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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA – UFV

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCH


Departamento de Economia Doméstica – DED
Programa de Pós-Graduação em Economia Doméstica – PPGED
Disciplina: Espaço e Sociedade – ECD 650
Professora: Neide Almeida
Genival Souza Bento Júnior – 77671

O ESTUDO DO CONSUMO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEMPORÂNEA


CAMPBELL, C., BARBOSA, L. (org). O estudo do consumo nas ciências sociais
contemporânea. In: Cultura, consumo e identidade. RJ: Editora FGV, 2006.

Campbell e Barbosa (2006) descrevem o consumo como um processo social


elusivo e ambíguo. Ele assume essa natureza apenas quando é classificado. No caso do
ocidente, sua presença está atrelada a ostentação, enquanto sua falta é notada como
carência. Qualquer sujeito pode ser um consumidor ativo de bens e produtos, porém a
produção desses artigos não abrange todas as pessoas. Trabalho e consumo são
moralmente antagônicos, sendo assim, o trabalho é associado a identidade, enquanto o
consumo liga-se ao individualismo ou a alienação.
A falta de um ofício provoca a estigmatização, enquanto não consumir é visto como
um dom. Em determinados momentos, consumir está associado a viver experiências,
noutros, é entendido como esgotamento. Sendo assim, comprar transita entre o sagrado e o
profano a depender da situação. No âmbito do esgotamento, o consumo possui uma
dimensão física e emocional, entretanto, ele sempre foi associado a algo negativo.
Empiricamente, todas as sociedades utilizam os bens disponíveis para sua
reprodução física e social. Ao passo que esses elementos servem para nossa subsistência,
eles também geram status e permite a criação de uma identidade. Logo, esses produtos
contribuem para construção da subjetividade. Essa perspectiva contraria o senso comum,
pois o consumo se mantém como algo pejorativo. Na academia, os estudos sociológicos
deixaram lacunas importantes que carecem de explicações. Uma delas é a possibilidade de
leitura de outros como bens que passível de consumo.
Nesse sentido, bens e serviços, antes vistos como vivências culturais, foram
enquadrados e lidos como consumo. A obtenção de certos bens cria uma situação de

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individualização e resistência ao consumismo. Busca-se a singularização de cada
experiência, tornando-a única. Esse processo garante o fortalecimento da identidade.
Ao levar o consumo para outros espaços que ele não fazia parte anteriormente ele
passa a classificar determinados elementos a partir de novas concepções. Muitas delas, se
quer estariam relacionadas a ele, no entanto, o esforço feito pelas ciências sociais atribui
novos modelos analíticos para seu entendimento.
O trabalho se mantem como protagonista devido ao investimento feito na
produtividade, reconhecimento e importância numa dimensão simbólica das organizações e
da valorização da ética hedonista baseada na individualidade e criatividade. Essa lógica
dedica-se a colocar o consumo como um mecanismo de reprodução social para as classes
médias, yuppies, intelectuais, profissionais liberais etc. A contemporaneidade criou novos
fatores para pensar a relação trabalho-consumo, uma delas é “comoditização” da realidade,
que se opõe aos dados empíricos relativos ao trabalho, pois torna a compra de bens como
um comportamento social, superando as dicotomias.
O consumo é um campo de investigação complexo que exige a leitura de inúmeras
ações relacionadas aos atores, bens e serviços e mercado. Há outras formas fornecedoras
de produtos que são desconsideradas pelos pesquisadores. Portanto, “o consumo envolve
outras formas de provisão que não apenas aquelas concebidas no formato tradicional de
compra e venda de mercadorias em condições de mercado” (CAMPBELL E BARBOSA,
2006, p. 25). Isso evidencia a importância das relações sociais e de produção que
antecedem um artefato vendível. Produzir também é uma parte do ciclo de produção.
Atualmente, a relação entre sociedade e cultura de consumo foi abalada, sobretudo
com os novos estilos de vida orientadas pelo modelo norte-americano. Essa nova forma de
viver alcançou os degraus mais altos da política e trouxe contradições ideológicas, como é
o caso dos Estado socialistas, que não abandonaram o consumo, mas sim, o reconfiguraram
de acordo com suas realidades.
Assim, uma explicação coerente para o consumo seria a sua dualidade entre um
processo social relacionado as diferentes maneiras de prover bens, produtos e serviços e as
distintas maneiras de acessa-los. Tal dinâmica define a identidade social, estilo de vidas e
outras situações dos sujeitos e das comunidades no paradigma vigente. Isso demonstra
como o consumo é um ato diverso, delineado por múltiplos impasses no campo teórico que
tentam dar conta das esferas de consumo. A heterogeneidade entre todos os participantes
desse âmbito impede conclusões amplas. O conceito de “sistemas de consumo”, criado por

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Fine e Leopold (1993) serve de norte para os estudiosos, e dedica-se a entender os
processos de produção, distribuição e comercialização dos bens e serviços para aclarar o
que é o consumo.
A tradição intelectual emergente no séc. XIX voltada para a compreensão da
produção, fora das explicações econométricas foi denominada como bias produtivista.
Através desses estudos foi possível pensar o capitalismo a partir das relações do complexo
institucional fundador de riquezas junto das desigualdades sociais. Embora essa abordagem
teórica seja capaz de tratar da falta de estudos sobre essa questão, ela não dá conta de todos
os elementos da complexa transformação da sociedade de consumo.
O consumo de massa surge de diferentes trajetórias e não de um período histórico
rígido. Isso torna as formas mais específicas de consumo em variações presentes na
sociedade. Não se trata, portanto, de perdas ou continuidades culturais. Todas as
comunidades contribuem para a modernidade através da sua heterogeneidade e deixam
seus traços, criando possibilidades de resistência ao sistema capitalista. Contudo, esse é um
processo complexo, pois a imersão nesse modelo econômico é a raiz das desigualdades.
A cultura é modificada, deixando de lado seu caráter global substantivo e torna-se
uma etapa da busca pelo sentido do mundo através das formas materiais, sociais e
institucionais que constituem nossa identidade. A resposta dada a bias produtiva aponta
que os cientistas sociais, ao decorrer do séc. XX, persistem numa análise moralista do
consumo, que são ancoradas na Revolução Industrial e suas mudanças trabalhistas. Esse
modelo assegura a hegemonia da economia diante de outros aspectos ligados ao consumo.
Na Revolução Industrial o ator principal era o homem/trabalhador, na era do consumo,
esse papel é assumido pela mulher/consumidora.
Produzir implica o alcance de status, salário e reconhecimento, ou seja, o ideário
produtivista define as possibilidades e papéis sociais das pessoas. Outra resposta contrária
ao modelo tradicional diz respeito a natureza das revoluções consumistas. Ela trata da
obtenção de bens, produtos e serviços considerados supérfluos. Saciar o desejo por
experiências é visto de forma imoral, isso demonstra a forma como o consumo foi
abordado historicamente e seu antagonismo com o trabalho. Portanto, a ação de consumir
degrada a índole do sujeito. Objetos luxuosos vindos de outras nações enfraqueciam a
economia dos países, portanto, eram tratados como um risco.
O aumento do consumo estaria relacionado exclusivamente ao inchaço
populacional. Nesse sentido, as classes mais abastadas poderiam ampliar seus padrões de

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consumo, enquanto os demais deveriam usufruir daquilo que era necessário para sua
subsistência. A satisfação das ambições voltadas ao conforto foi encarada como uma
degradação da vida social. O abismo entre o desejo de consumo e a culpa causada por esse
sentimento foi fundamentado pela “autoridade científica” da evolução. Sob essa ótica, a
evolução colocava num mesmo eixo o progresso moral e material, a culpa colocada pelas
normativas religiosas e filosóficas.
Fora do aspecto moralista dado pelas Ciências Sociais ao consumo, seria necessário
compreender a ordenação entre o “básico” e “supérfluo” que estabelece um piso para a
reprodução física até os prazeres estéticos, espirituais e religiosos. Querer e possuir capital
econômico levam a legitimidade moral diante dos outros. Sendo assim, um bem supérfluo
é transformado moralmente e passa a ser socialmente estável. A compensação que essas
condutas restritivas trazem neutralizam a ilegitimidade daquilo é considerado fútil.
Consumo e cultura se complementam e ordenam os indivíduos numa direção
pautada por valores. As teorias relacionadas a privação incluem, dentre aquilo que é básico
para sobrevivência, o acesso as normas de consumo socialmente estabelecidas. As ciências
sociais se abstêm de pensar a sobrevivência exclusivamente pelo viés biológico, sendo que,
a subsistência em condições extremas miséria os seres humanos tornam-se apenas
organismos vivos.
A divergência entre o básico e o supérfluo garante o controle do consumo de outras
pessoas. Isso ocorre nas políticas públicas quando o consumo das classes populares recebe
contribuições que definem o que é o básico necessário à sobrevivência. Essa perspectiva
ignora os indivíduos como consumidores. Por outro lado, as classes dominantes se
aterrorizam com a possibilidade dos mais pobres consumirem produtos de sua rotina.
Nesse sentido, o consumismo abala a ordem social. Tanto as decisões quanto o prazer na
compra de bens e serviços são entendidos como motivadores específicos. Eles mobilizam
valores individuais que são vistos como danosos à coletividade.
O moralismo impede uma análise sociológica mais densa, pois não reconhecem que
o consumo tem implicações públicas. As análises desses temas levam em conta as
diferentes formas de vida e práticas de certos grupos. A generalização dessas perspectivas
tenta representar toda a sociedade contemporânea.

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