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Tema 7

[213]

Interação e Comunicação

Cultura
Definição prática

Modo de vida, incluindo conhecimento, hábitos, regras, leis e crenças,


que caracteriza determinada sociedade ou determinado grupo social.

Origens do conceito

Devido à sua intrincada história, “cultura”, assim como seu suposto


antônimo “natureza”, é uma das palavras mais complexas do vernáculo, e
uma das mais difíceis de compreender. No século XV surgiu um importante
significado do termo como cultura de lavouras e animais. A partir do
momento que seu significado se expandiu para pessoas, cultura passou a
significar o “aculturamento” da mente das pessoas. Na Alemanha do século
XVIII, cultura ficou sendo o oposto de “civilização”, sendo a primeira
superior à segunda. No século XIX, desenvolveu-se um reconhecimento de
“culturas” ou conjuntos culturais, que marca o início do uso científico social
moderno. Nesse sentido, cultura se refere a todos os elementos do modo de
vida de uma sociedade que podem ser aprendidos, como idioma, valores,
regras sociais, crenças, hábitos e leis. [214] Contudo, tradicionalmente cultura
não incluía artefatos materiais como prédios ou mobília, porém isso mudou
com o crescente interesse dos sociólogos na “cultura material”. O estudo
comparativo das culturas, consequentemente, é um esforço muito abrangente.

Significado e interpretação

Durante a maior parte de sua história, a Sociologia estudou a cultura


como algo intimamente associado às relações sociais e à estrutura da
sociedade. Os estudos marxistas, por exemplo, costumavam interpretar todo o
edifício da cultura e da produção cultural como uma superestrutura fincada
nos alicerces do modo capitalista de produção. Portanto, as crenças religiosas,
as ideias dominantes, os valores centrais e as regras sociais eram todos vistos
como sustentáculos e legitimadores de um sistema econômico exploratório
das relações sociais. Até mesmo antes da era da televisão, a Escola de
Frankfurt de teoria crítica defendia que a nova cultura de massa era uma
forma de controle social que mantinha as massas inativas e acríticas,
formando-as como consumidores passivos de um entretenimento
condescendente. A ironia dessa crítica marxista é que ela diferenciava a alta
cultura da cultura de massa, atribuindo mais valor à primeira, ainda que fosse
território das classes altas eruditas.
A reprodução cultural envolve não só a continuação e o
desenvolvimento da linguagem, de valores e normas gerais, mas também a
reprodução de desigualdades sociais. Por exemplo, em uma análise mais
superficial, a educação deveria ser um “grande nivelador”, permitindo que
pessoas capacitadas de qualquer gênero, classe e linhagem étnica
conquistassem suas ambições. No entanto, um enorme volume de trabalhos
realizados durante cerca de quarenta anos demonstrou que os sistemas
educacionais trabalham para reproduzir divisões culturais e sociais.
A teoria geral mais sistemática de reprodução cultural desenvolvida até
hoje é a de Pierre Bourdieu (1986). Ela associa posição econômica, status
social e capital simbólico ao conhecimento e às habilidades culturais. O
conceito central da teoria de Bourdieu é o capital, cujas diversas formas são
usadas para obter recursos e oferecer vantagens às pessoas. [215] Bourdieu
identifica o capital social, o capital cultural, o capital simbólico e o capital
econômico como formas-chave. Capital social se refere à associação e ao
envolvimento nas redes sociais da elite; o capital cultural é adquirido dentro
do ambiente da família e por meio da educação, normalmente resultando em
certificados como títulos acadêmicos e outras credenciais; o capital simbólico
se refere ao prestígio, status e outras formas de honrarias que permitem que
aqueles com status elevado dominem os com status inferiores; e capital
econômico se refere à riqueza, renda e outros recursos econômicos. Segundo
Bourdieu, essas formas de capital são intercambiáveis.
As pessoas com elevado capital cultural conseguem trocá-lo por capital
econômico; durante entrevistas para empregos bem remunerados, seu
conhecimento e credenciais superiores lhes proporcionam vantagem em
relação a outros candidatos. Pessoas com elevado capital social podem
“conhecer as pessoas certas” ou “ingressar nos círculos sociais corretos” e
conseguem trocar isso por capital simbólico como o respeito dos outros e
maior status social, o que aumenta suas oportunidades de ter poder. Essas
trocas sempre ocorrem em campos ou arenas sociais que organizam a vida
social e cada campo possui suas próprias “regras do jogo” intransferíveis.
O capital cultural pode existir em um estado incorporado, já que o
carregamos para toda parte conosco nos nossos modos de pensar, falar e nos
movimentar. Pode existir em um estado objetificado na posse de obras de
arte, livros e roupas. E pode ainda ser encontrado em formas
institucionalizadas como qualificações educacionais, que são facilmente
traduzidas em capital econômico no mercado de trabalho. Como muitos
outros sociólogos constataram, a educação não é um campo neutro separado
da sociedade como um todo. A cultura e os padrões dentro do sistema
educacional já refletem essa sociedade, e as escolas sistematicamente
beneficiam aqueles que já adquiriram capital cultural na família e por meio
das redes sociais nas quais está inserido. Assim sendo, o sistema educacional
exerce um papel crucial na reprodução cultural da sociedade existente com
suas introjetadas desigualdades sociais.
A partir dos anos 1980, um interesse maior nos contornos da “sociedade
de consumo” aproximou o estudo da cultura da Sociologia [216] tradicional.
A investigação das práticas de compra e consumo de produtos e serviços
significou revisitar a crítica da cultura de massa, porém desta vez os
sociólogos abordaram a questão do ponto de vista do consumidor e do
público. Como a cultura de massa anteriormente uniforme se diversificou
para mercados-alvo menores e de nicho, surgiu o tema do gosto e a existência
de “culturas de gosto”. Será que os gostos culturais das pessoas são
diretamente relacionados à posição de classe, ao gênero e à etnia ou variam
sejam quais forem as posições estruturais?

Aspectos controversos

Em muitos estudos críticos da cultura, houve o pressuposto de que a


cultura popular é, de alguma forma, inferior à alta cultura. A cultura popular
exige pouco esforço, educação ou conhecimento para ser apreciada, ao passo
que a alta cultura demanda muito conhecimento e sensibilidade para que seja
devidamente apreciada. Contudo, a legitimidade da alta cultura se sustenta na
ideia implícita de que fazer o esforço vale a pena uma vez que cultiva
“pessoas melhores” e uma sociedade mais civilizada. Steiner (1983) afirmava
que essa alegação era definitivamente falsa. Durante a Segunda Guerra
Mundial, enquanto as forças armadas alemãs realizavam o assassinato em
massa nos campos de concentração europeus, aconteciam apresentações de
música clássica ininterruptamente. A afirmação de que a alta cultura
“civiliza”, segundo Steiner, é uma total inverdade.
Os teóricos pós-modernos também concordam que a distinção entre alta
cultura versus cultura popular não se sustenta e afirmavam que essas eram
apenas preferências diferentes e opções de gosto não relacionadas a ideias de
formas superiores e inferiores. A neutralização das diferenças culturais é vista
por alguns como libertadora, viabilizando, pela primeira vez, o estudo sério
de formas culturais populares na Sociologia. Trabalhos recentes se
aprofundaram no significado cultural de Lady Gaga, David Beckham e
representações de pessoas com deficiências nas novelas da TV. Outros
afirmam que o verdadeiro teste do gosto cultural é como ele impacta as
oportunidades de vida, como reconheceu Bourdieu.

[217] Relevância contínua

A “virada cultural” dos anos 1980 nas ciências sociais levou o estudo da
cultura para a Sociologia tradicional, e grande parte desse trabalho é
revelador, explorando os papéis da produção e do consumo cultural na
formação dos estilos de vida e das oportunidades de vida. O estudo da cultura
também nos mostra que o mundo das representações simbólicas, do
entretenimento e da mídia nos diz muito sobre as relações sociais. Contudo,
críticas recentes dos estudos culturais consideram que uma grande parte desse
trabalho seja “Sociologia decorativa”, a qual privilegia o estudo dos textos,
do discurso e da interpretação em detrimento das verdadeiras relações sociais
e da vida real das pessoas (Rojek; Turner, 2000). Trata-se de uma
preocupação legítima e os estudos da cultura precisarão garantir que as
relações de poder estruturadas e o desenvolvimento histórico das instituições
culturais não sejam ignorados.
Teorias recentes sobre a mescla global de culturas sofreram uma
interessante guinada na análise de Giulianotti e Robertson (2006) sobre as
experiências migratórias dos torcedores de Glasgow do Celtic e do Rangers
nos Estados Unidos. Em vez de assimilarem a cultura esportiva mais forte
dos EUA, os imigrantes escoceses neste estudo transportaram suas antigas
identidades, devoções e antagonismos para o novo contexto e pouco se
esforçaram para desenvolver algum interesse na cultura esportiva local. Além
disso, a maioria dos membros do North American Supporters’ Clubs
(NASCs) se considera autenticamente “escocesa” mesmo que muitos tenham
obtido cidadania canadense ou norte-americana; os clubes mantêm os
tradicionais jantares em homenagem ao escocês Burns e os membros, de
modo geral, mantiveram seus dialetos e sotaques. Entretanto, uma questão
fundamental para os NASCs, considerando a experiência diferente de seus
filhos no contexto cultural norte-americano, é “a transmissão de identidades
culturais de uma geração para a outra”.

[218] Referências e leitura complementar

BOURDIEU, P. Distinction: A Social Critique of the Judgement of Taste. London:


Routledge; Kegan Paul, 1986.
[Ed. Bras.: A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo; Porto Alegre:
Edusp; Zouk, 2007.]
FEATHERSTONE, M. Consumer Culture and Postmodernism. 2.ed. London: Sage,
2007.
[Ed. Bras.: Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel,
1995.]
GIULIANOTTI, R.; ROBERTSON, R. Glocalization, globalization and migration: the
case of scottish football supporters in North America, International Sociology, 21(2),
2006, p.171-98.
JENKS, C. Introduction: the analytic bases of cultural reproduction theory. In: JENKS,
C. (ed.). Cultural Reproduction. London: Routledge, 1993, p.1-16.

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