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UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO


DISCIPLINA DE ESPAÇOS PÚBLICOS: TEORIA E DESENHO
PROFESSOR MARCOS SARDÁ
ACADÊMICO PIETRO MICHELI ROMANHOTTO ZANDAVALLI

Uma cidade para as pessoas: A reinvenção de espaços.

Se uma cidade “nasce de um desejo dos homens estarem juntos”, como


disse Paulo Mendes da Rocha, por que cada vez mais o homem tem se visto
mais como individuo do que como membro da humanidade? É com essa
indagação em mente que iremos pensar o problema do planejamento urbano
moderno.

Sindrome de Brasilia – Jan Gehl

O arquiteto dinamarquês Jan Gehl nos dá um choque de realidade


mostrando através do conceito de Sindrome de Brasilia, uma perspectiva nova
a respeito do que foi o planejamento urbano modernista. Fortemente influenciado
por Jane Jacobs no seu célebre livro Morte e Vida nas Grandes Cidades, em que
através de observações, ela como jornalista, faz a denúncia da morte da
vitalidade urbana nas cidades. “Por favor, olhem atentamente para as cidades
reais. Enquanto você estiver olhando, você poderia também ouvir, permanecer
e pensar sobre o que vê”. Espaços cada vez menores para as pessoas e a
hegemonia do automóvel. A função dos olhos da rua, uma maior permeabilidade
visual que proporciona mais segurança do que os altos muros e os automóveis
que encerram os indivíduos da sua vida urbana.

O urbanismo moderno, como é de praxe na arte, nega os ideais dos seus


antecessores, pensam uma cidade baseada em quatro princípios fundamentais
daquilo que seria o novo homem, o homem moderno. Esses princípios seriam
basicamente Transitar, Trabalhar, Morar e o Lazer. O automóvel era a força da
indústria, eles depositaram fé nesse meio de transporte como solução para a
mobilidade desse homem moderno. Usaram as ideais essências da concepção
de moderno, que seria em sintese dividir e catalogar tudo. As cidades foram
setorizadas, as grandes distâncias seriam vencidas pelo automóvel, largas
avenidas com muitas pistas garantiriam que o fluxo fosse constante nessa visão
maquinicista de cidade. Se a casa era a máquina de morar, logo a cidade era a
máquina de viver.

Entretanto foi esquecido fato cientifico que Jan Gehl apresenta com doce
ironia de que o homem moderno ainda é “um ser humano de orientação
horizontal, frontal, linear, que anda no máximo a 5km/h”. O urbanismo moderno
é feito para carros, e a percepção da paisagem urbana muda drasticamente
quando você está a 60km/h, e muito mais ainda quando você está vendo a
cidade de um avião – as vezes até como um avião, como é o caso de Brasília.
Os urbanistas viam a cidade dessa perspectiva, e se a cem metros de distância
é difícil perceber alguém, quiçá de 1000 metros de altura...

Heterotopia – A invenção de novos espaços

O filosofo francês Michel Foucault em um congresso de arquitetura nos


anos sessenta trouxe afim de instigar os jovens arquitetos um conceito novo. A
ideia de heterotopia como antítese da utopia, que como o próprio nome já
denuncia, significa não lugar, ou seja, seria a realização do imaginário da
sociedade em algum futuro porvir. A heterotopia mantém esse cerne subjetivo
através desse elo que faz com os espaços como produtores de comportamentos
e tipos de relação, os espaços permitem as relações, ditam se acontece isso ou
aquilo. A hetetoropia critica a utopia no sentido de não se contentar com o
consolo de um tempo futuro, mas pensar o aqui e o agora. Elas são inquietantes
pois propõe a reinvenção de espaços e relações.

Heterotopias não tão distantes...


Foto Rua Julio Pessoa. Data 22 de Junho de 2017. Fonte: autor.

Nesse trecho de aproximadamente 100 metros vemos muitas das


características que Jan Gehl usa para demonstrar uma cidade desumanizadora.
A proporção entre a calçada e as vias dos veículos demonstra quem teve
prioridade no planejamento urbano. No planejamento urbano atual em
Copenhague é exigido que hajam unidades estreitas, para que o pedestre possa
ter uma experiência nova a cada 5 ou 6 segundos, é necessário que as fachadas
térreas sejam estreitas, com aberturas que permitam maior visibilidade, o
número de ouro com que eles trabalham é de 15 a 20 unidades a cada 100
metros, mais ou menos uma a cada 5 metros. Vemos que a fachada cega do
antigo Tumelero a esquerda não apresenta nada convidativo. Não há opções de
permanência como bancos ou a sombra convidativa de uma arvore. As unidades
habitacionais, a direita, estão verticalizadas e seu primeiro pavimento já começa
no terceiro andar, onde as relações entre os pedestres e os moradores são
meramente visuais, não há interação.
Foto da rua Julio Pessoa durante evento. Fonte: http:prefeituraerechim.gov.br

Durante a realização de um evento, que pode ser classificado como uma


intervenção de urbanismo efêmero, vemos que há uma inversão da situação
através da interrupção do fluxo de veículos, a rua devolvida para às pessoas, e
as experiências trazidas pela proposta dos food trucks. Uma heterotopia em
essência, pois onde antes circulavam carros estão circulando pessoas. Onde
antes era espaço do desencontro agora se torna um espaço propiciador de
encontros e novas experiências sociais.

Uma breve análise

Lugares são espaços onde acontecem relações sociais. Para a


intervenção escolhemos um eixo problemático de Erechim. A região do viaduto
que passa sobre a antiga linha férrea. A predominância do fluxo de veículos
nesse ponto é extrema, o pedestre é completamente ignorado.

Mas como as pessoas precisam caminhar, surgem caminhos não


oficializados, onde as pessoas dão seu jeito de passar. Mas o problema se
repete mais adiante, as descontinuidades das pea tonais replicam um problema
que ocorre em muitos pontos da cidade, ilhas para pedestres.
Foto de “ilha para pedestres” no canteiro central da avenida 7 de setembro.
Fonte: Acervo autor.

Através de um estudo feito com uma filmagem desse trecho por horas
consecutivas durante dias da semana, foi revelada a subutilização desse
espaço, os pedestres evitam passar por ele, há apenas uma faixa de pedestre
aproximadamente cem metros da direção oposta dessa foto. A ausência de
elementos convidativos ao fluxo dos pedestres cria esse tipo de situação.

Porém onde há segurança para o fluxo de pedestres e calçadas com


largura razoável, raramente vemos espaços para a permanência, não há
mobiliário e a falta de respeito dos motoristas faz com que os ciclistas evitem
dividir a via com os veículos.
Ausência de mobiliário urbano. Acervo do autor

Foto de mobiliário urbano em zona de transição inacessível. Fonte: Acervo autor


A crítica feita pelo filosofo polonês Zigmunt Bauman em seu livro
Confiança e Medo na Cidade, fala das origens da cidade, quando foi um espaço
onde era possível a convivência com o outro, o “estrangeiro”. Segundo ele a
parte mais atrativa da cidade seria a sua pluralidade e a possibilidade de troca
de experiências. Entretanto nossas cidades são cada vez menos esses lugares
para troca de experiência e muito mais um espaço de medo e insegurança. Cada
vez mais as barreiras físicas e simbólicas vão afastando o “estrangeiro”, cada
vez mais os muros e as grades vão fomentando essa segregação.

A arquitetura não pode mais ser pensada sem subjetividade, como vimos
nos casos mencionados, espaços são geradores de comportamentos e relações.
Nossas cidades têm sido planejadas segundo princípios modernistas, entretanto
eles não foram capazes de alcançar a imprevisibilidade da vida. As inúmeras
camadas de relações sociais que se sobrepõe dando vitalidade a paisagem
urbana. Porém os ideais da obra Cidade Para as Pessoas e as ferramentas How
to Study Public Life de Jan Gehl nos dão recursos para pensar uma cidade
diferente. Afinal, segundo ele, a cidade somos nós. E já foi dito outrora que “o
homem é fruto do meio”, que cidades pretendemos criar afim de reatarmos
nossos laços como humanidade?

Referências Bibliográficas

GEHL, Jan. Cidades para pessoas. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2015.

GEHL, Jan. How to study public life. 2013.

BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2009

FOUCAULT, Michel. O corpo utópico, as heterotopias. Posfácio de Daniel


Defert. [tradução Salma Tannus Muchail]. São Paulo: n-1 Edições, 2013a.

JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes,
2000.

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