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Morte e vida das grandes cidades

Nos últimos anos, seja por insegurança ou por uma maior sensação de privacidade,
tem-se observado uma tendência nas edificações tanto comerciais como
residenciais de fecharem-se para a rua, implicando em impactos negativos no
convívio e na relação da população com o espaço público. O bairro onde será
inserida a proposta, não foge desta realidade.

Perde-se, assim, a qualidade e a referência do espaço público, a rua e a calçada


são apenas utilizados para chegar de um lugar a outro. Esse padrão de habitação
gera um ciclo vicioso, onde as edificações sem relação com as ruas acabam por
tornar o espaço público cada vez mais marginalizado.
Em outras palavras, quanto mais edificações fechadas surgem, mais a região se
torna vazia e perigosa, e quanto mais perigosa a região, mais edificações fechadas
surgem.

Como resultado grandes muros fechados tomam conta das cidades.


Automaticamente mais inóspita e vulnerável à marginalidade ela se torna.
No livro A Morte e Vida nas grandes cidades, Jane Jacobs apresentou críticas sobre
este assunto: É inútil tentar esquivar-se da questão da insegurança urbana tentando
tornar mais seguros outros elementos da localidade, como pátios internos ou áreas
de recreação cercadas. Por definição, mais uma vez, as ruas da cidade devem
ocupar-se de boa parte da incumbência de lidar com desconhecidos, já que é por
elas que eles transitam. As ruas devem não apenas resguardar a cidade de
estranhos que depredam: devem também proteger os inúmeros desconhecidos
pacíficos e bem-intencionados que as utilizam, garantindo também a segurança
deles. Além do mais, nenhuma pessoa normal pode passar a vida numa redoma, e
aí se incluem as crianças. Todos precisam usar as ruas. (JACOBS, 2001,p 39)

A crítica apresentada se concentra nessa cultura, muitas vezes errônea de que para
se ter segurança e morar tranquilamente é preciso viver em edificações fechadas,
sem contato com a rua e com o espaço público, e até mesmo com outras pessoas
que não sejam seus vizinhos. Segundo Jacobs (2001) o principal atributo de um
distrito urbano próspero é que as pessoas se sintam seguras e protegidas na rua
em meio aos desconhecidos. É preciso entender primeiramente, que a paz nas
calçadas não é assegurada apenas pela polícia, ela é na verdade mantida
principalmente pela população, a população que ali vive, trabalha, ou apenas
transita, que de forma espontânea, garantem a segurança. De acordo com Jacobs
(2001), a segunda coisa que se deve entender é que o problema da insegurança
não pode ser solucionado por meio da dispersão das pessoas. Reduzir o
adensamento de uma cidade não garante a segurança contra o crime, se não os
subúrbios não seriam o cenário ideal para roubos e similares. Uma rua
movimentada consegue garantir a segurança; uma rua deserta, não. Mas o que faz
uma rua ser atrativa e transmitir segurança? Nas palavras de Jacobs (2001) devem
existir ‘’olhos da rua’’, ou seja a existência de vigilância espontânea sobre as vias,
realizado pelos moradores e frequentadores locais. Dessa forma os edifícios devem
estar voltados para a rua, ao invés de estarem voltados para os fundos do lote. Mas
só se tem olhos para rua quando se tem movimento e para ter-se movimento, para
tornar uma rua atrativa é necessário diversidade

Jacobs (2001) complementa: a calçada deve ter usuários transitando


ininterruptamente, tanto para aumentar na rua o número de olhos atentos quanto
para induzir um número suficiente de pessoas a observar as calçadas. E para ter
uma calçada movimentada é importante existir a diversidade de usos, muitos
estabelecimentos para preencher com pedestres os trechos da rua que não
dispõem de espaços públicos ao longo das calçadas. Deve haver, além do mais, um
comércio bem variado, para levar as pessoas a circular por todo o local. Além disso,
o comércio deve atrair as pessoas para as ruas em horários diferentes. Neste ponto
o resultado se torna, além de social, economicamente interessante.
Por fim , Jacobs (2001) defende que os princípios de uma vida em sociedade e com
qualidade de espaço e convívio estão na busca pela diversidade. Deste modo, a
autora propõe a diversidade , tanto de usos como de usuários, como o único meio
capaz de garantir a vitalidade urbana.

A imagem da cidade

As análises feitas por ele apontam para uma substancial variação do modo como as
diferentes pessoas organizam sua cidade, de quais elementos mais dependem ou
em quais formas as qualidades são mais compatíveis com elas. A paisagem urbana
é algo a ser visto e lembrado, um conjunto de elementos do qual esperamos que
nos dê prazer. Olhar para as cidades pode dar um prazer especial, por mais comum
que possa ser o panorama. Como obra arquitetônica, a cidade é uma construção no
espaço, mas uma construção de grande escala; uma coisa só percebida no decorrer
de longos períodos de tempo.” (LYNCH,1960).

O texto fala da importância da imagem que cada um faz de sua cidade e de sua
singularidade. Cada cidadão tem vastas associações com alguma parte de sua
cidade, e a imagem de cada um está impregnada de lembranças e significados.
Além disso, as pessoas e suas atividades são tão importantes quanto as partes
físicas permanentes de uma cidade. Sendo assim, se é bem organizada
visualmente, ela também pode ter um forte significado expressivo.

A flexibilidade dos espaços e seus significados particulares são evidenciados por


Lynch, sendo a cidade estável por algum tempo, porém sempre se modificando nos
detalhes. Logo, não há um controle total sobre seu crescimento e sua forma nem
um resultado final, mas apenas uma contínua sucessão de fases.
O primeiro capítulo do livro, que estrutura conceitos de análise urbana, se divide nos
tópicos Legibilidade, Construção da Imagem, Estrutura e Identidade e
Imaginabilidade. A legibilidade é um conceito de importância particular quando
consideramos os ambientes na escala urbana de dimensão, tempo e complexidade.
A sociedade atual conta com os artifícios tecnológicos. Temos mapas, números de
ruas, sinais de trânsito, mas “caso alguém sofra o contratempo da desorientação, o
sentimento de angústia irá mostrar com que intensidade a orientação é importante
para o nosso equilíbrio e bem-estar.” (LYNCH, 1960).

Uma imagem clara da paisagem urbana constitui uma base preciosa para o
desenvolvimento individual. A necessidade de reconhecer e padronizar os
ambientes tem raízes profundamente arraigadas no passado e é de enorme
importância prática e emocional para o indivíduo. A legibilidade oferece a sensação
de segurança emocional, assim como a identidade. Uma boa imagem requer a
identificação de um objeto, o que implica seu reconhecimento enquanto entidade
separável. A isso se dá o nome de identidade, no sentido de individualidade ou
unicidade.

A imagem também deve incluir a relação espacial ou paradigmática do objeto com


observador e os outros objetos e esse objeto deve ter algum significado para o
observador. Segundo Kevin Lynch, “é preferível que a imagem seja aberta e
adaptável à mudança, permitindo que o indivíduo continue a investigar e organizar a
realidade. Deve haver espaços em branco para que ele possa ampliar o desenho”.

Sobre a construção da imagem, as imagens de grupo, consensuais a um número


significativo de observadores, é que interessam aos planejadores urbanos, assim
como a imaginabilidade, a característica, num dado objeto físico, que confere alta
probabilidade de evocar uma imagem forte em qualquer observador dado. Esses
objetos parecem repercutir, de modo bastante curioso, os tipos formais de
elementos imagéticos nos quais Lynch divide a imagem da cidade: vias, marcos,
limites, pontos nodais e bairros. Existem outras influências atuantes sobre a
imaginabilidade como o significado social de uma área, sua função, sua história ou
mesmo nome. No design atual, a forma deve ser utilizada para reforçar o
significado, e não negá-lo.

O autor também fala sobre cada um dos elementos que compõem a cidade. As vias,
canais de circulação ao longo dos quais o observador se locomove de modo
habitual, ocasional ou potencial, para muitos observadores constituem os elementos
predominantes. Alamedas, linhas de trânsito, canais ou ferrovias, algumas delas
podem tornar-se características importantes. Para Lynch, o trajeto habitual é uma
das influências mais poderosas, de tal modo que as principais vias de acesso são
todas imagens de importância vital. A constituição de uma via, as atividades
realizadas ao longo de seu percurso ou as fachadas dos edifícios pode torná-la
importante aos olhos dos observadores. Nesse sentido, as vias com grau
satisfatório de continuidade foram escolhidas como as mais seguras e, quando a
largura da via se altera, as pessoas têm dificuldade para perceber uma continuação
da mesma via. As ruas podem não ser apenas identificáveis e contínuas, mas ter,
também, qualidade direcional.

Segundo Lynch, um método para alcançar esta qualidade é por meio de um


gradiente, de uma mudança regular em alguma qualidade que seja cumulativa numa
direção, por exemplo, as vias com origem e destino claros e bem conhecidos têm
identidades mais fortes, ajudam a unir a cidade e dão ao observador senso de
direção. Lynch ainda cita as vias férreas, o metrô e as ruas de mão única como
exemplos de dissociação da estrutura do todo. Já as ruas transversais funcionam
como dispositivos de medição.

Os limites são elementos lineares que representam fronteiras entre duas fases,
quebras de continuidade lineares. São exemplos de limites: praias, margens de rios,
lagos, cortes de ferrovias, espaços em construção, muros e paredes. Parecem mais
fortes os limites que não só predominam visualmente, mas têm uma forma contínua
e não podem ser atravessados, porém muitos limites são uma costura, muito mais
que barreiras que isolam, muitas vezes as próprias vias podem constituir um limite.

Já os bairros são regiões médias ou grandes de uma cidade de extensão


bidimensional. Podem ser reconhecidos internamente, às vezes usados como
referências externas. As características físicas que determinam os bairros são
continuidades temáticas que podem consistir numa infinita variedade de
componentes: textura, espaço, forma, detalhe, símbolo, tipo de construção, usos,
atividades, habitantes, estados de conservação, topografia. Os nomes dos bairros
também ajudam a conferir-lhes identidade, mesmo quando a unidade temática não
estabelece um contraste eloquente com outras partes da cidade.

Os pontos nodais são lugares estratégicos de uma cidade através dos quais o
observador pode entrar, são focos intensivos para os quais ou a partir dos quais se
locomove. Podem ser junções, concentrações, locais de interrupção, um
cruzamento ou uma convergência de vias, momentos de passagem de uma
estrutura a outra. Mesmo quando sua forma física é vaga e indefinida, podem ser de
extrema importância para a legibilidade da paisagem urbana.

Os marcos são outro tipo de referência, mas nesse caso o observador não entra
neles: são externos. Em geral, o marco é um objeto físico definido de maneira a
evidenciar sua singularidade. O contraste entre figura e plano de fundo, a partir da
sua localização espacial, parece ser o fator principal para que um elemento seja
tomado como marco. A atividade associada a um elemento também pode
transformá-lo num marco, ou quando uma história, um sinal ou um significado vem
ligar-se a um objeto, aumenta o seu valor enquanto marco. Lynch divide os marcos
em distantes e locais, estes últimos mais citados pelos observadores que os
primeiros.

Lynch trata das inter-relações entre os elementos listados anteriormente. Segundo a


pesquisa, os bairros são estruturados com pontos nodais, definidos por limites,
atravessados por vias e salpicados por marcos. A sobreposição e interpenetração
dos elementos ocorre regularmente. Se esta análise começa pela diferenciação dos
dados em categorias, deve terminar por sua reintegração à imagem total. Os
elementos subdivididos em vias, limites, bairros, pontos nodais e marcos são
apenas a matéria-prima da imagem ambiental na escala da cidade e podem
funcionar como reforços uns para os outros, “mas podem também entrar em choque
e destruir-se” (LYNCH, 1960).

De fato, todos os elementos atuam em conjunto num determinado momento e a


maioria dos observadores parece agrupar seus elementos em organizações
chamadas complexos. Os complexos são percebidos como um todo cujas partes
são interdependentes e relativamente estáveis em relação umas às outras.

Em outro capítulo chamado Temas comuns, Lynch fala sobre como as pessoas se
adaptam ao seu entorno e extraem estrutura e material ao seu alcance e como os
tipos de elementos usados na imagem da cidade e os atributos que se tornam fortes
ou fracos parecem comparáveis, ainda que a proporção desses tipos possa variar.

Nos capítulos A forma da cidade e Qualidades da forma, Kevin Lynch reforça os


resultados de sua pesquisa e faz uma listagem de conceitos a serem tomados
antecipadamente ao planejamento urbano. A partir de então a inter-relação entre os
elementos se torna presente em todo o texto, tornando-se uma ferramenta para a
posterior conclusão do texto, porém não dos estudos e análises. Lynch classifica
como qualidades da forma:

1. Singularidade ou clareza da figura-plano de fundo: nitidez dos limites;


fechamento; contraste de superfície, forma, intensidade; complexidade, tamanho,
uso, localização espacial.

2. Simplicidade da forma visível em sentido geométrico, limitação de partes, como a


clareza de um sistema de quadrícula, de um retângulo, de uma cúpula.

3. Continuidade de limites ou superfícies; repetição de intervalos rítmicos,


similaridade.

4. Predomínio de uma parte sobre outras em decorrência do tamanho, da


intensidade ou do interesse, resultando da leitura do todo como uma característica
principal associada a um conjunto.
5. Clareza de junção Alta visibilidade das ligações e costuras; relação e
inter-relações claras.

6. Diferenciação direcional Assimetrias, gradientes e referências radiais que


diferenciam uma extremidade da outra.

7. Alcance visual Qualidades que aumentam o âmbito e a penetração da visão,


tanto concreta quanto simbolicamente. Incluem as transparências, sobreposições,
vistas e panoramas que aumentam a profundidade de visão, elementos de
articulação que explicam visualmente um espaço, concavidade.

8. Consciência do movimento As qualidades que, através dos seus sentidos visuais


e cinestésicos, tornam sensível ao observador o seu próprio movimento real ou
potencial. São estes os artifícios que melhoram a clareza de ladeiras, curvas e
interpenetrações, oferecem a experiência de paralaxe e perspectiva de movimento,
mantém a consciência de direção ou mudança de direção, ou tornam visível o
intervalo entre as distâncias.

9. Séries temporais São percebidas com o passar do tempo, incluindo tanto as


ligações simples, item por item, nas quais um elemento é simplesmente ligado à
outros dois, o anterior e o posterior, como as séries verdadeiramente estruturadas
no tempo e, portanto, de natureza melódica, como se os marcos aumentassem sua
intensidade formal até atingirem um clímax.

10. Nomes e significados características não-físicas que podem aumentar a


imaginabilidade de um elemento. Os nomes, por exemplo, são importantes para a
cristalização da identidade. Às vezes, dão indicações de lugares. O autor também
disponibiliza um capítulo do livro contendo somente informações sobre o método
utilizado nas pesquisas. Mapas e imagens, desenhos conceituais e legendas
específicas, além do roteiro da entrevista feita com os habitantes das cidades
analisadas.

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