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Análise e discussão do texto

“El sentido de la ciudad”


Projeto de intervenção urbanística I

Arquitetura e urbanismo

Universidade Fernando pessoa

Rita Morais | 35066


Análise e discussão do texto | “El sentido de la ciudad”, (1996)

1. Resumo
No texto do livro “El sentido de la ciudad” de 1996, faz-se uma leitura muito clara e objetiva,
mas ao mesmo tempo poética, onde a cidade é descrita como um complexo artefacto humano
em grande escala que estrutura vários aspetos da vida social, como as nossas atividades
diárias, a nossa identidade, as nossas memórias e fala do poder que as cidades exercem sobre
nós assim como o poder que exercemos sobre ela.

O texto fala sobre como a cidade nos controla através do simbolismo, da atração e da
expressão de elementos sociais, culturais e emocionais, abordando a cidade como um espaço
com peças que nos proporcionam luz e sombra e que a desordem se opõe a ordem, o acidental
se opõe ao regular, as funções e as atividades de entrelaçam, criando contradições e uma
excitação de natureza erótica.

Foi feita uma crítica a cidade contemporânea como sendo dominada pelo visual e pela
perceção que as imagens das fotografias nos dão, alienando os outros sentidos e impedindo
um contato mais íntimo e físico com o ambiente. A ênfase excessiva da visibilidade é apontada
como um problema, mostrando surpreendentemente como um livro de 1996 descreve a
problemática da atualidade sobre o excesso de tempo que passamos a visualizar imagens nos
computadores e telemóveis e como as imagens das cidades podem ser drasticamente
distorcidas quanto mais vivemos “dentro” do mundo dos ecrãs. A fotografia transforma e reduz
o mundo em imagens selecionadas, criando uma mentalidade voyeurista e uniformizando a
interpretação do espaço e acontecimentos.

O vidro espelhado e a transparência são mencionados como parte dessa experiência de


superficialidade e falta de profundidade nas cidades contemporâneas. É dada muita
importância a materialidade, referindo que a busca pela transparência e reflexão nos edifícios
resulta na perda de profundidade e sombra, e mencionando a necessidade do segredo e
opacidade como essencial para alimentar a imaginação e ir além dos limites da cidade, o que
pode entrar um pouco em conflito com a crítica do excesso da visualização – distorcida por
vezes – das fotografias selecionadas já que a nossa imaginação nos dá uma perceção única e
antecipada que pode influenciar na forma como lemos o espaço.

É mencionado que a funcionalização excessiva da cidade a torna muito previsível e evidente,


perdendo o mistério, sonho e a sensualidade. É fascinante por que vivemos num mundo cada
vez mais funcional e menos de lazer e aproveitamento. O facto de ser mencionada a cidade
como algo sensual e erótico não parece fazer muito sentido numa era em que a vida quotidiana
é muito imediatista e que demanda cada vez mais eficiência.

É apresentada a ideia de uma cidade háptica, que acolhe plenamente os seus cidadãos,
permitindo a participação na vida quotidiana e evocando empatia e envolvimento emocional.
A cidade háptica é descrita como uma experiência incorporada, onde habitamos a cidade e ela
habita em nós, moldando a nossa identidade e consciência à medida que visitamos outras
cidades.

Foi feita uma reflexão sobre experiências sensoriais e percetuais da cidade, destacando como
ela é mais do que do que uma sequência de imagens visuais, mas sim uma constelação de
sensações táteis e hápticas. A nossa perceção pode ir além da visão, envolvendo também o
tato e a audição para decifrar o espaço e dar forma às impressões sensoriais em um continuum
coeso.

No texto há uma ênfase no aspeto auditivo da cidade, sendo descrito como um componente
fundamental na perceção do espaço, a sua escala, forma e materialidade. O texto menciona a
capacidade dos sons urbanos de influenciar a identidade de uma pessoa com a apreensão de
diversos sons – ensurdecedores ou sussurros – numa cidade.

A cidade é comparada a uma obra de arte, um “collage” ou uma montagem de impressões


e experiências sensoriais infinitas.

A aceleração na era contemporânea relativamente ao acesso de informação e imagens é


citado como um fator que influencia a perceção do tempo levando a uma perda de conexão
com o passado e a identidade histórica.
Análise e discussão do texto | “El sentido de la ciudad”, (1996)

O texto destaca o papel da memória na conexão com lugares distantes e a capacidade da


literatura e do cinema transportarem as pessoas para lugares imaginados ou recordados. A
memória nos leva de volta a cidades distantes, enquanto as obras literárias nos conduzem a
diferentes cenários criados pelas palavras dos escritores. No entanto também foi ressaltada a
diferença entre cidades reais e imaginadas, apontando que os detalhes das cidades da
imaginação muitas vezes se dissipam com sonhos, só podendo ser recriados pela magia das
palavras do escritor. Algumas cidades permanecem apenas como imagens visuais ao serem
recordadas, enquanto outras são relembradas em toda a sua vivacidade, com sons, cheiros e
jogos de luz e sombra.

Em síntese, o texto critica a cidade contemporânea pelo seu foco excessivo na visualidade,
pela perda de profundidade e mistério, e defende a necessidade de um equilíbrio entre a
transparência e a opacidade, entre o visível e o invisível, para promover uma experiência mais
rica e significativa da vida urbana; destaca a complexidade da experiência urbana, indo além
da visão e enfatizando a interação com estímulos sensoriais, o corpo e o ambiente, assim como
a influência do som dos espaços na perceção e formação de identidade da cidade; e por fim,
oferece uma visão profunda sobre a relação entre cidades reais e imaginadas, explorando o
papel da memória e da imaginação na construção de um vasto panorama urbano na mente e
na experiência sensorial das cidades por meio da literatura e do cinema.
Análise e discussão do texto | “El sentido de la ciudad”, (1996)

2. Cidade háptica
Atualmente, e cada vez mais rapidamente, somos oferecidos a oportunidade de obter todo
o tipo de informação visual, auditiva e escrita de forma imediata – basta ter acesso à internet.
Muitas destas informações são criadas para captar a nossa atenção de maneira específica e
nos manter fixados nelas. O que se tem notado na arquitetura e com o acesso às redes sociais
que nos proporcionam imagens de edifícios e lugares com linhas retas e limpas, espaços
minimalistas, cores neutras – com ocasionais toques de cores vivas – superfícies
transparentes, tudo organizado de harmoniosamente, é que as pessoas tendem a descartar e
esquecer a complexidade e o pensamento por detrás destas obras, assim como também se
esquecem da presença dos filtros nas imagens para tornar as suas intenções estéticas mais
apelativas. Consequentemente os nossos sentidos hápticos da forma como experienciamos o
mundo tornam-se insensíveis. Como arquitetos e urbanistas, e estudantes de arquitetura e
urbanismo por vezes não nos apercebemos do impacto que as linhas simples e ortogonais das
“caixas” e dos “quadrados cinzentos e brancos” e a falta de textura têm sobre a nossa perceção
e capacidade criativa sobre a imagem da cidade.

Mais do que nunca consumimos imagens de cidades através de telas em vez de


experienciarmos fisicamente. A nossa perceção das cidades é cada vez mais reduzida a
imagens que alteram interpretação através de ângulos das fotografias.

Como já havia sido mencionado no resumo, a nossa vida quotidiana é cada vez mais
imediatista, com a intenção de partir de ponto A para o ponto B o mais rápido possível, através
da acessibilidade dos meios de transportes e redes viárias. A acessibilidade e mobilidade
eficientes são importantes para o desenvolvimento e sustentabilidade das cidades de modo a
facilitar as nossas atividades, no entanto, a pressa de nos deslocarmos nos faz interagir com
o meio como um espaço e não como um lugar, ou seja, interagimos com os espaço
percecionado como algo vazio a ser ocupado ou uma distancia entre pontos e não como um
lugar ocupado, formado por elementos que moldam a sua identidade e permitem a interação
entre as pessoas e estes elementos. Segundo Cavalcante “considera-se como lugar quando há
uma troca entre a pessoa e uma determinada área, revelada por sentimentos, emoções,
vivências. O lugar pode deixar de existir fisicamente, mas ainda existirá lembranças daqueles
que lá frequentaram”, 2011.

“A nossa lembrança de eventos pode depender de um forte senso de lugar e, por extensão,
o nosso senso de lugar pode ser influenciado pela integridade das memórias alí formadas” –
Esther Sternberg & Mathew Wilson, Architecture and neuroscience.

Quando se fala de sentidos hápticos, fala-se de diversos estímulos sensoriais como visão,
tato, olfato e audição que aparecem como resposta a interação com um determinado lugar,
que resulta na familiaridade e um forte senso de orientação que acaba por moldar a identidade.

Na proposta para o projeto, ao criar espaços de escapismo com atividades de turismo


ecológico e tirando partido das áreas agrícolas e florestais será possível criar lugares hápticos
onde os visitantes e habitantes poderão ter uma experiência de interação com a natureza e os
estímulos sensoriais que esta pode proporcionar através de aromas naturais, vistas
tranquilizantes, assim como sons da natureza. Poderão absorver e apreender as diversas
texturas, não só da natureza, mas também dos espaços edificados. A criação de vias pedonais
e cicláveis ajudam a enfatizar esta experiência sensorial individual e coletivamente. Numa
tentativa de escapar a superficialidade que muitas vezes acompanha a edificabilidade das
fachadas a proposta tenta conectar as pessoas à beleza e fascinação da natureza.
Análise e discussão do texto | “El sentido de la ciudad”, (1996)

3. Tempo
Imaginemos um lugar cheio de imagens informativas, edifícios transparentes que nos
permitem ver a função de cada um deles, e em que os objetivos são alcançados
imediatamente. Este lugar seria considerado prático e eficiente. Mas e se parássemos para
pensar, porque é que não nos sentimos confortáveis com o processo de partir do ponto A até
ao ponto B lentamente e absorver e aproveitar o momento entre dois pontos? Porque é que
lugares que “param o tempo” e dão espaço para criar reflexões, observações, estimulam-nos
sensorialmente para além da visão, que nos proporcionam tranquilidade são considerados
menos importantes?

Todos nós temos uma perspetiva de eficiência ligada a aceleração e desconectada de longas
pausas, pois esperamos que o serviço oferecido a nós seja igualmente rápido e eficiente.

Quando entramos no metro ou em outro meio de transporte e fazemos uma viagem de 3


minutos ou 30 minutos tudo o que sentimos no fundo é a ânsia de chegarmos ao nosso destino.
No entanto, estes momentos podem ser usados para refletir e absorver o espaço a nossa volta,
que seja ele esteticamente atrativo e agradável ou não – isto pode depender do gosto de cada
um.

Existe um conceito japonês chamado “Ma” que é “o espaço entre objetos” ou “o tempo entre
o início e o fim”, ou seja, é uma pausa. Mas o Ma não é apenas um vazio, é também um ato
de estar presente que molda a forma como percecionamos o mundo a nossa volta. O Ma
enfatiza o momento de tensão e interação entre objetivos ou destinos em vez de apenas se
focar nos objetivos e destinos em si.

Na proposta da área de intervenção é importante criar uma hierarquia viária que torne a
deslocação e acessibilidade eficientes, mas também é importante criar espaços que
proporcionam “momentos vazios” que nos façam processar o que está a acontecer a nossa
volta, construir uma conexão háptica entre as pessoas e o lugar e dar-nos tempo para criarmos
as nossas memórias no lugar.

A nossa sociedade está constantemente a olhar para o relógio. Quanto mais aumentamos a
eficiência na nossa deslocação nas cidades, mais tempo estas cidades têm para serem mais
produtivas e desenvolvidas e consequentemente mais coisas temos para fazer, o que a princípio
é um fator importante, mas paradoxalmente esta pressa e imediatismo excessivo faz nos ter
a sensação de que não temos muito tempo. Embora haja a consideração que ter tempo é um
luxo e um privilégio que muitas pessoas não têm, estas mesmas pessoas precisam de um
refúgio e um lugar que as faça sentir confortáveis e desligadas da agitação e da pressa.

Na proposta para o trabalho prático houve a intensão de criar uma desconexão do mundo
frenético que a urbanização por vezes cria. O maior desafio será fazer um equilíbrio entre a
eficiência e a experiência háptica que é capaz de parar o tempo. Como é que os percursos
podem criar intensões complexas da nossa interação com a cidade e ao mesmo tempo levar-
nos de encontro aos diversos equipamentos com a eficiência necessária?
Análise e discussão do texto | “El sentido de la ciudad”, (1996)

4. Bibliografia
Lee D., (2023), Why studio ghibli movies CAN’T bem ade with AI, em linha, disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=FRnKY-5TqOM.

Lee D., (2022), Can this house slow down time, em linha, disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=d7XKX2WsEnA

Carvalho F., (2016), Espaço e lugar, em linha disponível em


https://medium.com/umolharparaliberdade/de-acordo-com-cavalcante-n%C3%B3brega-
2011-que-discorrem-sobre-a-diferen%C3%A7a-entre-espa%C3%A7o-e-lugar-o-
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