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Cidades, Fronteiras e Diversidades Na Amazônia
Cidades, Fronteiras e Diversidades Na Amazônia
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que marca a Amazônia nesse processo que ainda se auge da economia da borracha, ser a “Paris n’Amé-
encontra inconcluso na região. Partindo de Marx, rica”; e Walter Benjamin, o fisiognomonista urbano.
passando por Weber, Simmel, Elias e chegando a A especificidade histórica dessa cidade é pontuada
Polanyi, o autor apresenta a Economia e a Socio- com precisão por Bolle, que adentra, através dos
logia imbrincadas em uma lógica assentada nos personagens de Dalcídio Jurandir, as especificidades
vínculos sociais que se constroem a partir de esferas culturais da metrópole Belém. Dalcídio Jurandir é
mercantis e não mercantis presentes no território. A apresentado através de Belém do Grão-Pará (1960),
partir de Polanyi, Nunes caracteriza a complexidade que compõe, com mais nove romances, entre eles
das relações econômicas e sociais que se encontram Marajó (1947), o Ciclo do Extremo Norte (1941-
em territórios amazônicos, pontuando a especifi- 1978), seu legado de alcance local e regional. Willi
cidade da região. A especificidade é marcada pelo Bolle se dispõe a enfrentar o desafio de expor os
processo de monetarização das relações sociais na elementos constitutivos locais e regionais da obra de
área, que ocorre por meio de mecanismos desiguais Dalcídio Jurandir enquanto recurso indispensável
e combinados, nos quais convivem processos sociais para um retrato fiel da cidade de Belém. Ao operar
tradicionais e outros extremamente modernos. a tradução dos componentes da obra de Dalcídio
Assim, as Cidades na Floresta também desempe- Jurandir para um código de compreensão mais geral,
nham um papel estruturante da lógica de acumu- através das categorias de Walter Benjamin, o autor
lação do capital. acaba transcendendo a leitura da cidade de Belém
As metrópoles na Amazônia são apresentadas pelo romancista local para uma compreensão plena
com o cuidado histórico que merecem e também dos leitores que não estão familiarizados com esse
no interior de sua importância geopolítica. José ambiente específico. Belém é apresentada a partir de
Aldemir de Oliveira e Tatiana Schor mostram uma uma descrição que propicia ao leitor uma transcen-
Manaus resultante das contradições que marcam a dência temporal e espacial. A descrição da cidade
construção da metrópole. Da apresentação da forti- permite que o leitor se veja atravessando ruas, praças
ficação utilizada como estratégia de ocupação até e canais. Willi Bolle pontua Belém em seu perten-
meados do século VIII e da criação de vilas para a cimento local e regional. Personagens dos romances
consolidação da conquista portuguesa; passando à de Dalcídio Jurandir associados a uma arguta apro-
análise da origem da Amazônia brasileira no início ximação da teoria Benjaminiana de legibilidade da
do século XIX, quando Manaus passa de povoa- cidade detalham a Belém metrópole.
mento à situação que oscila entre povoado e vila, até O conceito de fronteira se encontra com o de
ser elevada à condição de cidade e se transformar urbanidade nos textos de Germán Palacio, Ricardo
em capital da Província; e, com precisão, analisando Nogueira, Juan Carlos Peña Márques e Kazuo
o crescimento da cidade no período da borracha, Nakano. Essa dimensão tripla e múltipla, que marca
no final do século XIX, até a criação e implan- o encontro da cidade, da floresta e da fronteira, é
tação da Zona Franca na década de 1960 e suas capitaneada no texto de Palacio pelo espectro da
transformações, culminando, no início do século globalização, que, segundo o autor, apresenta-se
XXI, com o Polo Industrial de Manaus (PIM). Os muito fortemente em Leticia, cidade colombiana do
autores descrevem uma Manaus inconclusa na sua chamado “Trapézio Amazônico”, na tríplice fronteira
forma urbana, que deve ser descrita com densidade confluência do Brasil, Colômbia e Peru. Separada de
para expressar os modos de vida nela vivenciados Tabatinga (cidade amazonense) por uma rua apenas,
e resultantes das relações de produção continua- Leticia é uma cidade de pouco mais de 40 mil habi-
mente produzidas, reproduzidas, criadas e recriadas, tantes (em dados ainda de 2003), fundada em 1867 na
contendo as dimensões da sociedade de cada tempo região originada das disputas entre os três países com
da Metrópole Manaus. limites solidificados apenas no século XX; por isso a
Wille Bolle passeia por Belém tendo como guias região e suas cidades são marcadas por forte presença
Dalcídio Jurandir, alcunhado pelo autor de insider militar, para controle, até hoje. Leticia também foi
na Metrópole, a Belém metrópole, que pretendia, no base de estratégias para controlar e pressionar as guer-
rilhas para o interior da floresta. O controle territo- cotidianidade que reconstrói a ideia de urbanização.
rial marcado pela presença dos militares se encontra Em “Mitú-Valpés: história e memória da
com as trocas culturais e também conflituosas entre origem de uma pequena cidade amazônica na
colombianos, brasileiros e peruanos, alguns de origem Colômbia”, Juan Carlos Peña Márquez apresenta
indígena, forte presença na tríplice fronteira. Para o mais uma cidade amazônica, suas contradições,
autor, o movimento entre-fronteiras, a mobilidade nos determinações e características. A cidade de Mutú,
rios, a presença militar, os índios (Tikunas), as poten- capital do Departamento de Vaupés no oeste de
cialidades turísticas e os conflitos do tráfico de drogas Colômbia, fronteira com o Brasil, é exemplo da
dão à Leticia uma feição local e globalizada indica- relação entre a dimensão urbana e as relações ético
dora das relações e interações complexas entre urbano -rurais. Segundo o autor, os indígenas da Região
e rural, marcadas por especificidades Amazônicas. têm papel importante na consolidação do “tempo
O debate sobre fronteira e urbanidade continua urbano”, de forma que, mesmo que o urbano
com o estudo de Ricardo Nogueira sobre Tabatinga. promova transformações nos povos indígenas, elas
A principal questão agora é entender uma segunda vêm acompanhadas do que chama de “domesti-
relação, a de fronteira política e de fronteira de cação” do espaço urbano pelos mesmos indígenas;
“desenvolvimento”. Para o autor, a cidade não pode nesse movimento, criam-se novas identidades cultu-
ser olhada unicamente como forma, produto apenas rais e sociais e novas estratégias de sustentabilidade
da estrutura, e mesmo que questões mais gerais que ambiental, social e cultural. Mitú nasceu aldeia dos
pautam as análises sobre o processo de urbanização índios Cubeo, território que no século XIX teve seu
e as cidades sejam mais ou menos presentes – como primeiro contato com a cultura ocidental e passou a
a organização funcional das cidades, as relações ser entreposto importante no comércio da borracha.
entre rural e urbano, cidade e campo, polarização e As missões ali instaladas também tiveram grande
atrações, problemas e conflitos urbanos, segregação atuação, aldeando os povos indígenas, base para
espacial, pressão imobiliária e grande capital, polí- grande parte dos primeiros centros povoados da
ticas públicas, movimentos sociais, etc. –, é preciso Amazônia colombiana. A escravidão, o aldeamento
dar conta do conteúdo das cidades, pois é sua diver- e a evangelização fizeram os indígenas se reorga-
sidade (conteúdo diverso) que cria processos e dá nizarem, reacomodando suas estruturas sociais;
movimento e vida às mesmas. As características e a relação com os colonos que chegaram à fron-
da diversidade de Tabatinga, dessa vez, expressam- teira, ocasionando muitos conflitos, produziu uma
se nesse conteúdo e na diversidade de redes que a cidade/sociedade mestiça, com colonos indializados
cidade participa ou sua exclusão de outras, além ou amazonizados formando famílias mestiças. Os
de sua condição locacional e fronteiriça, e tudo conflitos entre índios e colonos são posteriormente
isso é analisado por meio do conceito de território, resignificados pelos filhos mestiços, com trans-
que, segundo Nogueira, consegue dar conta dessa formações de igual forma no sentido de pertenci-
complexidade. A circulação e a mobilidade fazem mento dos habitantes de Mitú. A indigenização dos
parte dessa complexidade, já que Tabatinga é uma processos de relação com o capital externo passaram
das muitas cidades da Amazônia baseadas no trans- pela extração da borracha, madeira e, atualmente,
porte fluvial, dependentes da condição ribeirinha, pelo cultivo da coca. Os relatos dos indígenas,
sendo esse um dos quatro tipos de cidade da Região imigrantes, colonos, populações negras do pacífico
(juntamente com cidades localizadas ao longo de colombiano e comerciantes servem de base para
rodovias, as ribeirinhas atingidas por rodovias e as Peña Márquez construir um estudo importante
que surgiram dos grandes projetos minerais e hidroe- do movimento – mediado pela e na cidade – de
létricos – company town). Assim, o autor destaca em desestruturação dos povos indígenas de Mitú para
sua análise alguns lugares chaves na compreensão uma posterior reconstrução de sua territorialidade e
dos processos socioespaciais de Tabatinga (o porto, identidade, em que se “civilizam” para depois “indi-
o mercado, a Av. da Amizade, a igreja e os pontos de genizar” a cidade, reconfigurando Mitú e o próprio
venda de drogas), observando a construção de uma sentido do urbano.
Próximo à Colômbia e à Venezuela, São relações de poder e contrapoder entre esses aspectos,
Gabriel da Cachoeira é um município fronteiriço do mostrando inclusive uma interpenetração produtora
noroeste do estado do Amazonas, cujo processo de de multiterritorialidades.
formação e desenvolvimento é apresentado no texto Em “Vilas e cidades e a Usina Hidrelétrica
de Kazuo Nakano. O autor apresenta inicialmente Tucuruí”, Gilberto Miranda Rocha apresenta a
as taxas de urbanização nos estados da Amazônia especificidade da Cidade que sucumbe e emerge
Legal, a partir das quais é possível observar o franco na Floresta. Essa dinâmica não está associada à
crescimento da urbanização na região, mesmo que questão ambiental propriamente dita ou à lógica
esses índices mostrem uma inequívoca desacele- regional e local de formação do território. Tucuruí
ração. Apesar disso, existe uma certa difusão de existe como resultante da abrangência espacial dos
valores urbanos no seio da população rural, prin- impactos que grandes projetos promovem em vilas e
cipalmente em função de redes de comunicação e cidades, assim como em todo o sistema urbano e nas
de trabalho. O recorte apresentado por Nakano diz redes que estruturavam a vida regional. De forma
respeito às experiências que esse município teve nas crítica, o autor apresenta como estruturas logísticas
relações e produção de territorialidades vindouras regionais adaptadas ao extrativismo foram abrup-
da experiência de planejamento e gestão territorial tamente subsumidas ao que o autor denominou de
participativa. O conceito de territorialidade é usado Grandes Projetos de Investimento. O reservatório,
expressando o encontro das territorialidades insti- assim, desarticula a integração regional no Pará,
tuídas juridicamente, de territorialidades produ- que era realizada através de um sistema flúvio-ferro-
zidas nos usos, significados e representações cultu- viário que utilizava um conjunto de embarcações
rais dos lugares, principalmente pelas principais constituído pelos pentas, barcos a motor de popa,
etnias indígenas que vivem no município. Indica, batelões, barcos a remo e navios gaiolas que obede-
portanto, relações de poder dinâmicas, com ações ciam o trajeto desde os locais da extração até Belém,
de domínio, controle e submissão e de resistências passando por Marabá e Tucuruí. Mesmo com as
a isso. Dessa forma, poder e contrapoder estão no características ímpares que marcam a topografia
cerne da produção de territorialidades (governa- do Tocantins, que em alguns trechos apresenta
mentais, familiares, grupais, étnicas). Para isso, o cachoeiras, estas se constituíram no desafio que
autor lança mão das teorias de Thomas Hobbes e proporcionou a complementaridade modal entre
Michel Foucault (a partir de Andreas Novy em A ferrovias e hidrovias no Tocantins. Rocha descreve
des-ordem da periferia) para dar forma às analises a especificidade que marcou a conversão desse
do “espaço de poder” e do “poder sobre o espaço”. território, marcada pela violência. A densidade das
São Gabriel da Cachoeira, com mais de 29 mil habi- descrições de paisagens e fluxos econômicos que
tantes, enquadra-se na condição de cidade média e ocorriam em espaços que não existem mais – em
passou, no momento da pesquisa evidenciada no função da submersão de cidades, ferrovias, portos
texto, por processo de instalação de Plano Diretor e de toda uma infraestrutura que espacializou terri-
com destaque para a investigação das múltiplas torial e historicamente a vivência de grupos sociais
territorialidades provindas de algumas situações negligenciados pelo Estado – apresenta também
características do município: a localização frontei- a cidade planejada e discriminatória presente nas
riça; a localização ribeirinha no Alto Rio Negro; e vilas permanentes destinadas aos trabalhadores que
a presença de diversas etnias indígenas. A cidade de atualmente se encontram na Eletronorte. O autor
São Gabriel da Cachoeira faz parte, portanto, de um revela um processo de mudança e apropriação do
rol de cidades amazônidas onde se encontram ações território que corresponde a uma especificidade
governamentais (segurança nacional, ambiente), da região. A disponibilidade hídrica da Amazônia
valores provenientes das práticas culturais e simbó- ainda se constitui em um problema que é revelado
licas do seus moradores e relações complexas entre na rede urbana da região. A contradição do fede-
rural e urbano. Os bairros da cidade são informa- ralismo brasileiro, associada ao regime autoritário,
dores dessa relação e estão configurados mediante as permitiu que a União se apoderasse de áreas para