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UMA CIDADE, VÁRIOS ESPAÇOS, MUITAS SIGNIFICAÇÕES

A CITY, MANY SPACES, A LOT MEANINGS


Joabson Bruno de Araújo Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
joabsonbacosta@outlook.com
Profa. Dra. Maria Helena Braga e Vaz da Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
mhcosta@ufrnet.br

RESUMO

O presente trabalho busca refletir sobre as formas de “construção” do espaço urbano na


produção cinematográfica Não por Acaso (2007) dirigido por Philippe Barcinski. Assim, por
meio do aparato cinematográfico, procuraremos entender o contexto cinemático enquanto
representação e suporte para análise do cotidiano dos indivíduos e de suas relações com a cidade
de São Paulo em seus formatos cinemático e concreto. Nesse contexto, o cinema torna-se
interessante para o processo de reflexão sobre a produção do espaço urbano que tem se
constituído enquanto prática e símbolo da sociedade urbana desde o século XX.
Palavras - chave: Geografia Cultura, Construções do Espaço, Cidades Cinemáticas.

ABSTRACT

This work aims to think about the ways in which the film Não por Acaso (2007), directed by
Philippe Barcinski, represents urban space. Through the analysis of this film´s discour- se, this
work will propose an understanding of the cinematic version of the representation of the
individuals´ everyday lives and their relationships with the city of São Paulo. In this context,
film becomes an interesting tool for discussing about the production of space that has been,
constantly constituted as practice and symbol of the XX Century urban society
Keywords: Cultural Geography, Construction of Space, Cinematic Cities.
1. INTRODUÇÃO

O olhar na pós-modernidade é carregado de subjetividades e o significado de que


qualquer imagem hoje está relacionado à referência que essa imagem constrói com outras
imagens. Isso exige que o espectador ou o receptor da mensagem visual traga seus signos -
elementos que esses usam para dar sentidos a suas interpretações, que faça uso de suas
memórias - dos conhecimentos armazenados e suas visões de mundo, suas experiências
pessoais vividas. Nesse contexto, o cinema se apresenta como objeto de análise para se entender
as diversas construções geográfica-espaciais nas produções cinematográficas.
O sentimento de pertencimento a determinados espaços que convivemos a longa data e,
que acabamos por construir significações suficientes para ignorarmos qualquer outro sujeito ou
meio que venha surgir em nosso caminho, é uma das maiores barreiras para se enfrentar o novo,
o desconhecido. A casa em que crescemos, as ruas que brincamos quando criança, dos lugares
que íamos com frequência na adolescência. Todas essas lembranças, nos trazem algo de bom e
fazem com que nos mantenha conectados com aqueles espaços de memórias e boas recordações.
Essa relação com os espaços geográficos que acabam por se tornarem lugares de prazer e de
conforto extremo, é uma relação que vai além de um simples laço com a sociedade, acaba
tornando-se uma relação com os espaços, as coisas, as pessoas, os acontecimentos marcantes.
Desta forma, o cinema tenta retratar através do seu aparato cinematográfico, recortes de
realidades, de momentos criados pelo diretor/autor. No filme aqui analisado (Não por Acaso),
vemos uma extrema relação dos personagens com seus lugares de conforto, não abrindo mão
do prazer que essa relação já estabelecida proporciona para eles.
Segundo Costa (2002, p. 72): “A cidade cinemática é, portanto, uma cidade de significa-
dos. É uma cidade criada por imagens “escolhidas” previamente e que, juntas, não apenas se
tornam uma cidade única, mas também são capazes de dizer muito sobre a cidade original”.
Tendo em vista o cinema como uma fonte valiosa de análise da produção do espaço, podemos
afirmar que hoje o cinema é um dos mais fascinantes objetos de estudo pelos estudiosos da
mídia.

2. CENAS DA VIDA URBANA

É fato que não temos como dizer que levamos uma vida separada dos demais, a todo
momento nossas vidas se cruzam com novas pessoas, seja na padaria, na rua da esquerda ou da
direita, na universidade ou mesmo em um transporte público. Desta forma, o filme Não por
Acaso (2007), nos mostra como numa cidade vidas se cruzam e, através de um simples
acontecimento, tudo pode mudar.
Podemos então usar o que diz Gomes e Berdoulay (2008):

As cidades continuam a ser de qualquer forma, compostas desses espaços onde


exercitamos a difícil arte de convivência. Elas são, sem dúvida, reunião de espaços de
múltiplas trocas e circuitos: econômicos (mercado), socioculturais (modelos de
sociabilidade, sistemas de significação), políticos (conflitos e regras) e
comunicacionais (ruas, serviços, cabos de comunicação etc.). Elas são também o
resultado de múltiplos tempos especializados, de variados usos e atividades e de
diferenciados domínios espaciais (público e privado, sagrado e profano, individual e
coletivo etc.).

Foto 1: Pedro (Rodrigo Santoro) em plano conjunto com a cidade de São Paulo. Foto: Divulgação

No filme, vemos o uso da cidade de São Paulo como cenário concreto, seus problemas
no trânsito, seu crescimento verticalizado, pessoas que possuem relação de afeto com seus
espaços, pessoas que encaram o novo, como exemplo, o caso de Ênio (Leonardo Medeiros) ao
se deparar com sua filha e não saber como proceder, o caso do Pedro (Rodrigo Santoro) com a
perda da namorada. Percebemos que muitas vezes a cidade faz com que levemos uma vida de
solidão, sem pensar nem enxergar além do que já estamos acostumados. O processo de
crescimento das cidades é tão acelerado que já não temos mais espaços para que essas cresçam
horizontalmente, a única alternativa é “subir”, verticalizar e, cada vez mais vemos prédios de
vários tamanhos e formas, sejam esses comerciais ou residenciais, a realidade é que muitas
vezes as formas não seguem a função, podemos chamar esse processo de pós-modernidade. A
todo tempo no filme podemos ver os personagens caminharem por entre as ruas ou mesmo em
suas casas, mas ao fundo a imensidão da cidade.
Ao vermos o texto do personagem Ênio (Leonardo Medeiros):

Somos todos partículas. Átomos. Elementos químicos. Células. Pessoas. Nos


locomovemos. É isso que as partículas fazem. São atraídas e repelidas. O ar vai do
quente para o frio, as cargas elétricas do positivo para o negativo. Os planetas se
atraem. E nós, os indivíduos para onde vamos? Temos o livre arbítrio. Vamos para
onde queremos, o que torna nossos fluxos bem mais complexos de se organizar. O
modelo matemático do transito, é o mesmo da dinâmica dos fluídos, da água correndo
pelos canos. Cada carro é como se fosse uma molécula d’água, o espaço entre eles é
a pressão, poucos carros, pouca pressão. O trânsito flui bem. Se a água é represada,
muitos carros, pouco espaço entre eles, maior pressão. Só que a cidade não é apenas
um cano, é um emaranhado de canos com águas correndo para diferentes direções”.
(Trecho do filme NÃO POR ACASO)
Percebemos algo como a tomada de decisão, as causas e as consequências de se poder
escolher que rumo tomar em nossas vidas. E podemos ver isso no filme, nas relações entre as
pessoas e dessas com os espaços geográficos estabelecidos como cenários prontos/concretos.
Como afirmam Gomes e Berdoulay, (2008):

A cidade é um álbum de imagens obtidas de variados pontos de vista e só essa


multiplicidade pode ser de alguma forma representativa e geradora de identidades. A
valorização das diferenciações comunitárias e o processo concomitante de
segmentação espacial interpelam assim diretamente o sentido mesmo de cidade e de
urbanidade (p.10).
É importante entender que quase todas as cidades possuem elementos privilegiados em
relação aos outros. No Rio de Janeiro, por exemplo, temos o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar,
o calçadão de Ipanema ou mesmo a praia de Copacabana. Esses elementos podem ser uma
praça, jardins, um conjunto de ruas, não importa o modelo em sua origem, são lugares
carregados de significações, cheios de sentidos, que acabam atraindo o público e por simbolizar
a cidade. Esses lugares são fundamentais na construção de imagens da identidade de cada
cidade. Mas ainda existe uma outra dimensão fundamental que atua nesses espaços e é
extremamente necessária para que eles tornem-se espaços de comunicação e coexistência: a da
significação. Assim, os valores e os significados das imagens espaciais são múltiplos, cada
indivíduo constrói os seus significados através de suas vivências.
Temos percebido um maior interesse em retratar os cenários urbanos da vida cotidiana
desde meados dos anos 40 do século XX. Mas podemos atribuir uma grande contribuição da
Nouvelle Vague francesa (Nova Onda) – movimento do cinema francês datado da década de
1960, que introduz um novo caráter à produção cinematográfica e inaugura o cinema autoral,
que surge inspirado no neorrealismo italiano.
No Brasil do início da década de 60, tínhamos Glauber Rocha inspirado no
Neorrealismo Italiano e na Nouvelle Vague. A ideia de Glauber era filmar o povo brasileiro e
mostrar sua realidade da forma mais próxima que fosse possível. Desta forma, nascia o Cinema
Novo, com a proposta de renovar esteticamente o cinema que vinha sendo produzido no país
durante as décadas anteriores.
No filme Não por Acaso, podemos perceber muito da técnica utilizada durante a
Nouvelle Vague. Os enquadramentos de alguns lugares como as grandes avenidas de São Paulo
aproximam o espectador dessa cidade, mas sempre através da perspectiva dos personagens
centrais (Ênio e Pedro) e suas relações com esses espaços. A cidade entra na trama como mais
uma personagem, e desta vez, como uma personagem de fundamental importância para a
composição estética do filme.

Foto 2: Ênio (Leonardo Medeiros) e Bia (Rita Batata) caminham por avenidas de São Paulo, mostrando a importância da cidade
como personagem. Foto: divulgação

Santos (2008) fala como as escolhas dos espaços das locações de um filme podem
contribuir na transmissão de significados aos espectadores. Para ela:
[...] Os mecanismos mais elementares de que o cinema dispõe para a construção de
significados são: os chamados “códigos cinematográficos” [grifo da autora]. Dentre
eles, ressaltam-se a palavra, o gestual, o figurino, a iluminação e aqueles que aqui
mais interessam como cenário e o enquadramento (p. 81).
A autora vai falar na segunda ferramenta empregada, que é estabelecer o papel que o
espaço cumpre na significação das imagens do cinema:

O autor identifica três tipos de espaço: o pictórico, o arquitetônico e o fílmico. Sobre


o espaço pictórico, afirma que, no cinema, assim como na fotografia, um plano fixo
tem a capacidade de transmitir mensagens. Isso dependerá da escolha da câmera que
seleciona o quê e como enquadrar. Já o espaço arquitetônico é o das formas concretas
do cenário (edifícios, praças etc.). [...] o espaço fílmico depende da habilidade do
cineasta de criar um espaço imaginário na mente do espectador. Ele é fruto da
montagem, da relação entre os planos e da composição narrativa total do filme. Assim
como ao ler um romance, ao assistir um filme, elaboramos uma cidade imaginária em
nossa mente, assim, os três tipos de espaços são interdependentes tanto na construção
do filme pelo diretor, como na sua absorção pelo espectador. (SANTOS, 2008, p. 81-
82)

Foto 3: Ênio (Leonardo Medeiros) observa a cidade e lembra de sua vida. Foto: divulgação

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A título de conclusão, deve-se assumir que da maneira como o espaço geográfico é


representado no cinema e como esse representa o imaginário coletivo se transformando em um
sistema de significações dentro do contexto da “representação cinematográfica”, podemos dizer
que os espaços fílmicos são de grande importância na construção de identidades múltiplas em
relação ao espectador. Dessa forma, entendemos que o fazer cinema pode ser lido como uma
construção técnica sob a orientação do olhar do cineasta e toda a sua subjetividade posta em
prática, disso surgindo algo verossímil, ou não, com o que os espectadores se identificam.
Assim, os filmes tornam-se um dos mais importantes objetos de estudo, quando o interesse é
entender como se manifesta o cotidiano dos indivíduos e como esses se relacionam com as
diversidades culturais que estão postas no espaço “real e imaginário”.
Referências:

COSTA, Maria Helena Braga e Vaz da. Construções culturais: representações fílmicas do
espaço e da identidade. In: Entre o lugar. Vol. 1. Número 2, 2010.
______. Cinema e Construção Cultural do Espaço Geográfico. In: Rebeca. Ano 2. Número 3,
2013.
______. Espaço, Tempo e Cidade Cinemática. In: Espaço e Cultura, UERJ. Número 13, p. 63-
75; JAN/JUN, 2002.
GOMES, Paulo Cesar da Costa. O lugar do Olhar: elementos para uma geografia da
visibilidade. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2013
______. BERDOULAY. Vicente. Cenários da Vida Urbana. In: revista Cidades. V. 5, N. 7,
2008.
SANTOS, Alice Nataraja Garcia. Espaços público como imagem da cidade: interpretações de
um geógrafo no cinema. In: revista Cidades. V. 5, N.7, 2008.

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