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Rumo ao Arquipélago
Essa distinção se origina na cidade-estado grega, onde havia um contraste entre dois
elementos: a oikoi – a aglomeração de casas – e o espaço político da ágora – onde
opiniões são trocadas e as decisões públicas são feitas.
Na cidade romana, uma batalha análoga foi travada na dicotomia entre urbs e civitas.
A palavra latina urbs indicava “cidade” em um senso diferente da palavra grega Polis.
O termo urbs diz respeito a própria constituição material da cidade. Onde a polis era
fundada em pré existência, uma comunidade latente, a formação da urbs transcendia
qualquer comunidade, e assim poderia ser fundada ex novo, em uma condição de
tabula rasa, como a construção do espaço doméstico. Civitas não diz respeito a
materialidade do espaço habitado, mas o status político dos seus habitantes.
Enquanto a polis grega era uma cidade estritamente descrita por um perímetro
murado, a Urbs romana não tinha a intenção de ser restrita, e de fato se expandia
na forma de uma organização territorial, na qual ruas tinham um papel crucial.
A polis grega pode ser descrita como um arquipélago, não apenas por sua forma
geográfica, mas também porque sua condição insular como um modo de relações era
sua forma política essencial. O império romano, por contraste, pode ser descrito
como uma insaciável rede na qual a diversidade do império se tornava uma totalidade
integral. Essa totalidade era o processo de assentamento que originou a lógica da Urbs.
A Urbs, em contraste a lógica insular da Polis grega, representa a expansão e lógica de
anexação de territórios romanos.
Com o renascimento da cidade ocidental depois da dissolução da civilização romana, a
distinção entre urbs e civitas não foi simplesmente dissolvida; de fato, o ímpeto
econômico da urbs gradualmente se sobrepôs a ideia política da civitas. Com a crise
do antigo regime, o advento da industrialização, a ascensão do capitalismo, o papel da
urbs absorveu a ideia da civitas ao ponto que ao longo dos últimos três séculos nós
testemunhamos o triunfo de uma nova forma de associação humana baseada
inteiramente na maestria do urbs.
A palavra urbanização foi introduzida pelo engenheiro espanhol Ildefons Cerdà, para
descrever um paradigma de uma condição sem limite e de completa integração do
movimento e comunicação trazidos pelo capitalismo. Depois de uma cuidadosa
investigação da origem das palavras disponíveis para descrever uma nova situação, ele
cunhou a palavra urbanização, derivada da palavra urbs, com a intensão de substituir a
palavra cidade, na qual ele achou muito condicionada ao sentido de civitas.
Nesse projeto o grid de Manhattan é representado por uma potencial série infinita de
terrenos, cada um composto por uma base pesada de pedra polida. Koolhaas chama
essas bases de “laboratórios ideológicos” nas quais diferentes tipos de consciência
metropolitana são formadas. Cada base serve para “suspender leis indesejáveis,
verdades indiscutíveis e criar uma condição de extrema artificialidade”. A suspensão
de qualquer lei ou verdade geral é manifesta nas arquiteturas deliberadamente e
radicalmente diferentes que repousam sobre cada base. Essas arquiteturas constituem
a Valhalla dos edifícios arquétipos favoritos de Koolhaas, como o Edifício RCA, os
isogramas do Superstudio, a tribuna de Lenin de El Lissitzky, os tectônicos de
Malevich, um complexo de edifícios típicos de Mies nos Estados Unidos, e até mesmo
um elevador. Na cidade de Koolhaas, esses arquétipos (...) estão lobotomizados de
seus contextos originais. (...)
Encarando esse cenário de infinita urbanização – na qual não é mais teoria, mas
sim prática diária – eu gostaria de argumentar que chegou o tempo para
drasticamente combater a própria ideia de urbanização. Para isso, eu proponho
uma visão partidária da cidade contra o espaço totalizante da urbanização. Para
formular uma metacrítica da urbanização como a encarnação do infinito e do atual
estase do poder econômico frente à cidade, eu proponho reexaminar o conceito da
política e da forma enquanto eles se desdobram na ideia da arquitetura que
criticamente responde a ideia de urbanização. Nessa proposta, o político é
equiparado com o formal, e o formal finalmente apresenta-se como a ideia de
limite.
Desde suas primeiras casas suburbanas na Alemanha até seus complexos de escritórios
corporativos nos Estados Unidos, a forma simples e delimitada do pedestal (que pode
ser interpretada como uma versão abstrata do estilóbato grego) é a pré-condição para
quase todos os projetos de Mies.
Isso é evidente em projetos como a Casa Riehl (1907), o Pavilhão de Barcelona (1929),
o Edifício Seagram (1954-1958) e a New National Gallery de Berlim (1962-1968). Ao
colocar ênfase no sítio, o plinto inevitavelmente torna o terreno limite para o que ele
contém. A ordem isotrópica da industrialização evocada pelas envoltórias dos edifícios
é contrastada pela sua localização, emoldurada pelo plinto.
Além disso, a maneira como o pedestal reorganiza a conexão entre um edifício e seu
local afeta não apenas a experiência do que está colocado no pedestal, mas também e
especialmente a experiência da cidade que está fora do pedestal. Uma das coisas mais
marcantes sentidas por quem sobe um pedestal de Mies, seja em Nova York ou em
Berlim, é a experiência de virar as costas para o prédio para olhar a cidade.
Subitamente, e por um breve momento, distanciamo-nos dos fluxos e padrões
organizacionais que animam a cidade, mas ainda assim os confrontamos. Desta forma,
os plintos de Mies reinventam o espaço urbano como um arquipélago de artefatos
urbanos limitados.
É essa ênfase na finitude e na separação que torna artefatos como esses a manifestação
mais intensa do político na cidade. Não há dúvida de que os projetos de Mies,
especialmente aqueles executados para corporações, são a personificação dos valores
que produziram a lógica da urbanização. E, no entanto, precisamente porque a
arquitetura de Mies tem essa fonte, sua ênfase na separação e na autolimitação parece
ainda mais intensamente política. (...) Enquanto os edifícios de Mies assumem os
atributos genéricos da produção, sua insistência em enquadrar e limitar propõe esses
atributos não como normas, mas como estados arquitetônicos de exceção que forçam
o genérico a se conformar à forma finita de localização. Desta forma, as forças da
urbanização são explicitadas e são levadas a definir sua própria posição como forma
agonística.