicas não estatais como espaço de condução das ações coletivas organizadas, em
que as prioridades para a formulação e a implementação de políticas públicas possam
ser definidas, bem como sua fiscalização e execução, efetivadas.
Dessa forma, os movimentos sociais enquanto expressões dos movimentos de
luta de classes e lutas sociais atuam como atores políticos do processo de formação
das políticas sociais, em que as necessidades dos indivíduos se transformam em
demandas a serem reivindicadas por meio de mobilizações, pressões e lutas sociais,
levando-as a uma instância de negociação, consentimento e, dentro do possível,
devido às diversas condições necessárias e escassas, chegando ao patamar de
políticas públicas (GOHN, 2007).
27
3 OS MOVIMENTOS SOCIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

Atualmente, os movimentos sociais protagonizados pela sociedade civil somam


um conjunto variado de demandas por meio de múltiplas bandeiras de lutas sociais.
A partir dos anos 1970 e 1980, houve uma intensificação importante da sua
organização/instituição, bem como na amplitude das demandas que passaram a fazer
parte de suas lutas.
Lüchmann e Sousa (2005) analisam os movimentos sociais em dois
importantes polos: os novos instituintes/instituídos e os novos contrainstituintes. Os
primeiros fazem parte de um grupo geracional que lutou pela redemocratização e pela
ampliação dos espaços de participação democrática do país. Trata-se de um coletivo
que surge das lutas contra a ditadura e as barbáries das perseguições políticas.

(...) novos, porque num movimento de afirmação geracional de luta contra a


falta de liberdade política visam ampliar os espaços de participação social
junto às instituições políticas, interferindo diretamente nas definições das
políticas públicas, tendo em vista não apenas a efetivação dos direitos
instituídos, mas também a criação de novos direitos (LÜCHMANN; SOUSA,
2005, p. 97).

Após as conquistas de direitos prometidas pela promulgação da Constituição


de 1988 e pelas vitórias de significativas demandas dos trabalhadores tanto no âmbito
das leis quanto na conquista de espaços políticos, inclusive partidários, novas
transformações se sucedem durante os anos 1990. Na época, o Brasil viveu um
período de desmontes de direitos já conquistados.
O contexto de globalização e governo de ideologia neoliberal, na qual o Estado
deve ser mínimo e os direitos sociais são vistos enquanto gastos que travam o
desenvolvimento econômico, os movimentos sociais passaram a enfrentar novos
desafios.
A sociedade civil organizada vive um dilema entre a luta institucional versus a
mobilização social, pois é chamada pelo Estado para “[...] administrar a crise que se
aprofunda frente ao esfacelamento dos serviços públicos e sociais [...]” (LÜCHMANN;
SOUSA, 2005, p. 99). A partir disso, as Organizações da Sociedade Civil (ONGs)
passam a ter reconhecimento público e assumem papel ativo e propositivo acerca das
questões sociais no país.
Assim, os movimentos sociais que possuíam caráter reivindicativo, em sua
maior expressão, passam a atuar direta e administrativamente nas questões sociais.
28
Ocorre, então, um aumento expressivo de ONGs no Brasil durante a década de 1990,
remetendo-nos a outro estudo significativamente importante sobre a terceirização dos
serviços públicos, o qual não poderemos incluir neste capítulo pela sua complexidade
e abrangência.
Com relação aos novos contrainstituintes, as autoras os relacionam às novas
gerações de brasileiros que vivem a partir da consolidação democrática uma nova
estruturação social, na qual as demandas sociais possuem vazão através de diversas
formas de manifestações. Com a globalização e com o desenvolvimento das
comunicações, os novos movimentos sociais juvenis “[...] convidam à revolução do
cotidiano, realizando a arte nas ruas com ações contrainstituintes e de caráter
anticapitalista, revelando a ressignificação que fazem de um passado recente [...]”
(LÜCHMANN; SOUSA, 2005, p. 105).
As formas de articulação via internet são comuns para os novos movimentos
sociais juvenis. Através da dinâmica realidade tecnológica, ações sociais diversas são
eficazmente organizadas, possuindo grande alcance entre os participantes. São
organizados movimentos sociais que podem se materializarem em denúncias, abaixo-
assinados, mobilizações, marchas, concentrações, passeatas, distúrbios,
negociações, expressões culturais temáticas, entre outros.
Gohn (2011) afirma que as negociações, diálogos ou confrontos nos atos
participativos não são processos isolados, mas de caráter político-social. São ações
sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam formas distintas de
a população se organizar e expressar suas demandas.

Fonte: www.politize.com.br
29
Atualmente, temos movimentos sociais diversos do âmbito rural e urbano, dos
direitos sociais, direitos trabalhistas, direitos humanos, contra formas de violências a
segmentos da sociedade e gêneros, movimentos sociais de valorização da cultura
étnica racial, religiosa, entre tantos outros movimentos instituídos em Associações,
ONGs, Fundações e Sindicatos. São expressões da participação da sociedade civil,
mais diretamente relacionados às gerações mais antigas ligadas aos chamados
novos-instituintes, nas questões sociais, conquistadas pela luta de movimentos
sociais e políticos que atuaram insistentemente e corajosamente na história da
constituição do processo democrático brasileiro. Além desses, temos ainda, os jovens
contrainstituintes, que transformam realidades através de suas manifestações
independentes.

3.1 Movimentos sociais e sua formação e desenvolvimento no Brasil

Para entender a sociedade brasileira tal como ela é hoje, faz-se necessário
estudar a respeito da história e do processo evolutivo da sociedade no Brasil. Sendo
assim, é preciso conhecer os movimentos sociais basilares que estão intrínsecos às
atividades em prol da luta pela democracia brasileira, igualdade e justiça social. O
primeiro movimento social expressivo foi formado quando o Brasil passou a ser colônia
de Portugal, que trouxe para o País pessoas oriundas do continente Africano para
serem escravizadas. Nesse período, houve um movimento social organizado em prol
da abolição da escravidão (OLIVEIRA, 2017).
Passados alguns séculos, outros movimentos ocorreram já no primeiro governo
da República, como: a Guerra de Canudos (1893–1897), no estado da Bahia, em que
as pessoas lutavam por cidadania e melhores condições de vida no sertão nordestino,
tendo como líder Antônio Conselheiro; e a Guerra do Contestado (1912–1916),
formada por pessoas que foram expulsas de suas terras, em virtude de estas terem
sido concedidas a um grupo norte-americano para a construção de uma estrada de
ferro, na região entre os estados do Paraná e Santa Catarina. Esses dois movimentos
sociais marcaram o início do Brasil republicano, e ambos foram intensamente
perseguidos por parte do Estado (TOMAZI, 2000).
Outro importante movimento que ficou marcado na história da recém-República
é a Greve Geral de 1917, promovida pelos operários no Brasil. Essa greve ocorreu

30
devido ao processo tardio de industrialização no País, pois, ao contrário dos países
da Europa, que já haviam passado pela Revolução Industrial, aqui ainda não se tinha
indústrias, apenas a forma artesanal e as atividades rurais, que predominavam até
então.
Com a entrada do século XX, inicia-se o procedimento de industrialização no
Brasil, isto é, o País passa por várias mudanças na sua economia e no seu modo de
produção. Com isso, há um intenso êxodo dos lugares mais remotos do País, bem
como a chegada de imigrantes, advindos sobretudo da Europa, para os centros
urbanos da época, que eram Rio de Janeiro e, principalmente, São Paulo. No entanto,
as cidades não comportavam todo esse acréscimo populacional, visto que ainda não
tinham saneamento básico, entre outras necessidades elementares da vida humana.
Além disso, essas recém-indústrias necessitavam de mão de obra, de modo
que se apropriaram desse movimento de êxodo rural para fazer essa população atuar
como mão de obra nos polos industriais. As formas de contratação eram semelhantes
às da época da Revolução Industrial na Europa. Entretanto, é preciso ressaltar que a
Revolução Industrial da Europa ocorreu entre os séculos XVIII e XIX, ao passo que o
Brasil iniciou a sua industrialização no século XX, de modo que poderia ter buscado
conhecer os erros da Europa no passado para não os repetir — o que não aconteceu.
Em pleno século XX, os capitalistas industriais contratavam os trabalhadores
para extensas jornadas de trabalho, sem qualquer tipo de garantias trabalhistas, locais
com péssimas condições de higiene, além de contratarem crianças e mulheres para
fazer o mesmo trabalho e com a mesma jornada que os homens. Segundo Iamamoto
e Carvalho (2012, p. 126):

A exploração abusiva a que é submetido – afetando sua capacidade vital – e


a luta defensiva que o operariado desenvolve, aparecerão, em determinado
momento, para o restante da sociedade burguesa, como uma ameaça a seus
mais sagrados valores, “a moral, a religião e a ordem pública”.

Diante desse cenário, em meados do ano de 1917, em São Paulo, o País


passou por intensas ondas de protestos por parte desses trabalhadores, que
buscavam, além de melhores condições de trabalho, condições de direitos sociais e
trabalhistas que regulassem as jornadas de trabalho, com licença maternidade,
salários adequados, entre outros (OLIVEIRA, 2017). Cabe ressaltar que as pessoas
recém-chegadas ao País enquanto imigrantes da Europa e que já tinham experiências

31
com movimentos sociais deram uma importante contribuição para a sistematização
dos movimentos sociais brasileiros nesse período.
Assim, grandes movimentos foram organizados para exigir que o Estado
regulamentasse políticas que dessem amparo às questões do trabalho e leis que
pudessem garantir e respaldar seus direitos de trabalhadores e cidadãos. Nesse
contexto, o Estado passou a sistematizar legislações para regulamentar tudo o que os
movimentos sociais dos operários estavam reivindicando. Conforme Iamamoto e
Carvalho (2012, p. 126):

As leis sociais, que representam a parte mais importante dessa


regulamentação, se colocam na ordem do dia a partir do momento em que as
terríveis condições de existência do proletariado ficam definitivamente
retratadas para a sociedade brasileira por meio dos grandes movimentos
sociais desencadeados para a conquista de uma cidadania social.

As leis sociais foram sistematizadas a partir da Constituição de 1934, que


regula a carga horária diária de trabalho para 8 horas, além de um salário mínimo que
pudesse garantir as condições mínimas de sobrevivência da família e dos operários.
Em 1943, no governo Varguista, é promulgada a Consolidação das Leis Trabalhistas
(CLT) (OLIVEIRA, 2017).
Cabe ressaltar que outras importantes manifestações populares foram se
organizando não apenas no meio urbano brasileiro, mas também no campo. De
acordo com Tomazi (2000), alguns movimentos sociais no meio rural conseguiram
garantir a conquista da promulgação de um Estatuto que preservava os direitos dos
trabalhadores rurais. Entretanto, com a destituição da democracia, em 1964, por meio
do regime ditatorial militar, os movimentos sociais, que estavam em plena expansão
e fortalecimento no Brasil, foram considerados movimentos subversivos e
clandestinos pelo governo, que proibiu qualquer tipo de manifestação popular com o
intuito de criticá-lo.

32
Fonte: www.querobolsa.com.br

Desse modo, as necessidades da população por melhores condições de vida,


tanto na cidade quanto no campo, dificilmente eram atendidas, e muitos tiveram suas
vidas aniquiladas. Todavia, ao longo de todo o regime militar, muitos foram os
confrontos, sobretudo para voltar à democracia, à escolha livre e direta de seus
governantes. Além disso, a Igreja Católica, por meio da teologia da libertação, e o
movimento estudantil tiveram uma intensa participação de resistência ao governo
ditatorial brasileiro.
Outro movimento social de base operária ocorreu no Brasil no final da década
de 70: a greve geral dos metalúrgicos da região do ABC paulista. Esse movimento foi
muito significativo para a classe trabalhadora, pois reivindicava melhores salários e
condições de vida para essa população. Com a chegada nos anos de 1980, teve
origem o movimento pelas Diretas Já, que reuniu pessoas das mais diversas e
diferentes concepções políticas e de classes, como artistas, intelectuais, estudantes,
camponeses, trabalhadores, entre outros. Esse importante movimento social
conclamava pela abertura do Congresso e o voto direto para a escolha dos
representantes nos Poderes. Com o fim do regime militar, em 1985, outro movimento
se sistematizou em prol de uma Constituição que fosse democrática e que se
baseasse nos direitos humanos e na justiça social: o movimento da Constituinte.

33
De acordo com Gohn (1995b, p. 61):

É o caso das organizações anarco-sindicalistas introduzidas pelos


trabalhadores italianos. Estas formas politizadas de organização conviveram
com as associações de auxílio mútuo, de caráter marcadamente pré-político;
[...] combinadas com as reivindicações salariais e com as demandas pela
modernização das relações de trabalho.

Portanto, a Constituição Federal promulgada em 1988 foi resultado dessas


inúmeras manifestações de vários segmentos da sociedade brasileira, que buscavam
ter uma Constituição que atendesse aos anseios da população em relação à liberdade
e ao acesso a políticas públicas sociais de forma universal, respeitando o princípio da
equidade e da justiça social.
Por fim, outro importante destaque da Constituição Federal, que lhe confere o
reconhecimento de Constituição cidadã e democrática, é a participação ativa da
população nos centros de decisão, não cabendo mais ao Estado decidir todas as
questões relacionadas às políticas públicas sociais de forma centralizada e
verticalizada. Assim, a Constituição Federal apresentou, em seu texto, que o Estado
deve discutir e decidir em conjunto com a população, por meio da formulação de
conselhos de direitos, as diversas políticas públicas, de forma a tomar as decisões de
modo descentralizado e considerando os pontos de vista tanto do próprio Estado
quanto da sociedade civil organizada.

3.2 Evolução e importância dos movimentos sociais na contemporaneidade

Uma das premissas basilares a respeito dos movimentos sociais, desde a sua
origem até a contemporaneidade, é o fator político social e educativo que os
movimentos sociais proporcionam às pessoas que deles participam. Os movimentos
sociais são mecanismos fundamentais na sociedade, uma vez que permitem que
situações sejam transformadas por meio de pessoas que se articulam na sociedade,
organizam suas demandas e desenvolvem formas de chamar a atenção do Estado e
dos demais membros da sociedade, visando a garantir que suas necessidades e
demandas se tornem direitos e benefícios garantidos pelo Estado.
De acordo com Castells (2013), o exato escopo dos movimentos sociais é
aumentar a consciência dos cidadãos em geral e qualificá-los pela participação,
visando a alcançar a informação e o conhecimento a respeito de sua cidadania e de

34
seus direitos individuais e coletivos perante o Estado. Com o passar dos anos, esses
movimentos sociais foram se alterando e surgiram novos, os quais buscam garantir
os direitos humanos e alterar comportamentos e atitudes de toda a sociedade.
De acordo com Gohn (1995a), os movimentos sociais se constituem enquanto
atos coletivos de atitude sociopolítica, estabelecidos por atores sociais de distintas
classes sociais. A partir dos movimentos sociais, é possível alcançar o grau de
politização e educação crítica e cidadã, a compreensão sobre o jogo político e
econômico, entre outros. Desse modo, esses movimentos instituem uma arena
política de força social na sociedade civil.
Atualmente, os movimentos sociais representam as novas demandas
apresentadas à sociedade contemporânea, e existem diversas respostas e formas
distintas para atender aos anseios desses inúmeros movimentos (CRAVEIRO;
HAMDAN, 2015). Alguns dos importantes movimentos sociais que foram se
estabelecendo, com pautas de lutas por visibilidade, direitos e reivindicações, são:
movimentos ambientais, movimentos culturais, movimentos de luta por igualdade de
gênero, Movimento Sem-Terra (MST), movimento em defesa da cultura e da arte,
movimento LGBTQIA+, movimento negro, movimento de luta pelo direito à moradia,
movimento das pessoas em situação de rua, entre outros.
Em se tratando dos movimentos sociais contemporâneos, estes possuem
algumas distinções em relação aos movimentos sociais originários. Por exemplo,
quando analisamos os movimentos sociais mais tradicionais, eles se articulam a partir
de necessidades de elevação de salários, melhores condições de trabalho e direitos
(p. ex., férias remuneradas, descanso no final de semana remunerado, etc.). Contudo,
hoje, muitos trabalhadores podem usufruir dessas reinvindicações, fruto do processo
de luta desses movimentos sociais.

35
Fonte: www.cursoenemgratuito.com.br

Os movimentos sociais que foram se constituindo no cenário contemporâneo


também lutam por direitos, porém em esfera mais específica, como é o caso do
movimento LGBTQIA+, que luta por direitos sociais, civis e políticos de pessoas que
se identificam por sua orientação sexual e de gênero ser distinta daquela determinada
pelos setores mais conservadores da sociedade.
Segundo Tomazi (2000), esses movimentos foram se formando em prol de
lutas por necessidades específicas e porque negam a moral de meritocracia
apregoada na sociedade.
Portanto, na cena contemporânea, tanto os movimentos que têm pautas mais
gerais quanto os que têm pautas mais específicas, como o movimento negro e o
LGBTQIA+, têm algo em comum: lutar por direitos sociais, por melhores condições de
vida, respeito, igualdade e dignidade. Somado isso, eles tecem críticas ao Estado,
para que este intervenha de maneira mais inclusiva e com políticas sociais que
promovam a igualdade de oportunidade para todos.
Na contemporaneidade, vários movimentos sociais têm influência em diversos
setores da sociedade civil, além de partidos políticos. Todavia, é importante ressaltar
que tanto os movimentos sociais mais tradicionais como os movimentos
contemporâneos possuem importância, pois ambos lutam por transformações
necessárias. Além disso, eles buscam apresentar as diversas insatisfações que a
população possa ter diante de uma tomada de decisão por parte de algum gestor
público, seja na esfera municipal, estadual ou federal.

36
Ferraz (2019, p. 360) faz uma importante ponderação em relação a uma
especificidade a respeito dos movimentos sociais que se formam na
contemporaneidade:

Embora algumas das atuais características dos movimentos sociais


estivessem presentes desde o final dos anos 1990 e início dos anos 2000, as
novas mídias sociais e tecnologias de informação e comunicação parecem
ter proporcionado uma maior visibilidade a um número também crescente de
inquietações e demandas e aumentado sua capacidade de articulação [...].

Portanto, os movimentos sociais são organizados de forma a alcançar as suas


reivindicações, bem como dar visibilidade à realidade social vivenciada. Além disso,
os movimentos sociais têm por característica apresentar as conquistas adquiridas,
para que todos da sociedade possam perceber que muito dos direitos que eles podem
acessar são frutos de intensos debates, articulações e reivindicações por parte dos
movimentos sociais.
É fato que houve avanços na forma de os movimentos sociais se organizarem,
visto que a sociedade adentrou a era da tecnologia, com diversos meios de
comunicação acessíveis a uma boa parcela da população. Isso tem sido um fator
preponderante entre os movimentos sociais que utilizam redes sociais, grupos de
discussão em aplicativos de mensagens, blogs, entre outros. Contudo, é
imprescindível destacar que os espaços de ruas e praças são fundamentais para os
processos de organização dos grupos coletivos que executam manifestações em prol
das lutas sociais, com vistas a conquistar direitos, visibilidade, respeito e demais
necessidades que se formam na vida das pessoas na sociedade civil.

4 ESTADO E CLASSES SOCIAIS

O Estado é um fenômeno histórico e relacional que deve ser tratado como um


processo. Afinal, ele não existe de forma absoluta nem é inalterável. Sua finalidade é
garantir a liberdade e a igualdade entre os homens. Para isso, o Estado exerce
controle sobre a sociedade, mas também possui a função de protegê-la. Na
atualidade, predomina o Estado neoliberal, que interfere de forma parcial na economia
e visa a proteger as classes mais desfavorecidas por meio de políticas sociais
paliativas.

37
Contudo, o que se vê é o Estado atuando a favor de determinados grupos.
Nesse contexto, surgem questões importantes, especialmente ligadas aos
movimentos de resistência como forma de oposição e luta por igualdade de direitos.

4.1 O Estado e os seus papéis

A fim de compreender a formação do Estado na atualidade, você deve refletir


sobre os pressupostos ontológicos que pontuam a constituição dessa instância, que
é um marco na história das sociedades. O homem, em seu estado de natureza, possui
sua liberdade natural e a protege com sua força física. Como disse Thomas Hobbes
(1588–1679) “o homem é o lobo do homem”, ou seja, o homem é seu próprio inimigo.
Essa premissa levou as sociedades primitivas a criarem a ordem em meio ao caos.
A sociedade que surge do estado de natureza se constitui por meio de um
contrato social. Quando a força física já não é mais suficiente para a manutenção da
ordem, é necessária uma força superior. Nesse sentido, o homem sai de seu estado
natural para o estado civil e perde a liberdade natural. Em uma sociedade, existe a
liberdade política, que é garantida pelo Estado e não mais pela força física. Assim, ela
se iguala à liberdade natural — desde que o homem não deixe de exercer as suas
vontades.
Rousseau explica que o homem possui duas vontades: uma pública e outra
particular. Sendo a vontade pública uma vontade geral, ela se sobrepõe à vontade
particular de cada um. Em um Estado legítimo, a vontade particular deve se adaptar
à vontade geral. Caso contrário, ocorre o fim do Estado. A vontade geral leva os
homens a se tornarem um só corpo e a terem uma única direção política. O corpo
político possui caráter moral e se torna existente a partir do pacto social. Ele só existe
se todos dispuserem de tudo para toda a comunidade, porque um corpo não pode
denegrir a si mesmo. Veja:

Se a vontade do corpo político é feita, tem-se um Estado legítimo. Estado


esse que é guiado pela vontade geral, e preza pela preservação da liberdade
e dos bens de cada associado. O homem natural, que vivia isolado e bastava
a si mesmo, agora, através do pacto, faz parte de um todo maior, o corpo
político. No corpo político, sua liberdade é ainda mais assegurada, já que não
depende de sua força física. O que limita essa liberdade é a vontade geral,
que, por sua vez, está diretamente ligada à criação e observância das leis
(SILVA; CUNHA, 2013, p. 218).

38
Nesse contexto, é importante você notar a compreensão que se tem das leis,
que são uma declaração geral sobre um interesse comum. Elas existem a fim de
garantir a liberdade e a igualdade entre os homens. Além disso, a lei é sempre justa,
pois o homem não pode ser injusto consigo mesmo. Assim, “Se quisermos saber no
que consiste, precisamente, o maior de todos os bens, qual deva ser a finalidade de
todos os sistemas de legislação, verificar-se-á que se resume nestes dois objetivos
principais: a liberdade e a igualdade [...]” (ROUSSEAU, 1999, p. 127 apud SILVA;
CUNHA, 2013, p. 219).
O que fundamenta e garante que a finalidade do Estado se cumpra é a
preservação da liberdade e da igualdade entre os homens. Esse também é o
fundamento da vontade geral, das leis e do corpo político. Segundo Silva e Cunha
(2013, p. 220), “[…] A vontade do corpo político é a vontade geral. Por meio dela o
homem continua a ser livre, e por ser membro deste corpo ele é igual a todos os
demais membros […] o Estado dirigido pela vontade geral é um Estado social legítimo
[...]”.

Fonte: www.politize.com.br

Segundo Pereira (2009), três elementos constituem o Estado. Veja a seguir.


1. Um conjunto de instituições e prerrogativas, entre as quais o poder coercitivo,
que só o Estado possui, por delegação da própria sociedade.
2. O território, isto é, um espaço geograficamente delimitado onde o poder
estatal é exercido. Muitos denominam esse território de “sociedade”, ressaltando a

39
sua relação com o Estado, embora este mantenha relações com outras sociedades,
para além de seu território.
3. Um conjunto de regras e condutas reguladas dentro de um território, o que
ajuda a criar e manter uma cultura política comum a todos os que fazem parte da
sociedade nacional ou do que muitos chamam de “nação”.
O Estado é um fenômeno histórico e relacional. Portanto, deve ser tratado como
processo. Afinal, ele não existe de forma absoluta nem é inalterável. Veja:

Por ser um processo histórico, que contempla passado, presente e futuro,


bem como a coexistência de antigos e novos elementos e determinações, a
relação praticada pelo Estado tem caráter dialético — no sentido de que
propicia um incessante jogo de oposições e influências entre sujeitos com
interesses e objetivos distintos. Ou, em outros termos, a relação dialética
realizada pelo Estado comporta igualmente antagonismos e reciprocidades
e, por isso, permite que forças desiguais e contraditórias se confrontem e se
integrem a ponto de cada uma deixar sua marca na outra e ambas
contribuírem para um resultado final (PEREIRA, 2009, p. 345).

É nessa relação com a sociedade que o Estado abrange toda a dimensão da


vida social, indivíduos e classes, assumindo diferentes responsabilidades. Entre elas,
a de atender às demandas e reivindicações da sociedade como um todo e não apenas
de uma classe. Mesmo possuindo um poder coercitivo, o Estado também exerce
funções protetoras, sendo pressionado e controlado pela sociedade. Pereira (2009)
ainda afirma que o Estado não é uma entidade desgarrada da sociedade. Ele não é a
única força organizada e autossuficiente na sociedade e não é um instrumento
exclusivo da classe dominante. É uma instituição constituída e dividida por interesses
diversos, que possui a tarefa primordial de administrar tais interesses sem
neutralidade. O Estado deve se relacionar com todas as classes para se legitimar e
construir sua base material de sustentação, e não apenas com a classe com que mais
se identifica.
O Estado é a expressão de todas as classes. Embora zele pelos interesses da
classe dominante, acata outros interesses para manter a classe dominada afastada
do bloco de poder. Segundo Pereira (2009, p. 346), é “relacionando-se com todas as
classes que o Estado assume caráter de poder público e exerce o controle político e
ideológico sobre todas elas [...]”. Se o Estado se exime de suas responsabilidades
com certos grupos ou classes, pode perder o seu apoio ou a sua confiança. Isso abre
brechas para a sociedade se organizar autonomamente por meio de movimentos.
Além disso, isso põe em risco o bloco de poder e possibilita o surgimento de poderes
40
paralelos. É por isso que o Estado é, por um lado, uma relação de dominação (ou a
expressão política da dominação de quem está no poder) e, por outro, um conjunto
de instituições mediadoras e reguladoras dessa dominação.
Como você pode notar, o Estado exerce uma forma de controle sobre a
sociedade, mas também possui a função de protegê-la e está estruturado de forma a
garantir o seu poder e a sua autonomia. Na atualidade, se vive sob os mandos do
Estado neoliberal, que interfere de forma parcial na economia e visa a proteger as
classes mais desfavorecidas por meio de políticas sociais paliativas, ofertando o
mínimo para sobreviverem. Em tempos de capital, o que se vê é o Estado atuando a
favor de determinados grupos em vez de cumprir o seu papel de protetor de toda a
sociedade.

4.2 O Serviço Social e a divisão de classes

Segundo Marx e Engels (2008, p. 8), “A história de todas as sociedades até


agora tem sido a história das lutas de classe [...]”. A concepção de classe social
adotada pelo Serviço Social está fundamentada na teoria social de Marx. Ela parte do
pressuposto de que nos primórdios do capitalismo havia duas classes fundamentais:
a dos proprietários e a dos proletários. A primeira detinha os meios de produção e a
segunda vendia a sua força de trabalho em troca de um salário, que em parte também
era apropriado pela primeira classe. A divisão da sociedade em classes permite a
concorrência e a liberdade econômica que geram lucratividade e consumo.
Com a ascensão da burguesia no período do declínio da sociedade feudal, o
antagonismo de classes foi ficando cada vez mais aparente. Nesse contexto, as
contradições não eram eliminadas; pelo contrário, surgiam novas classes e novas
condições de opressão. Para compreender isso melhor, considere o seguinte:

A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os


instrumentos de produção, portanto as relações de produção e, por
conseguinte, todas as relações sociais. A conservação inalterada dos antigos
modos de produção era a primeira condição de existência de todas as classes
industriais anteriores. A transformação contínua da produção, o abalo
incessante de todo o sistema social, a insegurança e o movimento
permanente distinguem a época burguesa de todas as demais. As relações
rígidas e enferrujadas, com suas representações e concepções tradicionais,
são dissolvidas, e as mais recentes tornam-se antiquadas antes que se
consolidem. Tudo o que era sólido desmancha no ar, tudo o que era sagrado
é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade
sua posição social e suas relações recíprocas (MARX; ENGELS, 2008, p. 14).
41
A burguesia expandiu o mercado por meio dos oceanos a fim de que o comércio
chegasse a todos os cantos do mundo, criando uma interdependência geral entre os
países. Com o passar do tempo, as duas classes fundamentais foram se
estratificando, ganhando novas conotações, mas, em suma, se resumem à burguesia
e ao proletariado. Segundo Marx e Engels (2008, p. 29–30), “[...] a condição essencial
para a existência e a dominação da classe burguesa é a concentração de riqueza nas
mãos de particulares, a formação e a multiplicação do capital; a condição de existência
do capital é o trabalho assalariado [...]”.

Fonte: www.mundoeducacao.uol.com.br

Via de regra, a burguesia (ou classe dominante) não se preocupa em retirar da


classe proletária o pouco que ela possui. A burguesia utiliza a propriedade privada, a
apropriação dos meios de produção, a apropriação da riqueza socialmente produzida
e a extração da mais-valia para manter o seu status quo. Entretanto, no decorrer da
história, a classe trabalhadora sempre demonstrou o seu descontentamento com a
condição de vida e de trabalho que lhe foi imposta. Ela tem encontrado nos
movimentos de oposição uma forma de lutar por seus direitos. Toda luta de classes é,
portanto, uma luta política (MARX; ENGELS, 2008).
Assim, você pode considerar que a divisão de classes sociais existe apenas no
modo de produção capitalista e que, portanto, é produto consolidado da lógica
capitalista. Segundo Frederico (2009, p. 1), classes sociais “[...]são entendidas como
um componente estrutural da sociedade capitalista e, ao mesmo tempo, como sujeitos
coletivos que têm suas formas de consciência e de atuação determinadas pela
42
dinâmica da sociedade [...]”. Em suma, a conformação das classes sociais depende
do desenvolvimento da sociedade capitalista.
Nesse sentido, Duriguetto (2013) destaca a relação orgânica entre a sociedade
civil e o mundo das relações sociais de produção. É a partir dela que se desenvolvem
as classes sociais, bem como seus interesses conflitantes, suas expressões
organizativas, suas formas de consciência e até mesmo a função do Estado. A
sociedade é uma esfera em que as classes lutam pela hegemonia, e há aquelas que
transitam na contra-hegemonia, buscando aliados, articulando interesses e
necessidades. O Serviço Social, em seu Código de Ética (CONSELHO FEDERAL DE
SERVIÇO SOCIAL, 1993), assume o compromisso de atuar juntamente à classe
trabalhadora, lutando pelos interesses dos menos favorecidos. O projeto ético-político
definido no seio da profissão visa ao fortalecimento das lutas a favor da classe
trabalhadora, o que a leva a fazer alianças com os sujeitos coletivos.
Percebe-se que aumenta cada vez mais o nível de divisão entre as classes.
Isso remonta ao conceito de Antunes (2008): “classe que vive do trabalho”. Tal
conceito exprime e dá relevância àqueles que não têm acesso aos bens produzidos
pela sociedade, mas que têm no trabalho o motivo da sua existência e da sua
sobrevivência. Na medida em que o capital vai se complexificando, a divisão de
classes vai ficando também cada vez mais complexa.
O Serviço Social, com base nos pressupostos teóricos da profissão, assume a
posição política de voltar suas ações para a defesa dos direitos da classe
trabalhadora. A ideia é fortalecer vínculos, estreitar laços com as lideranças dos
movimentos e contribuir para a construção de sujeitos coletivos, visando à
emancipação política dessa classe. Em seu Código de Ética, está expressa a “[...]
opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova
ordem societária, sem dominação/exploração de classe, etnia e gênero [...]”
(CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2013, p. 24). Além disso, está
prevista a “[...] articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que
partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos trabalhadores [...]”
(CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 1993, p. 24).
Assim, como evidenciam o Código de Ética do Serviço Social, a lei de
regulamentação da profissão e o seu projeto ético-político, o Serviço Social serve
como um mecanismo para a concretização das políticas públicas. Ele atua no

43
enfrentamento das manifestações da Questão Social e a favor da classe trabalhadora
(CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 1993).

5 AS RELAÇÕES ENTRE POLÍTICA SOCIAL E CIDADANIA NO BRASIL

5.1 O que é cidadania?

A palavra cidadania vem de civitas, que, do latim, refere-se ao indivíduo que


habita a cidade. Assim, com o início da vida na cidade, em coletividade, surge a
necessidade de os indivíduos exercerem seu papel de cidadãos — com direitos e
deveres (MANZINI-COVRE, 2010).
A partir desse momento, a vivência na cidade, em coletivo, fez nascer a
necessidade de se estabelecer direitos e deveres de cada um, para a manutenção da
vida e das relações sociais.
É possível observar que, desde a Antiguidade Clássica, lutas sociais ocorreram
e podem ser correlacionadas com o sentido de cidadania, que conhecemos
atualmente. Já, na Grécia Antiga, o conceito de cidadania resumia-se aos direitos
políticos, e, ainda assim, nem todos eram considerados cidadãos (MANZINI-COVRE,
2010).
Na Roma Antiga, o conceito de cidadania está ligado à classe social à qual o
indivíduo pertencia. Havia três classes sociais: os patrícios, descendentes dos
fundadores; os plebeus, descendentes dos estrangeiros; e os escravos, prisioneiros
das diversas guerras e, também, aqueles que não pagavam seus débitos. Assim,
somente os patrícios eram considerados cidadãos e possuíam direitos políticos, civis
e religiosos (MANZINI-COVRE, 2010).
Já com o monopólio da Igreja Cristã na Idade Média, a ampliação do conceito
de cidadania foi esquecida — destruída quando a Igreja alega ter sido Deus que
designou essas hierarquizações e sucessões hereditárias de Reis e Rainhas
(MANZINI-COVRE, 2010).
Assim, exercer a cidadania significa viver em constante luta por melhorias na
qualidade de vida — individuais e coletivas, em busca de liberdade, dignidade e
igualdade. Autores, como Rousseau, Montesquieu, Diderot e Voltaire, já defendiam
essa ideia de cidadania, onde existiria um governo democrático e ampla participação

44
popular, findando os privilégios de classe e inaugurando os ideais de liberdade e
igualdade como direitos fundamentais dos homens (MANZINI-COVRE, 2010).
Cidadania é a prática do indivíduo em exercer seus direitos e deveres, no
âmbito de uma sociedade do Estado. Não se restringe somente ao ato de votar e ser
votado, como pensado por muitos, mas envolve viver em sociedade, cumprir seus
deveres e ter seus direitos garantidos, por meio da justiça social (PEREIRA, 2011).

Fonte: www.osbrasil.org.br

A cidadania, pois, deve garantir a plena emancipação dos indivíduos que, por
meio de seus deveres com a sociedade, têm seus direitos inerentes à vida — como
saúde, assistência social, educação, moradia, renda, alimentação, entre outros
garantidos pelas políticas sociais.
Tendo em vista que cidadania é sinônimo de garantia de direitos, podemos
considerar que, no Brasil, temos vivenciado uma cidadania relativa, ou regulada —
nome proposto pelo sociólogo brasileiro Wanderley Guilherme dos Santos, na década
de 1970, para descrever uma “cidadania restrita e sempre vigiada pelo Estado”.
A cidadania brasileira, nesse sentido, permanece em uma constante
construção, num movimento de ampliação e encolhimento das políticas sociais, à
medida que, em muitos momentos históricos, inclusive atualmente, muitos indivíduos
não têm o direito de ter suas necessidades básicas garantidas ou, nem mesmo, o
mínimo necessário para sua subsistência e da família (PEREIRA, 2011).
Em momentos de crise, as políticas sociais sofrem um encolhimento e
focalizam suas ações, violando a condição de cidadãos, à medida que parcelas
45
significativas da população têm seus direitos violados — direitos estes já adquiridos,
pelo que deveria ser a cidadania, por meio do que chamamos de Constituição Cidadã:
a Constituição Federal de 1988.
É por meio do exercício de cidadania, assumindo o papel de cidadãos, que se
dará a ampliação dos direitos mediante políticas sociais. As ações coletivas, nesse
sentido, são mais eficazes do que as individuais, e o que é conquistado por meio do
coletivo fortalece a cidadania de todos.

5.2 O desenvolvimento das políticas sociais a partir da concepção de


cidadania

Tendo em vista o conceito de cidadania, que é a prática do indivíduo em exercer


seus direitos e deveres, no âmbito de uma sociedade, e tendo seus direitos inerentes
à vida garantidos mediante políticas sociais, o desenvolvimento das políticas sociais
está diretamente relacionado à concepção de cidadania, com cidadãos portadores de
direitos e deveres.
Sendo assim, a conquista da cidadania perpassa a efetivação dos direitos
sociais, políticos e civis, dentro de uma perspectiva de universalização dos direitos,
por meio das políticas sociais (PIANA, 2009).
Nesse sentido, o desenvolvimento das políticas sociais, pautada numa
concepção de cidadania, vai contra o discurso capitalista, que (des)responsabiliza o
Estado das responsabilidades sociais e faz das políticas sociais uma política para a
classe social menos favorecida — a dos “pobres mais pobres” —, transformando-as
em medidas compensatórias, paliativas e focalizadas, e não em políticas de direito
com vistas à emancipação dos indivíduos (PIANA, 2009).
É possível afirmar, então, que, a partir do momento em que os indivíduos se
reconheceram como cidadãos pertencentes a um grupo social e ansiando pela sua
condição de cidadania, passaram a enfrentar, sobretudo em coletivo, a forma de
organização e produção da sociedade, sendo que os padrões de proteção social e as
políticas sociais são as respostas para esses enfrentamentos.
A partir do século XIX, o cenário político mundial, sobretudo no contexto
europeu, iniciou um movimento e reconhecimento dos direitos civis relacionados à

46
propriedade privada. O Estado deveria proteger o direito à vida, à liberdade e aos
direitos de segurança e propriedade (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).
Contudo, o Estado era repressor, e os trabalhadores eram explorados. Foram
as mobilizações e a organização da classe trabalhadora (operária), reivindicando sua
cidadania, numa perspectiva de emancipação humana e na socialização da riqueza
socialmente produzida, que os cidadãos conseguiram assegurar importantes
conquistas no que diz respeito aos direitos (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).
Conforme apontam Behring e Boschetti:

O surgimento das políticas sociais foi gradual e diferenciado entre os países,


dependendo dos movimentos de organização e pressão da classe
trabalhadora, do grau de desenvolvimento das forças das forças produtivas,
e das correlações e composições de força no âmbito do Estado. Os autores
são unânimes em situar o final do século XIX como período em que o Estado
capitalista passa a assumir e a realizar ações sociais de forma mais ampla,
planejada, sistematizada e com caráter de obrigatoriedade (BEHRING;
BOSCHETTI, 2007, p. 64).

Já no contexto brasileiro, por suas particularidades históricas de colonização,


dependência, escravatura e posterior independência, o desenvolvimento das políticas
sociais deu-se de forma diferente, e ainda se encontra em construção, assim como a
nossa cidadania, enquanto cidadãos brasileiros.
Assim, de maneira geral, as condições de trabalho e vida dos cidadãos têm
forte relação com o surgimento das primeiras iniciativas de proteção social e políticas
sociais, já que estas têm correlação direta com a luta de classes, ou seja, relação
capitalismo versus trabalhador.
Sendo a cidadania o direito de se ter direitos, para os cidadãos, as políticas
sociais são a forma de garanti-la. Para o sistema capitalista, as políticas sociais são
uma forma de amenizar os enfrentamentos da classe trabalhadora e dar conta, ao
menos, dos mínimos sociais.
No Brasil, a partir das décadas de 20 e 30, surgiram as primeiras medidas de
proteção social, e as políticas sociais fragilmente começam a ser desenhadas.
É importante ressaltar algumas das políticas sociais que marcam o período, por
ordem cronológica, quase sempre em resposta às lutas coletivas pelos direitos
sociais. São elas:
 1923 – Lei Eloy Chaves, que cria as Caixas de Aposentadorias e Pensões
(CAP), para os trabalhadores ferroviários;

47
 1933 – Criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs);
 1942 – Criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA), destinada ao
atendimento de pessoas pobres, com apoio à maternidade e infância;
 1943 – Promulgação das Consolidações das Leis Trabalhistas (CLT);
 1960 – Aprovação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS);
 1966 – Criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS);
 1988 – Promulgação da Constituição Federal do Brasil, a chamada
Constituição Cidadã.

5.3 Efetivação das políticas sociais: garantia de cidadania

A noção de cidadania permeia a garantia de direitos políticos, civis e sociais.


Não é à toa que a Constituição Federal de 1988 foi chamada de Constituição Cidadã,
já que foi um marco nos direitos políticos, civis e sociais dos cidadãos brasileiros, após
duas décadas de Ditadura Militar e muita repressão. Com ela, a concepção de
cidadania e as políticas sociais, ao menos na lei, foram ampliadas.
Assim, os direitos sociais expressos na Constituição visavam a ajustar as
desigualdades existentes, à medida que afirma que a sua natureza jurídica é o direito
à igualdade, logo que todos os cidadãos são iguais e têm os mesmos direitos e a
mesma condição de cidadania (ZANETTI, 2011).
É justamente por meio das políticas sociais que nos aproximamos do princípio
de igualdade, dignidade e cidadania, tendo em vista que podemos, a partir da garantia
de nossos direitos, viver com dignidade e nossas necessidades básicas garantidas.
Obviamente, a Constituição Federal de 1988 trouxe inúmeros e importantes
avanços no que diz respeito aos direitos sociais, sobretudo aos mais pobres e
vulneráveis (ABREU, 2011).

A Constituição de 1988 tentou dar conta das profundas mudanças ocorridas


em nosso país na economia, nas relações de poder e nas relações sociais
globais, nos últimos 20 anos, introduzindo temas, redefinindo papéis,
incorporando às instituições sociais segmentos historicamente
marginalizados, sem, no entanto, alterar substantivamente as relações
sociais vigentes (NEVES, 1999, p. 99).

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Assim, as políticas sociais não devem focalizar o mínimo existencial como
preservação somente da própria vida humana, mas, sim, a se atingir um mínimo
desejável para uma vivência digna dentro da construção da cidadania.

Fonte: www.revistaviag.com.br

A Constituição Federal de 1988 inaugurou o que chamamos de Seguridade


Social Brasileira, formada pelo tripé: “saúde, assistência social e Previdência Social.
Nesse sentido, podemos entender que a satisfação das necessidades sociais
básicas dos cidadãos deve ser por meio da Seguridade Social, sendo que, nesta, a
saúde é considerada um direito universal, a assistência social para quem dela
necessitar e a Previdência Social sendo a única possível de acessar por meio de
prévia contribuição.
Conforme aponta Pereira (2006):

Reconhecer, portanto, a existência de necessidades humanas como


necessidades sociais, com valores, finalidades e sujeitos definidos, tem sido
um grande passo para a construção da cidadania, pois isso equivale
reconhecer a existência de uma força desencadeadora de conquistas sociais
e políticas (p. 68).

Nessa linha, as políticas sociais atuam diretamente no processo de


emancipação do cidadão e conquista da cidadania. Atuam numa perspectiva de
inclusão e reparação das desigualdades sociais, que perpassam os momentos
históricos de nossa sociedade, à medida que permitem o acesso aos direitos básicos

49
dos indivíduos, como saúde, moradia, trabalho e qualificação profissional,
alimentação, entre outros.

As políticas sociais governamentais são entendidas como um movimento [...]


resultante do confronto de interesses contraditórios e também enquanto
mecanismos de enfrentamento da questão social, resultantes do
agravamento da crise socioeconômica, das desigualdades sociais, da
concentração de renda e da pauperização da população (SOUZA et al.,
2013).

Embora as conquistas já tenham sido inúmeras, vivemos em tempos de


encolhimento de direitos, onde o Estado é máximo para o capital e mínimo para o
social. O momento exige que o conceito de cidadania seja resgatado e que cada
cidadão atue numa perspectiva de enfretamento à redução dos direitos já
assegurados.
Para Afonso (2016), a Seguridade Social é instrumento de inclusão social, já
que propicia a inserção e reinserção no mundo do trabalho, a interação social,
promovendo a cidadania consciente. Assim, é instrumento de efetivação dos direitos
fundamentais, já que garante aos cidadãos o mínimo para sua subsistência, sendo
possível manter a dignidade humana.
Cabe ao Estado garantir a proteção social como política pública de cidadania e
de direitos, excluindo as formas de políticas sociais focalizadas e assistencialistas,
que somente reafirmam e mantêm a condição de desigualdade entre os cidadãos.

6 LUTA E MOBILIZAÇÃO SOCIAL

A mobilização social não é uma realidade contemporânea ou algo inventado


pelas sociedades em sua nova configuração, trata-se de um processo que sempre
esteve presente em toda a história da humanidade. Desde que as pessoas
descobriram que poderiam agir no mundo e que se viram em coletividade, elas se
mobilizam coletivamente e compartilham desejos, sentimentos e ações, buscando a
construção de uma vida que lhes permita ter liberdade, autonomia e o direito de ser
um ser humano com direitos e reconhecido como sujeito.

50
6.1 Democracia e cidadania

Conceituar democracia não é uma tarefa fácil, pois seu conceito está em
constante construção. Uma vez que a democracia decorre de acontecimentos
históricos, é dinâmica e está em constante aperfeiçoamento. Dessa forma, não existe
um conceito claro e direto sobre democracia que a defina sob diversos aspectos.
Contudo, cabe destacar que além da mudança que sofre ao longo dos tempos, a
democracia se apresenta em diferentes e variados graus de desenvolvimento, com
características autoritárias e até democracias mais desenvolvidas (BASTOS, 1992;
CANOTILHO, 2002; MATTOS, 2016).

Fonte: www.santafeideias.com.br

São várias as teorias que tentam descrever a democracia. Dahl (1997)


desenvolveu um modelo que lista as condições necessárias para uma democracia
perfeita, o qual denominou poliarquia (governo de muitos), capaz de absorver as
diferenças em uma sociedade e refletir a vontade da população. Entre as
características desse modelo estão:

Liberdade de formar e aderir a organizações; a liberdade de expressão; o


direito de voto; a elegibilidade para cargos públicos; o direito de líderes
políticos disputarem apoio e, consequentemente, conquistarem votos; a
garantia de acesso a fontes alternativas de informação; eleições livres,
frequentes e idôneas; e instituições para fazer com que as políticas
governamentais dependam de eleições e de outras manifestações de
preferência do eleitorado (DAHL, 1997, p. 27).

51
No entanto, muitas destas características não estão presentes nos sistemas
políticos. Para Rousseau (1981), a democracia verdadeira nunca existiu e não existirá,
uma vez que é difícil reunir as condições necessárias para isso, por exemplo,
facilidade de reunir o povo e que ele se conheça com facilidade; costumes simples
que não permitam a multiplicação de problemas e de discussões espinhosas;
condições de igualdade entre o povo (incluindo renda e pouco ou nenhum luxo). Já
para Bobbio (1986), só se governaria democraticamente se existisse um povo de
deuses, ou seja, um governo perfeito não é um governo feito para os homens.
Esses foram apenas alguns exemplos de que a democracia não é perfeita, mas
é o melhor regime de poder que temos disponível. Na verdade, cada sociedade deve
adotar o sistema de governo que melhor se adapta a sua cultura, costumes, crenças,
leis e realidade social, características que se modificam com o tempo e com a própria
evolução política.
A democracia é um regime político em que o poder é representado pela vontade
do povo, sendo garantido como um dos direitos universais e fundamentais do homem,
na Declaração de Direitos de Virgínia (1776), na Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão (1789) e na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), na qual
todo indivíduo pode participar do governo de seu país, de forma direta ou indireta, por
meio dos representantes escolhidos livremente por eles. Portanto, como previsto na
Constituição Federal de 1988 (CF/88), parágrafo único do art. 1º, “todo o poder emana
do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente [...]”
(BRASIL, 1988).
A democracia direta diz respeito à forma de organização social onde os
indivíduos, sem distinção, podem participar ativamente da tomada de decisões, com
direito a se manifestar e votar, exercendo a democracia. A participação popular, a
discussão e o debate entre as pessoas eram características da democracia antiga
onde as decisões eram tomadas de forma coletiva. Nesse sistema de governo é a
população quem decide sobre os interesses públicos e administra a cidade decidindo
desde realização de obras até a elaboração de leis. Cabe destacar que a democracia
direta funciona melhor em pequenas populações.
Grandes populações adotam a democracia indireta ou representativa, em que
os cidadãos participam indiretamente na elaboração das normas e na administração
pública por meio dos representantes que elegem para cuidar dos assuntos de governo

52
em seu nome por um determinado período de tempo (SILVA, 2000; MATTOS, 2016).
Nos Estados modernos predomina a democracia representativa, dada a complexidade
e a contingência de pessoas que as caracterizam atualmente. As críticas a esse
modelo estão ligadas à falta de legitimidade e a discordância existente entre a vontade
dos eleitores e de seus representantes.
A democracia representativa se torna frágil quando poucos decidem por muitos.
Essa fragilidade levou à busca por alternativas que fossem capazes de abraçar a
vontade popular sem desistir do sistema representativo, fazendo surgir a democracia
participativa ou semidireta, que tenta aproximar a vontade popular e o cidadão da
decisão política, sem intermediação. A democracia participativa é baseada no sistema
indireto, em que os representantes são escolhidos por meio de eleições e com
características do sistema direto, como a iniciativa popular e o referendo, que dá ao
povo o direito de propor e aprovar leis e normas (FERREIRA FILHO, 1994). Assim, a
participação representativa, além de atribuir aos cidadãos maior comprometimento e
responsabilidade em relação ao rumo político-jurídico do Estado no qual estão
inseridos, exige deles maior conscientização e educação política, uma vez que se
podem eleger seus representantes, devem também participar diretamente na
formação dos atos legislativos (ZANETTI, 2013).

Fonte: www.pt.slideshare.net

53
É na sociedade que o interesse público é construído e fortalecido, seja ele
contraditório ou não, por meio da participação dos indivíduos na vida política do
Estado. A partir disso, é possível desenvolver o conceito de cidadania, que não se
restringe ao direito de votar e ser votado. Cidadania é o ato de participar ativamente
da vida política de um Estado, seja por meio do voto, referendo, plebiscito, iniciativa
popular ou do controle social, em que é possível fiscalizar as ações dos governantes
e se os princípios da moralidade, probidade e legalidade estão sendo respeitados
(TAVEIRA, 2009). Dessa forma, a cidadania é condição fundamental para a existência
do sistema democrático e, para sua sobrevivência, é necessário que: “O povo esteja
disposto a aceitá-lo; que tenha a vontade e a capacidade de fazer o necessário para
a sua preservação e vontade e a capacidade de cumprir os deveres e exercer as
funções que lhe impõe este governo. ” (MILL, 1981, p. 39).
Portanto, você pode considerar que um povo que não exerce sua cidadania não
possui representatividade e corre o risco de ser comandado por uma pequena classe,
cujo interesse é satisfazer suas próprias necessidades e desejos. Cabe destacar que
a cidadania é o pleno exercício da democracia, em que os indivíduos possuem direitos
civis, políticos e sociais perante a lei e pertencem a uma sociedade organizada
(TORO; WERNECK, 2004; TAVEIRA, 2009).

6.2 Luta e mobilização social

As lutas sociais estão diretamente relacionadas ao exercício da cidadania, pois,


à medida que as pessoas tomam consciência de seu papel na sociedade, passam a
reivindicar seus direitos e a contestar ou se inconformar com certas normas sociais
que lhe são impostas, se organizando em movimentos de caráter político, religioso,
etc. A organização em lutas não é algo novo no Brasil, sendo relatada desde os
tempos de colônia e motivada por diversos fatores. No entanto, somente a insatisfação
não é sufi ciente para iniciar um movimento de mobilização, ele só é possível por meio
da ação coletiva (GOHN, 2000).
Quando você houve falar em mobilização social o que vem à sua mente?
Pessoas na rua com faixas e cartazes, passeatas, concentração? Isso são
manifestações públicas, muitas vezes confundidas com mobilização social. Para
Henriques, Braga e Mafra (2004, p. 36):

54
A mobilização social é a reunião de sujeitos que definem objetivos e
compartilham sentimentos, conhecimentos e responsabilidades para a
transformação de uma dada realidade, movidos por um acordo em relação a
determinada causa de interesse público.

A mobilização social é uma forma de construir soberania, cidadania, dignidade,


entre outros, propostos na CF/88. A mobilização social acontece quando um grupo de
pessoas, seja a sociedade de modo geral ou uma comunidade, se une em torno de
um mesmo objetivo, buscando, cotidianamente, os resultados esperados por todos.
Por que cotidianamente? Porque a mobilização requer uma dedicação contínua e, por
isso, participar de um processo de mobilização deve ser um ato de escolha, uma vez
que a participação é um ato de liberdade e uma decisão de cada um e, por isso,
convoca a participação (TORO; WERNECK, 2004).
Participa quem quer e quem se sente capaz de contribuir para a construção de
mudanças, pois isso deve ser um ato de paixão e de razão, pois a mobilização existe
para o alcance de um objetivo pré-definido e de um objetivo comum. Dessa forma, o
desenvolvimento da mobilização social deve ser motivado por um sentido maior, por
um propósito consistente capaz de fazer as pessoas imaginarem uma situação futura,
adotando práticas transformadoras em sua rotina, participando, assim, de um
consenso social que, para Toro e Werneck (2004), pode ser definido como a escolha
e a construção de um interesse compartilhado.

Fonte: www.sasop.org.br

Para isso, é necessária a criação de conteúdos suficientemente fortes que


estimulem a sociedade a realizar mudanças significativas. Isso significa que, no
processo de mobilização, deve haver claramente e de forma simples, uma declaração

55
do motivo principal para a ação, por meio da análise da realidade social que se deseja
mudar, do problema a ser solucionado, do projeto que se tem em mente, etc. Dessa
forma, é importante saber quais ações podem solucionar os problemas ou transformar
a realidade constatada e quais efeitos são esperados (TORO; WERNECK, 2004;
BOCK, 2008).
Veja, a seguir e na Figura 1, as etapas do processo de mobilização social
propostas por Toro e Werneck (2004) e Souza (1999):
 Contextualização crítica da realidade local, conscientização;
 Formulação de um imaginário coletivo;
 Organização social;
 Coletivização e corresponsabilidade;
 Capacitação técnica;
 Acompanhamento e avaliação.

Em um primeiro momento torna-se fundamental ter percepção crítica da


realidade em que os problemas sociais são diagnosticados, para que as políticas de
enfrentamento possam ser definidas. Aqui, é necessário problematizar a realidade que
se apresenta, buscando realidades implícitas. A conscientização, por sua vez, é a
etapa referente ao ponto de partida para que a mobilização social se desencadeie. A
conscientização se dá quando os atores assumem a posição de protagonistas sociais
e conseguem problematizar e refletir sobre as condições em que vivem. A
conscientização envolve a produção de um imaginário que, uma vez compartilhado
56
entre os atores sociais, permite orientar os objetivos que deverão ser alcançados por
meio da mobilização social (SOUZA, 1999).
A próxima etapa é a da organização social, que pressupõe a conscientização,
que permite o aprimoramento para a tomada de atitude diante da realidade social que
se apresenta. A organização é uma ampliação do processo de conscientização que
leva a formas concretas de enfrentamento da realidade. A coletivização e
corresponsabilidade, por sua vez, dizem respeito ao sentimento e a certeza que se
tem de que aquilo que a pessoa faz, em seu campo de atuação, é também feito por
outras pessoas, da mesma categoria, com os mesmos propósitos e sentidos.
Por fim, chega-se a etapa da capacitação técnica, que tem como objetivo
manter e fortalecer a organização social para que ela não se desarticule, o que não é
impossível. A capacitação atua como uma estratégia de sustentabilidade, na qual os
atores ampliam sua articulação coletiva para outros âmbitos, em busca de novas
formas de intervir na realidade. Dessa forma, “a capacitação é um processo em que
as experiências realizadas servem de base para a implementação das novas”, sendo
um recurso para o gerenciamento e a avalição das práticas sociais (SOUZA, 1999, p.
95).
Para motivar as pessoas a participar e de que forma podem fazer isso, é preciso
oferecer a elas informações claras sobre os objetivos, metas, a situação atual que se
quer modificar e as prioridades da mobilização a cada momento, fazendo-as se
sentirem seguras em relação ao respeito e à valorização de sua forma de pensar e
agir e em relação a sua capacidade de contribuir para o alcance dos objetivos.
Dessa forma, um projeto de mobilização deve permitir a compreensão
adequada do campo de atuação de cada pessoa, conter explicações claras e
consistentes sobre os problemas a serem resolvidos, as situações que serão criadas
ou modificadas, o sentido e a finalidade das decisões que serão tomadas e das ações
a serem perseguidas diariamente. Ainda, é preciso indicar quais decisões competem
às pessoas dentro de seu campo de atuação e trabalho, explicando de que forma elas
irão contribuir com o propósito da mobilização. Tudo isso deve ser apresentado de
forma estimulante, para que as pessoas, em momento algum, se acomodem ou se
sintam desestimuladas ou com sua autonomia à prova. Portanto, é fundamental que
os produtores sociais da mobilização possuam conhecimento profundo sobre o campo
de atuação e os papéis de cada um dos atores que podem participar da mobilização.

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Você já se perguntou quem são os atores da mobilização social? Pode ser uma
pessoa, um grupo, uma instituição que inicia um movimento com o intuito de alcançar
algo, ou todos esses atores juntos, mobilizados para um ou mais propósitos ao mesmo
tempo. O importante é que eles tenham a preocupação em seguir os critérios já
mencionados.
Cabe destacar que para que um processo de mobilização aconteça é preciso
haver condições financeiras, institucionais, técnicas e profissionais. Dessa forma, o
responsável por viabilizar o movimento de mobilização e conduzir as negociações
necessárias para a legitimidade social e política é chamado de produtor social. O
produtor social é primeiro ator de uma mobilização, que pode ser uma instituição
pública, uma secretaria de Estado, uma empresa privada, uma pessoa, um grupo, e
que tenha como intenção a transformação de uma realidade e esteja disposto a
compartilhar isso com outras pessoas que possam ajuda-los nesse processo.
É preciso que o produtor social tenha legitimidade, para que consiga
credibilidade diante das outras pessoas, instituições, grupos, etc. O ideal é que o
produtor social seja visto como alguém que possui uma preocupação e uma imensa
vontade de realizar mudanças de forma compartilhada e não como o dono do
processo. Para isso, ele precisa respeitar e confiar nas decisões coletivas,
estimulando esse comportamento nas pessoas e a energia e criatividade delas e da
coletividade, bem como o seu espírito empreendedor delas. Deve ser capaz de
conhecer e interpretar a nossa realidade social; orientar um editor na produção de
materiais adequados, com conhecimento sobre as possibilidades e limites da
comunicação social; ter claros os conceitos de democracia, cidadania, público e
participação; e ter tolerância e sensibilidade para trabalhar com as redes de reeditores,
transformando-as em redes autônomas e doadoras de sentido próprio.
A mobilização social é uma oportunidade de congregar pessoas para a
construção de um projeto futuro que passa a ser de todos, e ela só tem utilidade e
sentido para a sociedade se for assim, caso contrário deixa de ser uma mobilização
para se tornar um evento, uma campanha ou algo semelhante. A mobilização social é
vista, então, como um processo intimamente ligado à possibilidade de incluir os
sujeitos em suas principais questões, criando mecanismos para sua participação
(MAFRA, 2007). Dessa forma, podemos entender que a mobilização social é, para os
indivíduos, um recurso para a construção e transformação de seus entornos, que se

58
realizam em nível coletivo, ou seja, por meio de ação e interação entre os sujeitos,
cujo objetivo é a emancipação social. Assim, que para haja mobilização social é
preciso entrar em relação, é preciso comunicar-se.

6.3 Papel e funções da comunicação nos processos de mobilização

Para funcionar como agente de transformação de determinada realidade, a


mobilização social necessita da criação de vínculos coletivos, e a utilização
estratégica de instrumentos da comunicação possibilita isso. Para manter esses
vínculos, é preciso que haja uma constante troca de informação sobre os objetivos a
serem alcançados, sem a necessidade de uma ligação formal para as pessoas agirem.
Esses vínculos e relações devem ser alimentados e fortalecidos pelo contato
constante entre as pessoas e pela troca de informações.
A comunicação é tão essencial em um processo de mobilização social porque
faz as informações circularem, promovendo a participação e o aumento do nível de
vinculação entre os atores desse movimento (MAFRA, 2007).

Fonte: www.crfsp.org.br

O uso de instrumentos da comunicação permite que os atores conheçam o


movimento e possam analisa-lo, julgá-lo e decidirem se participam ou não. Portanto,
a mobilização social é um ato de comunicação, pois exige divulgação, discurso e
informações. É necessário que haja um projeto de comunicação, cuja meta seja o
compartilhamento de todas as informações relacionadas ao movimento, incluindo os
59
objetivos, as justificativas para a mobilização, o propósito, as ações que serão
desenvolvidas, os lugares em que a mobilização acontecerá, etc.
A comunicação e a informação são necessárias em um processo de
mobilização social para:
 Informar as pessoas, dando a elas a autonomia, a iniciativa e a
responsabilidade compartilhada necessárias;
 Divulgar os propósitos da mobilização, justificando seu objetivo, ampliando
suas bases e dando a ela visibilidade, abrangência e pluralidade;
 Informar os reeditores, de modo que eles consigam verificar se o que estão
fazendo ou falando está sendo compartilhado, dando-lhes mais segurança
para agir;
 Divulgar as ações e decisões dos diversos grupos de mobilização, formando
um banco de ideias que podem ser copiadas por outras pessoas ou grupos,
bem como divulgar a experiência de outros grupos ou pessoas em processos
de transformação, servindo de incentivo para os que estão na ação e para
aqueles que pretendem participar, uma vez que veem que agir e alcançar
resultados é possível (toro; werneck, 2004).
Cada processo de mobilização exige um modelo específico de comunicação,
ou seja, a comunicação pode ser estruturada de acordo com o tipo de projeto e
propósitos de cada um. Veja a classificação dos modelos de comunicação (TORO;
WERNECK, 2004; RABELO, 2002).
Comunicação de massa: voltada às pessoas anônimas, com o intuito de dar
informações gerais sobre a mobilização e seus resultados. As mensagens são
codificadas de forma a facilitar o entendimento, com informações mais genéricas que
os outros níveis.

Macrocomunicação: comunicação voltada às pessoas de acordo com seu


papel ou ocupação na sociedade, também chamada de comunicação segmentada,
construída utilizando códigos específicos de uma profissão ou ocupação.
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Microcomunicação: voltada a grupos ou pessoas por sua especificidade ou
diferença, também chamada de comunicação dirigida, construída sobre as
características próprias e diferenciais do receptor.

Os diferentes meios de comunicação podem ser utilizados em cada um dos


modelos de comunicação citados, no entanto, há diferenciação em relação ao alcance
de cobertura deles em cada nível, ou seja, quanto maior for a cobertura na
comunicação de massa, menor será a efetividade da comunicação e a possibilidade
de criar mudanças estáveis; a microcomunicação tem maiores chances de efetividade;
e a macrocomunicação, tem a efetividade e a cobertura combinadas de forma
específica. Apesar disso, não se pode afirmar que exista um tipo de comunicação
melhor que o outro. Em geral, os três tipos de comunicação são necessários em um
projeto de comunicação participada, mesmo sendo a macrocomunicação, a
fundamental (TORO; WERNECK, 2004).
Comunicar não é somente transmitir mensagens. Em um processo de
mobilização, comunicar é criar vínculos e relações com outras pessoas. Para
Henriques, Braga e Mafra (2004, p. 21):

[...] a principal função da comunicação em um projeto de mobilização é gerar


e manter vínculos entre os movimentos e seus públicos, por meio do
reconhecimento da existência e importância de cada um e do
compartilhamento de sentidos e de valores.

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Dessa forma, os processos de construção e manutenção da mobilização estão
intimamente ligados ao uso de técnicas de comunicação. Para Toro e Werneck (2004),
as ações de comunicação, por permitirem a troca de repertório entre as pessoas,
também possuem caráter educativo.
O grande desafio da comunicação em um processo de mobilização social é
mexer com a emoção das pessoas, fazendo elas quererem fazer parte dos processos
de transformação de uma determinada realidade. As estratégias de comunicação
visam, além de convocar, despertar ações e emoções ativas que se desdobram em
outras ações participativas, solidárias e políticas. Outro desafio é gerar processos de
comunicação e transformar pessoas comuns em atores, sujeitos, cidadãos (RABELO,
2002).
Esses movimentos têm como características o exercício da decisão partilhada
e, por isso, exigem canais de comunicação desobstruídos, abundância de
informações, autonomia, corresponsabilidade e representatividade. Dessa forma, o
caminho ideal para gerar a participação, a verdadeira mobilização e a efetividade das
iniciativas é planejar a comunicação, estabelecendo fluxos que estimulem a criação
da corresponsabilidade. Assim, você pode compreender a comunicação mobilizadora
como uma experiência e uma convivência entre sujeitos cujo objetivo é a alocar
esforços, atitudes e comportamentos em busca de ações do ponto de vista social,
cultural e político (PERUZZO, 1998; HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004).

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7 REFERÊNCIAS

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

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sindicalismo ao sindicato cidadão. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2011. História dos
Movimentos Sociais e Lutas Sociais. São Paulo: Loyola, 1995. Teorias dos
Movimentos Sociais. São Paulo: Loyola, 1997.

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BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

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