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Universidade Federal Rural do Semi-Árido

Curso de Arquitetura e Urbanismo


Disciplina: Preservação e Técnicas Retrospectivas
Profa.: Ana Cristina / Aluno: Lucas Lenin Sabino Angelo

Atividade assíncrona 01: A importância da preservação da memória coletiva para


manutenção da cultura, referenciando o filme “Narradores de Javé”.

A memória coletiva foi um termo usado pela primeira vez por Maurice Halbwachs, um
sociólogo relevante da escola durkheimiana. Halbwachs (2013, apud SILVA, 2016) enfatiza
que é necessário levar em consideração os contextos sociais, no sentido de reconstrução da
memória para a ocorrência de recordações e lembranças de uma localidade. Ou seja, no
âmbito da memória coletiva, as dimensões vão além da individual, uma vez que as
lembranças de um sujeito inserido nesse contexto possui memórias compartilhadas
relacionadas ao seu grupo social. Para Maurice, a memória precisa de uma comunidade
afetiva construída através de convívio social e por esse motivo a percepção individual é
baseada de acordo com os grupos as quais o indivíduo está inserido, quais eles a família, a
igreja, escola, grupo de amigos, o trabalho, o bairro, a cidade, entre outros (HALBWACHS,
2013 apud SILVA, 2016). Sua obra amplamente usada para discussão nesse tema se
chama “A memória coletiva”, possui quatro capítulos e teve sua primeira publicação em
1950.
Quando se trata de cidade e sua história, geralmente se busca na literatura elementos
que fundamentam a narrativa cultural. Porém, nem sempre os dados são suficientes - por
muitas inexistentes, para sua compreensão. A memória coletiva, então, oferece o respaldo
utilizando-se do imaginário popular para amparar a identidade social e cultural de uma
região (POLAK,1992). As frações de memória no imaginário popular tem o poder de contar a
história de um povo de maneira veemente e valorosa no que se diz respeito às suas
lembranças.
Nesse contexto, uma maneira de salvaguardar essas memórias populares é através
da documentação, seja ela escrita ou em forma de fotografia, pinturas, artesanato, entre
outras. De acordo com Abreu (2010), a terminologia da palavra documento faz alusão à
verdade, de acordo com o senso comum a qual foi associado por meio do registro.
No filme “Narradores de Javé”, dirigido por Eliane Caffé em 2004, conta a história de
moradores de uma pequena cidade tranquila no interior da Bahia. Uma vila com ruas
ausentes de pavimentações, mas cheias de narrativas dos moradores ali presentes. A
tranquilidade da cidade é ameaçada por um anúncio, proclamado por um dos moradores,
dentro da capela municipal - local onde se reuniam para eventos religiosos e discussões
sobre o município. Javé, nome da vila, iria ser submerso pelas águas de uma represa e seus
moradores não serão indenizados porque eles não possuem registros ou documentos das
terras. No enredo é retratado que os primeiros habitantes de Javé eram migrantes, que se
deslocavam em retirada de uma guerra contra a coroa por terras. Ao chegarem naquela
região, conseguiram as terras por meio do que eles chamam de “terra cantada”, ou seja, a
posse da terra era adquirida por meio da verbalização, por exemplo: “daqui até onde a vista
alcança as serras ao norte é terra minha, do lago ao leste até os campos ao oeste é terra
minha”.
Nesse sentido, a única maneira que poderia impedir a destruição daquele lugar seria
através de algum patrimônio histórico de valor comprovado através de “documento
científico”. Para tal, decidem escrever a história da cidade através de narrativas do
imaginário popular dos moradores de Javé. Apesar de não saberem ler, nem escrever, havia
um morador com a capacidade de criar uma narrativa formal, que era o carteiro, Antônio Biá.
Em seguida, todos querem ter seu nome citado na grande obra que salvaria Javé. Biá não
consegue escrever e a cidade é inundada. O povo que ali mora, sai em retirada para outro
lugar, novamente migrantes em retirada de uma guerra perdida. Antônio então, passa a
documentar todo o momento de migração. A partir disso, o espectador compreende que a
memória coletiva de Javé está presente no imaginário do seu povo e esse é o patrimônio
histórico da cidade. O filme ensina que não é preciso se ter somente algo material para
configuração genuína de memória cultural. O espectro da lembrança documentada fala por
si também.
Desse modo, a importância da preservação da memória coletiva para manutenção da
cultura, se fundamenta no poder do imaginário popular em carregar consigo histórias e
estórias. A documentação desses dados faz com que as crônicas de uma região sejam
preservadas, tornando-as cada vez mais vastas e profundas para as próximas gerações.

REFERÊNCIAS
ABREU, Elane. Monumento/esquecimento: as duplas faces da imagem. In: RESGATE -
Revista interdisciplinar de cultura - Vol. XVIII, No. 19 - jan./jul. 2010.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. In: SILVA, Giuslane Francisca. Aedos, Porto
Alegre, v. 8, n. 18, p. 247-253, Ago. 2016
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Revista Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-215, jul. 1992. ISSN 2178-1494. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1941/108>. Acesso em: 30 Jan.
2020.
Os Narradores de Javé. Direção: Eliane Caffé. Brasil: 2004. Youtube:
<https://www.youtube.com/watch?v=Trm-CyihYs8>. Acesso em: 23 de julho de 2021.

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