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- Observações Sobre o Conceito de Cidade e Urbano. Sandra Lencioni.

“Todo conceito serve para se compreender a essência dos objetos, dos fenômenos, das
leis e, nesse sentido, se constitui num instrumento de conhecimento e pesquisa.”

1. Sete observações sobre conceitos:

“tudo que é objeto do conhecimento se coloca na esfera do pensamento sobre o real e a


existência do real independe de pensarmos ou não sobre ele.”

a) O conceito não se confunde com o real, ele é um reflexo do real, uma representação do
real. os objetos do mundo real existem independentemente dos conceitos.
b) Os conceitos são objetivos pelo seu conteúdo. quanto mais conhecemos o real temos
mais condições de formular um conceito nenhum conceito é capaz de conter toda a
riqueza do real. Portanto, a construção de um conceito exige um exercício de captura
do que é essencial para sua formulação
c) a essência do objeto se faz representar no conceito e, portanto, também se faz presente
no particular e no singular, com toda a riqueza que o particular e o singular possuem.
d) O conceito se modifica, se altera e se renova. Alguns conceitos podem, inclusive,
derivar de outros conceitos.
e) Nenhum conceito é independente de outros conceitos.
f) conceito é um instrumento e como qualquer instrumento tem que ser adequado à
função que deve desempenhar.
2. As palavras: cidade e urbano:

“A palavra cidade (substantivo); pode significar “aglomeração humana de certa


importância, localizada numa área geográfica circunscrita e que tem numerosas casas,
próximas entre si, destinadas à moradia e/ou a atividades culturais, mercantis, industriais,
financeiras e a outras não relacionadas com a exploração direta do solo”.

“A palavra urbano (adjetivo)

“Quando, porém, o adjetivo que caracteriza o substantivo se torna o termo principal,


ele deixa de ser um adjetivo e passa a ser uma substantivação do adjetivo. É nessa condição,
de substantivação do adjetivo, que a palavra urbano será aqui tratada. O exemplo a seguir
pode ajudar a esclarecer. Exemplo:

“Comparemos as seguintes frases: O transporte urbano é caótico com a frase: O urbano é


caótico. Na primeira frase, a palavra urbano qualifica o transporte, sendo, portanto, um
adjetivo. Porém, na segunda frase a palavra urbano não qualifica nada, não sendo, assim,
um adjetivo. Ao contrário, a palavra urbano é que recebe qualificação, a de caótico. Na
frase O urbano é caótico a palavra urbano se constitui como uma substantivação do adjetivo
e é nessa condição que será considerada na discussão”.
“A etimologia nos permite, assim, relacionar, historicamente, a palavra ao que ela se
refere.”

“Embora esse dicionário não registre a palavra urbano, apresenta o vocábulo urbe, que
tem o sentido de cidade e se origina da palavra latina ubs, urbis, indicando o século XX como
datação para o uso da palavra urbe na língua portuguesa (...) A palavra cidade antecede, em
muito, a palavra urbano, a indicar que a ideia de cidade precede, historicamente, à ideia de
urbano.”

3. O conceito cidade e urbano tendo como referência a realidade brasileira:

“A discussão do conceito de cidade nos conduz a pensar na discussão de um objeto que


evoca várias ideias. Pensamos, por exemplo, na cidade grega, na cidade comercial da Idade
Média que fazia parte da liga Hanseática, na cidade colonial brasileira e por que não, na São
Paulo de hoje. Já ao refletirmos sobre o conceito de urbano, esse é visto mais como um
fenômeno do que como objeto. Isso é comum aos adjetivos que assumem o sentido gramatical
de substantivos, precedidos, em geral, de artigo, como é o caso de: o rural, o agrário, o
informal, o social, o espacial ...”

Cidade como objeto + urbano como fenômeno = produtos da relação espaço e sociedade.

→ São produzidos por relações sociais determinadas historicamente.

3.1. O conceito de cidade:

“Esse é o fato: por não conseguirmos expressar as transformações constantes de algo tão
mutável, temos mantido a palavra cidade e acrescentado a ela adjetivos. É isso que
permite compreender a presença de tantas adjetivações para falar de suas características,
funções, partes e transformações: cidade satélite, cidade horizontal, cidade verticalizada,
cidade mundial, cidade moderna, cidade administrativa, cidade interiorana, cidade
informal e tantos mais adjetivos que possamos agregar. Nesse sentido, repetindo o que
dissemos no início desse texto, a construção de um conceito exige sempre um exercício de
captura do que é essencial ao objeto que é motivo da reflexão.”
“A cidade, não importando sua dimensão ou característica, é um produto social que se
insere no âmbito da “relação do homem com o meio” – referente mais clássico da
geografia. Não importando as variações entre cidades, quer espaciais ou temporais há uma
ideia comum a todas elas, que é a de aglomeração. Não é à toa, então, que a ideia de
aglomeração se faz presente na definição da palavra cidade.”

“Ratzel que chama a atenção para a questão da sedentarização, indicando que à cidade
corresponde, sim, a ideia de aglomeração, mas a de aglomeração durável. (Derruaux,
1964, p. 561)”

- Cidade = Aglomeração e sedentarismo.

“A relação entre o tamanho do aglomerado não se desvincula do tempo histórico e dos


lugares e não tem sentido em si mesmo como definidor de cidade. Na conceituação de
cidade, excluindo-se, portanto, a ideia que nega a incorporação da população voltada às
lides do campo, bem com o a de tamanho da população, mantém-se as ideias de
aglomerado, sedentarismo, mercado e administração pública, que parecem constituir
referências importantes na conceituação de cidade.”

“Muitas das dificuldades na compreensão do que vem a ser cidade decorre do fato dela
ser enfocada de uma perspectiva a-histórica. Menciona que a cidade depende de formas
políticas e sociais e que essas são produto de determinações sociais.”

- O Brasil:

“Povoado X Povoação: As condições de aglomeração sedentária, acrescida da função


de troca e da de administração pública é que fizeram com que alguns povoados se
desenvolvessem como cidades. Alguns, porém, já se instituem como cidades, não porque
fossem maiores ou diferentes dos povoados que havia, mas porque foram concebidos
como sede do poder metropolitano, sede do poder lusitano. Esse é o caso de São Vicente,
fundado como Vila, por tanto, como representação do poder lusitano, em 1532. Esse
aspecto, o de local de poder, é fundamental na conceituação de cidade no Brasil (...) Ao
falarmos em cidade no Brasil estamos nos referindo a um aglomerado sedentário que se
caracteriza pela presença de mercado (troca) e que possui uma administração pública.
Lembrando as sete observações sobre os conceitos, vemos, claramente, que o conceito de
cidade no Brasil é posterior à própria constituição da cidade (primeira observação), que
esse conceito busca refletir o real (segunda observação) sendo ao mesmo tempo objetivo e
subjetivo.”

3.2. O conceito de urbano:

“Foi no idos de 1970 que Léfèbvre fez essa consideração, indicando que o urbano de
então não se constituía numa realidade acabada, mas num processo de vir a ser que se
apresentava, ainda, naqueles anos, de forma virtual, devendo, no entanto, se apresentar
como real no futuro. (Léfèbvre, 1999, p. 15). Léfèbvre situa, assim, o urbano no âmbito da
industrialização, mas não considera que o urbano seja um subproduto da industrialização
(...) o urbano é um lugar de enfrentamentos e confrontações, uma unidade de contradições.
(Martins, 1999, p. 10) ... O que importa é que a ideia de urbano aparece, na maioria das
vezes, vinculada à de capital industrial e à de sociedade capitalista industrial.”

“A partir de então o capital industrial passa a gerar seu próprio crescimento industrial.
Dessa forma, para esses autores, só em 1930 é que estão constituídas plenamente as bases
de uma sociedade industrial. Essa abordagem nos conduz a situar o urbano a partir dos
anos 30 do século XX, já que a premissa desses autores se funda no conceito de urbano
relacionado à sociedade capitalista industrial.”

“Para Martins (1979) a gênese da industrialização brasileira está relacionada à


dinâmica do complexo cafeeiro que faz com que a industrialização se desenvolva nos
interstícios da cafeicultura, ideia mais ampla do que a de oscilação da economia cafeeira.
Dinâmica essa que teve a capacidade de gerar um processo dinâmico de acumulação
capitalista, até mesmo não assentado em relações sociais de produção capitalista.”

“As cidades materializavam as condições gerais da produção cafeeira, garantindo o


comércio e os serviços necessários, o que redundou no desenvolvimento de uma extensa
rede urbana no interior paulista. Rede urbana que se fez obrigatória porque a principal
parcela do capital da fazenda de café era produzida na formação de fazendas de café
estendendo os cafezais pelo território adentro que necessitavam de cidades para prover as
condições gerais da cafeicultura. Enquanto isso a cidade de São Paulo se metamorfoseava,
passando de simples vila a cidade em acelerado crescimento com chaminés de fabricas e
população operária.”

“Essa é uma interpretação que conduz à compreensão de que, podemos falar em


urbano no Brasil a partir da constituição do complexo cafeeiro que se mostra, nitidamente
visível, a partir de 1870. Essa compreensão não considera o urbano como um subproduto
da industrialização, mas como produto de determinadas relações sociais e de determinados
condicionantes próprios do complexo do cafeeiro.”

“O urbano está relacionado ao processo de urbanização que se constitui como um


processo de transformação estrutural específico da sociedade capitalista e que impulsiona
essa sociedade para adiante, quer em suas contradições, quer em suas explicitações.
(Remy, Voye, 1976, p. 82). Essa compreensão não vincula, portanto, o urbano à sociedade
capitalista industrial. (...) - O conceito de urbano se relaciona a um processo histórico e
dependendo da referência teórica falaremos de urbano desde os primórdios da colonização
brasileira ou segundo outros períodos.”

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