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O limite construído da rua

Cláudia Monteiro, Paulo Pinho


CITTA – Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente
Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

A relação entre espaço público e espaço privado.

Introdução
Este fascículo aborda a forma tridimensional dos edifícios urbanos, especificamente ao nível
do piso térreo. Considera-se a fachada como elemento essencial de conexão física e visual
entre os espaços privados e a rua, e como recurso fundamental para favorecer as diferentes
atividades humanas e promover a urbanidade.

Ao percorrer as nossas cidades parece evidente que a “rua” permanece um desafio tão atual
para o planeamento urbano como estrutural para o futuro das cidades. Esta constatação torna-
se evidente tanto na ausência da rua como na sua descaracterização. Em meados do século
passado dá-se a ruptura entre a rua tradicional, limitada por edifícios implantados no
alinhamento frontal da parcela, e a negação da rua, acompanhada pela liberdade da posição do
edifício em relação ao seu suporte, a parcela. Renuncia-se ao papel fundamental da rua e
dissolve-se o limite entre espaços públicos e privados (os edifícios abandonam a função
tradicional de fronteira entre os domínios público e privado). Esta fratura do espaço urbano
domina a prática de planeamento até aos dias de hoje. Não obstante, em resposta à
disseminação da “morte da rua corredor” (Le Corbusier, 1935) inicia-se, ainda no século
passado, o esforço pela recuperação dos elementos fundamentais da forma urbana, e da rua
como o elemento estrutural da construção das cidades (Conzen, 1969; Gehl, 1987; Jacobs,
1961; Panerai et al, 2004 [1977]). Na defesa da recuperação da “rua”, assiste-se também ao
elogio de projetos urbanos do pós-Segunda Guerra, caracterizados por edifícios de grande
dimensão que definem os limites da rua embora remetendo o acesso para o interior do
quarteirão (por exemplo Nowa Huta New Town, construída nos anos 50 - Figura 1). Uma vez
que não há conexão direta entre espaços públicos e privados ao longo da rua, poderá esta ser
considerada de facto uma “rua”? Como Samuels e Kantarek (2019) oportunamente
questionam. Esta questão remete para o problema do significado da rua e da perda do seu
carácter urbano.

Figura 1. Avenida em Nowa Huta, Cracóvia, na atualidade (fonte: International New Town
Institute).

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A construção da cidade, e da rua em particular, é um desafio alcançável através da


compreensão da forma urbana. Após o reconhecimento da relevância do plano da cidade (ruas,
parcelas e edifícios) e da valorização da rua e do seu limite construído (ver fascículo sobre
Morfologia Urbana, Oliveira, 2021); importa ponderar o modo como se constrói
tridimensionalmente esse limite. As fachadas concretizam a relação entre espaços públicos e
privados e influenciam diretamente tanto a perceção que temos do espaço público como as
ações nesse espaço (Heffernan et al, 2014). Ainda que a interface público/privado seja
reconhecida como uma questão fundamental (Dovey e Wood, 2015), e o piso térreo como um
elemento chave da experiência urbana, as suas dinâmicas estão ainda pouco estudadas
(Kickert, 2016; Van Nes, 2008) e as características formais do edificado, na relação física e
visual que estabelecem com a rua, são demasiadas vezes desvalorizadas (Figura 2).

Figura 2. “O que temos são edifícios fechados e egoístas! O que gostaríamos de ter eram
cidades abertas, versáteis, interessantes e seguras” (fonte: Gehl et al, 2006, p. 30, tradução
livre dos autores).

No que diz respeito ao planeamento urbano em Portugal, a tridimensionalidade do edificado é


vulgarmente alvo de regulação, ainda que num âmbito restrito. Essa regulação refere-se à
volumetria de construção, cércea máxima e relações de vizinhança e privacidade entre
edifícios adjacentes, de adequação questionável. Por outro lado, tem-se vindo a reconhecer a
necessidade de fixar critérios e regras para o espaço público, o espaço da rua entre fachadas
(CML, 2018). Sendo que a fachada urbana, nomeadamente ao nível do piso térreo, tem ficado
ausente das preocupações urbanísticas. Considera-se que este hiato na definição da
concretização da fronteira entre os espaços públicos e privados deve ser colmatado de modo a
fundamentar a “rua” e a promover a vida urbana. Uma “rua” não é uma “estrada”, como
lembra Montgomery (1998), e cabe ao planeamento urbano garantir as características que lhe
conferem urbanidade. Para Holanda (2011), urbanidade é um conceito simultâneo ao espaço
físico e ao comportamento humano. Do ponto de vista formal o autor elege, como princípios
fundamentais, a redução de espaços abertos a favor de espaços ocupados, menores espaços
públicos (ruas e praças), maior número de portas a abrir para o espaço público (nunca paredes
cegas) e a redução de espaços segregados (becos sem saída, condomínios fechados). A secção
seguinte define os fundamentos do conceito de urbanidade.

Fundamentos
A urbanidade é a condição que distingue as áreas urbanas de sucesso das “outras” áreas
urbanas. (Montgomery, 1998; Holanda, 2011). São várias as condições intrínsecas ao conceito
de urbanidade. Esta secção seleciona e descreve sete conceitos que sustentam a urbanidade,
diretamente relacionados com o tema em discussão neste fascículo, focando-se no piso térreo
dos edifícios como elemento-chave da urbanidade (Kickert, 2016).

Diversidade
Uma condição essencial para a urbanidade é a diversidade, interpretada normalmente como a
mistura de usos e atividades. Neste fascículo a importância da diversidade de usos é abordada
à escala da rua e do edifício, indo além do zonamento de usos da cidade comum na prática de
planeamento. A diversidade abrange um conjunto amplo de indicadores, como usos mistos
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(incluindo residencial), forte representação de empresas locais de diferentes tipos, padrões de


horários de funcionamento diurno e noturno, lugares de encontro e interação cultural de
diferentes grupos sociais, padrões de propriedade de diferentes dimensão e valor que
permitam o investimento de pequena escala e pequenos negócios, pluralização de estilos de
arquitetura e a presença de vida urbana valorizando as “fachadas ativas” (a fronteira de um
edifício ou espaço que possui janelas e portas em oposição a paredes cegas, muros ou
garagens – ODPM, 2004) - Montgomery, 1998; Jacob 1961. Se por um lado, a mistura de usos
depende da viabilidade económica da relação entre o uso e o valor do solo, por outro lado, é
facilitada pela adaptabilidade dos edifícios e pela diversidade das tipologias arquitetónicas.
Parcelas estreitas e edifícios estreitos permitem mais diversidade e garantem maior
adaptabilidade ou flexibilidade de usos alternativos. Este aspeto assume um papel muito
relevante pois, se as ruas são formas mais permanentes que os edifícios, os edifícios são
formas mais permanentes que o seu uso (Conzen, 2004) e, nesse sentido, uma área urbana de
sucesso sugere adaptabilidade dos edifícios em alternativa a edifícios que se podem tornar
obsoletos (Montgomery, 1998; Figueiredo, 2012, Davis 2012). Esta questão relaciona-se ainda
com a diversidade social, já que “mais edifícios” frequentemente significam “muitas pessoas
diferentes” (Porta e Renne, 2005).

Densidade
Lozano (1990) defende que a urbanidade se baseia na densidade, no sentido que quanto maior
a concentração de pessoas e atividades mais rica será a vida urbana. No entanto, a definição
mais utilizada de densidade refere-se ao rácio entre m² de construção, número de fogos ou
número de habitantes, por uma determinada área territorial. Sendo uma característica
importante (mesmo quando vista sob esta perspetiva restrita) não é por si só suficiente para
gerar urbanidade. A densidade deve estar associada a formas urbanas compactas e acessíveis
para gerar concentração de pessoas. Se uma densidade muito baixa não consegue gerar
urbanidade, o mesmo se aplica a uma densidade alta que crie edifícios padronizados, grandes
áreas de desenvolvimento uniforme, desconectado e monofuncional, e que se relacione com
grandes extensões de espaços vazios ou ruas demasiadas largas (Jacobs 1961, Montgomery,
1998). Diferentes áreas urbanas com iguais densidades podem representar formas urbanas
muito distintas, o que resulta que a densidade de construção ou de fogos é ineficaz para o
planeamento da forma urbana (Alexander, 1993; Berghauser Pont e Haut, 2007) – Figura 3.

O conceito de densidade pode e deve ser abordado de outras maneiras e a diferentes escalas de
análise de modo a ser mais eficiente para a caracterização e definição do espaço urbano.
Berghauser Pont e Haut (2007) medem a densidade com base em cinco variáveis: intensidade
(densidade de construção), compactação (percentagem da área coberta por edifícios),
percentagem de espaço livre, altura dos edifícios e densidade de redes de ruas. Oliveira (2020)
associa a maior densidade de interseções de ruas, de quarteirões, de parcelas e de coincidência
entre frentes de edifício e parcela, com o aumento do grau de urbanidade. Também Marcus
(2010) relaciona a densidade de parcelas com a diversidade associada a diferentes atores e
ações de transformação. Para Porta e Renne (2005) densidade de edifícios frequentemente
corresponde a mais portas e janelas, e a diferentes grupos sociais e atividades. Netto et al.
(2019) e Van Nes e López (2007) encontram uma clara relação entre o aumento da densidade
de portas (número de portas por metro linear de rua) e o aumento do número de pedestres na
rua.

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Figura 3. Tecidos urbanos com a mesma densidade de construção e distintas formas urbana
(fonte: Berghauser Pont e Haut, 2007).

Acessibilidade
A acessibilidade espacial é uma condição básica para o sentido de urbanidade. A
acessibilidade pode ser medida, à escala global ou local, com base na configuração espacial da
rede de ruas e espaços públicos da cidade com influência direta no padrão de movimento das
pessoas (Hillier et al. 1993). No contexto deste fascículo, interessa olhar para a acessibilidade
à escala da rua. A análise da configuração espacial à microescala pode centrar-se na relação de
acessibilidade entre a entrada de cada edifício e a rua pública (Van Nes, 2008.) Esta relação
pode ser medida através da profundidade topológica entre o espaço privado e o espaço público
– número de zonas que é preciso percorrer para aceder desde o espaço interior privado à rua
pública de acesso.

Da acessibilidade de cada edifício à rua depende também a “composição” (constitutedness) da


rua. A composição está sujeita à adjacência e permeabilidade dos edifícios ao espaço público
(Hillier e Hanson, 1984) e tem um forte impacto na vida urbana das ruas, sublinhando a
premissa de que, embora fundamental, não é suficiente que o edifício esteja implantado à face
da rua, tem ainda de ser acessível pela rua. Enquanto edifícios diretamente acessíveis pela rua
compõe a rua, os edifícios sem acesso direto à rua geram ruas “decompostas” (Van Nes, 2008)
– Figura 4. Van Nes (2008) faz notar que uma rua “composta”, que reúna ainda alta densidade
de portas e grande visibilidade entre espaços públicos e privados, pode ter uma forte atividade
social ainda que seja uma rua com baixa acessibilidade à macroescala. O reverso pode ser
notado em ruas “decompostas”, ainda que apresentem um nível de acessibilidade alto à
macroescala. Quanto maior a presença de interfaces diretas entre o edifício e a rua (portas,
janelas), e menor a presença de barreiras (muros ou grades), maior o movimento pedestre na
rua (Figueiredo, 2012; Netto et al., 2019).

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Figura 4. Exemplos de ruas “compostas”, em cima, e ruas “decompostas”, em baixo (fonte:


Van Nes, 2008).

Transparência
A transparência pode ser interpretada como a área de vãos transparentes que permitem a
visibilidade mútua entre o interior dos edifícios e o espaço exterior público (Dovey e Wood
2015; Porta e Renne, 2005), mas pode também ser interpretada de modo mais ser subtil e
referir-se ao grau de perceção de atividade humana para além das fachadas da rua. Muitas
portas contribuem para esta perceção de espaço habitado, enquanto muros e garagens sugerem
ausência de pessoas (Jacobs, 1993). A transparência assume um papel fundamental,
principalmente ao nível do piso térreo onde ocorre a maior interação entre os espaços públicos
e privados. Esta condição está diretamente relacionada com a quantidade de portas e janelas,
ou montras que convidem a olhar e a entrar; com o uso de vidro transparente em oposição ao
vidro espelhado que apenas permite a relação unilateral do interior para o exterior; e com a
existência de varandas, galerias, ou outras projeções que facilitem o prolongamento das
atividades interiores para o espaço exterior. A externalização das atividades interiores para o
espaço público, por exemplo uma esplanada, é o expoente máximo da transparência
(Llewelyn-Davies, 2007; Ewing e Handy, 2009).

Permeabilidade
O conceito de urbanidade também se relaciona com fachadas permeáveis. A permeabilidade
das fachadas pode juntar duas variáveis: a visibilidade que permite às pessoas “ver através da
fachada” (ver 2.4. Transparência) e a acessibilidade que permite que as pessoas “passem
através da fachada” (ver 2.3. Acessibilidade). Essas variáveis não estão necessariamente
correlacionadas. Uma fachada de vidro transparente pode não permitir o acesso através dela,
assim como uma fachada alta e opaca pode ainda assim permitir o acesso, como referem
Alonso et al. (2018). Os autores relacionam a baixa permeabilidade das fachadas com a
existência de parcelas demasiado grandes e em número reduzido, que representam poucas
entradas de edifícios, associadas a paredes cegas de pisos semi-enterrados para
estacionamento de carros, que provocam baixa interação entre os edifícios privados e a rua
pública. Também Porta e Renne (2005) relacionam o aumento da permeabilidade da rua com
o número de edifícios presentes na rua: mais edifícios representam mais portas e janelas.

Segurança
Lugares onde o nível de atividade humana é apropriado ao contexto local, desencorajam o
crime e criam uma sensação de segurança a todas as horas através dos “olhos na rua” (Jacobs,
1961) das pessoas nas suas atividades diárias (ODPM, 2004). Fachadas ativas e permeáveis,
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oferecem esta sensação de segurança. No entanto, a busca de segurança, entre outros fatores,
tem vindo a impor tipologias habitacionais que se concretizam em muros e fachadas cegas,
que contribuem para a negação do espaço público, para o enclausuramento de pessoas e, por
conseguinte, para o esvaziamento dos espaços urbanos (Figueiredo, 2012). Estudos sobre as
relações espaciais ao nível da microescala urbana entre edifícios e ruas, mostram que o grau
de exposição de um edifício aos seus vizinhos tem impacto na vida das ruas e na distribuição
do crime nas áreas urbanas (Van Nes, 2008). Van Nes relaciona a alta densidade de entradas
conectadas com a rua com a alta intervisibilidade entre elas e conclui que a posição das portas
e janelas, em relação com as dos vizinhos, influencia a probabilidade de controlo social. Uma
forte relação foi encontrada entre a intervisibilidade da rua e o risco de assaltos residenciais
(Van Nes e López, 2007). Não obstante, muita atividade gera anonimato e pode aumentar o
risco de alguns tipos particulares de crime como o “carteirismo” (ODPM, 2004).

Encerramento (Enclosure)
A urbanidade relaciona-se ainda com a existência de espaços exteriores bem definidos e
delimitados por elementos verticais. A sensação de “encerramento” ocorre quando as linhas de
visão são claramente bloqueadas pelos elementos verticais de modo que os espaços públicos
se assemelhem a compartimentos, dotados de uma forma inteligível e definida, onde as
pessoas se sentem confortáveis (Alexander et al., 1977; Cullen, 1996 [1961]); Ewing e Handy,
2009, Jacobs, 1993). Este encerramento do espaço urbano depende da definição contínua do
espaço público com frentes de construção ininterruptas, de alturas mais ou menos próximas, e
que apresentem uma relação proporcional entre a altura dos elementos verticais e a largura da
rua ou praça. Interrupções da continuidade das fachadas – edifícios distantes da rua, parcelas
vazias, parques de estacionamento – perturbam a sensação de encerramento (Ewing e Handy,
2009; Porta e Renne, 2005). “O afastamento do edifício da rua, pensado para proteger o bem-
estar público, dando luz e ar a cada edifício, foi afinal um grande contributo para a destruição
da rua como espaço social” (Alexander et al., 1977, p. 593, tradução livre dos autores).

Práticas de referência
Esta secção mostra um conjunto de práticas de referência. Reúne três exemplos, de âmbito
diversificado, que ilustram as preocupações fundamentais evidenciadas ao longo das duas
secções anteriores. Apresenta um tipo de edifício, um plano de urbanização e, num âmbito
mais genérico, os códigos de regulação baseados na forma (form-based codes).

Edifícios “comerciais-residenciais”
A cidade tradicional apresenta um elevado grau de urbanidade e a mistura de usos parece
surgir naturalmente, seguindo o padrão de continuidade histórica com as cidades da
antiguidade (Grant, 2007; Figueiredo, 2012). Davis (2009) usa o termo comercial-residencial
para descrever o tipo de edifícios que caracterizam a generalidade dos núcleos urbanos
tradicionais e que partilham características comuns, independentemente das determinações
culturais de estilo, organização arquitetónica e técnicas de construção. Intrínsecos à rua e ao
parcelamento tradicional, os edifícios podem pertencer a diferentes épocas conservando as
características fundamentais. Davis encontra semelhanças tanto na distribuição dos edifícios
no espaço urbano como no desenho dos edifícios na relação com o espaço público contíguo.
As características comuns aos edifícios comerciais-residenciais são: a) localização em ruas
conectadas com os grandes centros comerciais e culturais das cidades; b) localização em
locais adequados para atividades tanto comerciais como residenciais; c) fachadas estreitas; d)
pouca frente da fachada cedida à entrada residencial para maximizar a fachada comercial; e e)
fachada partilhada entre usos comercial e residencial, com transparência no piso térreo e mais
encerramento nos pisos superiores. Os edifícios comerciais-residenciais contribuem para a
identidade das ruas e zonas urbanas onde se inserem, um pouco por todo o mundo. No
entanto, após décadas de zonamentos monofuncionais e aumento exponencial da dimensão das
parcelas e edifícios, o seu número é hoje mais reduzido. O exemplo do Porto ilustra este tipo
de edifícios (Figura 5). A parcela tradicional do Porto mede entre 5 e 6 m de largura. Os
edifícios, com 2 ou 3 fiadas de vãos, incluem frente comercial no piso térreo e acesso à
habitação. Tradicionalmente as traseiras do estabelecimento teriam uso habitacional.
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Figura 5. Planta piso térreo e superior de edifício comercial-residencial (fonte: Arquivo


Municipal do Porto); Campo dos Mártires da Pátria, Porto (fonte: domínio público).

“Célula 3” do Plano de Urbanização de Alvalade, Lisboa


O Plano de Urbanização de Alvalade (aprovado em 1945, da autoria de João Guilherme Faria
da Costa), abrange uma área de 230 hectares, planeada em diferentes fases de construção (8
“células” distintas), para uma população residente de 45.000 habitantes. Esta subsecção
apresenta o “bairro comercial” da “célula 3”. O bairro é composto por uma malha de
quarteirões regulares com edificação contínua, estruturadas pela Avenida da Igreja. A sua
execução seguiu dois momentos: i) divisão em parcelas, e ii) projetos-tipo dos edifícios de
utilização mista (comércio no piso térreo e habitação nos pisos superiores), para posterior
venda das parcelas com projeto aprovado (Figura 6) – Costa (2002). As parcelas da Avenida
da Igreja medem 18m de largura (sendo de menor dimensão nas ruas perpendiculares). O piso
térreo de cada edifício é dividido em quatro espaços comerciais independentes, conjuntamente
com a entrada para as habitações. As ruas são assim compostas por pequenas frações
comerciais (cerca de 4m) que promovem forte atividade, diversidade e adaptabilidade à
mudança. Esta composição formaliza fachadas muito transparentes e permeáveis, transpondo
por vezes o espaço interior para o passeio público aumentando ainda mais a transparência.
Com base na divisão em categorias das atividades associadas ao espaço público definida por
Gehl (1987) - atividades necessárias, opcionais e sociais - Barroco (2012) aplica as três
categorias à Avenida da Igreja (Figura 7). Mais do que um atravessamento estrutural do
bairro, esta rua consegue integrar atividades necessárias (trabalho ou deslocações para o
trabalho), opcionais (lazer) e sociais (atividades em comunidade, que decorrem
espontaneamente), com destaque para estas últimas e para a convivência diária e comunitária
de pessoas diversas. Na definição de Portas, é “um exemplo de mix social e de atividades e
espaços livres generosos (..) sem procurar a rutura com os conceitos de avenida, rua e
edificação contínua, de média altura" (Portas, 1997, p.119).

Figura 6. Planta de divisão parcelar da célula 3 e projeto-tipo 4 do Arquiteto Fernando Silva,


1947 (fonte: Arquivo Câmara Municipal de Lisboa).

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Figura 7. Avenida da Igreja nos anos 1940-59, António Passaporte (fonte: Arquivo Municipal
de Lisboa) e na atualidade (fonte: fotografia do autor).

Códigos baseados na forma


Nos Estados Unidos, na década de 1980, o New Urbanism lançou uma nova geração de
códigos de regulação urbana, os form-based codes (FBC), que surgem como o culminar de
décadas de frustração sobre a débil forma física e o mau funcionamento das cidades norte
americanas, fortemente zoneadas desde as primeiras décadas do século XX. O New Urbanism
surge em oposição ao zonamento de usos, baixa densidade e dependência automóvel,
propondo em alternativa criar cidades com uma escala humana, diversas, compactas e
caminháveis. Seaside, na Florida, que começou a ser construída em 1981, não só é
considerada a cidade referência do New Urbanism, como é muito relevante pelo uso de
códigos que regulam a forma urbana bidimensional e tridimensional (Marshall, 2012; Talen,
2011, 2012) - figuras 8 e 9.

Os FBCs têm como principal foco a regulação da forma urbana, incentivando também a
combinação de usos e bairros que atendem às necessidades diárias. O principal objetivo é
promover a boa forma urbana e definir claramente o domínio público de modo a incentivar o
uso pedestre e a interação social. Os códigos possuem normas para o espaço público e
edificado que incluem: a definição da escala dimensionada para o pedestre das ruas e dos
quarteirões; requerimentos de estacionamento compatíveis com a escala do pedestre;
alinhamentos e altura dos edifícios; e requisitos da fachada dos edifícios na sua relação com a
rua. Este último parâmetro pode incluir a área mínima de aberturas do edifício, a
acessibilidade da entrada do edifício, e a posição do estacionamento (por exemplo, evitando
que se posicione entre o edifício e os pedestres). Subjacente está a premissa de que as normas
do edificado afetam diretamente o modo como os espaços públicos, ruas e praças, são usados
e vivenciados pelas pessoas. Estas normas não influenciam nem restringem a criatividade
arquitetónica, apenas exigem que os edifícios se relacionem corretamente com os espaços
públicos (FBCI, 2020).

Os FBCs são códigos regulatórios, e não recomendatórios, coordenados com outros


regulamentos aplicáveis. São documentos que procuram ser simples e de fácil interpretação
(Figura 8), contendo só o número de regras necessário para permitir o desenvolvimento
previsível das formas, continuando a oferecer opções e flexibilidade (FBCI, 2020). Ao usar os
parâmetros de forma, com resultados físicos previsíveis, substituem o zonamento de usos e os
parâmetros de regulação numéricos com resultados difíceis de prever. Esta é uma questão tão
fundamental quanto difícil para o planeamento urbano: encontrar o equilíbrio entre a
previsibilidade e a flexibilidade. Com esta preocupação presente, Talen (2011) sugere que, em
vez de temer o equívoco da limitação da criatividade arquitetónica, se tire partido dos códigos
para melhorar a forma urbana e o espaço público, de modo a impedir que a forma urbana
continue a ser ditada pela inércia da ação e sujeita a interesses de políticos, engenheiros de
transportes, bombeiros ou a regulamentos de estacionamento destinados ao automóvel.

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Figura 8. Form-based code de Seaside, Florida (fonte: The Seaside research portal).

Figura 9. Seaside, Florida (fonte: The Seaside research portal).

Políticas e directrizes de planeamento


Esta secção define algumas directrizes para a definição da forma tridimensional do edifício
(espaço privado) no que se refere exclusivamente à relação com a rua (espaço público). Estas
indicações aplicam-se fundamentalmente ao nível do piso térreo, elemento vertical que
materializa esta interrelação. Pretende-se com estas sugestões mostrar que é possivel assegurar
a interconectividade física e visual entre espaços privados e públicos, que garanta a necessária
urbanidade, sem regular demasiado e sem interferir em estilos arquitetónicos ou opções
estéticas. No final da secção, uma tabela síntese resume as medidas sugeridas e a sua relação
com os indicadores de urbanidade (Tabela 2).

Usos mistos
O uso misto caracterizou a forma urbana por milhares de anos, percorrendo diferentes
culturas, tecnologias e desenvolvimentos, até à separação de usos introduzida no século XX.
Décadas de convivência com esta opção alternativa confirmam as suas limitações e
consequências, e impõem estratégias que promovam a continuidade do uso misto (Grant,
2007). Importa esclarecer que, neste contexto, não se aborda os usos à escala do zonamento da
cidade, intensamente regulado pelo Plano Diretor Municipal, mas sim a mistura de usos à
escala do edifício e da rua, estimulando a diversidade ao longo da rua (horizontalmente) e por
edifício (verticalmente) – figuras 10 e 11. A mistura da função residencial e
comercial/serviços, associada a edifícios de frente estreita, ou média dividida em pequenos
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estabelecimentos, aumentará a diversidade, a adaptabilidade dos espaços e a permeabilidade


das fachadas. Políticas que favoreçam a implementação de pequenos negócios familiares e
campanhas para encorajar as pessoas a comprar localmente, podem ajudar a suportar o
comércio local e a alterar o comportamento dos consumidores, sendo essencial para o sucesso
dos usos mistos (Grant, 2007). Não significa com isto que todas as lojas deverão ser pequenas,
a cidade acomoda a mercearia e o supermercado, mas os pequenos negócios devem ser em
maior número (Montgomery, 1998).

Usos mistos - parcelas pequenas (fonte: domínio público)

Usos mistos - parcelas médias (fonte: fotografia do autor)

Uso exclusivo residencial (fonte: Googlemaps)


Figura 10. Variação de mistura de usos.

Figura 11. Usos mistos (fonte: Montgomery, 1998).

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Proporção entre altura do edifício e largura da rua


No âmbito deste fascículo não importa tanto refletir sobre a altura máxima dos edifícios mas
sim alertar para a necessidade de regular o modo como os edifícios se relacionam e definem o
espaço público. Os edificios, além de definirem o espaço canal, devem assumir a função de
conformar a escala urbana da rua (Figura 12). A proporção entre a largura da rua e a altura da
sua frente construída deverá dotar a rua do carácter adequado, podendo variar com o tipo de
rua, e contribuir para a sensação de “encerramento” e para o conforto do espaço público. Para
isso, tão importante como o limite máximo da altura dos edifícios é a definição da altura
mínima. Alexander et al. (1977) sugere que a largura total da rua não deve exceder a altura
dos edifícios de modo a manter um sentimento confortável de encerramento.

Não existem, no entanto, regras rígidas, conforme se pode confirmar em acolhedores espaços
urbanos compostos por edifícios altos e ruas estreitas, como por exemplo, entre muitos outros,
o Bairro Alto em Lisboa (Figura 12, em cima). Em zonas residenciais de baixa densidade,
onde a massa construída é menos significativa, as árvores podem assumir um papel relevante
para ajudar a definir o espaço da rua. Árvores de ambos os lados da rua podem ajudar a
humanizar o rácio entre a altura dos edifícios e a largura da rua (Ewing e Handy, 2009).

Rácio » 3:1 (fonte: domínio público)

Rácio » 1:1 (fonte: fotografia do autor)

Rácio » 1:3 (fonte: Googlemaps)


Figura 12. Variação da proporção entre altura edifício e largura da rua

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Fachada ativa
Sugere-se a implementação de fachadas ativas nos edifícios. As fachadas ativas dotam o
espaço público de interesse, vida e vitalidade. Llewelyn-Davies (2007), no seu livro “Urban
Design Compendium” lista os atributos das fachadas ativas: portas e janelas frequentes,
fachadas estreitas (criando um ritmo vertical na fachada da rua), articulação de elementos
projetados nas fachadas, visualização pelo exterior de usos internos (ou extravasando para a
rua). Como sugestão, apresenta-se a adaptação da escala de classificação da fachada ativa
definida por Llewelyn-Davies (2007), com base no trabalho preliminar de Gehl (1994) –
Tabela 1.

Tabela 1. Orientações para fachada ativa.

Fachada grau A
• Mais de 15 • Sem fachadas cegas
estabelecimentos por e poucas passivas
A 100m
• Mais de 25 portas ou • Muita profundidade
janelas por 100m e relevo na
superfície da
fachada
• Grande diversidade de • Grande qualidade
funções de materiais e
detalhes
100% ativa Fachada grau B
• 10 a 15 • Algumas fachadas
estabelecimentos por cegas ou passivas
B 100m
• Mais de 15 portas ou • Alguma
janelas por 100m profundidade e
relevo na superfície
da fachada
• Moderada diversidade • Boa qualidade de
de funções materiais e detalhes
Fachada grau C
• 6 a 10 • Muito pouca
estabelecimentos por profundidade e
C 100m relevo na superfície
da fachada
• Alguma diversidade de • Media qualidade de
Vãos acessíveis e frequentes funções materiais e detalhes
• Menos de metade de
fachadas cegas ou
passivas
Fachada grau D
• 3 a 5 estabelecimentos • Fachadas lisas
por 100m
D • Pouco ou nenhuma • Poucos ou nenhuns
diversidade de funções detalhes
• Predominância de
fachadas cegas ou
passivas
Fachada grau E
• 1 ou 2 • Fachadas lisas
estabelecimentos por
E 100m • Nenhum detalhe e
• Sem diversidade de nada observável
funções
Fachadas cegas devem ser evitadas
• Fachadas cegas ou
passivas
Adaptado de Llewelyn-Davies (2007) e Gehl (1994).

Fachada contínua / definição do limite público-privado


A continuidade das fachadas dos edifícios é uma característica fundamental para definir o
espaço público e favorecer o “encerramento” e conforto da rua. As fachadas devem
acompanhar a linha de visão, sem interrupções, que destruam os limites da rua e perturbem a
sensação de encerramento (Figura 13).

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A continuidade das fachadas clarifica a definição dos limites entre espaços públicos e
privados, concretizando a fronteira, e reduzindo os espaços que se interpõem entre a rua e o
acesso ao edifício. O afastamento dos edifícios cria um espaço intersticial de uso indefinido e
sem domínio claro. Esta duplicação de limites estabelece desordem e cria distanciamento
(Dovey e Wood, 2015). Do mesmo modo, parcelas vazias, ou parques de estacionamento,
anulam a continuidade e perturbam o conforto da rua. A figura 13 ilustra a continuidade
urbana e os diferentes graus de descontinuidade, a evitar.

Fachada contínua (fonte: fotografia do autor)

Interrupção da continuidade da fachada (fonte: Googlemaps)

Fachada descontínua (fonte: fotografia do autor)

Figura 13. Variação do grau de continuidade da fachada.

Acesso direto / articulação entre espaço público e privado


Os edifícios têm de ter acesso direto e privilegiado pela rua; uma rua sem acessos não cumpre
a sua função primordial e perde sentido. Importa acautelar o número de portas por edifício, ou
seja, que o edifício tem pelos menos um acesso pela rua, mas também, e cumulativamente, a
densidade de portas por quarteirão. Esta questão relaciona-se com a dimensão das parcelas.
Edifícios pequenos e médios favorecem o aumento de portas ao longo da rua, o que também
se reflete na flexibilidade e capacidade de adaptação dos edifícios ao longo do tempo. Por
outro lado, edifícios grandes, apoiados num único acesso, são rígidos e dificilmente ajustáveis
à mudança. Também fachadas cegas e muros altos não configuram fachadas urbanas.
Condomínios fechados que negam a rua e valorizam o interior do quarteirão prejudicam a
urbanidade e, contrariamente ao esperado, reduzem a segurança da rua, que passa a estar vazia
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de pessoas e movimento. “Onde não existe porta através da qual passar, porta onde bater, nem
campainha onde tocar, instala-se um vazio social” (Dovey e Wood, 2015, p.5, tradução livre
dos autores). A figura 14 ilustra a variação entre ruas com alta densidade de portas e ruas sem
portas, que demonstra a capacidade, ou não, de estabelecer a articulação entre espaços
privados e públicos.

Alta densidade de portas por quarteirão

Quarteirão (200m) sem portas de um dos lados da rua

Quarteirão (300m) sem portas dos dois lados da rua


(fonte: Googlemaps)

Figura 14. Variação do grau de articulação entre espaços públicos e privados.

Implantação à cota da rua


Edifícios corretamente implantados ajudam a criar ruas e espaços públicos bem definidos e
acessíveis. A cota de soleira de entrada dos edifícios deve repeitar a cota da rua de modo a
concretizar uma relação direta com o espaço público. Edificios implantados acima da cota da
rua, ou abaixo da cota da rua, dificultam, e muitas vezes inviabilizam, os acessos à rua,
prejudicando gravemente as interrelações físicas e visuais entre espaços públicos e privados.
A figura 15 ilustra as consequências da alteração da cota de implantação do edifício, em
relação à cota da rua adjacente.

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Edifícios a respeitar a cota da rua (fonte: fotografia do autor)

Edifício acima da cota da rua e edifício abaixo da cota da rua (fonte: fotografias do autor)

Edifício muito acima da cota da rua (fonte: Googlemaps)

Figura 15. Variação da cota de implantação do edifício.

Controlo do estacionamento
Por último esta subsecção refere a integração das garagens e do estacionamento nos edifícios
de modo compatível com a escala do pedestre. O acesso principal ao edifício é feito por carro
ou a pé? Observa-se que a interface público/privado tem vindo a ser transformada pela cidade
do automóvel. A valorização do acesso automóvel desconeta o acesso pedonal e corta os
fluxos pedestres (Dovey e Wood, 2015). Em muitos edifícios residenciais recentes, mais
atenção tem sido dada ao estacionamento e ao acesso dos veículos automóveis, do que à
relação dos edifícios com a rua e aos espaços que criam de modo a privilegiar o acesso
pedonal. O equilíbrio entre o acesso automóvel e o acesso pedonal, priorizando este último,
ajudarão a criar ruas acessíveis e uma cidade mais humanizada, uma cidade a pensar nas
pessoas (Figura 16).

A localização das rampas e acessos automóveis deve ser objeto de atenção, assim como a
proporção de espaço que estes ocupam na fachada. O estacionamento das grandes superfícies
comerciais, que se multiplicam pelas cidades, também deve ser objeto de regulação. O edifício
deve compor a frente da rua, e relacionar-se com ela, impedindo que o estacionamento,
normalmente de grandes proporções, se posicione entre o edifício e os pedestres que circulam
na rua. A figura 16 ilustra os diferentes graus de importância do automóvel na definição da
fachada urbana.

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Inserção contextual da garagem (fonte: fotografia do autor)

Privilégio do acesso automóvel (fonte: fotografia do autor)

Privilégio total do acesso automóvel e do estacionamento (fonte: Googlemaps)

Figura 16. Variação do grau de importância da garagem na fachada.

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Síntese

Tabela 2. Princípios de planeamento.

Princípios de Parâmetros Principal


planeamento indicador de
urbanidade
Habitação/comércio/serviços Diversidade
1.
Usos mistos Fachadas estreitas (lojas pequenas) Densidade

Incentivar pequeno comércio Segurança


2. Altura do edifício (mínima e máxima) Densidade
Proporção entre altura Rácio ≥ 1:1
do edifício e largura Encerramento
da rua Árvores podem ajudar a “humanizar”
rácios menores
Fachadas estreitas Diversidade
3.
Fachada ativa Vãos permeáveis no r/c Permeabilidade

Usos ativos Segurança


4. Continuidade volumétrica Encerramento
Fachada contínua /
definição do limite Reduzir os espaços intersticiais entre a rua Acessibilidade
público-privado e o acesso ao edifício

5. Número de portas por edifício Permeabilidade


Acesso direto /
articulação entre espaço Parcelas e edifícios pequenos Diversidade
público e privado
Alta densidade de portas por quarteirão Segurança
6. Evitar diferenças de cota Acessibilidade
Implantação à cota da “positivas” ou “negativas”
rua Transparência
7. Priorizar o acesso pedonal nas fachadas Acessibilidade
Controlo do acesso à
garagem Cidade humanizada, escala pedonal Segurança

Fontes complementares de informação


Este fascículo alertou para a necessidade de o planeamento urbano fazer uso de regras que
ajudem a moldar a forma tridimensional dos edifícios de modo a garantir espaços públicos de
qualidade. Esta última secção reúne alguns manuais e livros que podem ajudar os planeadores,
e os investigadores, a definir esse caminho.

O Urban Design Compendium (Llewelyn-Davies, 2007) foi inicialmente publicado em 2000


pela English Partnerships (a agência inglesa para a regeneração e desenvolvimento, na época)
com intenção de promover boas práticas de qualidade e sustentabilidade. Este compêndio
fornece orientações sobre princípios de desenho urbano, como estes podem ser aplicados e os
processos que conduzem a espaços urbanos de sucesso.

O Urban Design Group da Oxford Brookes University, tem, desde a sua fundação em 1978,
desempenhado um importante papel na compreensão do desenho urbano. O grupo de Ian
Bentley (Bentley et al, 1985) definiu o conceito de “ambientes responsivos” no livro
Responsive environments: a manual for designers. Os autores oferecem uma visão, inovadora

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na época, para o desenho urbano que considera diferentes qualidades da cidade como
permeabilidade, variedade, legibilidade, robustez, apropriação visual, riqueza e
personalização.

The Form-Based Codes Institute (FBCI, 2020), é uma organização profissional dedicada a
promover a compreensão e o uso dos form-based codes. Parolek et al. (2008) no livro Form
based codes: a guide for planners, urban designers, municipalities, and developers explicam
os componentes dos form-based codes, sugerem processos para realizar os códigos, e ilustram
com diversos estudos de caso.

Talen (2011) no seu livro City Rules: how regulations affect urban form, desafia os
profissionais de planeamento urbano, mas também os académicos, a alterar as os regulamentos
que devem ser seguidos para conseguir um bom ambiente urbano. Procurando o equilíbrio
entre o que deve ser previsto e o que pode ser flexível, a autora aponta a importância do uso de
regras, ou códigos, para a criação da forma urbana desejável, com escala humana e
sustentável. Mostra ainda, como, historicamente, certas épocas foram capazes de usar as
regras nesse sentido e outras criaram exatamente o oposto.

Também Marshall (2012), no livro Urban coding and planning, reúne um conjunto de
contributos sobre códigos urbanos, o modo como influenciam a forma urbana e a sua relação
com o planeamento urbano, e junta exemplos de códigos, históricos e contemporâneos, em
diferentes países do mundo. Os autores reconhecem a importância dos códigos para o
planeamento urbano, associada a um forte potencial ainda por explorar.

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