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Nome: Thaís Alves Oliveira

DRE: 116082401

Curso: Ciências Sociais – Licenciatura

Disciplina: Laboratório de Trabalho de Campo e Etnografia

Professor: Wagner Chaves

Trabalho Final

Trabalho de Campo - Arte Pública e Fluxos Urbanos

Introdução

A ideia desse pequeno trabalho, que pretendo dar continuidade, consta em tentar
entender um pouco do quanto as ruas da cidade e o quanto as leituras acerca das
ruas pelos que passam por ela cotidianamente, dialogam com as mesmas para além
do pisar e caminhar para certo objetivo dentro de multidões cotidianas, como o desvio
do olhar para a arte no contexto urbano, se direcionando para graffites, pixações,
performances, etc, e como o que compõe o meu trabalho, esculturas. O principal
questionamento que busco aqui é o alcance da arte pública na atualidade, e a
efetividade do caráter político que ela detém ao fugir da modernidade e dos
tradicionais espaços onde até então a arte se restringia e ainda se restringe (com
exceção da arte pública “não contemporânea”) como puramente hegemônica: galerias,
museus, ateliês e instituições. Ao sair do espaço privado para o público, como fuga
desses espaços opressivos, a arte como intervenção urbana busca para si a realidade
para fora destes locais de reprodução da ordem, podendo propor debates políticos
com a massa que praticamente reside no fluxo através de ações que interfiram nesse
meio, e dialoguem com quem constrói os espaços de fato.

Mas acontece que essas interferências e manifestações artísticas, de qualquer cunho,


são tão efêmeras quanto as caminhadas rápidas dos passantes, e encontra-se aqui a
maior dificuldade: localizar dentre tantos nativos com quem não só me identifico, como
faço parte, vozes que no fim não possuem quase nada de comum com o que eu possa
comparar. Não há uma só cosmologia ou religião, relações de parentesco que possam
ser tão diferentes das minhas, os fluxos da cidade são compostos de pensamentos
comuns (a quem?) e incomuns (a quem?) e a arte se distancia de quase todos se
camuflando em uma massa híbrida.
Os Passantes

Localizada no Largo da Carioca, a obra que escolhi, do escultor José Moura Resende
Filho (São Paulo, São Paulo, 1945), denominada “O Passante” (1995) faz parte da
Coleção Municipal do Rio de Janeiro, especialmente para a exposição Arte Cidade de
2001, que se caracterizou pela escolha de esculturas e outras obras projetadas para o
contexto urbano especificamente. Feita de aço inoxidável, e tendo a imagem como a
querer representar uma pessoa a caminhar, com as duas pernas entre abertas a dar
um passo, a obra tem certa maleabilidade e se move quando em contato com a força
do vento, camuflando-se cada vez mais entre os demais passantes, e interagindo com
as leis mais que naturais, ás vezes errando nos esbarros.

Escolhi a cidade do Rio de Janeiro como plano de fundo de meu estudo e já que
também resido nela e faço parte desses movimentos que a mantém, não vi como me
afastar tanto assim dos “nativos”, e ao mesmo tempo não soube como me aproximar
muito deles. Apesar de serem as pessoas que compõe os fluxos e seus contatos com
a arte inserida na praça meu aparente objeto de estudo, não confiro a eles o total
status de “nativo” por estarem somente localizados no espaço onde pretendi fazer meu
trabalho de campo, conseqüência talvez de minha total identificação com o meio,
porém, a dificuldade antropológica de se criar um objeto de estudo a partir do fluxo
urbano vem de outras barreiras, como identificar diferentes vozes no meio de várias
cruzadas de associações, e estar fugindo da comparação que mantém a antropologia,
já que ao me identificar no meio carioca pode parecer que eu tenha um grau a menos
da “comparação antropológica” que eu deveria alcançar.

Os questionamentos são quase sempre os mesmos frente à atemporal e tradicional


forma de se querer ser imparcial ao olhar o outro e ser minucioso nas descrições,
porém as diferenças com o outro vão se tornando cada vez menores e pouco notáveis
aos olhos de quem vive entre essa fluidez em que ao mesmo tempo em que todas as
pessoas se parecem comigo sei que sou diferente delas e todas elas são diferentes de
mim. Nos dias de semana estamos sempre indo para os mesmos lugares, fazendo
quase sempre as mesmas coisas, pegando os mesmos ônibus aos mesmos horários,
quase sempre com pressa e continuamos cada um existindo singularmente, para além
de uma entrevista que tenha como fim captar porque as pessoas que circulam no
espaço do Largo da Carioca não se identificam com a escultura que foi colocada em
“sua homenagem” como cidadão, o que seria conectado a outra estrutura ideológica
que mantém a cidade e que a faz ser cidade, junto à lógica industrial-urbana. Vamos
percebendo que entre nossa sociedade os nós que nos distanciavam no que diz
respeito à diferenciação de culturas vai se desatando cada vez mais, dando espaço a
conexões que parecem ser cada vez mais complexas de se notarem as diferenças,
ficando difícil de estabelecer limites para selecionar um grupo social para se estudar,
como fazia a antropologia e ainda faz em alguns casos. Nas etnografias que tinham
como campo o espaço diferente do meio do antropólogo, as diferenças não se
tornavam maiores ou algo do tipo, já que o estranhamento com o outro é sempre
instintivo, porém, os caminhos que levam a esse estranhamento podem ser mais
fáceis frente a tantos aspectos de um etnógrafo já acostumado com sua cultura
ocidental, que ao ir de encontro com uma associação que possui práticas e outras
formas de se enxergar (n)o outro divergentes dos modos do antropólogo vê nesses
contrastes a dialética que ascende ao pensamento antropológico, fazendo-o ir mais
além nas buscas de por quês de certos fenômenos se repetirem ou não dentro de
certos grupos. Na introdução de “Argonautas do Pacífico Ocidental”, Malinowski (1922,
p. 24) sugere que “a primeira meta do trabalho de campo etnográfico é fornecer um
esquema claro e firme da constituição social, bem como destacar as leis e normas de
todos os fenômenos culturais”, mas os obstáculos frente ao “estudo do campo” em
sociedades complexas, principalmente no meio puramente urbano, quando o insight
do antropólogo é mediado segundo seu contato com o outro que é bem parecido com
ele quanto ás práticas diárias e comuns da vida na cidade, se torna difícil então notar o
que é incomum nesse cotidiano no qual o antropólogo no meio citadino se sente
pertencido.

Destacar as leis e normas que parecem reger a cidade, segundo análises de


fenômenos parece reduzir toda a gama de complicações de fluxos e misturas que
constroem essa dinâmica da cidade e das pessoas com as ruas, e o direcionamento
de suas ações, para o fundamento da subsistência do cidadão, que frente a outras
complicações como a ausência do Estado na melhoria da educação pública, deixa de
lado a valorização do abstrato e de sua conexão com o que lhe circula, inibindo a
sensibilidade dos atores sociais frente a um propósito maior: a mecanização das
atividades cotidianas das pessoas. Esse nexo do funcionalismo, a arte pública
desaparece, já que ali naquele meio, O Passante não parece ter nenhuma eficácia, tal
como os graffites e pixações nas paredes, notados na maioria das vezes somente
como poluidores visuais. A Arte Pública perde-se então nesses movimentos da
multidão, camufla-se ela no próprio fluxo que ela homenageia, e a obra de arte cai em
si mesma não simplesmente por a rejeitarem e sim por ter uma tendência a ser
rejeitada.

São tantas dificuldades de se decidir entre ter um olho microscópio e outro telescópio
nessas multidões que notamos que somos mais diferentes e o que analisamos para
enxergar o comum são lentes tão reducionistas em comparação as inúmeras razões
pelas quais deixamos de notar ou não tal obra de arte pública que, fora ou dentro do
museu se encontra em uma posição de quase rejeição. Devemos aceitar que as
multidões não são somente um aglomerado de elementos, indivíduos, tal como o
conceito de sociedade, e sim de pessoas que detém de suas subjetividades e razões
próprias, tal como eu, pessoa que também mantém a cidade e faz parte desse
contingente de ações urbanas apressadas, resolve propor questões acerca de até
onde esses fluxos irão nos levar. Essas idéias que parecem ser contraditórias apenas
demonstram o caráter vicioso do desejo de separações, quando na verdade se trata
de complementações. Os passantes da cidade são passageiros, transeuntes que
caminham em direções e sentidos diferentes, mas mantendo o corrimento das praças,
ruas, largos e avenidas. As multidões homogêneas são compostas de inúmeras
identidades, e pluralidades internas que influenciam na observação ou não de seu
redor.

A decisão de não se estabelecer limites ou recorte de grupos para pesquisar a


observação dos andantes sobre a escultura cai no pensar a respeito da posição de
margens que existem por si só a cada esquina da cidade, fronteiras de grupos que
podem existir em um espaço específico em dado momento, repetindo-se em outro
local, o que o torna característico da cidade, portanto, fica melhor se aceitarmos que
essas “descontinuidades” na verdade só existem por conta desses fluxos que parecem
ser infinitos. É possível adaptar e ilustrar esse aparente paradoxo com uma passagem
de "Fluxos, Fronteiras, Híbridos: Palavras-chave da Antropologia Transnacional", Ulf
Hannerz (1996, p. 15) “Se “fluxo” sugere uma espécie de continuidade e passagem,
“limites” têm a ver com descontinuidades e obstáculos.” Os limites aos quais tentei me
afastar, que de fato existem no contexto urbano, assim permanecem porque são
reflexos de obstáculos, encontrados nas singularidades de cada pessoa e suas redes
de associações que tendem ou não para a sensibilização ou não da contemplação de
uma arte inserida no espaço público.

Um Relato de Campo

Nesse relato vou tentar me conter em descrever somente o que fiz e quais sensações
me cercaram ao tentar captar por meio de imagens as diferentes visões que a cidade
tem sobre as obras em espaço público. Apropriei-me da câmera do celular de minha
mãe para registrar os ângulos que espontaneamente iam aparecendo, já que a
circulação da cidade é o principal movimento que quero que o que leitor da imagem,
que suponho ser cidadão, tente relembrar, como a vertigem do urbano.
Escolhi o dia 22 de junho de 2017, um dia comum da cidade; sirenes, buzinas,
camelôs e ruídos a partir de outros ruídos mais silenciosos.
Comecei as fotos no Largo da Carioca, no centro do Rio de Janeiro, onde fica
localizada a escultura de O Passante do escultor José de Moura Resende Filho (São
Paulo, São Paulo, 1945). A escultura e sua localização no final do Largo para quem
vem da Rua Uruguaiana, em direção á Cinelândia, foi situada nesse lugar específico
por iniciativa de Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro a partir da elaboração do
Circuito Projeto Esculturas Urbanas. A escultura surge com a ideia de uma
homenagem aos passantes diários não só da localização ao redor do objeto mas
como participante do meio mais urbano de uma cidade, seu centro, onde as multidões
hora estão dispersas, hora estão mais reunidas, quando há as multidões.
Cheguei já com minhas visões acerca do espaço e do objeto em si, já que passo ali
diariamente para me dirigir a minha faculdade. Não tirei as fotos assim que cheguei,
pensei em circular o objeto como já tinha feito antes, para pensar mais sobre quais as
"olhadas" que os transeuntes podem dar ao objeto, e se dão. Dei uma volta e pensei
em subir em alguns prédios para conseguir um ângulo de cima e tentar observar as
circulações sem participar delas, como observar redemoinhos, mas não pôde
acontecer. Mais a frente, quando ao lado da Caixa Cultural, próximo a escultura de O
Passante, me deparei com um trabalhador limpando pixações e inclusive graffites
feitos em placas de madeira, como barreiras de proteção em um espaço pequeno ao
lado do prédio da Caixa Cultural, não sei direito se o espaço protegido está em obra
ou algo semelhante, como revitalização de certa parte da entrada, já que (visível nas
fotos), há a placa de uma empresa de Engenharia Civil. A continuidade dos graffites e
dos pixes nas placas de divisa provavelmente foram apagados também, na verdade
camuflados por tinta vermelha, e não somente pintados com qualquer tinta de outra
cor para somente "tapar" as expressões.
Depois de me deparar com esse evento que me fez claramente sentir mais que uma
simples empatia com o momento, porque não sei se já tinha visto alguma situação
semelhante a essa, me questionei se haveria algum script conspiratório sobre mim. E
confirmarei a minha superstição mais a frente, também registradas. Fui então tirar as
fotos do Passante, meu foco no Largo da Carioca, mesmo diante de várias expressões
sobre a cidade, mais participantes que uma escultura que se movimenta somente ao
vento por conta de seu material de aço.
As imagens na câmera, várias tiradas sob o mesmo ângulo e colocadas do celular na
mão, pareciam filmes quando tiradas rápidas, e não somente por conta do fato óbvio a
óptica, mas sim o surpreendente movimento que por vezes para e por vezes volta.
O dançante passante foi primeiro registrado por seu lado horizontal onde quase que
se esconde, já que dá a impressão de que pode se movimentar para qualquer direção
a qualquer momento, como as pessoas passando no largo, espaço de caminho e pura
passagem para a finalização ou continuação de alguma ação a ser feita ainda no meio
urbano, sempre com a eficiência da rapidez atrelada aos desvios inevitáveis da
cidade. Achar que estamos mais atrasados que há alguns minutos ou segundos atrás
por somente esbarrar na barraquinha de pão, em algum ombro ou braço de uma
pessoa desconhecida que provavelmente está com uma finalidade semelhante a
minha, ou que não me fazem observar uma obra de arte em “homenagem” ao fluxo
que eu faço existir.

A participação do cidadão não é notada nem quando é oferecida a ele, por conta de
sua própria efemeridade ali como enquanto cidadão que não pode parar no fluxo para
atrapalhar os trajetos tão individuais e coletivos ao mesmo tempo, e ir logo pegar seu
ônibus e ir para casa, ou seja lá qual for a finalidade, mas permanecer na rua
observando o redor não é bem de intenção da maioria, porque não tem o que se
observar, não vale a pena, e não vale a parada por um tempo ali no meio da cidade.

Se me ater a somente essas falas sei que ainda falta muito a se dizer sobre as
imagens, e se continuar talvez eu prolongue a discussão que é feita não somente a
partir das imagens e minhas reflexões na hora dos registros.
Para deixar claro mais algumas informações sobre o dia em que fiz os registros, o céu
estava nublado, contribuindo para o surgimento de mais tons de cinza na visão,
colorido mais abaixo pelas roupas das pessoas, as que somente usam e as que
também vendem, junto aos panos e objetos de bazares no chão, aos carrinhos
improvisados com carrinhos de supermercado que seguram os pães de forma por
preço mais barato que nos mercados.
Conclusão

Busquei desenvolver ao longo do trabalho espécies de questionamentos sobre a


dificuldade de se “selecionar” grupos para pesquisar a respeito de perspectivas e
observações sobre a arte pública na cidade do Rio de Janeiro, especificamente uma
obra dotada de metalingüística pelo símbolo que carrega ao ser posicionada em um
lugar específico onde encontros e esbarros entre as pessoas parecem ser inevitáveis.

As barreiras encontradas na escolha de não fazer entrevistas por não saber quem
escolher de fato, e ter como “nativo”, me trouxeram mais reflexões sobre o fluxo da
cidade, e as abordagens antropológicas que eu posso me aproximar a respeito de
maiores proposições de não me limitar, aqui em posição de etnógrafa, a reduzir fluxos
a opiniões subjetivas, ou o contrário, tendo em vista que esse hibridismo que tende a
nos confundir acerca de indagações tende também a camuflar a heterogeneidade que
compõe essas relações efêmeras da cidade.

Bibliografia:

MALINOWSKI, B. 1922 [1978]. “Introdução: tema, método e objetivo desta pesquisa”.


Em: Argonautas do Pacífico Ocidental. Rio de Janeiro: Abril Cultural, Col. Os
Pensadores, pp 21-38.

HANNERZ, Ulf. 1997. “Fluxos, fronteiras, híbridos: palavras-chave da antropologia


transnacional.” Mana: Estudos de Antropologia Social, 3(1): 7-39.

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