Você está na página 1de 4

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

Resenha sobre os textos: O Rabisco - Giovani Martins, Seduzidos pela Memória –


Andreas Huyssen e As cidades Invisíveis – Ítalo Calvino

A relação entre cidades imagens, cidades textos, reais e imaginarias.

Tanto no conto O Rabisco, de Geovani Martins quanto em As Cidades Invisíveis


de Ítalo Calvino, é perceptível como a experiência urbana é viva, repletas de nuances as
cidades não são todas iguais, contam uma história em cada rua, em cada espaço, essa
história pode se expressar através de um texto e/ou de imagens, segundo Andreas
Huyssen, em seu livro Seduzidos pela Memória, suas categorias “cidade-texto” e
“cidade-imagem”, não se excluem, mas coexistem mutuamente em complemento uma
da outra, a cidade imagem, relacionada a experiência visual urbana, de seus elementos
visuais como prédios, paisagismos, parques e etc., já em relação a cidade texto, diz
respeito em como essa cidade é construída partir de representações textuais como a
literatura, a forma como essa cidade aparece inscrita em meios de comunicação, sua
narrativa urbana, de como essa cidade é reconhecida pelo mundo a partir dessas
representações, por exemplo, Nova York é uma cidade mundialmente conhecida tanto
em suas representações visuais, de arranha-céus, Central Park, Manhattan, Upper East
Side e etc., assim como a forma como as pessoas vivem nesse local também é conhecida
através do texto da cidade, escrito pelo tempo história através da literatura, filmes,
revistas, jornais e programas de tv, que moldam a percepção de como Nova York existe
para o mundo e para os seus moradores, o Huyssen diz que “os espaços reais e
imaginários se misturam na nossa mente para moldar nossas noções de cidades
específicas.”
Em O Rabisco, essas duas representações da cidade são exploradas, ela se torna
não apenas um pano de fundo, mas elemento central na relação do protagonista com a
sua arte, a cidade se transforma em um organismo vivo que reflete na vida de seus
cidadãos, no seu cotidiano, no seu trabalho, nas relações familiares e na comunidade.
No texto de Giovanni Martins esse aspecto de cidade viva sendo parte fundamental da
vida, fica explícito no modo como o personagem principal interage com a cidade e sua
relação com ela, sua arte se dá a partir dessa relação, pichar depende da existência da
cidade e seus locais proibidos, edifícios ou locais públicos, no alto ou em terra, é apenas
através da cidade que Loki, enquanto artista consegue se expressar, se colocar como
pertencente daquele organismo, que por sua condição social e cor, o empurra para
margem, o apaga para que não seja visto, não seja lembrado, para que sua existência não
seja afirmada como parte essencial desse organismo mas como um sujeito a margem a
deriva do sistema, portanto percebendo isso é importante para o protagonista deixar sua
marca, para ser reconhecido e lembrado pela sua arte como forma de celebrar a sua
existência e resistência nesse meio, numa tentativa de subverter o lugar que é colocado
para ele no texto dessa cidade. Existe uma dualidade na vida do protagonista, Loki
artista pichador busca se colocar no centro, através de sua arte se afirmar na cidade,
porém quando Fernando, enquanto pai e trabalhador, ele pensa apenas em sobreviver,
viver dignamente com sua família, prover para seu filho significa deixar para trás seu
Eu artístico, a relação com a cidade se transforma, ele tenta evitar os pontos que
instigam sua arte, na intenção de deixar para trás aquilo que já fez, que já foi. Mas como
deixar para trás algo que é constantemente presente, sua arte está nas ruas, é
reconhecido por ela, outros pichadores se espelham e o admiram por isso, como
esquecer se apenas sair de casa já é o suficiente para se sentir tentado? Esse dilema
vivido pelo personagem, colocando a cidade como sua tentação, evidencia a relação de
Loki/Fernando com a cidade e como essa experiência é única e subjetiva para ele, suas
memórias dos dias de pichador estão por todas as partes, mas também sua relação como
Fernando, trabalhador que precisa sair todos os dias atras do seu sustento, nas memorias
de seu pai ou com seu filho. 
É interessante também ver como a cidade foi escrita para Fernando/Loki, sua
arte é reprimida, por sem quem é, ele sabe que pode morrer caso tente se entregar para a
polícia, sua arte e sua existência sendo colocadas em risco, dessa forma pode-se
entender como a perspectiva de Fernando sobre a cidade na qual ele vive escreve um
texto a respeito dessa cidade, é um cidade que oprime e marginaliza, usando a polícia
para cumprir esse papel violento, se não fosse assim, Fernando não teria medo de se
mostrar, não se arriscaria para tentar fugir. Essa cidade não tem nome, mas é tão comum
que se pode visualizar essas características em diversas outras, o texto dessa cidade,
pela perspectiva de Fernando é também a perspectiva de toda uma classe que vive como
Fernando.
Essa relação entre cidade texto e cidade imagem também é muito explorada no
livro As Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino, as descrições sobre as cidades invocam
tanto o texto quanto a imagem de cidades com características peculiares e únicas, que
não são reais, mas correspondem em vários sentidos com a experiência urbana, Calvino
escreve cidades e através delas também escreve sobre as relações humanas, tanto
individuais quanto coletivas. Fazendo um ligação direta com o texto de Andreas, em As
Cidades e o Nome I, Aglaura é uma cidade reconhecida pelo seu texto, pelas suas
representações faladas e escritas, ele diz “a cidade que dizem possui grande parte do que
é necessário para existir, enquanto a cidade que existe em seu lugar existe menos.”
nesse trecho, fica explícito que o que se fala sobra a cidade, ou seja, o seu texto
ultrapassa o real, a representação visual, a cidade imagem não corresponde ao que se
fala, é uma sombra perto do que deveria ser de fato. Essa incongruência se traduz para
cidades reais, quantas cidades textos existem, que se vendem como uma coisa (novas,
modernas) mas na verdade são outra coisa (velhas, ultrapassadas) ou até mesmo, cidade
que os moradores reconhecem de uma forma, reproduzem tal texto a partir das suas
percepções em coletivo, às vezes evidenciando o melhor de suas cidades às vezes o pior,
mas para os de fora as imagens são outras, o olhar é outro, novo e peculiar.
De modo que, entende-se que seja normal para cidades, serem caóticas, confusas
e em constante mutação, serem assimétricas, desarmônicas e desiguais, a experiência
urbana é subjetiva e ao mesmo tempo coletiva e individual, as cidades textos e cidades
imagens se completam em certas medidas ou fogem uma à outra, em um ciclo infinito,
já que a própria natureza da cidade é ser sempre mutável.
Bibliografia

CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

HUYSSEN, Seduzidos pela memória. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.

MARTINS, Geovani. O Sol na Cabeça. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

Você também pode gostar