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INTERNACIONALIZA AS CULTURAS
Cultura é um dos termos mais amplos e ao mesmo tempo um dos mais explorados
dentro das ciências sociais, seja por parte da sociologia ou da antropologia, mesmo assim este
ainda é um termo que gera dúvidas com relação ao seu significado, isso ocorre pelo fato do
mesmo ser usado para abordar uma ampla gama de características e significados sociais, de
fato é mais fácil e comum caracterizar o que é cultural do que estabelecer um significado
específico para a palavra. Por exemplo, é comum se afirmar que o carnaval e o futebol são
expressões culturais tipicamente brasileiras, mas, no entanto poucas pessoas saberiam de fato
caracterizar o que a palavra cultura quer dizer.
Segundo Wallertein (1999, p42) “... o termo cultura é usado também para designar não
a totalidade da especificidade de um determinado grupo em relação a outro grupo, mas, antes,
certas características dentro do mesmo grupo”. Por vezes imagina-se cultura como sendo algo
culto e elevado das massas, algo a ser preservado e mantido como patrimônio social, diferente
do que é popular que muitas vezes é visto como algo que deve ser descartado ou até mesmo
esquecido. Essa visão de cultura afeta também a forma como se percebe as histórias em
quadrinhos que até pouco tempo em sua história foram taxadas como “não sendo” algo culto o
suficiente para serem consideradas artigos culturais.
De modo geral poderia se caracterizar cultura como sendo “... a totalidade das
características e condições de vida de um povo...” (SANTOS, livro O que é cultura 2006 p29).
Ainda segundo Immanuel Wallertein (Livro cultura global 1999, p42) “A cultura é uma
maneira de sintetizar as formas em que os grupos se distinguem de outros grupos, ela
representa aquilo que é compartilhado dentro do grupo, e como se supõe, simultaneamente,
aquilo que não é compartilhado fora do mesmo grupo.”
Estas duas caracterizações apresentam uma visão geral do que seria a cultura, que viria
a ser entendida como toda a produção social de um povo, seja a sua língua, sua moda, seus
ritos religiosos e até mesmo seu modo de vida, cultura também é a forma como os indivíduos
de um grupo se identificam entre si e ao mesmo tempo se diferenciam de outros grupos.
Apesar dos dois significados serem extremamente amplos, os mesmos fornecem importantes
pistas sobre a significação do termo.
No entanto a caracterização de cultura vai além dessas generalizações segundo José
Luiz dos Santos existem duas concepções a respeito do mesmo, a primeira que aborda todos
os aspectos da realidade social, “... cultura diz respeito a tudo aquilo que caracteriza a
existência social de um povo ou nação ou então de grupos no interior de uma sociedade.”
(SANTOS, 2006, p24). A segunda concepção refere-se ao conhecimento, as idéias e crenças
de um povo, “... quando falamos em cultura estamos nos referindo mais especificamente ao
conhecimento, as idéias e as crenças, assim como as maneiras como eles existem na vida
social.” (SANTOS, 2006, p24).
Sendo assim, pode se estabelecer dois significados fundamentais sobre cultura, onde o
primeiro mais geral visa identificar as pessoas dentro de um grupo ou nação umas com as
outras, seja através de símbolos, da linguagem ou de rituais comuns. E o segundo termo se
refere ás idéias e crenças de um grupo social ou de uma nação.
No presente trabalho se fará o uso das duas formas de classificar o que vem a ser a
cultura, em especial por relacionar a mesma tanto com a identificação coletiva como com um
sistema de idéias e crenças comuns a um grupo social ou nação. Faz-se necessário o uso dos
dois termos, pois, as histórias em quadrinhos norte americanas costumam apresentar as duas
formas de cultura estadunidense trazendo símbolos com os quais o público possa identificar
os EUA e também mostrando toda uma gama de valores, crenças e idéias que podem ser
relacionadas com o mesmo.
Por muito tempo na história das sociedades se considerou que existissem povos que
fossem culturalmente mais avançados que outros, era comum medir esse avanço cultural á
partir das conquistas, tanto materiais quanto simbólicas, que um determinado grupo poderia
ter. Essa idéia se viu difundida em especial na época das grandes navegações e das conquistas
onde os grupos conquistados eram considerados muitas vezes atrasados culturalmente e os
conquistadores se viam como avançados e, por conseguinte, tentavam impor sua forma de
pensar e agir.
Hoje ainda é prática comum acreditar que se existam sociedades culturalmente mais
avançadas que outras, e ainda se usa um critério semelhante para classificar como seria uma
sociedade avançada. Tem se por sociedades avançadas aquelas que conseguiram, dentro de
uma lógica capitalista, evoluir seus meios de disseminação de idéias, o que mudou foi à forma
como essas sociedades, ditas avançadas culturalmente tentam impor sua lógica cultural para
outros grupos, em vez de dominação como na época das grandes navegações usa-se da
tecnologia e da informação para disseminar a cultura.
A cultura é uma das características mais importantes das sociedades, diversos autores
costumam afirmar que a capacidade de criá-la é o que diferencia basicamente o homem dos
outros animais. Como visto anteriormente a cultura também pode ser usada como elemento
que identifica as pessoas dentro de um grupo e ao mesmo tempo como aquilo que as
diferencia de outros grupos.
Como elemento construtor de identidade, ela esta principalmente ligada aos Estados
nação (países), que costumam se valer de elementos culturais comuns para construir o senso
de pertencimento e de identidade de seu povo. Segundo Stuart Hall (2005, p50) “uma cultura
nacional é um discurso, um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas
ações quanto a concepção que temos de nos mesmos.” Ela é responsável pela adequação dos
mais variados tipos de indivíduos em prol de um ideal ou de um projeto de nação, geralmente
a cultura nacional engloba uma língua vernácula, um conjunto de leis e regras de convívio
social e algumas vezes até mesmo um conjunto de crenças comuns.
No entanto, mesmo dentro de um país que possui uma cultura nacional que regula toda
a sociedade, existem grupos culturais que se identificam com outras formas de culturas mais
sem abandonarem a cultura nacional, isto ocorre, pois, por vezes os territórios de vários países
formaram-se englobando uma gama de outros povos ou tribos que antes ali viviam e que
mesmo sob a hegemonia de uma cultural nacional, ainda mantém alguns traços de sua cultura
individual. Também as constantes migrações humanas acabaram por criar grupos culturais
diferentes dentro de um país que antes se apresentava como mais homogêneo, esses grupos
não colocam em risco as culturas nacionais, pois, em grande parte dos casos elas acabam se
mesclando.
Logo, ao contrario do que possa parecer não existem culturas nacionais “puras” que
não apresentam traços de outros povos e de outros países isso porque o intercambio de idéias,
valores e de tudo aquilo que poderia ser entendido como cultura se apresenta desde as
primeiras civilizações. Este intercâmbio de produção humana se intensificou ainda mais com
o surgimento dos modernos meios de produção e com o fenômeno da globalização que
segundo Hall “... se refere aqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam
fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas
combinações de espaço-tempo, mais interconectado.” (2005, p73).
A globalização através de seus meios permitiu uma maior aproximação das culturas ao
facilitar os processos migratórios tanto de pessoas quanto de idéias e também de mercados,
quanto mais o mundo tornava-se “menor” e quanto mais ás fronteiras nacionais desapareciam
mais contato com culturas estrangeiras as pessoas passavam a ter.
Dentro dessa gama de diferenças que formam um estado nação, costuma-se
estabelecer hierarquias entre culturas consideradas superiores e as consideradas inferiores,
onde de modo geral a cultura superior tem ligação com as classes dominantes que
estabelecem o que é culto, e as classes dominadas e sua cultura que é considerada inferior
pelas camadas mais altas, essa hierarquização ocorre desta forma, pois, as camadas mais
elevadas da população são as que geralmente controlam os meios de produção cultural o que
lhes permite estabelecer a hierarquia.
Essa forma de se estabelecer hierarquias também ocorre a níveis globais onde á cultura
estadunidense e a européia foram estabelecidas como superiores isso se deu devido a esses
países serem os produtores da maioria dos meios que possibilitam uma globalização ainda
mais rápida e mais abrangente, enquanto os países consumidores destas culturas são
considerados periféricos e sua cultura inferior. “Os países centrais usam as inovações
tecnológicas para acentuar a assimetria e a desigualdade em relação aos dependentes...
Aparentemente os grandes grupos concentradores de poder são os que subordinam a arte e a
cultura ao mercado, os que disciplinam o trabalho e a vida cotidiana.” (CANCLINI, 2006,
p346).
Dessa forma, através dos meios da globalização, a cultura dos EUA foi espalhada ao
redor do mundo pelas mais variadas ferramentas da globalização e foi adotada como um
modelo a ser seguindo para se chegar a uma sociedade superior e mais justa. Com o Brasil
não foi diferente, elementos da cultura estadunidense também chegaram ao país de diversas
formas e por vezes se valeu de veículos que eram considerados mais populares que eruditos, o
caso das histórias em quadrinhos, mas que em seus conteúdos traziam os elementos
identificadores daquele país, esse elementos permitiram novas construções de identidades á
partir de identificações pessoais de cada individuo com os personagens, com as histórias e
com os elementos.
Esses elementos culturais característicos dos Estados Unidos que se apresentam nas
histórias em quadrinhos, influenciam na cultura brasileira á partir do momento em que existe
a identificação de pessoas ou de grupos sociais com os discursos das HQs. A identificação
também é facilitada devido o caráter universalista contido no discurso, tal como, justiça,
liberdade, igualdade e paz, que são mensagens e conceitos defendidos e adotados por todos os
heróis e super-heróis dos quadrinhos e que ao mesmo tempo fala a todas as pessoas
independentes de nação.
Sendo assim, os processos globalizantes como as migrações, o desenvolvimento das
mídias de entretenimento rápido e a constante evolução das formas de comunicação global e
todos os processos que aproximaram as mais diferentes áreas do planeta, serviram para
virtualmente acabar com as fronteiras nacionais e unir grupos comuns que antes se
encontravam separados por grandes distâncias. A globalização impulsionou a disseminação da
cultura norte-americana o que por sua vez influenciou as culturas dos países considerados
periféricos na hierarquia de classificação cultural global.
É de se imaginar que todo esse processo de disseminação e influência cultural
estrangeira tenham criado uma forma de cultura mundial homogênea baseada nos padrões
norte-americanos4. No entanto, á influência não criou uma cultura mundial única, mas sim
4
Também nos padrões Europeus, no entanto como este trabalho trata sobre influência cultural estadunidense,
será abordado apenas a cultura dos EUA.
adaptou alguns elementos da cultura estrangeira e os “mesclou” em um processo que Nestor
Garcia Canclini chamou de hibridação cultural.
Outro fator a se considerar é que a cultural não é uma via de mão única, os mesmos
elementos globalizantes que serviram como passaporte para as características culturais
estadunidense também serviram como passe para que a cultura dos países “periféricos”
chegassem até os EUA, embora com menor força, mas ainda assim presentes, isto ocorreu
porque a globalização e as relações sociais são relações dinâmicas que proporcionam um
constante fluxo de troca de informações e experiências e porque a cultura é um conjunto de
elementos que não deixa de existir, mas sim que se associam a outros elementos.
Logo, a cultura não pode ser contida em uma região ou em um território, assim como
as pessoas migram, a cultura migra com elas e mesmo que esses indivíduos passem a integrar
um novo território, eles costumam mesclar seus caracteres culturais com o do novo lugar onde
residem. Por fim, não se deve pensar na hibridação cultural e na globalização como algo ruim,
algo que faça desaparecer a “pureza” da cultura nacional, até porque tal pureza nunca chega
de fato a existir, muitas vezes o que acontece é o contrário, a hibridação cultural torna a
cultura mais fluída e mais adaptável enquanto os elementos da globalização levam essa
cultura para os vários cantos do planeta.
Sendo assim, as crianças desde pequenas são influenciadas por estes aspectos da
cultura estadunidense, o que além de facilitar a aceitação desses elementos estrangeiros por
parte dos indivíduos, também induz a imitação por serem elementos familiares apesar de
externos, logo, palavras, termos e também valores e ate mesmo atitudes podem ser aos poucos
introduzidos no cotidiano, vagarosamente se mesclando com a cultura nacional fazendo assim
surgir os híbridos culturais. Esses elementos culturais passados nas histórias em quadrinhos
estadunidenses podem variar de uma história para outra, ou de um personagem para o outro,
podendo ser desde a afirmação do capitalismo como sistema naturalmente dominante até
mesmo os valores que os EUA dizem defender.
As histórias em quadrinhos se relacionam com a hibridação cultural ao servirem como
veículo propagador de histórias, símbolos, idéias e caracteres culturais norte-americanos,
esses elementos encontram-se inseridos nos personagens e nas histórias e de certa forma
ajudam a identificar a cultura estadunidense e seus discursos.
“... há a narrativa da nação, tal como é contada e recontada nas histórias e nas
literaturas nacionais, na mídia e na cultura popular. Essas fornecem uma serie de
estórias, cenários, eventos históricos, símbolos e rituais nacionais que simbolizam
ou representam as experiências partilhadas, as perdas, os triunfos e os desastres que
dão sentido a nação.” (HALL, 2005, p 52).
Todos estes elementos descritos por Stuart Hall são parte primordial da grande maioria
dos enredos das HQs estadunidenses, principalmente as dos chamados super-heróis patrióticos
como o Capitão America, mas também estão presentes em histórias de outros personagens.
Estes elementos contam e recontam as histórias dos EUA, muitas vezes aplicando altas doses
de ficção, mas ainda assim mantendo seu poder de gerar o senso de pertencimento com
aqueles indivíduos que de alguma forma se identificam com os elementos presentes nas
histórias.
O hibridismo cultural entre os elementos estadunidenses e os elementos brasileiros á
partir das histórias em quadrinhos, se refere á adoção de caracteres culturais norte-americanos
por alguns indivíduos, essa hibridação muitas vezes não é consciente, ela apenas faz parte dos
processos comuns de interação entre as sociedades. Deve se lembrar que estes elementos
quase nunca são impostos a força, mas são apenas fruto de uma expansão global dos meios de
produção, também são conseqüências do “desaparecimento” das fronteiras nacionais, em
outros termos, a disseminação da cultura estadunidense é o resultado natural do processo de
globalização que aproximou e uniu seres humanos e culturas afastadas.
Os elementos culturais estadunidenses passados nas histórias em quadrinhos podem
variar de uma história para outra, ou de um personagem para o outro, podendo ser desde a
afirmação do capitalismo como sistema naturalmente dominante ate mesmo valores com
apelos universais que os EUA se mostram como defensores. Para melhor entender essas
“mensagens” presentes nas HQs, faz se necessário o estudo individual de alguns personagens,
que nesse trabalho serão Tio Patinhas, Capitão America e Batman.