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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE

DAU - ARQUITETURA, URBANISMO E PAISAGISMO


CAC – CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO
Juliana Vanessa Pires dos Santos Nóbrega
Rita de Cássia Farias de Souza

ARQUITETURA, URBANISMO E PAISAGISMO – MÉTODOS III – TÓPICO II


Métodos e Técnicas de Pesquisa em Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo.

RECIFE, NOVEMBRO DE 2020

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Métodos III – Analisar a Arquitetura pela Arquitetura

1. O que vocês entenderam, a partir do texto de Pesavento, que é a História Cultural


Urbana? Que novidades aparecem nessa forma de olhar a cidade? Quais documentos
vão ser úteis ao historiador para construir esse tipo de história? Qual a importância da
ideia de “representação” e os “discursos” sobre a cidade?

Sempre foi possível encontrar histórias urbanas a narrar a cronologia dos fatos de uma
cidade, e, posteriormente, surgiram outras tantas histórias, que sob um enfoque interdisciplinar,
permitiam realizar um verdadeiro estudo das questões econômico-sociais que permeiam as
cidades, mesmo não sendo estas o foco de tais histórias. Porém, na década de 90, no Brasil,
emerge a chamada história cultural urbana, que, segundo o texto de Pesavento, traz uma nova
abordagem sobre as cidades pois antes elas eram apenas o “plano de fundo” para
acontecimentos e desenvolvimento da sociedade e sua economia, mas agora, além disso, a
cidade passa a ser analisada diretamente por meio de críticas e reflexões acerca de suas
representações sociais.

Com isso, a cidade passa a ser constituída e transmitida à história cultural sob o enfoque
de três aspectos que lhe representam: materialidade, sociabilidade e sensibilidade. Grande
característica das cidades, a materialidade, composta pelas criações do homem, permite
estabelecer marcos visíveis que fornecem identidade para cada cidade e as distingue entre
urbano e rural. A sociabilidade também compõe a cidade, uma vez que nela se nota as relações
sociais, os comportamentos da população, o ato de habitar e vivenciar os espaços das cidades,
caracterizando-os. Mas, principalmente, a cidade é repleta de sensibilidade, uma vez que
constantemente se atribui significados, emoções e memórias a determinados espaços e tempos
discorridos na cidade, de acordo com as experiências do “viver urbano”. Assim, atribui-se que
a “(...) cidade sensível é uma cidade imaginária construída pelo pensamento.” (PESAVENTO,
2007, p.14)

O tempo e o espaço de uma cidade estão sempre correlacionados, de modo que na cidade
do presente estão contidas cidades do passado, que podem ou não conter traços materiais, às
vezes destruídos com o decorrer do tempo. Na ausência destes traços a construção do passado
se dá pelo pensamento, que está sujeito ao momento presente, se renovando sempre. “Ao
inventar o passado, contando a história de suas origens e de seu percurso no tempo para explicar
seu presente, a cidade constrói seu futuro”(PESAVENTO, 2007, p.17) que pode ocorrer por
meio de planos urbanísticos e estes, por sua vez, podem servir de fontes a historiadores por
conterem o pensamento da cidade expresso em determinado tempo.

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A leitura proposta por Pesavento enfatiza que se o historiador souber fazer a pergunta
correta a lhe direcionar em sua pesquisa, ele dificilmente deixará de encontrar traços de
representatividade da cidade de estudo. Para o levantamento da história cultural de uma cidade
o historiador deve se valer, ainda, da observação das construções materiais e das práticas
sociais ali predominantes, bem como da busca por discursos sobre a cidade que se expressam
das mais variadas formas: escrita, das crônicas às histórias; diários e relatos de viagens, onde a
cidade será narrada por um estrangeiro; discursos técnicos; depoimentos e relatos de memória,
devendo se atentar ao fato de que o relato do passado feito no presente sempre sofrerá
alterações; músicas e teatros, que são capazes de fornecer total identidade a uma cidade.

Os discursos que o historiador pode se ater são muitos, e cada um tem que ser analisado
de forma diferente de acordo com sua peculiaridade. Além dos discursos orais e escritos, uma
grande representação das cidades pode ser acessada através de imagens, sejam eles fotos,
pinturas, vídeos ou filmes. A cidade é feita por pessoas, por isso, a memória se torna um
elemento chave para acessar o que é ou o que foi uma cidade, embora subjetiva, há formas de
estimular o acesso às memórias, seja de um indivíduo ou de um coletivo. Materiais midiáticos,
tais quais os supracitados permitem que seja ativada “imagens mentais” que estão relacionadas
a outras memórias, e são de suma importância pois eternizam tal imagem “congelada no
tempo”. Através de todos esses recursos a história cultural urbana pode ser bem estudada para
que as cidades do presente sejam melhor compreendidas e, simultaneamente, as cidades do
futuro devidamente construídas.

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2. De que forma vocês acham que o filme Janelas da Alma dialoga com a ideia de
uma História Cultural Urbana?

O documentário Janelas da Alma aborda, por meio da narrativa de diversas pessoas


entrevistadas, a maioria com impedimentos físicos na visão, a questão do olhar, como ele pode se dar
e como ele permeia as relações humanas e sociais. Ele mostra através desses relatos que o olhar vai
além do enxergar com os olhos físicos, se dando principalmente através dos sentidos, da capacidade
de atenção e percepção e, principalmente, da memória e da imaginação.

No filme, é referido que “a nossa visão é relacionada com as nossas necessidades”, como
Pesavento traduz em seu texto, a cidade não é - apenas - vista, mas também sentida. No cotidiano,
enquanto muitas pessoas veem a cidade, outras sentem o ambiente urbano ao seu redor, como
mostrado em Janelas da Alma, que um deficiente visual consegue saber os detalhes da sua cidade,
fazendo um comparativo entre o enxergar visual e o enxergar “com a alma”. Ainda sob a luz da
Pesavento, se é entendido com mais clareza, como a cidade pode ser vista, percebida e sentida pelos
seus habitantes através das memórias, no filme, nos primeiros 20 minutos, esse pensamento é
ilustrado detalhadamente, mencionando que “O ato de ver e de olhar não se limita a olhar pra fora,
não se limita a olhar o visível, mas também o invisível. De certa forma é o que chamamos de
imaginação” (JANELAS da Alma, 2001, 21:20)

Correlacionando o texto de Sandra Pesavento, entendemos que toda vez que uma memória é
acessada e recontada, esse ato por si só, indiretamente, já sofre uma influência do presente.
Novamente, o filme e o texto abordados, se traduzem de forma que vemos o escritor Oliver Sacks
relatando no filme que “o que vemos é constantemente modificado por nosso conhecimento, nossos
anseios, nossos desejos, nossas emoções, pela cultura, pelas teorias científicas mais recentes”
(JANELAS da Alma, 2001, 24:20)

Atualmente, devido ao acesso das tecnologias de informação e da democratização do uso da


internet como meio de comunicação, o homem é excessivamente regado pelo o audiovisual, o que
gera uma falta de estímulo para a percepção de outros sentidos, tal qual a percepção de detalhes
"invisíveis ao olho”. Muito se é falado que quando uma pessoa perde a visão, os outros sentidos se
aguçam. Como se é mencionado no filme, “o excesso de imagens tem tornado difícil o enxergar sem
olhos, nos deixando carentes de sentidos, “atualmente, as histórias têm que ser extraordinárias para
nos comoverem.” (JANELAS da Alma, 2001, 1:00:56) A falta de estímulo para os sentidos, ocasiona a
incapacibilidade de “leitura” da vida e até mesmo da própria imaginação, uma vez que o indivíduo não
é estimulado a sentir, e sim, é habituado a excessivamente “enxergar” o audiovisual.

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Partindo do olhar de Sandra Pesavento e associando a narrativa que João Jardim e Walter
Carvalho, é possível entender que o nosso sentimento altera nosso olhar sobre as coisas, a nossa
percepção de cidade é montada e moldada a partir dos nossos “moldes imperceptíveis" criando para
cada indivíduo uma percepção singular do que é a realidade e uma atribuição de valores e emoções
próprias para aquela “cidade sensível”. Essa percepção é o que Pesavento descreve sobre enxergar
as imagens visuais para ativar as “imagens mentais” ao acessar uma memória. E a forma como se
percebe a cidade necessariamente não será “certa ou errada” mas sim, a percepção daquele indivíduo,
parafraseando a obra de Carvalho e Jardim, “a realidade real não existe, sempre é um olhar
condicionado, igual o olhar do homem que vê o mundo de um jeito e os animais vêm de outro”
(JANELAS da Alma, 2001, 5:30)

O reconhecimento da cidade, do ambiente, do meio urbano, entre outros, não


necessariamente estará atrelado ao ato de enxergar a cidade, mas sim de perceber e reconhecer,
também, emocionalmente “... o reconhecimento, a memória visual e toda forma de percepção devem
estar inseparavelmente ligados à emoção. Quando a memória visual é separada da emoção que lhe
corresponde, pode se relacionar a uma crise de percepção ”(JANELAS da Alma, 2001, 44:05), esses
conceitos independe se o indivíduo é um arquiteto ou historiador, dispondo dos conhecimentos
técnicos sobre o planejamento urbano social, ou um cidadão comum, pois ambos são cidadãos de
uma cidade, que se é vivida e sentida diariamente de inúmeras maneiras singulares por cada um de
seus habitantes.

O texto Cidades Visíveis, Cidades Sensíveis, Cidade Imaginárias se relaciona ainda com o
documentário uma vez que o primeiro aborda a questão da história cultural urbana, destacando que
para tal estudo ser levantado deve-se buscar fontes diversas que representam a cidade em seus
aspectos sociais, enquanto o documentário, ao explorar discursos provenientes de diversas áreas de
análise, como a filosofia, o cinema, a fotografia, a poesia, fornece conteúdo para a construção desse
processo, e por meio da oralidade, quando os entrevistados contam relatos de seu passado eles
oferecem ainda o recurso da memória ao historiador. Memórias estas que são possíveis de serem
extraídas apenas porque tais entrevistados exploraram o olhar ao invisível, permitindo assim que a
imaginação aflorasse. Afinal, “não há memória que se efetive sem o recurso às imagens mentais”
(PESAVENTO, 2007, p.21)

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3. Vocês acharam diferente a forma de propor uma história da arquitetura e da
cidade por Ruth Verde Zein e por Sandra Pesavento? Quais diferenças poderiam
elencar?

Em ambos os textos, Cidades Sensíveis, Cidades Visíveis, Cidades Imaginárias e Há Que Se Ir


Às Coisas por Sandra Pesavento e Ruth Verde Zein, respectivamente, se é abordado sobre o estudo da
arquitetura, a análise da arquitetura em si. De formas distintas e complementares, as autoras
trazem duas visões, que podem ser interpretadas como, Verde Zein aborda a análise da arquitetura
a partir da sua resultante, da obra feita e consolidada; enquanto Pesavento traz um olhar histórico, a
partir das forças exteriores que levaram aquela arquitetura a se consolidar, isso porque a abertura de
seu texto é sobre a origem dos núcleos urbanos, “As cidades fascinam. Realidade muito antiga, elas
se encontram na origem daquilo que estabelecemos como os indícios do florescer de uma civilização:
a agricultura, a roda, a escrita, os primeiros assentamentos urbanos.” (p 11, 2007).

Em síntese, a abordagem de Ruth Verde Zein é analisar a arquitetura a partir de sua resultante
e “voltar” até seu ponto de início (concepção projetual) para entender as ideias e pensamentos por
trás daquela resolução arquitetônica. Neste cenário, a arquitetura se apresenta para solucionar um
problema pontual, com ponto de partida e objetivo de chegada – algo que, de uma certa perspectiva,
podemos relacionar também no texto de Pesavento. O recorte temporal é particular daquela obra,
portanto, “pequeno”. Para Ruth, o estudo de obras está é fundamental para compreender melhores
soluções projetuais, a autora pontua sobre “a necessidade de haver um reconhecimento crítico e
referenciado de um variado repertório de obras como base indispensável para a solução de problemas
de projeto, e como ferramenta também indispensável ao ensino de projeto.” (p 4, 2011)

Enquanto Sandra Pesavento traz um olhar diferente. A forma que a autora analisa não apenas
um recorte temporal específico de uma obra x, mas sim, de como as cidades são compostas, por
que são compostas, seus objetivos, e como se refazem ao passar do tempo, que no caso, é estudar a
arquitetura a partir das forças externas que direcionaram as necessidades do homem até se consolidar
em arquitetura e urbanismo, como é entendido na atualidade. O olhar para a arquitetura que Sandra
nos introduz é singularmente mais histórico, a arquitetura pela história, do que o olhar que a Ruth nos
mostra, de estudar a arquitetura pela a arquitetura em si, por obras. Isso é entendido pela autora
iniciar o seu texto com um recorte histórico do originador dos primeiros núcleos urbanos e transcrever
essa análise em todo período histórico até a atualidade, onde por fim, se encerra o texto.

Para Sandra, a cidade é uma resultante que traduz as relações humanas de certo período
temporal em uma junção espaço-tempo em constante mutação de acordo com as necessidades de
cada época. “Cidades antigas, cidades modernas, cidades do futuro, cidades encantadas; o urbano é
palco e cenário desse espetáculo de imagem em movimento, som, luz e fala, mas é também objeto de
uma reflexão que põe a urbanidade com um centro de reflexão.” (p 22, 2007)

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Ambas as abordagens, apesar de bem específicas, pode-se dizer que são complementares,
uma vez que as duas ideias se convergem em um ponto, como disse Ruth em seu texto, “a arquitetura
tende a crescer para outras áreas”. É possível notar isso quando Ruth menciona que ao analisar a
arquitetura, gradativamente se percebe “um sem número de interfaces com uma ampla gama de
disciplinas paralelas e conhecimentos adjacentes, sem os quais seria impossível qualificar
e compreender corretamente a trama de complexidades embebida no seio de qualquer obra de
arquitetura” (p 6, 2011) da mesma forma, a autora Sandra Pesavento relaciona em seu texto que
tantas outras áreas como fotografia; música; cinema; literatura e etc., como elementos de tradução e
leitura do que são as cidades e de como as pessoas as percebem. Além de que, em seu modo, ambas
usam do mesmo artifício de análise: “voltar para o início, para a partir disto entender como foi feita a
sua resolução atual”.

Citando Waisman, Ruth escreve que “História, teoria e critica são três modos de reflexão
sobre a arquitetura, intimamente entrelaçados,” (...) “que se diferenciam por seus métodos e
objetivos; e que cumprem, ademais, distintas funções no pensamento e na práxis arquitetônica” (p
11, 2001) Desta forma, apesar de distintas, porém complementares, é possível compreender as duas
abordagens para estudos e análises da arquitetura que auxiliam a melhor compreender essa área de
atuação.

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Referências Bibliográficas

a. JANELAS da Alma. Direção de João Jardim e Walter Carvalho. Rio de Janeiro:


Copacabana Filmes e Produção, 2001. 1 DVD (72min). Disponível em:
<https://youtu.be/4F87sHz6y4s>. Acesso em: 01 nov. 2020.

b. PESAVENTO, S.. “Cidades Visíveis, Cidades Sensíveis, Cidades Imaginárias”. UFRG


27.ed.: Revista Brasileira de História, vol.53, 2007.
c.
d. ZEIN, R. V.. “Há Que Se Ir Às Coisas: Revendo as Obras”. Rio de Janeiro: Riobooks,
2011.

RECIFE, NOVEMBRO DE 2020

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