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SOCIOLOGIA URBANA

1. A Dinâmica Urbana: da Urbanização à Metropolização Global


1.1 - O Mito Urbano: Civilização ou Queda?
 A cidade representada é, para o sociólogo urbano, uma fonte documental e a dualidade
que atravessa os tempos na representação da cidade deve ser uma interrogação
sociológica. Esta dualidade passa pela cidade ser atualmente representada tanto como
algo de positivo (a luz), sendo um centro de tudo quanto é concebido como tecnológico
e progressivo e sendo também um lugar de desejo, mas por outro lado, e como um
lugar de catástrofe, de sombra e de morte.

 No entanto, esta breve definição pode ser posta em causa tendo em conta outras
ideologias. Propõe-se que as narrativas bíblicas, as narrativas utópicas, novalescas e
filmicas, constituam passibilidades problematizantes sobre a cidade. É através de todas
elas que podemos verificar a forma como a dualidade na representação da cidade
atravessou os tempos.

» narrativas bíblicas: Mito de Babel, Mito de Caim e Abel, Mito de Adão e Eva

» narrativas utópicas: “República de Platão à Utopia” e “Falanstério”

 Nas alegorias bíblicas o que parece mais central é a relação entre a dualidade moral do
conhecimento e o seu reflexo no espaço da cidade.

 As narrativas utópicas lidam com a dualidade entre uma utopia e uma distopia,
procurando descrever normalmente a boa cidade, a cidade perfeita, a cidade-feliz (a
utopia), implicando sempre uma comparação implícita com o seu oposto, a distopia.

 A representação da cidade ao longo do século XIX, oscila entre uma visão positiva e uma
negativa e tal é muito visível se utilizarmos a literatura como meio de análise. Esta
dualidade é bem revelada em várias obras literárias como, por exemplo: “Frankestein:
or the Modern Prometheus” de Mary Shelley; “O Homem na Multidão” de Edgar Allan
Poe; “Dr. Jekyll e Mister Hyde” de Robert Louis Stevenson”; “Retrato de Dorian Gray”de
Oscar Wilde. Esta consciência narrativa literária acaba por anteceder uma consciência
sociológica.

 No século XX, a problemática dual entre cidade cemiterial e cidade higiénica e entre a
cidade das classes perigosas e a cidade da disciplina, torna-se mais complexa com a
emergência de novas problemáticas.

 A dualidade entre cidade-cenário planeada e vigiada e cidade-vivida e imprevisível, e


entre a cidade da cidadania e a cidade dos alienados parece emergir.

Cidade-cenário / Cidade dos Alienados Cidade-vivida / Cidade da cidadania


Planeada Clandestina

Vigiada Vivida

Feita de marionetas subjugadas Imprevisível

 Nesta altura, os filmes tornam-se uma nova fonte inestimável para a sociologia urbana,
uma vez que são narrativas que têm impacto sobre milhões num curto espaço de
tempo (ex.: “Pleasantville” - cidade agradável; “Truman Show” - seahaven, o paraíso à
beira mar; “Matrix” - megacidade). Estes filmes representam a dicotomia (oposição)
entre a hipocrisia da cidade-cenário, ultra-planeada e super-vigiada, feita de marionetas
subjugadas, e a cidade da cidadania, clandestina, vivida e imprevisível na sua luta para
revelar a hipocrisia. Trata-se de uma espécie de consciência do sonho americano dos
anos 50 e que se alargou de certo modo a todo o Ocidente: um mundo da
cidade-subúrbio, planeado e perfeito, numa sociedade de pleno emprego e de consumo
de massas.

Cidade Objetiva Cidade Vivida Cidade Representada

É o espaço onde estamos É a prática urbana da cidade É toda a narrativa urbana


confinados, onde vivemos (andar na rua, andar de (nomes das ruas.
(as paredes, as instituições). carro, etc).
Caracteriza uma interrogação
sociológica, pois a cidade sofre
uma representação dual entre
luz e sombra.

1.2 - As Primeiras Cidades: o que é uma cidade?


 Para percebermos o papel da dinâmica urbana na história da humanidade, é importante
fazermos um resumo dessa mesma história a partir da variável urbana: o género homo
existe à face da terra há cerca de 3,5 milhões de anos e, durante a maior parte do
tempo, na condição de caçador-recoletor, vivendo em pequenos grupos numa relação
territorial nómada; só há cerca de 15.000 a 10.000 anos atrás é que o ser humano
passou a ter uma relação com o território de carácter mais fixo, tendo em conta a
invenção da agricultura que fez com que as primeiras cidades aparecessem e se
tornassem uma infraestrutura humana central; nos últimos 10.000 anos a população
urbana foi crescendo de forma exponencial até que, nos últimos 10 anos, o número de
habitantes de cidades passou a ser mais de 50% da população mundial.

 Na transição do século XX para o século XXI, estamos no limiar do Planeta Urbano.

 Por um lado, podemos dizer que a dinâmica urbana representa não mais de 3% do
tempo total da evolução humana desde a emergência do género homo; por outro,
podemos dizer que a dinâmica urbana se tornou um elemento central dessa mesma
evolução urbana e que a revolução sedentária e agrícola foi talvez a revolução mais
importante da evolução humana.
 É com a invenção da agricultura que as cidades se tornam uma infraestrutura humana
central.

 A perspetiva mais comum e aceite é a de que a emergência das cidades se relaciona


diretamente com a agricultura e os excedentes. Esta ideia menospreza padrões
socioespaciais, os quais se acredita terem sido fundamentais no emergir da forma
urbana. Chama-se então, princípios urbanos à ultrapassagem dos limiares críticos da
agressão, poder dos centros e às formas de convivência social de estranhos.

» Ultrapassagem dos limiares críticos de agressão: os limites podem ser


abstratos ou simbólicos (uma pedra, por exemplo), pode representar uma parede que divide
os limites de um terreno; a porta da igreja é o limite de dois mundos (o profano e o
religioso); e possibilitam uma distância cada vez menor entre estranhos, tornando possível a
convivência dos mesmos com o mínimo de agressão. Portanto, as fronteiras são mecanismos
culturais de defesa

» Poder dos centros: o poder dos centros, a sua constituição e a sua aceitação
constroem sociabilidade. Um centro é uma marca na paisagem influenciado
socioespacialmente, que liga diferentes níveis de realidade e que possibilita o retorno, sendo
portanto um espaço de convivência entre estranhos

» Formas de convivência social de estranhos: o cemitério foi dos primeiros


sítios de convivência entre estranhos e em conjunto com os centros de celebração
(santuários) e os armazéns constituiriam a cidade antes da cidade, ou seja, possibilitaram a
emergência de instituições, que em conjunto com o poder institucional, levou à criação das
cidades. Ligam a luz e a sombra, os mortos e os vivos, o passado e o futuro

 O objetivo da Sociologia Urbana é construir uma cidade melhor. No que é que consiste?
Uma cidade melhor consiste em possibilitar/potenciar, dentro do mesmo espaço,
formais sociais em que os indivíduos, apesar das suas diferenças, consigam conviver.

 Se a cidade é uma forma de socialização de continuidade e rutura face aos processos de


evolução comuns a outras espécies, o binómio etológico agressão-agregação foi central
na construção sócio-espacial da socialização urbana.

 A socialização humana urbana por um lado não seria senão um longuíssimo processo
plural e complexo de ultrapassagem/diluição dos limiares críticos da agressão, ou seja,
de criação de mecanismos culturais de inibição da agressão, em função, basicamente,
de limites cada vez mais abstratos ou simbólicos que possibilitam uma distância cada
vez menor entre estranhos, tornando possível o máximo de agregação com o mínimo
de agressão.

 O poder de um centro, a constituição de um centro e a sua aceitação, faz com que esse
centro construa sociabilidade. Com isto, a construção de um centro é fundamental. O
centro é um princípio urbano no sentido em que é uma marca na paisagem com um
certo âmbito de influência socioespacial, que liga diferentes níveis de realidades (os
antepassados, os vivos e o sobrenatural) e que, portanto, é um espaço de convivência
de estranhos.
 A cidade define-se, então, pela possessibilidade de convivência entre estranhos em
função de uma identidade vaga, abstrata, ainda que traduzida/interpretada em função
de outras identidades mais óbvias (como a da família). Existem ainda outras situações
alternativas à cidade em que se juntariam periodicamente estranhos: caça, guerra,
cemitérios.

 A aldeia, a atividade cinegética, a fortaleza, o cemitério, o centro de celebração


(santuário e /ou polo artístico) e o armazém (de excedentes) constituíram a cidade
antes da cidade, ou seja, todos estes processos de agregação de estranhos
possibilitaram a emergência de instituições que acabaram por se articular o que viemos
a chamar “cidade”. Conclui-se que, a convivência de estranhos, a construção de uma
identidade abstrata (religioso-artística) e o poder institucional possibilitaram a cidade
antes da cidade.

1.3 - A Urbanização: que socializações espaço-temporais?


 A população urbana cresceu a uma taxa de 2, 72% ao longo do século XX, ou seja,
duplicou a cada 25 anos; 3% da população mundial vivia em cidades em 1800 e 47% no
ano 2000, esperando-se no final do século XXI atingir taxas de 80% de população
urbana planetária.

 O século XX é o século da urbanização e o século XXI é o do Planeta Urbano.

 Podemos caracterizar os processos espaciais urbanos/desenvolvimento do espaço


urbano no tempo em função de quatro fases:

1ª - relativa às primeiras cidades, as quais se definiam em função de sistemas de


convivência de diferenças, tendo uma existência imemorial. Em alguns casos seriam cidades
efémeras mas a necessidade e o desejo da convivência da diferença já aí estava

2ª - remete-nos para o início da história urbana, que coincide com o processo longo
da revolução sedentária e da revolução agrícola. É a junção, num mesmo contexto, de
instituições que já existiam (a aldeia, o cemitério, o campo de caça, a fortaleza, o centro
celebratório, o armazém...) e ter-se-á dado nas civilizações dos vales dos rios, já agrícolas.
Ex.: na Mesopotâmia, no rio Tigre e Eufrates, no rio Nilo, no Egito, no Ganges, no rio
Amarelo

3ª - é a fase das cidades industriais, a partir do final do século XVIII e ao longo do


século XIX na Europa, no final do século XIX e ao longo do século XX nos EUA e no final do
século XX e ao longo do século XXI na Ásia. As cidades industriais libertaram de vez a cidade
da figura da agro-cidade e, portanto, de uma dependência direta e sem controlo da
produção agrícola, e pelo contrário, torna-se uma cidade que subordina e controla a
produção agrícola, estendendo a esta a sua lógica industrial. Foi a revolução agrícola que
influenciou a emergência da revolução industrial, mas mesmo assim, esta última não foi o
único momento na história que levou ao surgimento das cidades industriais. Podemos referir
3 revoluções industriais: na revolução do vapor, no final do século XVIII, as cidades
pré-existentes incorporaram as indústrias no seu interior; na revolução do motor de
explosão, no final do século XIX, foi possibilitado a expansão espacial das cidades; na
revolução cibernética com a invenção do computador, na segunda metade do século XX,
originam-se novas conceções de mobilidade e velocidade e novas relações espaciais de
âmbito já não local ou regional mas sim global

4ª - surgimento da Megalópolis, da cidade global no século XX, referindo-se às


cidades como motores da economia e finanças globais ou a uma rede global de fluxos
digitais relativos a decisões económicas de carácter global. Tudo isto é gerido por uma
burguesia transacional que circula entre cidades que são elas próprias motores do
capitalismo global

 A sociologia urbana surge como uma consciência da urbanização, ou seja, de


problemáticas relativas à separação ou continuidade entre o rural e o urbano,
eventualmente do urbano e do rural como modos de vida diferentes, portanto
diferentes sociedades.

1.3.1 - O rural e o urbano: a questão clássica da urbanização


 A sociologia emerge num contexto em que a relação rural-urbano era central, num
período de industrialização e crescimento urbano exponencial associados ao êxodo
rural e à industrialização dos campos. Desta forma, relação entre o rural e o urbano é a
questão clássica em Sociologia Urbana, mas, no entanto, é muitas vezes difícil de
compreender porque se pensa estar a falar em cada época histórica do mesmo
fenómeno quando o rural e o urbano eram e são diferentes na Europa e nos Estados
Unidos e, no quadro da Europa, diferente de um país para o outro.

 Podemos abordar esta questão clássica em 4 momentos:

1º - Engels e Marx identificam a separação entre o rural e o urbano e a


dominação capitalista do rural pelo urbano, tendo em conta o período de industrialização no
século XIX. Este período evidencia uma separação histórica entre o rural e o urbano, em que
o campo passa a produzir completamente em função do mercado que, por sua vez, depende
da procura que as cidades criam, da procura das fábricas e da população urbana exponencial.
Apesar das divergências entre países e possíveis proximidades entre operariado industrial e
agrícola, o século XIX possibilita, pela primeira vez na história da humanidade, a separação
de uma grande massa humana da ligação à terra como meio de subsistência que resulta
num domínio económico, político e social da cidade sobre o campo.
“Só o proletariado criado pela grande indústria moderna (...) é capaz de realizar a grande
transformação social que põe fim a toda a exploração de classe e a todo o domínio da classe.”
- Engels
O facto de a produção agrícola industrial ter quebrado as ligações que o operariado urbano
tinha com a atividade agrícola, fez com que existisse liberdade suficiente para a emergência
de uma consciência social e política deste mesmo operariado.

2º - encontramos-nos na década de 30 do século XX, no quadro da Escola de


Chicago e, portanto, na relação rural-urbana específica dos EUA. Louis Wirth afirma que,
uma definição sociologicamente significativa do que seja cidade, procura selecionar
elementos do urbanismo que a marcam como um modo de vida distinto dos agrupamentos
humanos. Propõe, então, que o rural e o urbano correspondem a dois “modos de vida.

Escreve, ainda, que a cidade não é somente a moradia e o local do trabalho do Homem
moderno, como é também o centro iniciador e controlador da vida económica, política e
cultural, que atraiu as localidades mais remotas do mundo para dentro da sua órbita e
interligou as diversas áreas, os diversos povos e as diversas atividades num único universo.
Com isto, definiu a grande cidade como constituída pela grande dimensão, grande
densidade e grande heterogeneidade em combinação, criando uma nova ordem ecológica,
social e de personalidade e constituindo um urbanismo ou um modo de vida urbano que se
opunha a um ruralismo, caracterizado pela pequena dimensão, baixa densidade e grande
homogeneidade.
Tendo em conta a variável dimensão, podemos dizer que os grandes números são
responsáveis pela variabilidade individual, pela relativa ausência de conhecimento íntimo
entre os indivíduos, pela segmentação de relações humanas que são em grande parte
anónimas, superficiais e transitórias. A variável densidade envolve diversificação e
especialização, a coincidência de contacto físico estreito e relações sociais distantes,
havendo, então, contrastes berrantes, um padrão complexo de segregação e a
predominância do controlo social formal. Por fim, a heterogeneidade tende a quebrar
estruturas sociais rígidas e a produzir maior mobilidade, instabilidade e insegurança. Neste
contexto, as relações pessoais são deslocadas, e as instituições tendem a atender às
necessidades das massas em vez do indivíduo, e portanto, o indivíduo só se torna eficaz
agindo através de grupos organizados.

O urbanismo como modo de vida face a um ruralismo, de Wirth, deve ser entendido como
um americanismo face a um europeísmo ou a descrição do modo de vida de cidades-mundo
face às demais estruturas sociais rurais e urbanas, ou seja, uma das primeiras visões da
globalização e das suas consequências face à vida nas grandes cidades.

“A cidade e o campo podem ser encarados como dois pólos em relação aos quais todos os
aglomerados humanos tendem a se dispor. Visualizando-se a sociedade urbano-industrial e
a rural folk como dois tipo ideais de comunidades, poderemos obter uma perspetiva para
análise de modelos básicos de associação humana conforme aparecem na civilização
contemporânea” - Loius Wirth

3º - surge a crítica à posição de Wirth na própria Escola de Chicago. Nos


anos 40, Robert Redfield, é um dos autores que discorda da opinião de Wirth,
caracterizando o contínuo rural-urbano. Comparou quatro comunidades (tribo, aldeia
camponesa, pequena cidade e grande cidade) e o resultado mostrou-lhe os processos da
mudança de vida tribal para a vida urbana, passando este autor a olhar para além da
comunidade e da região e vendo sim o mundo como um todo.
Nos anos 60, Oscar Lewis é outro autor que aparece a criticar a ideia de Wirth, afirmando
que existem sobreposições entre o mundo rural e o mundo urbano nas vidas da cidade do
México e caracterizando essas vilas de pobreza como enclaves urbanos.

 Os anos 80, trazem uma nova complexidade à relação rural-urbano em função do


critério de mobilidade como critério urbano por excelência. Nos anos 90 e 2000, Paul
Virilio, propõe o critério da velocidade como critério de evolução civilizacional e,
portanto, como critério urbano.

4º - O conceito de metropolização como nova forma espacial, as novas


tecnologias que promovem o paradigma do tudo-aqui-agora e a ideologia ecológica da
sustentabilidade associam-se a novas realidades urbanas e rurais que requerem a atenção
do sociólogo do século XXI.
1.4 - Da Urbanização à Metropolização Global?
 Urbanização: socialização espaço-temporal em que cada vez mais gente é abrangida
pelo ecossistema; começou depois da revolução industrial

 Centros de urbanização: local de trabalho, casa, escola, etc.

 Metropolização: agregação de um conjunto de cidades

 Metrópole: é o grande centro de convergência das correntes de trocas por onde


circulam os produtos obtidos dentro e fora do país; é a nova configuração sócio-espacial
da segunda metade do século XX

 Megalópolis: espaços que com o efeito da expansão de várias áreas metropolitanas


acabam por tornar-se parte do mesmo tecido urbano (os seus extremos às vezes
tocam-se)

 Área Meta-metropolitana: é uma área constituída por duas metrópoles

 O contexto metropolitano e metametropolitano que criámos na segunda metade do


século XX em várias regiões do globo é um momento mais no alargamento
sócio-espacial da socialização humana urbana.

 Se as cidades emergiram de instituições que já tinham alguns dos elementos


caracterizadores do urbano e ainda que não constituíssem de per si cidade, tinham a
potencialidade da cidade antes mesmo da sua emergência, também as magalopoles, as
regiões urbanas polinucleadas, as regiões metropolotinas, as metapoles ou
metametrópoles que surgiram na segunda metade do século XX são novas
configurações sócio-espaciais que agregam cidades e ainda que com elas não coincida,
é nelas que encontramos já os fatores que possibilitam a emergência desta nova figura.

 As metrópoles surgiram com o aumento da densidade populacional e os fluxos entre


centros urbanos (movimento de pessoas e bens através de auto-estradas; comunicação
constante através da cibernética - Internet, telemóveis). Esta nova configuração
socioespacial da segunda metade do século XX é como um mosaico social e económico,
existe a agregação de cidades que se “juntam” através dos fluxos, mas que funcionam
independentemente das outras.

 Centros de metropolização: redes de sociais, interfaces (aeroportos), centros comerciais

 Patrick Gueddes terá sido o primeiro a propor a ideia de cidades-mundo como “aquelas
nas quais uma parte desproporcionada dos mais importantes negócios do mundo é
conduzida”. Mas Braudel é o primeiro a utilizar o termo “cidade-mundo” para designar
o centro de “economias-mundo” específicas, enquanto “centro de gravidade urbanos”
ou como o “coração logístico da atividade”. Depois, nos anos 50, é Gotman que utiliza o
termo de megalopole.

 Nas décadas de 80 e 90, as cidades globais ou mundiais tornam-se centrais para


compreender a economia e a cultura humana.

 Com a emergência de novas configurações socioespaciais, advém também novos


dilemas: um dos esforços dos cientistas sociais tem sido tentar caracterizar, então, as
novas configurações socioespaciais; outro desafio passa pela ultrapassagem dos
limiares da agressão já não por processos de tolerância negativa mas antes em função
de uma tolerância positiva; por fim, com o aumento da diversificação, torna-se cada vez
mais complicado governar e repartir de igual modo os serviços/instituições por toda a
população e dá-se a perda da importância do individual em prol do coletivo.

2. A Imaginação Sociológica: a cidade como centralidade


2.1 - As três perspetivas
 A Sociologia Urbana pode ser caracterizada através de três perspetivas:

- Sociologia Urbana Mainstream/Perspetiva Culturista/Perspetiva Ecológica:


implicava uma nítida conceção global, a da cidade/metrópole e mesmo do urbano como
estrutura ecológica humana; a civilização era urbana pelo que a reprodução global do
urbano era previsível; o modelo em causa era o urbano e o seu território pelo que a
globalização que daqui se poderia inferir não era senão o da multiplicação de centros
urbanos no espaço.

- Sociologia Urbana Anti-Mainstream/Economia Política Urbana/Perspetiva


Estruturalista/Perspetiva do Sistema-Mundo: pode conceber-se em função de dois
momentos; nos dois momentos a cidade e o urbano são entendidos como uma estrutura
central da economia capitalista transnacional, sendo esta a conceção global em causa, mas
enquanto num primeiro momento o urbano é estudado em função de “circuitos de capital”
e como “máquinas de crescimento” e expressão de classe e do “conflito de classes” face a
casos concretos ou em termos teóricos muito no quadro de Estados-Nação, num segundo
momento a lógica transnacional é finalmente atingida, atingindo-se essencialmente dois
modelos, o das cidades globais, por um lado, e do “espaço de fluxos”, por outro.

Pode-se dizer que a Economia Política Urbana e a Tradição do Sistema-Mundo se inicia


também com tipologias dicotómicas mais ou menos simplistas (Primeiro vs Terceiro Mundo;
Norte vs Sul; Centro vs Periferia; Global vs Local).

- Nova Sociologia Urbana/Perspetiva Socioespacial/Urbanismo


Transnacional/Dinâmicas Globais: é uma visão estruturo-construtivista que, abrindo a
globalização a alter-globalizações em tensão, implica uma atenção à dualidade da revolução
das telecomunicações que ao mesmo tempo que é um instrumento para o “ajustamento
estrutural” da economia e dos seus fluxos, também é um instrumento de
transnacionalização da cultura e da política permitindo a ação social vinda de baixo.

A Perspectiva Socioespacial e o Urbanismo Transnacional é uma nova tradição que procura,


ultrapassando as tipologias, analisar o espaço urbano. Regional e global como um espaço de
“conexões transnacionais”, um “espaço de fluxos”, uma “arena discursiva” e um “terreno de
contestação”, sendo as cidades palcos privilegiados destes jogos de atos e textos de política
económica e cultural em que se entre-cruza o local e o global.

Escolas Princípios Conceção da Conceção de cidade


globalização
O Urbano (cidade) como A globalização como Cada cidade é entendida como
nicho ecológico humano reprodução/expansão centro pelo que a globalização
por excelência de uma civilização não é senão a multiplicação no
Ecologia Humana (competição/cooperação) urbana. espaço de tais centros.

O Urbano como elemento A globalização como Máquinas de crescimento


estrutural da economia reprodução/expansão económico, como circuitos de
capitalista nacional e da formação económica acumulação de capital e como
transnacional. capitalista. centro do conflito de classe.

O Urbano numa lógica Teoria do Cidade mundial, cidades globais


Centro-Periferia Sistema-Mundo e da e tipologias hierárquicas de
Economia Política
planetária. sucessão de centros cidades.
transnacionais.

O Urbano numa Teoria dos Fluxos que Cidade dual.


perspetiva de Rede tem o urbano como nós
Global. da rede
teconlógico-económica
global.

A religião urbana Teoria Socio-Espacial Região Urbana Policentrada.


policentrada numa que considera as Metropolização. Cidade
perspetiva multi-factorial regiões urbanas fragmentada.
como elemento central transnacionais como
da globalização. centrais do processo
Perspetiva económico, social,
Socioespacial cultural e político da
globalização.

2.2 - As Abordagens Clássicas


 O retorno aos clássicos e ao seu espírito crítico de abertura e descoberta é fundamental
e é, de certo modo, esse espírito que encontramos na perspetiva mais atual, a
Perspetiva Socioespacial, do Urbanismo Transnacional ou das Dinâmicas Globais.

 A obra de Engels, por um lado, e a obra de Tonnies, por outro, constituem como que a
marca do início dos Estudos Urbanos.

 ENGLES:

A “A Situação da Classe Operária em Inglaterra” de Engels é emblemática na relação que


estabelece entre descrição etnográfica de pequena escala (a descrição de ruas, de pátios e
de algumas casas), a caracterização de diferentes cidades e a inserção de tais cidades num
todo nacional e mesmo internacional.
Na pesquisa sobre Manchester, o autor caracteriza o desenvolvimento desigual como
resultado da diferencial acumulação de capital, sendo a forma do espaço urbano o resultado
das relações sociais e económicas que nele se estabelecem; considera o espaço urbano
construído de forma “hipócrita”, escondendo a maioria dos seus habitantes nas traseiras da
cidade, em pequenas ruas e pátios, e mesmo para além dela, em zonas intermédias entre o
rural e o urbano, podendo-se mesmo atravessar toda a cidade sem se perceber a existência
dessa cidade-outra; a forma do espaço urbano é política.

 TONNIES:

A obra de Tonnies é completamente diferente da de Engels e, no entanto, muito


complementar; o objetivo é o de agregar as diversas evidências num quadro de
compreensão caracterizado por “tipo ideias”, constituindo-se estes como pólos em função
dos quais se podem compreender e mesmo analisar, quer conceptualmente a vontade
humana (o centro da sua teoria), quer para diferenciar as diversas entidades sociais
(relações sociais, coletivos e organizações sociais), quer as normais sociais (ordem, lei e
moralidade), quer os valores sociais (económicos, políticos e intelectuais ou espirituais) e os
sistemas de empreendimento humano derivados destes últimos.

O autor tentou classificar a atividade humana e possibilitar um quadro interpretativo


estrutural e contingencial para a mudança social que a segunda metade do século XIX
evidenciava.

Para Tonnies, a grande questão é a da relação entre uma vontade natural


(objeto/ideia/pessoas são fins em si mesmos, sustentada na origem, amizade, inclinação ou
hábito) e uma vontade racional (objeto/ideia/pessoas são meios para outro fim, sustentada
no estrangeiramento, no interesse, no contrato).

A sociedade capitalista, de classe média ou burguesa, parece caracterizar uma transição do


crescente domínio da associação em relação à comunidade, no entanto os diversos níveis de
organização do corpo social (parentesco; vizinhança; aldeia; cidade; estado; igreja)
representam um contínuo de comunidade de abrangência crescente até um nível mundial.

Tonnies coloca um problema fundamental: o da relação entre vínculo e interesse em


organizações sociais de crescente abrangência tendencialmente mundial.

 Apesar destes trabalhos clássicos, podemos dizer que a Sociologia Urbana se


autonomizou apenas com a Escola de Chicago, que tal foi o primeiro laboratório
sociológico urbano e que foi aí que se estabeleceu a primeira perspetiva. A Sociologia
Urbana de Chicago teve a cidade como limite e centrou-se na análise do crescimento e
da forma urbana, a partir da perspetiva da ecologia humana;

- Ecologia Humana: concebia a cidade como o ecossistema humano em que


melhor se podia compreender a luta pela sobrevivência e tal luta compreendia-se em função
de dos níveis: o biótico ou comunal, que remetia para a organização biológica, espontânea,
implicando a competição pelos recursos escassos, os quais, numa cidade, se encontravam no
centro; e o nível cultural ou racional, que remetia para processos de cooperação,
compreendendo ajustamentos psicológicos e simbólicos à organização da vida urbana. P
ara Park, o nível biótico tendia a explicar a organização social da cidade, assim como os
efeitos urbanos da competição económica, enquanto o nível cultural explicava as relações
de vizinhança, os laços que caracterizavam a vida da comunidade, articulando-a em torno de
uma “ordem moral”.
Ao dominar-se Ecologia Humana, pode-se dizer que esta escola apresentava uma visão
global dos Estudos Urbanos, fundamentando os princípios, crescimento e forma da cidade,
enquanto ecossistema humano por excelência, em aspetos bióticos, quer dizer comuns a
toda a espécie humana.
 A Ecologia Clássica seguiu uma lógica darwinista social que aplicou ao espaço
identificando a Competição e o Princípio da Dominância como elementos centrais, em
relação aos quais se foram acrescentando outros fatores ecológicos: centralização,
concentração, segregação, invasão, sucessão. Ex.: Parque das Nações - era uma zona
industrial que foi substituída por uma zona residencial e comercial, que se veio a tornar
um novo centro da cidade, através do processo de invasão, sucessão e centralidade.
Em função da competição como fator ecológico central, o centro da cidade era o espaço
onde se encontravam os recursos e, por isso, o móbil da competição. Em função disso,
no centro expressa-se o Princípio da Dominância, ou seja, as instituições que aí se
instalam são as que venceram o processo competitivo. No entanto, como a competição
é contínua, com o passar do tempo dá-se a invasão que, quando se torna completa,
possibilita a sucessão da dominância.

Esta perspetiva, desenvolveu-se em função, por um lado, da construção de modelos da


forma e do crescimento das cidades e, por outro, da análise de uma diversidade de
fenómenos urbanos, ainda que com uma certa centralidade na “Transition Zone”, também
chamada “Gand Land” e que, sendo a Zona II ou zona que rodeava o CBD (Center Bussiness
District) era onde as forças centrípetas e centrifugas (ou seja, o processo de competição)
mais se evidenciava. Tendo em conta isto, Ernest Burguess cria o modelo de 5 zonas
concêntricas (1- o Buissness District ou the Loop, o anel; 2 - Zona de Transição; 3 - Zona
Casas de Trabalhadores; 4 - Zona Residencial; 5 - Zona de Comutação ou Pendularidade), que
se tornou o ponto de partida obrigatório de qualquer estudo sobre estrutura urbana.
Com base no modelo de Burgess, e no âmbito do que alguns denominaram Ecologia
Neo-Ortodoxa, surgem o modelo dos núcleos múltiplos de Homer Hoyt e o modelo dos
setores de Harris e Ulman. O primeiro modelo tem em conta a importância das vias de
comunicação, estendendo-se de dentro para fora segundo as mesmas e tendo em conta a
diferença de nível social do espaço na cidade e a progressiva densificação do tecido urbano
do centro para a periferia. O segundo modelo sustenta-se na localização das atividades
humanas, assim como as especificidades destas mesmas atividades, apresentando uma
cidade com centros múltiplos

 A Escola de Chicago dominou completamente a produção em Sociologia e Antropologia


Urbanas até à Segunda Grande Guerra

2.3 - A Economia Política Urbana


 Esta perspetiva surge a partir de pesquisas e publicações surgidas no pós-Segunda
Grande Guerra, num quadro de remodelação do modelo económico, social e político,
pela emergência de entidades supra-nacionais, por um lado, e pela descolonização e
emergência de novos Estados-Nação, por outro.

 A Escola Francesa e Lefebvre são os primeiros pioneiros desta segunda perspetiva,


sendo que pode ser dividida em dois momentos: um primeiro tendo Henri Lefebvre,
Michel Foucault, Manuel Castells e David Harvey como autores que são usualmente
associados à Escola Francesa e que procuram identificar os processos económico-sociais
que explicam a produção do espaço, o planeamento urbano e a forma urbana; um
segundo momento tendo Friedman, Sassen e Castells como autores, em que se
concentra na estrutura da economia global e na sua relação com as cidades, num
sentido já planetário, sustentando-se nas posições anteriores mas também na teoria do
sistema-mundo de Wallerstein e Braudel

 A Escola Francesa aparece no momento específico da década de 60, onde ocorre a


mudança de paradigma da Modernização para Globalização, os movimentos de
libertação e auto-determinação, a descolonização e a renovação social, política e
intelectual do Ocidente e surge como uma renovação da Sociologia Urbana em função
de análises que procuram refundar o estudo do espaço urbano como um todo

 Existem quatro correntes fundamentais da Escola Francesa:

1. Representada por Henri Lefebvre assenta em três principais dimensões: a


defesa do conceito de civilização urbana como forma distinta de organização social; a
importância do espaço como elemento constitutivo das relações sociais; o direito à cidade
contra a exclusão social

2. O marxismo ortodoxo de Jena Lojkine, Christian Topalov e Edmund Preteceille.


Tendo por base a teoria do capitalismo monopolista do Estado, as análises centram-se no
domínio do capital e dos interesses capitalistas sobre o Estado e, através do Estado, na
dominação dos interesses capitalistas sobre os processos urbanos. De especial relevo é o
trabalho de David Harvey sobre as manifestações do “espaço e sociedade” a partir da lógica
interna do capital, justapondo-lhes as lutas sociais

3. A Escola de Fcoucault foi organizada em torno de um centro de investigação, o


CERFI, onde focaram a análise mucrifísica do poder nas instituições sociais e alargaram esta
noção de dominação à vida quotidiana, moldada pelas instituições urbanas. Para Castells,
esta foi, provavelmente, a corrente de investigação mais inovadora deste período. A única
que realmente se propôs abordar os novos temas sociais de um ponto de vista crítico

4. O marxismo estruturalista representado por Manuel Castells que propõe uma


nova ordem epistemológica para a sociologia urbana, ao integrá-la na análise das
contradições do sistema capitalista

 O grande contributo de Lefebvre é conceber o espaço nas suas diversas dimensões


como produzido socialmente e, especificamente, em função dos modos de produção e
dos dois circuitos de capital que identificou (o industrial e o imobiliário).
Posteriormente, Harvey centrou-se na questão dos circuitos de capital, acrescentando
aos dois circuitos identificados por Lefebvre, um terceiro que seria a reprodução da
forma de trabalho e investimento em áreas científicas e profissionais, estabelecendo a
relação entre circuitos de capital e investimento em diferentes zonas da cidade.

 Gottdiener identifica quais são os contributos de Lebefvre: 1) a aplicação das categorias


de Marx e Engels a uma economia política urbana; 2) o complementar de tais categorias
com o conceito de segundo circuito do capital, ou seja, o setor imobiliário; 3) a
importância dada ao espaço construído como inerente às relações sociais; 4) o papel do
Estado no uso do espaço para o controlo social.

 A “teoria unitário do espaço” de Lefebvre tem o objetivo de descobrir ou construir uma


unidade teórica entre campos, identificado um campo físico (natureza, cosmos), um
campo mental (incluindo abstrações lógicas e formais) e um campo social.
O espaço social é um produto social, sendo que cada sociedade do passado, em função
do modo de produção, criou o seu próprio espaço.
 Lefebvre identificou dois circuitos de circulação e acumulação do capital: o circuito
primário (o industrial propriamente dito referido por Marx) e o circuito secundário (o
setor imobiliário), dando bastante relevo a este último como circuito produtor da
cidade e do seu consumo.

 Lefebvre afirma que ao direito à natureza que é reivindicado socialmente, deve também
reivindicar-se um direito à cidade, sendo esse direito a satisfação das necessidades
sociais e humanas de cada um e de todos; este direito à cidade é, provavelmente, uma
das primeiras visões de uma cidade-mundo em que os direitos humanos se espelham na
cidade.

 Harvey, também segue uma aplicação da economia política marxista à análise da cidade,
mas, no entanto, acrescentou um terceiro circuito de circulação do capital aos dois
caracterizados por Lefebvre. O terceiro circuito refere-se especificamente à reprodução
da força de trabalho e ao investimento em áreas científicas e profissionais de forma a
potenciar novas formas de acumulação de capital.

 Harvey identificou uma categoria social decorrente da sobreposição entre terra e


capital e rendas e lucros, portanto entre capitalista e proprietário e que a cidade
possibilitou, a “classe monopolista de rendas”. Esta classe, em função de fatores
contingenciais e complexos que variam de um lugar para o outro, combinando
instituições financeiras e o Estado, desenvolve o setor imobiliário, o qual funciona de
forma segregativa em termos sociais e étnicos, e levando assim a uma desigualdade no
espaço urbano. Para este autor, as diferenças na localização da população é função de
fatores estruturais e institucionais relativas ao setor imobiliário e à procura de lucro.

 A relação entre o primeiro (setor industrial) e o segundo circuito de acumulação de


capital (setor imobiliário), a relação com uma classe específica de capitalistas ou, pelo
contrário, com uma categoria mais ou menos abrangente de senhorios, a relação de
completa parceria ou de contradição com os interesses do Estado, a relação com a
forma urbana, o seu desenvolvimento desigual, o crescimento e o declínio das cidades,
etc. tornaram-se nas problemáticas centrais dos anos 60 a 80 no quadro da economia
política urbana.

 No contributo de Manuel Castells pode-se destacar 1) uma preocupação com o objeto


da sociologia urbana, que acaba por afirmar ser o espaço e o consumo coletivo; 2) a
centralidade do consumo coletivo e do planeamento urbano; 3) a importância dos
movimentos sociais; 4) a importância das tecnologias da comunicação.

 A visão de Castells apesar de se pretender destacar de Lefebvre, segue-o de muito


perto quando identifica a sociologia urbana com determinadas problemáticas, tais
como as que dizem respeito ao processo coletivo da reprodução da força de trabalho e
às unidades de consumo coletivos nas quais esse processo se realiza.

 Castells acaba por caracterizar o sistema urbano em função de 4 elementos: Produção,


Consumo, Intercâmbio e Gestão, que estão em contínua combinação não aleatória mas
sim dependentes de uma determinada estrutura social num determinado momento
histórico; refere ainda que nas sociedades industriais, a evolução técnica e social
aumenta progressivamente a importância do elemento G (ou se se preferir, das
intervenções política) relativamente à importância do resto dos elementos do sistema.
 Castells, em função da relação entre economia global, movimento sociais e novas
tecnologias da informação, afirma que a cidade informacional se caracteriza em três
camadas de suportes materiais que constituem o espaço de fluxos: 1) o circuito de
impulsos eletrónicos (microeletrónica, telecomunicações, processamento de
computadores, sistemas de transmissão e transporte de alta velocidade), 2) centros de
importantes funções estratégicas e centros de comunicação, 3)organização espacial das
elites administrativas.

 O contributo de Michel Foucault passa muito por: 1)a relação entre conhecimento e
poder, 2) a genealogia de representações sociais como processos de controlo social, 3)
a objetificação em dispositivos espaciais de relações de conhecimento/poder.

 Foucault apresenta a cidade industrial moderna emergente a partir do final do século


XVIII como evidência da aplicação de uma disciplina-mecanismo ou disciplina
generalizada, a qual abrange os mais diversos espaços construídos urbanos (escolas,
bairros operários, fábricas, hospitais, prisões, etc.), assim como o desenho da própria
cidade e que este autor caracteriza em função do modelo Panóptico.
No texto da palestra “Des Autres Espaces”, Foucault propõe definir novos tipos de
espaço, a que dá o nome de Heterotopias e que seriam como que utopias reais e que
seriam os espaços catalogados mas que incluem em si mesmos todos os espaços do
mundo.

 A visão do planeta na segunda metade do século XX passou de uma divisão típica da


Modernização (relação Norte-Sul, conjugada com a divisão entre Primeiro, Segundo e
Terceiro Mundo), para uma divisão mais típica de um paradigma de Globalização
(relação Local-Global, conjugada com a divisão entre Centro, Semi-Periferia e Periferia).
Foi o quadro do colonialismo e da pobreza que, opondo muitos dos países do Sul aos
países do Norte, possibilitou a compreensão das diferenças entre as cidades dessas
regiões internacionais.

 Patrick Gueddes terá sido o primeiro a propor a ideia de cidades-mundo como “aquelas
nas quais uma parte desproporcionada dos mais importantes negócios do mundo é
conduzia”, mas no entanto Braudel foi o primeiro a utilizar o termo cidade-mundo para
designar o centro de economias-mundo específicas, enquanto centros de gravidade
urbanos ou como o coração logístico da atividade.
Friedmann e Wolf ao aceitaram as multinacionais como centros de comando da nova
divisão internacional do trabalho, introduziram o conceito de Rede Global de Cidades.
Na década de 90, para além da divisão internacional do planeta em Estados-Nações e
para além da divisão entre Regiões Mais Desenvolvidas e Regiões Menos Desenvolvidas,
começa então a delinear-se a perspetiva de uma Rede Global de Cidades ou
Arquipélagos Urbanos planetários.

 Identificadas como cidades-mundo centrais e primárias (ou como os verdadeiros


centros internacionais ou como cidades globais) que estão no topo da hierarquia na
década de 80 eram todas do hemisfério norte, todas de países desenvolvidos e, com a
exceção de Tóquio, todas dos Estados Unidos e da Europa.

 O urbano é um fator de produção de globalizações e de desglobalização, tendo na sua


forma de cidade-mundo o seu agente.
 Para Smith, as análises relativas à cidade-mundo ou à cidade global, caracterizam-se por
uma série de assunções económicas interligadas:

1- A globalização da economia internacional, acompanhada pelo crescimento


da transposição económica das fronteiras nacionais

2- Uma elevada mobilidade do capital cuja decisão de aplicação está


concentrada num grupo de cidades globais

3- A mudança da indústria para os serviços comerciais e financeiros em


grandes cidades de países centrais

4 -A concentração dentro das cidades globais do comando e controlo das


funções que são coordenadas numa escala global pelos setores produtores de serviços
destas cidades

5- A organização hierárquica destas cidades num sistema global de cidades


cujo objetivo é a acumulação, controlo e aplicação de capital internacional

 No final da década de 90, e após a análise do comportamento da economia-mundo


capitalista avançada nas últimas três décadas, concebe-se que a expansão dos serviços
nos mercados internacionais introduziu um maior grau de flexibilidade e competição no
sistema urbano global, implicando, assim, uma definição já não tipológica mas antes
como um sistema flexível de fluxos e redes.

 “A cidade global é uma rede de nós urbanos de diferente nível e com funções distintas
que se estende por todo o planeta e que funciona como centro nervoso da nova
economia, num sistema interativo de geometria variável, à qual devem constantemente
adaptar-se de forma flexível empresas e cidades” - Borja e Castells

 É preciso reconfigurar a cidade para que de um epifenómeno global passe a ser


entendida como um contexto fluído de relações sociais de sentido e poder em
contestação, pois longe de ser a exclusiva reserva do capital global, o espaço global é
uma arena discursiva e um terreno de constante contestação.

2.4 - A Nova Sociologia Urbana


 A Perspetiva Socioespacial é tipicamente interdisciplinar, multifactorial, privilegiando
uma perspetiva integrada ao invés da escolha de fatores determinantes únicos e tendo
como âmbito de análise de forma evidente a região urbana e já não a cidade, numa
perspetiva transnacional e já não apenas no quadro de um Estado-Nação ou em função
de qualquer estrutura fixa de relações globais.
Esta perspetiva é inspirada no trabalho de Lefebvre e foi aplicada à sociologia urbana
por Feagin, Gottdiener e os seus colaboradores.

 Gottdiener caracteriza a Perspetiva Socioespacial como uma perspetiva integrada que


tem como principais referências Max Weber, Althusser e Lefebvre.

 “The socioespacial perspective takes what is best from the new ideas while avoiding the
endemic reductionism of both traditional ecology and recent Marxian political economy.
It does not seek explanation by emphasizing a principal cause such as transportation
technology (Hawley), capital circulation (Harvey) or production processes (Scott). Rather,
it takes an integrated view of growth as the linked outcome of economic, political and
cultural factors.” - Gottdiener

 É uma perspetiva que incorpora diferentes fatores que devem ser tidos em conta no
desenvolvimento e mudança, em vez de enfatizar um ou dois. Especificamente procura
uma análise equilibrada dos fatores de atração e repulsão (push and pull) no
crescimento metropolitano e regional.
Considera o papel do setor imobiliário no desenvolvimento como uma combinação de
atividades de agência e estrutura. O investimento em terra é um setor de acumulação
de capital com as suas próprias fações e ciclos de crescimento e retração (boom and
bust). As categorias da economia política, tal como lucro, renda, juro e valor são tão
aplicáveis ao desenvolvimento metropolitano como a qualquer outra parte da
economia.

 Inclui uma perspetiva atenta à política que enfatiza o papel dos indivíduos e grupos no
processo de desenvolvimento. Focaliza-se nas atividades de determinadas redes de
crescimento que agregam escolhas relativas às direções e impactos da mudança.

 Considera que os fatores culturais, como a raça, o género, o contexto simbólico do


espaço são tão importantes como os aspetos económicos e políticos. Considera
também determinados aspetos das formas espaciais e o seu papel na organização da
sociedade, tendo em conta que a vida metropolitana se desenvolve numa região
multi-centrada em contínua expansão.

 Tal como outras perspetivas, adota uma conceção do desenvolvimento global sem
defender que a economia mundial é a única responsável pela reestruturação do espaço
de assentamento. As mudanças globais são particularmente relevantes para
compreender como as cidades, subúrbios e regiões têm sido afetadas pela economia
nos anos recentes. Os novos espaços da indústria, comércio e serviços redefiniram os
padrões do desenvolvimento multi-centrado mas a intervenção governamental e o
setor imobiliário também representaram um papel essencial na reestruturação do
espaço.

3. O Indivíduo Urbano: Figuras do Estrangeiramento


3.1 Figuras do Estrangeiramento

 “On one hand are the individuals in their directly perceptible existence, the bearers of
the processes of association, who are united by these processes into the higher unity
which one calls “society”; on the other hand, the interests which, living in the individuals,
motivate such union: economic and ideal interests, warlike and erotic, religious and
charitable.”
 Na tradição de Tonnies, Simmel e Max Weber, consideramos que os tipos urbanos são
fundamentais à compreensão da cidade e de modernidade, assim com, atualmente, dos
processos urbanos transnacionais e de globalização

 Numa sociedade de contrato como é a urbana moderna, os tipos humanos urbanos


surgem como função social tendo uma representatividade para além do próprio
indivíduo que representa o papel e que detém o estatuto que deles emana

 Os tipos sociais modernos caracterizados por Simmel (o estrangeiro, o pobre, o


avarento e o perdulário, o aventureiro, o nobre), constituem argumentos que devemos
ter em conta na análise atual dos processos urbanos transnacionais em situação de
globalização sócio-cultural

 Como Simmel afirma, o desenvolvimento da Individualidade está em correlação direta


com a expansão do grupo social, sendo a modernidade urbana o expoente de tal
situação

 Os tipos ideais individuais são um processo de pesquisa socioantropológica, de base


etnográfico-reflexiva, fundamental e que a Sociologia não pode nem deve descartar

 Por um lado, a individuação da personalidade se não é completamente um produto


moderno foi, pelo menos, fortemente potenciada pela modernidade; por outro lado,os
tipos individuais são em si mesmo, cada vez mais, formais sociais que podem ser
analisados através dos indivíduos que lhe dão forma. E é nesse sentido que se torna
fundamental um olhar aos tipos de indivíduos urbanos como forma de compreender o
urbanismo transnacional

 A solidão (de se ser só e único) que se sente dentro da comunidade só deverá


relacionar-se com a situação em que o membro da comunidade não consegue cumprir a
função consignada no seio da mesma e tem a sensação de ser um indivíduo dentro da
comunidade, ou seja, um paradoxo e, logo, um perigo. Ser-se indivíduo dentro da
comunidade é a evidência do estrangeiramento face ao grupo e, por isso, solidão e
terror estariam interligados

 As sociedades modernas interiorizaram o indivíduo, alargando as possibilidades da


solidão, enquanto sensação de si como estrangeiro, em desenlace, democratizando o
terror da mesma, ao mesmo tempo que lhe abriam caminhos novos de aventura e
descoberta

 É com as sociedades industriais e com o advento das grandes cidades que o se-se
estrangeiro se tornou um fenómeno de massas e a solidão um atributo do próprio
estrangeiro. O século XIX é o século desse estrangeiramento de massas citadino, feito
do indivíduo (estrangeiro), da multidão e solidão

 A grande cidade define-se enquanto espaço de convivência de estrangeiros, espaço de


multidão e solidão

 O gosto da multidão urbana é função do próprio estrangeiramento

 É assim um estrangeiramento perante si próprio que nos prepara adequadamente para


a multidão urbana e é esse estrangeiramento que nos possibilita a aventura moderna
que transformou o ser-se estrangeiro e a solidão correspondente de um perigo num
risco
 O estrangeiramento que é a fragilidade do ser em sociedades tradicionais fechadas (e
que leva tantos ao terror e à morte ainda hoje) é a fonte do disfarce e da máscara e,
como tal, da liberdade de criação individual, da poiesis que consegue fazer irromper a
solidão na multidão, construindo novas histórias, novas relações sociais, enfim, criando
novos mundos. É isto que os modernos fizeram, virando costas ao perigo e assumindo o
risco da solidão, tornaram-se poetas das suas próprias vidas

 A literatura fantástica, de terror e policial que surge ao longo do século XIX é, em si


mesma, o efeito multiplicador da figura do estrangeiro vertido em narrativas

 Poe, enquanto narrador, descreve o que vê da janela, categorizando as pessoas em


grupos distintos na multidão. Após todas a categorização, o narrador depara-se com
uma personagem em particular, o homem da multidão. Poe descreve nessa altura a
situação do próprio observador e em tudo parece que o observador se observa em
reflexo de si, como fantasma e simulacro, passado e futuro

 O observador deixa a sua janela e incorpora a multidão e durante a uma noite inteira e
um dia, numa cidade que não pára, segue um homem (que não come, nem bebe, nem
dorme) que não vai a lugar nenhum, mas que é comovido apenas pelo movimento da
multidão que procura sempre ansiosamente, parecendo mesmo só estar vivo quando
no seio da multidão e moribundo quando, a altas horas da noite, a multidão se
escasseia

 O Homem da Multidão apresenta um tipo ideal (um modelo) da dualidade do homem


urbano moderno: o narrador e o homem da multidão são duas faces da mesma
personagem e evidência da relação complexa entre multidão e individuação e como
ambas revelam solidão

 Primeiro um observava de uma janela a multidão ao longe enquanto o outro


acompanhava a multidão de perto. Durante 24 horas um seguiu o outro que seguia a
multidão. Depois juntaram-se nas ruas da cidade, um seguindo a multidão e o outro
seguindo quem seguia a multidão, qual observador que acaba observando quem
observa. No final, os dois estrangeiros, quais duas almas gémeas ou uma mesma alma
com duas disposições, encaram-se sem se reconhecerem

 A tensão entre o desejo de alienação do indivíduo na multidão e o desejo de


individuação observadora protagonizante, de certo modo a luta entre igualdade e
liberdade, é um elemento central do estrangeiramento moderno, gerador de contínuos
estímulos em paradoxo e provocando uma contínua grande ansiedade de incompletude

 Outros textos cimeiros da literatura do século XIX evidenciam esta obsessão com a
figura do estrangeiro nas suas múltiplas máscaras. Em alguns casos, a figura do
estrangeiro é desenhada levando aos limites a relação entre o próximo e o distante. É a
figura do estrangeiro fantástico e terrorífico que acaba absorvendo o seu
criador/observador. Mas esse estrangeiro fantástico e terrorífico é ao mesmo tempo o
simulacro e o fantasma da multidão, ou seja, da cidade

 Toda a Ciência Social se centra nos processos de desenlace e reenlace e suas causas e
consequências, num âmbito psíquico, social ou cultural e a um nível individual, grupal,
nacional ou mesmo transnacional. E nesta problemática, a grande cidade no século XIX
e a Megalopole no século XX foram centros, sintomas e símbolos desses fenómenos
3.2 O Vagabundo e o Estrangeiro
 Walter Benjamin caracterizou o estrangeiramento inaugurado por Baudelaire (ainda
que ele também refira Poe) através da figura do Flâneur

 Walter Benjamin dá um nome ao homem da multidão, identifica o seu processo dual e a


sua ambiguidade estrutural e possibilita-nos uma ponte (fantástica) entre a
compreensão da solidão do homem da multidão do século XIX com a do homem do
centro comercial do final do século XX, entre a cidade refúgio do século XIX e os
refúgios da cidade da civilização capsular do final do século XX e do início do século XXI

 É estrangeiro aquele que se consegue enquadrar e não qualquer indivíduo de uma


qualquer nacionalidade outra. É alguém que pertence ao grupo mas que reúne em si a
dualidade processual e a ambivalência estrutural da proximidade e da distância

 O estrangeiramento de si não é completo, implicando uma ambivalênca entre a


necessidade de reserva mental face aos outros e o desejo de cada um causar uma
impressão nos outros suficientemente forte

 Esta intensificação dos estímulos (resultado de atividades simples como atravessar ruas,
o ritmo da vida social, a multiplicidade da vida profissional) leva a uma inequação,
produzida pela própria metrópole, entre “forças externas” ou o “conteúdo
super-individual da vida” e as “forças internas” e o “conteúdo individual da vida”. O
resultado desta inequação é o desenvolvimento da cabeça, da racionalidade, do
intelecto, por oposição ao coração, à sensibilidade, ao afeto, ou seja, a preponderância
do “espírito objetivo” sobre o “espírito subjetivo”

 Em termos de vida mental, a metrópole está na origem de um tipo específico de


personalidade, a personalidade blasé, que resulta daquela inequação que, ao nível
mental se traduz entre a projeção de uma indiferença face ao outro, uma
despersonalização das relações, e um desejo de exclusividade e de particularização das
relações

 A metrópole é uma arena em que se dá a luta entre “forças externas” e “forças


internas”, resultando numa hipertrofia da “cultura objetiva” e uma atrofia da “cultura
subjetiva”

 Simmel apresenta a figura do estrangeiro como relacionada com a do viajante ou


vagabundo mas não completamente. Esta figura do estrangeiro de Simmel é construída
tendo como base o crescendo do capitalismo comercial e, nesse quadro, identifica-o
socialmente com o comerciante e historicamente com o judeu

 O estrangeiro é uma figura “móvel” que contacta com uma grande massa de pessoas
mas que não tem com elas nenhum laço parentesco, localidade ou ocupação e que, por
isso, “corporiza aquela síntese entre a proximidade e distância, a qual constitui a
posição formal do estrangeiro”. Esta posição espacial e formal leva a que o estrangeiro
esteja entre a “indiferença e o envolvimento”, tenha uma “específica atitude de
objetividade” e uma “liberdade” que o levam a “olhar até as relações mais próximas
com olhos de pássaros”, o que leva a que receba dos outros (locais) uma
“surpreendente abertura e confiança por vezes mesmo de carácter confessional”
 Simmel aborda o estrangeiramento como que incluindo dois tipos que funcionam como
um continuum, o Vagabundo-Viajante e o Estrangeiro propriamente dito

 O verdadeiro interesse de Simmel é sobre esse novo tipo de personagem urbano que é
estrangeiro, que fica e passa a pertencer ao grupo no seio de uma cidade e, ainda assim,
permanece estrangeiro

 Tendo Simmel abordado a Metrópole (ou seja, a Grande Cidade) a sua visão do
desenlace da vida moderna está entre aquele que é produzido pela urbanização e pelo
urbanismo e aquele que é produzido pela metropolização e cosmopolitismo

 Louis Wirth definiu a grande cidade como constituída pela grande dimensão, grande
densidade e grande heterogeneidade em combinação, criando uma nova ordem
ecológica, social e de personalidade e tendo como sequência os “estrangeiros” de
Simmel como toda a população da cidade constituindo um “urbanismo” ou um modo
de vida urbano que se opunha a um “ruralismo”

 “A característica marcante do modo de vida do homem da idade moderna é a sua


concentração em agregados gigantescos em torno dos quais está aglomerado um
número menor de centros e de onde irradiam as ideias e as práticas que chamamos
civilização.”

 “O grau em que o mundo contemporâneo poderá ser chamado de “urbano” não é


medido inteira ou precisamente pela proporção da população total que habita as
cidades. As influências que as cidades exercem sobre a vida social do homem são
maiores do que poderia indicar a proporção da população urbana, pois a cidade não
somente é a moradia e o local de trabalho do homem moderno, como é o centro
iniciador e controlador da vida económica, política e cultural que atraiu as localidades
mais remotas do mundo para dentro da sua órbita e interligou as diversas áreas, os
diversos povos e as diversas atividades num universo”

3.3 O Cosmopolita e o Refugiado


 As figuras do estrangeiramento no século XX e XXI foram elas próprias produzidas em
função de uma relação de proximidade e distância a que a própria geografia cultural
europeia e americana não são alheias

 Os sociólogos e antropólogos urbanos têm tentado caracterizar as novas figuras do


estrangeiramento metropolitano no contexto da globalização através dos metropolitan
businessmen descritos por Martinotti como caracterizando a metrópole de 4ª geração
ou dos Cosmopolitans caracterizados por Ulf Hannerz

 Se para Simmel o Estrangeiro num mundo dominado pelo espaço urbano é aquele que
chega de fora e que fica, permanecendo estrangeiro; Wirth, numa perspetiva já de
espaço metropolitano de influência transcontinental, civilizacional perspetiva, a
metrópole é como constituída completamente por estrangeiros

 Arendt apresenta a figura do Refugiado como aquele que perdendo a sua pátria, ao
invés de se acomodar e assimilar a cultura do novo país, prefere continuar a
identificar-se como refugiado e apresenta-o como “vanguard”. Um indício do futuro, e
é esse futuro que Agamben analisa como presente tendencialmente globalizado em
1993 e como processo em aceleração depois do 11 de Setembro de 2001

 Hannah Arendt no final do seu texto “We Refugees”, recusa a definição de refugiado
como pessoa sem pátria, situação na qual ela própria estava a viver, para propor esta
condição como paradigma de uma nova consciência histórica

 É a visão de sintoma, de indício e de vanguarda que Agamben identifica nos refugiados


enquanto figura do século XX, começando como fenómeno de massa no final da
Primeira Grande Guerra com o colapso dos Impérios Russo, Austro-Hungaro e Otomano,
e pela nova ordem criado pelos tratados de paz que mudaram profundamente a
estrutura territorial e demográfica da Europa central e oriental

 Para Agamben, a situação de massas criou uma cisão na velha trindade


Estado/Nação/Território, levando a que “what the industrialized states are faced with
today is a permanently resident mass of noncitizanes, who neither can be or want to be
naturalize dor repatriated”

 Giorgio Agamben propõe-nos que a atual figura do estrangeiramento é a do homo sacer,


da vida nua ou dos denizens, ou seja, um ser em que “o direito a ter direitos” é posto
em causa pelo facto de a sua própria existência evidenciar que os direitos da Homem
são função dos direitos do cidadão. Ou seja, o ser humano que perder a cidadania,
perder a pátria (ser homeless), está no caminho para se tornar um ser sem direitos, um
ser de vida nua, sujeito a todo o poder soberano e, em última análise, destinado à
morte

 O 11 de Setembro tornou a situação ainda mais aguda, surgindo uma espécie de Guerra
Civil Global em que se dá a construção de muros físicos e simbólicos cada vez em maio
número e maiores em si mesmos. A transmutação que vai do estrangeiro,
imigrante-refugiado ao inimigo-terrorista tornou-se ténue, vivendo-se num estado de
exceção permanente

 Se uma tradição tem procurado analisar o lado político da peregrinagem transnacional,


ligado diretamente à falência sócio-política do Estado-Nação e à emergência de uma
nova ordem sócio-política transnacional, levando a concluir que o refugiado é a figura
do estrangeiramento que cada vez mais se impõe a todos e cada um de nós; uma outra
tradição tem analisado um outro lado, mais sócio-cultural, dessa mesma peregrinagem,
ligado diretamente às mudanças que implicaram a emergência da região metropolitana
enquanto paradigma que substitui a cidade moderna

 Hannerz considera que no presente o âmbito do padrão de vida cosmopolita se alargou


a uma cultura mundial: “There is now a world culture, but we had better make sure we
understand what this means - not a replication of uniformity but an organization of
diversity, an increasing interconnectedness of varied local cultures, as well as a
development of cultures without a clear anchorage in any one territory”

 Hannerz procura caracterizar o “cosmopolitanismo como uma perspetiva, um estado de


espírito, ou - para tomar uma visão mais orientada para processos - um modo de gerir o
sentido”. O cosmopolita é aquele que tem como orientação própria uma vontade de se
envolver com o outro, implicando antes de mais uma abertura intelectual e estética em
relação a experiências culturais divergentes, uma procura dos contraste e não da
uniformidade

 A abertura ao outro é mesmo uma nova forma de construção do self: “In its concern
with the Other, cosmopolitansism thus becomes a matter of varieties and levels.
Cosmopolitans can be dilettantes as well as connoiseurs, and are often both, at different
times. But the willingness to become involved with the Other, and the concern with
achieving competence in cultures which are initially alien, relate to considerations of self
as well. Cosmopolitans often has a narcisistic streak; the self is constructed in the space
where cultures mirror one another”

 Hannerz refere que a mobilidade é uma característica fundamental para definir os


cosmopolitas mas, tal como Simmel, este autor estabelece uma diferença muito nítida
entre o mero viajante e o cosmopolita

 Turistas, exilados, migrantes trabalhadores e expatriados, não são, Para Hannerz,


cosmopolitas, pois muitas vezes não se interagem completamente com a cultura em
que se encontram

 Hannerz acaba por identificar mais os cosmopolitas com os intelectuais, ou seja,


trabalhadores intelectuais com um capital cultural descontextualizado capazes de,
rapidamente, se recontextualizarem em diferentes geografias e dotados de uma cultura
de um discurso crítico

 O cosmopolita de Hannerz parece ser um tipo ideal em certo sentido muito similar com
o estrangeiro de Simmel. A importância que Hannerz da a uma certa tensão entre
proximidade e distância, assim como à cultura do discurso crítico, aproxima-se muito
dos argumentos de Simmel, podendo-se, de facto, ver no cosmopolita a cultura objetiva
de Simmel, pela competência atribuída ao cosmopolitanismo e aos cosmopolitas no
âmbito da tradução entre culturas

 Atualmente, a figura do estrangeiro com o qual temos possibilidades e liberdades


poéticas abriu-se a um nível praticamente planetário, tendo influências diretas na vida
metropolitana

 Se o cosmopolita de Hannerz de facto não se identifica necessariamente com as novas


população transnacionais, a verdade é que a exponenciação destas é que possibilita a
emergência dessa nova classe de cosmopolitas

 Guido Martinotti identifica uma nova população transnacional concreta da metrópole


atual. Identificando uma crise de paradigma em que a cidade industrial está a
transformar-se, dando origem ao que chamamos de Metrópole, devido à existência das
diversas população urbanas em sobreposição (habitantes, pendulares, consumidores
urbanos e metropolitan businessmen)

 Os metropolitan businessmen de Martinotti são uma população que pertencendo a um


estrato médio-alto, caracterizam-se pela sua grande mobilidade transnacional, vivendo
em metrópoles. Ao contrário dos consumidores urbanos, que apenas vêm à metrópole
para consumir, e normalmente de um âmbito geográfico mais reduzido, os
metropolitan businessmen chegam à cidade de avião para trabalhar e consumir,
podendo mesmo ser considerados habitantes temporários (uma semana ou mais)
 As metrópoles que conseguem atrair este tipo de população, os metropolitan
businessmen, tornam-se metrópoles de terceira geração, ou seja, centros
transnacionais ou mesmo cidades globais, e a sua estrutura acaba por se transformar de
forma a acolher esta versão pós-moderna e pós-industrial do estrangeiro de Simmel

 Hannerz identifica quatro categorias de população transnacionais que têm um papel


fundamental na construção de cidades mundiais contemporâneas: a) a população
ligada aos negócios transnacionais; b) as populações do terceiro mundo; c) as
populações da cultura; d) os turistas. Estas quatro populações transnacionais são as
possibilitam que as cidades mundiais contemporâneas sejam um lugar de “global
cultural brokerage” e, ao mesmo tempo, “points of origin of global cultural flow”, sendo,
neste sentido, fundamentais para a produção de uma tradução contínua e crítica entre
culturas, elemento inerente ao próprio cosmopolitismo como padrão cultural

3.4 O Indivíduo, a Cidade e o Mundo


 O novo estrangeiro é corporizado na figura do refugiado, enquanto resultado mais de
uma mudança de paradigma pertença geo-política - na transição entre as ruínas do
Estado-Nação e novas figuras emergentes - e corporizado na figura do cosmopolita,
resultado mais de uma mudança de paradigma sócio-espacial. Estas duas figuras do
estrangeiro atual revelam não só pontos de partida diferentes, mas também resultados
potencialmente diferentes e, portanto, diferentes posições face às possibilidades
futuras de um mundo em que tais figuras se transmutam na nova classe padrão

 Considerando a figura do Refugiado (atualmente entre o imigrante e o terrorista) e a


figura do Cosmopolita (entre a população transnacional e o tradutor de culturas) como
um continuum, as possibilidades de combinação entre essas duas figuras é
relativamente grande

 Várias teorias da globalização: a) Clash of Civilizations model; b) Global Network model;


c) Center-Periphery model; d) Cross over model

 O facto de se poder conceber várias representações sócio-culturais da globalização é,


em si mesmo, um aspeto positivo, evidenciando que a globalização está em tradução

 O mundo pode assemelhar-se a algo entre um parque temático e um campo de


concentração, em que imigrantes-refugiados se tornam trabalhadores-organizadores
explorados de atividades de suporte a funções básicas de habitação, serviços e
recreação de cosmopolitas metropolitan businessmen, e em que todo o sistema, numa
fantástica eficácia de relação entre fantasmagorias de desejo e simulacros de realização,
tem inscrito em si um totalitarismo sem totalitários em que a morte em vida de uns
nunca é passível de forma efetiva de ser imputado aos outros. De facto, o horizonte é
de todos viverem num desenlace de contínua tensão, desconfiança e solidão

 Como a permeabilidade entre o imigrante-refugiado e o terrorista se passou a perceber


de forma forma forte, é relativamente fácil o fantasma da transformação de qualquer
um dos tipos metropolitano-recreacional ou metropolitano-infraestrutural em
metropolitano-excecional
 Pode-se identificar processos cada vez mais interculturais, em que a tradução entre
culturas pelo cosmopoliticismo e o cosmopolitanismo se efetiva com todos os seus
problemas. Se se quisesse criar uma tipificação, poderia-se distinguir entre uma
configuração metropolitana-cosmopolítica, uma configuração
metropolitana-cosmopolita e cidades interculturais

 Muitas cidades procuram abrir-se à interculturalidade, como elemento fundamental da


sua estratégia de se tornarem metrópoles regionais ou mesmo transnacionais

 A escolha que se tem pela frente é: entre a cosmopolitics de uma guerra civil global
num mundo fragmentado, em que proliferam os muros em que o estrangeiramento se
confunde com construção do inimigo terrorista; e uma politics of hope, que possibilite o
cosmopolitanism de um estrangeiramento em que convivencialidade através de um
processo de tradução entre culturas, em que “o direito a ter direitos” seja condição
inerente a qualquer ser humano

 Se cada metrópole se pode constituir como “Cidade da Esperança”, também é verdade


que a Esperança se pode construir de uma comunidade sem território. Um comunidade
ilimitada da comunicação entre todos os refugiados que se agreguem em torno de um
estrangeiramento cosmopolita que possa ser transformador de todas as solidões na
esperança de um novo mundo mais solitário

4. O Planeta Urbano: A transição metropolitana no Norte e no Sul


4.1 Mapeando por Questões e Regiões
 O início do século XXI evidencia a continuação da transformação da população mundial
em população urbana. Uma crescente percentagem da população mundial vive em
cidades e, especificamente, em cidade de mais de 1 milhão de habitantes

 A Europa, América do Norte, América Latina e Caraíbas são regiões já largamente


urbanizadas, com 75% da sua população vivendo em cidades. A Ásia é uma região em
urbanização crescente a um rápido ritmo. Assim, ainda que a Ásia e a África
permaneçam largamente rurais, prevê-se que a transição demográfica nos próximos 20
anos as torne mais urbanizadas, projetando-se a predominância de população urbana
para 2030. Podemos, assim, estar na presença da segunda maior revolução
antropológica de todos os tempos, depois do sedentarismo planetário de há 10.000
anos atrás

 Este Planeta Urbano, enquanto meta comum, pode ser enganador ao tentar
sustentar-se em elementos comuns em regiões com grandes desigualdades no ponto de
partida, no ritmo e na situação atual do processo de urbanização. O planeta urbano não
é uniforme e as diferenças estatísticas refletem e reproduzem diferenças sociais e
culturais profundas

 Apesar das diferenças estatísticas entre as diversas regiões, a elite urbana em muitos
países em desenvolvimento tem mais em comum com a elite dos países desenvolvidos
do que com os seus próprios cidadãos, havendo assim semelhança ao nível das
condições de residência, trabalho e consumo entre estes estratos urbanos
 Ao nível do sistema urbano mais vasto, parece poder encontrar-se algumas similitudes,
quer no que se refere às funções das cidades de diferentes regiões do mundo na
economia global, quer em relação à estruturação do sistema urbano em si mesmo

 Estamos envolvidos irremediavelmente na construção de um Planeta Urbano e que essa


construção é desigual num Urbanismo Regional diferenciado e mesmo num Urbanismo
Global de Arquipélagos Urbanos que funcionam como complexo de cidades centrais de
comando e controlo que se apresentam como modelos de projeto e até de utopia, por
oposição a um Urbanismo Local feito de cidades periféricas, de grandes aldeias e de
quase-cidades, votadas, as mais das vezes, ao esquecimento

 A diferença entre um urbanismo global e um urbanismo local não é simples

 Para se ler adequadamente a construção do Planeta Urbano em que estamos


envolvidos, torna-se necessário termos em conta três escalas: uma escala urbana, uma
escala regional e uma escala global. Isto porque uma vez que o Planeta Urbano em
construção se produz em função essencialmente do “espaço de fluxos”
translocal/transnacional - global/regional que se compreende de-baixo-para-cima e
de-cima-para-baixo

 O caminho dos estudos urbanos que vai da perspetiva local da ecologia urbana à
perspetiva global/regional do sistema-mundo e à perspetiva de fluxos
translocais/transnacionais do urbanismo transnacional, consiste em três escalas que são
como que balizas para a compreensão, no presente, do Planeta Urbano

4.2 Cidades e desenvolvimento: as principais questões


 Existem três últimos grandes relatórios da UNCHS (HABITAT): 1996, 2001 e 2004

 O relatório de 1996 pode ser enquadrado pelas preocupações de uma Tradição do


Sistema Mundo, apresentando-se os dados em função da relação Norte/MDR e Sul/LDR,
em função das cinco regiões (América do Norte, Europa, América Latina e Caraíbas, Ásia
e Pacífico, e África). Por um lado, evidencia-se já uma atenção à reorganização dos
sistemas urbanos regionais em função das “novas formas urbanas”, como as
“Consolidated Metropolitan Areas” americanas ou as “Extented Metropolitan Areas”
asiáticas; por outro lado, evidencia-se uma critica a uma análise estritamente
economicista ao colocar forte Ênfase na variável política

 O relatório de 2001 (Cities in a Globalizing World), inscreve-se completamente na


transição de uma Tradição do Sistema Mundo para uma Tradição de Urbanismo
Transnacional ao colocar a ênfase nos contrastes e mesmo polarizações produzidas pela
globalização, não só em termos regionais, mas também já segundo a lógica da Rede de
Cidades Globais ou Arquipélago Urbano ao apresentar estudos do caso de uma
“Cidade-Mundo” (Londres), de uma “Capital Regional” (Sidney) e de uma
“Cidade-Estado” (Singapura). Este relatório também dá uma grande importância aos
fluxos, centrando-se na importância e na duplicidade de fragmentação e de ponte das
tecnologias de informação e comunicação

 O relatório de 2004/2005 (Globalization and Urban Culture) centra-se, especificamente,


no impacto da globalização nas cidades; nas estratégias culturais para o
desenvolvimento urbano; na metropolização; na migração internacional; na pobreza
urbana; na governação urbana e globalização; e na nova cultura de planeamento
urbano

 Ao seguirmos estes últimos grandes relatórios da HABITAT podemos mapear por


questões e regiões a situação urbana do planeta

 O relatório de 1996 identifica seis grandes questões para compreender a situação


urbana atual: 1) o papel das cidades no desenvolvimento; 2) as tendências urbanas; 3) a
limitação das conquistas sociais; 4) as tendências nas condições de habitação; 5) a
governação; 6) um desenvolvimento sustentável

 O relatório de 2001 centra-se especificamente na questão da globalização e no seu


efeito sobre as cidades e os sistemas urbanos destacando sete questões relativas a esta
problemática: 1) a desigual distribuição dos benefícios e custos da globalização; 2) a
natureza desequilibrante da globalização; 3) a ligação que as aglomerações humanas
estabelecem entre a globalização económica e o desenvolvimento humano; 4) a
descentralização e o papel crescente dos governos locais; 5) a necessidades de novas
redes de cooperação; 6) o fortalecimento do processo de desenvolvimento político; 7)
novas formas de governança e estratégias políticas para a vivência urbana

 O relatório de 1996 considera que o papel das cidades no desenvolvimento é


inquestionável, quer pela correlação entre urbanização e desenvolvimento nos países
mais desenvolvidos, quer pela correlação entre intensidade do crescimento económico
e urbanização nos países do Sul e ainda pela correlação entre grandes economias
nacionais e grandes cidades. As cidades, caracterizando-se como centros artísticos,
científicos e tecnológicos com uma grande importância na transformação social são,
assim, agentes centrais do desenvolvimento. O facto de uma predominante população
urbana ser não só uma inevitabilidade, mas também uma vantagem para o
desenvolvimento, coloca o desafio na gestão e governação desse potencial de forma
competente implicando uma interação positiva entre desenvolvimento urbano e
desenvolvimento rural que possa promover a sustentabilidade mútua

 Em 2001, o desafio da governação é o de substituir como motor do desenvolvimento o


crescimento económico por uma diminuição da desigualdade na distribuição dos
benefícios e custos da globalização económico-tecnológica. Considera-se que uma
melhor distribuição poderá ter tanto ou mais alcance que o crescimento económico no
aumento das conquistas sociais e redução da pobreza. É a desigualdade na distribuição
dos benefícios e custos de um mundo em globalização a uma velocidade, escala, âmbito
e complexidade nunca vista que tem criado um planeta de contrastes: 1) contrastes nos
padrões de urbanização; 2) contrastes na riqueza das cidades; 3) contrastes na
competitividade; 4) contrastes nas oportunidades; 5) contrastes nas prioridades locais e
globais; 6) contrastes dentro dos países e regiões; 7) contrastes dentro das áreas
urbanas

 No relatório de 1996, a sustentabilidade do desenvolvimento tem sido ensombrada


pelo crescimento exponencial de algumas cidades mas o planeta tornou-se menos
denominado pelas mega-cidades do que se esperava. De facto, parece evidenciar-se o
“desenvolvimento de novas formas de sistemas urbanos” em que se nota não só uma
rede de cidades mais pequenas à volta das mega-cidades , mas mesmo uma maior
dinâmica daquelas em relação a estas cidades centrais. Por outro lado, afirma-se a
correlação entre mudança urbana e mudança económica social e política, rejeitando-se
o crescimento populacional urbano como problema em si e enfatizando-se a
capacidade ou não da resposta em termos de desenvolvimento económico e social a
esse crescimento populacional em função de uma capacitação política

 No relatório de 2001, o problema de desequilíbrio e da sustentabilidade do


desenvolvimento não é tanto o demográfico, mas sim o do acesso às ICTs (Information
and Communication Technologies). A colocação das ICTs ao serviço da sustentabilidade
e da justiça social é um desafio para a governação, que deve equilibrar os objetivos da
globalização num esforço cooperativo entre governo, setor privado e sociedade civil,
para superar o crescimento da pobreza e da desigualdade e mesmo da polarização que
a globalização tecno-económica tem promovido

 No relatório de 1996 constatava-se uma limitação das conquistas sociais que se


revelava no aumento dos níveis de pobreza. No entanto, as tendências sociais de longo
prazo apontavam em 96, na maior parte das nações, para um aumento da esperança de
vida, um recuo da mortalidade infantil e um aumento da literacia, evidenciando-se
ainda uma crescente importância do movimento social contra a discriminação das
mulheres nos diversos setores, assim como do movimento pelos direitos de habitação

 O relatório de 2001 destaca a ligação entre as aglomerações humanas, a globalização


económica e o desenvolvimento humano. As ICTs estão na base da reestruturação das
aglomerações urbanas, criando infra-urbanas, conexões globais e disconexões locais
que ligam as tecnopolis ocidentais aos enclaves nas regiões em desenvolvimento. Assim,
o desafio para responder a esta polarização local e global é o de potenciar estratégias
que suportem o exercício da cidadania e a defesa dos “direitos à cidade” através de
ações locais e globais

 Quanto às tendências das condições de habitação em particular, o relatório de 96


afirma a existência de uma diferença dramática entre o Norte o Sul: para além de 90%
daqueles que vivem em absoluta pobreza viveram no Sul, acresce ainda que as suas
condições de habitação quer rural quer urbana são muito mais deficientes do que os
que vivem em absoluta pobreza no Norte. Para ultrapassar tal situação, os governos
devem ser tanto doares quanto capacitadores, regulando a competição pela terra,
possibilitando terrenos urbanizáveis a custos reduzidos e com serviços básicos,
financiando a aquisição de materiais de construção e a construção da habitação e
desburocratizando a legalização do processo construtivo. Tal atuação deve sempre ter
em conta as parcerias das organizações comunitárias, das ONGs e do setor privado

 No relatório de 2001, para além do crescimento da pobreza de forma contínua desde


1980 e de um crescimento das assimetrias regionais, evidencia-se que a fragmentação
urbana produzida pelo processo de globalização nas cidades centrais e nas suas
expansões no planeta gera a “cidade dual” caracterizada por Castell e por Marcuse, que
diferencia entre “a cidadela e o Guetto”

 A governação é, tanto para o relatório de 1996 quanto para o de 2001, a pedra chave
de todo o desenvolvimento. Afirma-se no relatório de 96 a necessidade de uma nova
estrutura institucional para as autoridades urbanas, no sentido de uma maior
capacitação para responder ao desafio do crescimento populacional e à necessidade de
infraestruturas. Tal reestruturação passa por uma democratização e descentralização
não só me função de tarefas e responsabilidades delegadas, mas também pela
autonomia crítica e pela capacidade de procurar apoio técnico e angariar fundos, ou
seja, por todo um trabalho de capacitação do papel dos grupos de cidadãos, das
organizações comunitárias e das ONGs: “Se os governos e as agências doadoras
puderem encontrar formas de apoiar estes processos que constroem e desenvolvem
cidades, os problemas que parecem insolúveis começam a parecer mais geríveis”. Neste
seguimento, o relatório de 2001 afirma a necessidade de descentralização e a crescente
importância do papel dos governos locais, entendidos como urbano-metropolitanos. A
relação entre governo central (nacional) e governo local (urbano-metropolitano) deve
ter em conta que as áreas metropolitanas são, de facto, arenas centrais nos processos
de competitividade global e que, por isso, tais governos locais devem ser reforçados em
termos de legitimidade política, responsabilidades e recursos. Refere-se ainda que tais
governos locais têm competências limitadas para responder aos urgentes desafios de
abrigo, infraestruturas e serviços, pelo que se tornam necessárias novas redes
cooperativas potenciando quer as parcerias com o setor privado e com a sociedade civil,
quer a integração em redes horizontais internacionais de cooperação

 O caminho para um desenvolvimento sustentável segundo o relatório de 96 passa pelo


assegurar de uma adequada gestão ambiental, dos recursos e dos desperdícios que, por
um lado, minimize os impactos negativos da produção e consumo urbanos na
população e, por outro lado, implemente estratégias de gestão e desenvolvimento
urbanos em função da natureza finita dos recursos e das capacidades dos ecossistemas
dos contextos regional, nacional e internacional de absorverem ou/e minimizarem os
desperdícios. Torna-se também fulcral ter em atenção as dimensões sociais do
desenvolvimento: equidade, justiça, integração e estabilidade social, sem as quais
qualquer sistema urbano está em risco. A redução da pobreza e exclusão social e o
apoio da governação são elementos chave de uma estratégia de capacitação para tal
desenvolvimento, sendo também fulcral uma nova visão do planeamento não só para
responder ao desafio do crescimento populacional urbano em função de uma adequada
gestão do uso da terra, mas também para mobilizar os recursos técnicos, humanos e
financeiros, de forma a responder às necessidades dessas mesmas populações

 O relatório de 2001 afirma a necessidade de reforçar as políticas do processo de


desenvolvimento através de uma monitorização e avaliação adequadas pela utilização
das tecnologias de informação e comunicação para facilitar a difusão da informação
relativa às de boas práticas pelos observatórios urbanos e bases de dados. Refere-se
também a necessidade de novas formas de governança e estratégias políticas para a
vivência urbana que recuse os meros mecanismos de mercado e se sustente antes
numa relação de complementaridade entre governos e sociedade civil.

 “A vivência urbana depende da capacidade do Estado de atuar como instituição pública


e distribuir os bens e serviços coletivos que as cidades e as comunidades precisam mas
depende de igual forma da capacidade dos grupos da sociedade civil e das comunidades
de construírem ligações com pessoas e as agências do Estado que partilham a mesma
agenda” (1996)

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