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Cidades- Comunidades e Territórios

Dez. 2002, n.0 5, pp. 119-123

O Espaço Público: Tópicos sobre a sua Mudança1

Francesco lndovina *

O espaço público deve ser considerado fun­ senta uma das características da cidade: a
dador da cidade (poder-se-á dizer em todas as imprevisibilidade e casualidade dos encontros
épocas e em todos os regimes); no fundo, o espaço (contra uma situação de previsibilidade e regula­
público é a cidade. Isto pelo menos de três pontos ridade dos encontros no pequeno centro).
de vista: Pretende-se sublinhar que a alusão que se fará
- representa a condição para que se possa nesta relação não é ao espaço público no seu senti­
realizar a vida urbana, trata-se de uma espécie de do mais restrito, mas sim àquele de uso público
"condição geral" para a existência própria da ci­ ainda que não estritamente público, ou seja, colo­
dade. Se a referência mais banal, mas substancial, ca-se, sobretudo, a atenção na função e menos na
fosse aquela das infra-estruturas de mobilidade propriedade ou gestão. Não se pode, de facto, evi­
(estradas, passeios, pórticos, praças, largos, etc.), tar observar que os espaços de uso público, mesmo
não se poderiam esquecer os outros espaços liga­ que privados, tendem a ampliar-se, gerando efei­
dos a funções e usos específicos (parques, jardins, tos urbanos de relevo, mais ainda como crescimento
campos de jogos, etc.), também esses indispensá­ da apropriação privada do espaço público estrita­
veis à vida urbana; mente entendido. Note-se como esta passagem
- constitui um factor importante de identifi­ público/privado - que confunde papeis e funções
cação (e também de identidade), isto é, conota os - não é desprovida de consequências e constitui
lugares, dá-lhes forma representativa, assumindo uma manipulação da própria cidade.
muitas vezes a conotação de um "símbolo" (as pra­ Retomando a linha de raciocínio, se se acei­
ças famosas de muitas cidades). Esta afirmação não tarem as precedentes esquematizações, deduzir-se­
exclui que também "elementos privados" (por ão as seguintes consequências:
exemplo edifícios) possam ter um papel de identi­ a) o espaço público é fundamental para o fun­
ficação e ascender a símbolos (basta recordar, no cionamento de todas as cidades e contribui para a
que diz respeito a acontecimentos recentes, o pa­ identificação de cada cidade;
pel simbólico desempenhado, antes e depois do b) a existência do espaço público é condição
atentado de ll de Setembro, pelas torres gémeas para a socialização e realização das respectivas
de Nova Iorque). Prevalece, pois, um interesse pú­ manifestações, e portanto para a qualidade da vida
blico pelo símbolo, quando "elementos privados" urbana;
assumem tal papel e tornam-se, num certo senti­ c) a transformação espaço público/espaço de
do, públicos através, por exemplo, de vínculos à uso público constitui a passagem de uma função
sua demolição ou mesmo à sua transformação (com universalista para uma função descriminada;
tais medidas protege-se forma, tipologia arquitec­ d) a qualidade de vida individual é também
tónica e edificado, "conservando-se", ao mesmo influenciada pela existência de espaço público e
tempo, um símbolo que conota um lugar); da sua tipologia.
- a "cidade é o lugar da palavra", o que im­ Explicitada esta premissa, com o propósito
põe a organização de espaços nos quais a palavra de introduzir as coordenadas à nossa reflexão, é
possa ser expressa. Nesta dimensão, o espaço pú­ possível expor o objectivo que nos colocamos com
blico é lugar de socialização, de encontro e tam­ esta relação: identificar as particularidades do es­
bém onde se manifestam grupos sociais, culturais paço público actual, que funções são hoje realiza­
e políticos que a população da cidade exprime. Este das através ou por meio destes espaços e, de forma
papel desempenhado pelo espaço público é segu­ mais geral, se e como se pode falar hoje de espaço
ramente o mais evidente (e que hoje se encontra público. Para isto parece indispensável, por um
em crise). É nesta dimensão que melhor se apre- lado, e descendo alguns degraus, procurar carac-

• Professor Catedrático. Investigador-Coordenador do Instituto Universitario di Architettura di Venezia. Contacto: indovina@iuav.it


1 Texto traduzido por Joana Malta, estudante de Sociologia do ISCTE, Programa SOCRATES no Instituto Universitario di Architettura di Venezia.

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terizar o “espaço público”, através de parâmetros A cidade moderna resulta de uma dinâmica
articulados que possam permitir, simultaneamen- lenta e constante, intrínseca à firmação da indús-
te, uma taxinomia e uma gradação e, por outro, tria e das relações de produção de tipo capitalista;
contextualizar o conceito de “hoje”. em suma, a cidade é um produto social e este é
Tendo em conta que se faz referência ao es- determinado pelas relações sociais de produção
paço de uso público, podem-se considerar, pelo (que confiam à cidade determinado papel). Com
menos, os seguintes parâmetros: a propriedade (pú- isto não se pretende sustentar que a cidade não
blica e privada); os limites de uso (ilimitado; limi- tenha sofrido modificações de “forma” e de orga-
tado: no tempo; a determinadas categorias de ci- nização, como efeito, por exemplo das inovações
dadãos; à duração; etc.); o custo de acesso (gratui- tecnológicas, das modalidades de organização do
to; a pagamento); os condicionamentos ao seu uso trabalho, das mudanças nos estilos de vida, mas a
(falar não falar; fotografar não fotografar; com ani- cidade conservou o seu papel funcional, social e
mais sem animais, etc.). Cruzando estes parâmetros político-ideológico. A forma como perspectivamos
podemos obter uma gradação dos espaços em ra- o problema é relevante na medida em que, se olhar-
zão da sua “publicidade”. Assim, se associarmos à mos para o elemento constitutivo da cidade, a con-
característica público a universalidade do uso, os tinuidade seguramente prevalecerá, mas se, por
espaços de propriedade pública, de acesso ilimi- outro lado, olharmos para a sua forma (à qual não
tado, gratuitos, sem condicionamentos serão os es- retiro importância), provavelmente a modificação
paços que melhor interpretam o conceito de espa- seria mais relevante. Mesmo neste caso, todavia,
ço público. Ao contrário, um espaço de proprieda- aconselharei cautela: por exemplo, as profundas
de privada, com limites de uso, de acesso pago, transformações da cidade introduzidas pela difu-
com fortes condicionamentos de utilização, consti- são do automóvel, não encontram paralelo em mo-
tui, relativamente ao primeiro, um limite oposto (um dificações ditadas pelas novas tecnologias de in-
espaço de tipo privado). formação e comunicação (não obstante o carácter
Essencialmente, fazendo referência aos mais “revolucionário” destas últimas relativamen-
parâmetros indicados, os espaços de uso público te ao automóvel).
podem colocar-se numa escala que vai de uma Com isto não se pretende negar a necessida-
máxima a uma mínima caracterização pública. Tal de de uma renovada cultura da cidade, mas sim
caracterização torna-se relevante, como veremos reportar a atenção ao núcleo duro da transforma-
mais adiante, para definir quais são as mutações ção da cidade, evitando perseguir miragens sem
(hoje relativamente ao passado) na determinação considerar as correntes que nos prendem à reali-
do espaço público, e qual o papel do espaço de uso dade.
público na “nova cultura da cidade”. A nova cultura da cidade é de qualquer for-
Hoje, alguns estudiosos tendem a contrapor ma, recuperando elementos tradicionais e as ne-
a cidade contemporânea à cidade moderna, con- cessidades mais recentes, qualificada pelo menos
fronto que, caso fizesse sentido, significaria uma em termos gerais. Os vínculos de espaço impulsio-
fractura, uma modificação profunda na constitui- nam-se no sentido de uma formulação de proposi-
ção da cidade. Não se nega que estejamos em pre- ções sistemáticas:
sença de grandes transformações, na cidade, na
tecnologia, na economia, na vida quotidiana e mes- – cidade com forte tendência igualitária (den-
mo no uso da cidade, mas que tudo isto configure tro dos limites de uma cidade que faz parte de uma
uma fractura (um antes e um depois) na constitui- sociedade com forte tendência não igualitária).
ção, na organização e no papel da cidade parece, a Neste contexto coloca-se o conceito de “indemni-
meu ver, muito dúbio. Certo que hoje se manifes- zação” dos menos fortunados que deve caracteri-
tam “formas” urbanas e de organização da cidade zar a organização urbana;
diferentes daquelas do passado, mas talvez seja – cidade sustentável, onde o conceito de sus-
possível sustentar que se trata de uma característi- tentável remete à conservação e transferência da
ca da cidade em cada tempo (mesmo que a veloci- “cultura urbana” às gerações futuras;
dade de mudança não seja irrelevante). Num certo – cidade segura, a obter-se não com a sua
sentido, cada época teve a sua cidade contemporâ- militarização, mas através da socialização do es-
nea, e aquela de hoje está no cerne da modernidade. paço;

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– cidade eficiente (redução dos custos por cepção, todavia, é uma construção social e cultu-
habitante e actividades económicas localizadas) e ral, para a qual contribuem diversos elementos
eficaz (relativamente às necessidades dos seus ci- compreensivos, nomeadamente os elementos
dadãos, permanentes e ocasionais, e das suas acti- constitutivos dos próprios lugares e uma variedade
vidades económicas); de “educações” à percepção. Uma educação à per-
– cidade tecnologicamente na vanguarda; cepção, todavia, baseia-se muito na experiência
– cidade inserida no circuito internacional, directa dos lugares; se assim fosse, então qualquer
segundo as suas específicas potencialidades e as- explicação acerca da degradação dos espaços pú-
pirações. blicos poderia referir-se à reduzida frequência dos
O contributo que pretendo dar a esta nova lugares que caracteriza as recentes modalidades
cultura da cidade é uma tentativa de reconsideração de mobilidade, ou seja, a experiência dos lugares
do espaço público na sua mais ampla interpreta- é muito reduzida (ou quase inexistente) para as
ção. Para isto partirei de duas considerações-ob- crianças, as quais só os vêem das janelas dos auto-
servações. móveis ou de outros meios de transporte. Por fim, a
Se fosse verdade, como eu creio, que o “nível utilização que se faz desses mesmos lugares, para
zero” da cidade constitui o dado formativo do es- além de que da sua degradação resulta um uso de-
paço público, então conviria partir daqui: o nível gradado. Não há dúvida que a estrutura e qualida-
zero das nossas cidades apresenta importantíssi- de da cidade influencia a percepção e determina o
mos elementos de degradação e desqualificação. comportamento dos seus habitantes ou frequenta-
Um elenco dos factores de desqualificação deve dores. Neste contexto, um papel fundamental é
pelo menos conter: a invasão dos automóveis, que desempenhado pelos espaços públicos e de uso
é determinante para a poluição atmosférica, público e sobretudo pela sua qualidade e pela sua
que dizima os espaços abertos aos utentes, que “projecção” (coisa diferente do equipamento ur-
quando estacionados causam poluição visual (por bano). Aquele que antes era identificado como um
exemplo das praças) e limitam a função dos pas- círculo vicioso, com uma política de intervenção
seios; o aumento dos elementos (contentores, vi- oportuna, poderá inverter-se, tornando-se num cír-
drões, etc.) necessários para a recolha do lixo, tan- culo virtuoso.
to mais numerosos quanto mais criteriosa for esta As proposições mais recorrentes relativamente
recolha, factor de poluição visual e olfactiva, mas aos espaços públicos podem ser assim sistemati-
também de degradação local; falta de limpeza e zadas:
manutenção, como efeito da limitação dos recur- – o uso do espaço público como ocasião de
sos por parte das entidades locais, e uma crescen- socialização já não corresponde aos modelos de vida
te e invasora sujidade (a crescente difusão dos mais recentes;
excrementos do “amigo do homem”, não obstante – o declínio da praça como lugar de agrupa-
a chamada de atenção das diversas administra- mentos sociais, entre as quais as manifestações
ções); os impróprios e muitas vezes inadequados políticas, é inevitável, resultado da possível difu-
elementos de “equipamento urbano” que, em vez são da democracia electrónica;
de portadores de qualificação estética, contribuem – desenvolveram-se novos “espaços” que,
à poluição visual e à degradação local; o processo podendo ser privados, desempenham um papel
contínuo de privatização do espaço público, por público, restituindo os tradicionais lugares públi-
exemplo com o crescente requisito de pagamento, cos obsoletos, no sentido em que aqueles novos
que retira aos cidadãos a propriedade de uso dos apresentam “equipamentos” e “condições” que
mesmos. superam os tradicionais;
Outra observação que merece alguma aten- – a fuga dos espaços públicos é determinada
ção refere-se ao facto de um “lugar” ter um senti- pela situação de insegurança que os caracteriza;
do que deriva da sua percepção; paradoxalmente, – as novas instalações, sobretudo difusas, di-
pode-se transformar a percepção de um lugar en- tam a redução dos espaços públicos na sua compo-
quanto a sua constituição se mantém invariável nente infra-estrutural, privilegiando os espaços
(este é o caso mais comum) ou, pelo contrário, uma privados.
modificação constitutiva de um lugar é acompa- As proposições seleccionáveis são certamen-
nhada pela imutabilidade da sua percepção. A per- te mais numerosas, no entanto, aquelas que foram

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nomeadas exemplificam casos pertencentes a di- política (integrando-se com a “praça política vir-
versas “famílias”, tratando-se de cinco afirmações tual”, que aquela real deveria cancelar).
de diferente natureza e consistência. A primeira Mais intrigante é a questão dos novos espa-
refere-se a comportamentos, sobretudo, individu- ços de uso público que, de facto, tornam a propor,
ais; a segunda, a comportamentos de natureza mais de forma concentrada e com mais garantias, alguns
colectiva; a terceira, relaciona elementos de com- dos aspectos e funções da cidade: os “centros co-
portamento com elementos estruturais; a quarta merciais”. Estes, de facto, reproduzem aspectos,
introduz um círculo vicioso; a última, faz referên- funções e condições do mercado de rua urbano (ain-
cia a modalidades estruturais da nova forma de da mais do que aqueles com pórticos). A concen-
habitar. tração (vertical, em mais andares) de funções (co-
Na realidade parece poder-se afirmar, na base mércio, bares, restaurantes, cinemas, serviços vá-
de evidências empíricas, que a degradação física e rios, etc.) que na cidade se desenvolvem na hori-
funcional (como acima esquematizado) é a efecti- zontal, ao longo das ruas, num percurso mais lon-
va causa da queda das funções tradicionais dos go, por um lado, apresenta vantagens para o utente
espaços públicos entendidos no seu sentido mais (concentração, segurança, ambiente mais confor-
restrito. Esta afirmação coloca, em primeiro plano, tável, limpo, ao abrigo das mudanças atmosféri-
o facto da degradação física do espaço público cas, disponibilidade de estacionamento automóvel,
(o nível de qualidade de grau zero da cidade) tor- etc.), por outro, constitui um investimento imobili-
ário rentável dada a preferência acordada pelo
nar difícil o exercício da sua função, estando na
utente. Deve fazer reflectir, todavia, o facto de aque-
base da fuga dos espaços públicos. Isto pode ser
les lugares reproduzirem funções urbanas, ao pon-
demonstrado através de diversos factos. Cada vez
to de reconstruírem a cidade com zonas de des-
que se consegue requalificar um espaço público –
canso, praças cobertas, zonas para as crianças brin-
por exemplo cada vez que se transforma uma es-
carem, fontes, quiosques, etc. Essencialmente,
trada ou uma praça num espaço pedonal, libertan-
aquilo que estes lugares põem em evidência não é
do-a, portanto da invasão dos automóveis – ele tor-
tanto o desaparecimento de algumas zonas urba-
na-se imediatamente num pólo de socialização, um nas, mas sim as suas diversas formas de organiza-
lugar fortemente frequentado ou até um local de ção, importando modelos estranhos à nossa tradi-
actividades lúdicas, com comedores de fogo, ma- ção e, sobretudo, respondendo à degradação do
labaristas, vendedores ambulantes, etc. Este exem- espaço público (não é por acaso que alguns merca-
plo clarifica, novamente, a questão dos lugares de dos de rua reflorescem mudando algumas con-
socialização, orientando-se também no sentido dos dições ambientais e dando mais garantias aos
lugares, por assim dizer, “tradicionais”, quando que utentes).
funcionais e acolhedores. Para além disto, deve-se O problema da insegurança remete para ou-
notar que a socialização é sempre mais ritmada por tro, antes de mais para a construção social da inse-
eventos e ocasiões (passagens de ano, concertos gurança urbana, isto é, para a efectiva consistên-
em praças, campeonatos mundiais de desporto, fes- cia do “perigo”. Contudo, como já indicado, um
tividades várias, etc.), que são as ocorrências nas decréscimo do papel social e de socialização da
quais os espaços públicos, sobretudo as praças, são cidade tende a incrementar a insegurança, pois
invadidos e reconquistam o seu papel. deixa mão livre e espaço a comportamentos que
Que a praça não seja mais o lugar de mani- geram insegurança.
festações políticas, também neste caso, parece não O que surge evidente nas novas formas de
corresponder à evidência empírica. A manifesta- urbanização não é tanto a carência de procura
ção política é um processo que apresenta tanto ele- de “espaço público”, mas sobretudo a sua ausên-
mentos de organização, como também um cia. Não é por acaso que nestes contextos os “cen-
envolvimento emotivo relativamente a objectivos tros comerciais” desempenham uma função pre-
partilhados. As experiências mais recentes mos- dominante de lugares de socialização, como tam-
tram que não se trata da decadência de uma fun- bém não é por acaso que lugares descaracterizados
ção de lugar, mas sim de uma carência organizativa sejam identificados pelos utentes como especifi-
e de objectivos. Quando estas carências forem su- camente de “encontro” (e assim denominados de
peradas, a “praça” tornará a ser um dos lugares da não lugares: portagens de auto-estrada, cruzamen-

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tos, grandes parques de estacionamento, etc.). De chamados não lugares; trata-se, de facto, de outra
facto, mesmo nas novas formas de urbanização onde coisa: no processo de identificação, os habitantes
existem centros com praças, estas desempenham a marcam o território, transformando espaços impro-
sua função original de lugares de encontro e socia- váveis em espaços públicos e de socialização.
lização. A génese dos “não lugares”, os quais as- A reconstrução dos percursos pedonais urba-
sumem o significado de “lugar significativo” pró- nos e os passeios (livres dos elementos inoportu-
prio do reconhecimento dado pelos utentes, não está nos), reduzem a atracção dos centros comerciais
tanto numa forma de “perversão” cultural, sobre- restituindo à via urbana a sua função também de
tudo da parte do jovens, mas sim numa carência “mercado de rua”. Isto, todavia, não esquecendo a
projectual. afirmação actual dos centros comerciais e a sua
De todas as precedentes observações é possí- presença na paisagem; a questão é como estes se
vel constatar que o papel e a função do espaço pú- relacionam com o tecido da cidade, constituindo
blico e de uso público sofreram um acréscimo re- um factor de vivacidade e não de desertificação da
lativamente ao passado, e este não pode ser senão cena urbana.
o ponto de partida para colocar tal papel na nova Deve-se ter em conta que a “questão” do es-
cultura da cidade. Exactamente por isto tal papel e paço público e de uso público é hoje mais rica e
função não podem senão fazer parte do projecto articulada; não se trata de uma questão de mero
cidade; um projecto que, de forma consciente, se “espaço”, mas de um espaço com funções segundo
antagoniza a qualquer ideia de fragmentação, de-
fins definidos e variáveis no tempo. Isto reporta à
sarmonia, ocasionalidade, privatização e oportunis-
gradação dos espaços públicos e de uso público:
mo individualista. Exactamente porque estas em-
se, por um lado, devem ser garantidos espaços pú-
parelham as características prevalecentes da actu-
blicos de tipo tradicional, que podem ser qualifi-
al dinâmica social, o projecto cidade não pode
cados pelo uso que a população legitimamente lhes
favorecê-las, devendo antes contrapor-se, sob pena
dará, por outro lado, devem ser considerados todos
de degradação da cidade. Não se coloca como hi-
os graus intermédios dos espaços de uso público
pótese a concretização de uma cidade unitária,
harmoniosa, colectiva e determinada, a cidade con- para um efectivo envolvimento público na deter-
tinua a ser o terreno das contradições da socieda- minação de um quadro geral que defina, mesmo
de, mas aquela desempenha um papel positivo se que numa malha larga, as condições de uso, a aces-
posta nesta dimensão dialéctica. sibilidade, as condições de fruição para atingir efi-
O espaço público, dentro da nova cultura da ciência, eficácia e redução de qualquer forma de
cidade, não pode senão continuar a garantir as fun- discriminação eventualmente activada.
ções típicas, considerando, ao mesmo tempo, o novo Essencialmente, caso fosse conveniente que
contexto. No entanto, apenas pode ser a interven- os espaços de uso público, na sua complexidade,
ção ao nível zero da cidade que deve reconduzi-lo constituíssem elemento fundamental da cidade,
à sua funcionalidade constitutiva, libertando-o não se poderia não concordar acerca da necessi-
daquilo que é considerado inconveniente, e acti- dade de o projecto urbano e o governo das trans-
vando um processo de manutenção adequada e formações urbanas assumirem totalmente a ques-
contínua. A função de infra-estrutura, por exem- tão dos espaços de uso público como questão
plo, deve ser enriquecida pelas redes tecnológicas prioritária. É conveniente defender que as trans-
mais inovadoras que, embora façam parte dos cha- formações induzidas pelas novas condições de
mados “serviços secundários”, constituem um ele- vida da e na cidade e a necessidade de dilatar de
mento indispensável da nova infra-estruturação, facto os espaços de uso público, só pode ser ob-
imprescindível, por exemplo, à criação de “praças jecto de governo público, segundo as determinan-
tecnológicas” na dupla versão de praça virtual e tes de lugar e de tempo atentamente investigadas.
praça real, as quais podem ser revitalizadas ofere- Assegurar a satisfação de uma procura crescente
cendo novas funções através das novas tecnologias. pelos espaços de uso público fora de qualquer
As novas formas de urbanização devem ser determinante pública, só pode constituir um dos
dotadas de adequados espaços públicos, sem o alibi factores, nem mesmo o menos relevante, do
que os habitantes de tais contextos privilegiam, os declínio da urbanidade.

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