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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – UFF

INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL - IACS


DEPARTAMENTO DE CIENCIA DA INFORMAÇÃO – GCI
CURSO DE GRADUAÇÃO EM ARQUIVOLOGIA
DISCIPLINA: SEMINÁRIO EM HISTÓRIA DA CULTURA VI
- TEMA MONOGRÁFICO
ALUNO: LEONARDO DOS SANTOS

Resenha do Filme:

“NARRADORES DE JAVÉ”

NITERÓI
2013

1
1. INTRODUÇÃO

O que é chamado de história memória e patrimônio histórico constitui a meu entender,


partes relevantes que compõem a construção da história e que são objetos de grandes
polêmicas no meio científico a cerca da sua aceitação; e ainda mais como uma metodologia
viável para análise fatos histórico.
Nesse sentido, buscamos analisar tais objetos através do filme “Narradores de Javé”
acreditando que tal filme possui essencialmente características que expõe de forma clara a
importância de se discutir a questão da história escrita e história memória.

2. APRESENTAÇÃO DO FILME

“Narradores de Javé”, filme de grande repercussão na indústria cinematográfica


brasileira1, marca a luta de um povo onde os moradores do Vale de Javé, no sertão baiano,
buscando garantir sua existência no futuro, que se encontra ameaçada pela construção de uma
represa que faria o povoado daquela região desaparecer. Em Javé a população era analfabeta
seria expulsa de suas terras e veria todo o seu passado destruído. A cidade seria extinta tendo
como justificativa a necessidade de um progresso inevitável que supostamente beneficiaria
um grande número de pessoas, no qual os moradores de Javé não faziam parte.
A saída apontada também por parte do Estado para uma possível preservação do
povoado seria se esse povo possuísse algum monumento ou patrimônio histórico que
justificasse seu tombamento, certamente pressupondo sua inexistência.
Diante dessa situação o povo de Javé resolve pôr o antigo responsável pela Agência de
Correios do povoado, uma vez que ele era o único alfabetizado do lugar, para ouvir o relato
dos moradores e a partir deles, escrever a história do povo do Vale de Javé.
O povo de Javé passa então a registrar a sua identidade histórica e cultural, ao relatar
ao “carteiro da região aquilo que lhes havia sido passado de geração em geração. No
momento em que todos são narradores/tradutores aparecem disparidades e divergências das
narrativas relatadas do mesmo acontecimento.
1
Filme ganhador de grandes prêmios como: Cine PE - Festival do Audiovisual -Venceu nas categorias de
melhor filme, direção, montagem, ator (José Dumont), ator coadjuvante (Gero Camilo), edição de som e atriz
coadjuvante (Luci Pereira); Prêmio da crítica e o Prêmio Gilberto Freyre; Festival do Rio 2003- Melhor ator
(José Dumont) Festival Internacional de Friburgo 2003 (Suíça) - Recebeu o prêmio da crítica 30º Festival
Internacional do Filme Independente de Bruxelas (Bélgica) - Dois prêmios, nas categorias de melhor filme
independente e de melhor roteiro VII Festival Internacional de Cinema de Punta del Este 2004 - Venceu na
categoria de melhor filme; 5º Festival de Cinema des 3 Ameriques 2004 (Quebec, Canadá) -Venceu na categoria
de melhor filme de ficção. Disponível em: http: // enciclopédiawikipédia.br. Acesso: 24/05/2013 às 21h46min.
2
O escritor responsável pela reconstituição da história do Vale de Javé se vê obrigado a
juntá-las para chegar a um todo “harmônico”. No entanto, esta tarefa revela-se impossível,
além dos mais, não tão interessante, pois é justamente esta diversidade de traduções que
conforma a verdadeira identidade de um povo, ou seja, o seu caráter “híbrido”. O escritor, que
por sua vez é também tradutor de todas essas narrativas, sente-se impotente diante de uma
tarefa tão complexa e grandiosa. Além disso, o escritor tem sua própria opinião do que é a
verdade, do que é um trabalho cientifico e por conta disso, acreditamos a complexidade de se
narrar os fatos de forma a se distanciar da subjetividade existente intrinsecamente no ser
humano (por causa do pensamento individual), não seja uma tarefa fácil.
Na verdade, como resolver o dilema de traduzir uma narrativa oral que esteve sempre
em movimento, viva na boca dos moradores do vilarejo, para um registro escrito, e que só
permite uma versão que é única e definitiva que um dos desafios do autor. 2

3. ANÁLISE:

A história escrita e “formalizada” possui valor para as instituições democráticas e


representações do Estado. O carteiro/escritor não achava coerente escrever aquelas histórias
que estavam na memória do povo, mas que parecia incoerentes e divergentes quando se
comparada à história escrita da qual a civilização comumente adere melhor e/ou aceita
melhor. Seu grande dilema coloca de forma clara a dicotomia (escrita e oral) e ao mesmo
tempo contraditória problemática da história
Nota-se uma dicotomia de personagens. De um lado os que representam a história e os
que representam a memória. Entendemos que todos os personagens do filme que foram
chamados para dar a sua versão da história da cidade representam a memória. Os
representantes da historia seriam os visitantes que vieram à cidade no final do filme e que
deveriam receber o livro.
As lembranças no imaginário de um passado antigo de uma história de um tempo mítico
não cronológico podem ser vista como situações/cenas que representam a memória e a
história. Nessa trama que visa buscar as origens de Javé, aparecem múltiplos elementos da
memória individual e coletiva, como por exemplo, a história dos gêmeos, presente nos mitos
de origem dos povos indígenas brasileiros.

2
DIEGUES, Carlos. Disponível em: HTTP: //cinema.terra.com.br. Acesso: 24/05/2013 às 22h46min.
3
O filme coloca em discussão primeiramente o valor da memória, da história oral e de
patrimônio histórico para as sociedades. Por isso, cabe aqui, conceituarmos “memória” que é
um tema divergente entre muitos autores que se colocam a discutir.
Para Maurice Halbwachs, nos anos 1920-30, diz que memória deve ser entendida também
ou, sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído
coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes. 3
Halbwachs vai mais adiante dizendo que a esses acontecimentos vividos por tabela vêm
se juntar todos os eventos que não se situam dentro do espaço-tempo de uma pessoa ou de um
grupo.4
A memória tem seus fragmentos e/ou divisões que podem caracterizá-la. Nesse sentido,
(Pollak: 1992) subdividi defendendo que memória são lugares de comemoração, que é
seletiva, um fenômeno construído, um elemento constituinte do sentimento de identidade. De
forma resumida pode-se dizer, segundo Pollak que, na memória mais pública, nos aspectos
mais públicos da pessoa, pode haver lugares de apoio da memória, que são os lugares de
comemoração. Os monumentos aos mortos, por exemplo, podem servir de base a uma
relembrança de um período que a pessoa viveu por ela mesma.
A memória é em parte, herdada, e não se refere apenas à vida física da pessoa. A
memória também sofre flutuações que são função do momento em que ela é articulada, em
que ela está sendo expressa. As preocupações do momento constituem um elemento de
estruturação da memória.
Também expõe a questão memória acreditando que a sua organização em função das
preocupações pessoais e políticas do momento mostra que a memória é um fenômeno
construído. E tal construção, se tem em nível individual, ou seja, os modos de construção
podem tanto ser conscientes como inconscientes. O que a memória individual grava, recalca,
exclui, relembra, é evidentemente o resultado de um verdadeiro trabalho de organização.
No caso de Narradores de Javé, se constrói através da relação conflituosa de interesses
pessoais, (como é o caso de Sonja e também coletivamente; os moradores de javé) e os
interesses do Estado.
E para concluirmos o pensamento de Pollak, a memória é um elemento constituinte do
sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um

3
Ibidem. POLLAK, Michael. p. 200-212.
4
Ibidem.
4
fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa
ou de um grupo em sua reconstrução de si.5
Nesse conceito defendido por Pollak vimos que a cidade do filme analisado em questão,
adotou tal sentimento onde os indivíduos dessa cidade (o vale de Javé) possuíam
individualmente e coletivamente que ficou marcado na memória de cada um que fortalecia o
vínculo em sua cidade. Esse vínculo está entrelaçado com o fenômeno construído, agindo
como um processo de construção das fortes relações humanas ligadas a terra.
Porém, (LE GOFF: 1990) também acredita nesses vínculos marcados das relações sociais
por um diferente viés. Para ele,

(...) a memória, como propriedade de “conservar” certas informações,


remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às
quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que
ele representa como passadas.6 [...] Grifo meu.

Essa “conservação das informações" tem vieses diferentes entre ou sob o olhar de
alguns autores. Exemplo disso, como cita Pollak pautado nas teorias de Émile Durkheim cita
que a ênfase é dada à força quase institucional dessa memória coletiva, à duração, à
continuidade e à estabilidade. Também para Halbwachs, longe de ver nessa memória coletiva
uma coerção, uma forma específica de dominação ou violência simbólica, acentua as funções
positivas desempenhadas pela memória comum, de reforçar a coesão social, não pela coerção,
mas pela adesão afetiva ao grupo, onde o termo que utiliza de "comunidade afetiva" mostra
um pouco disso.
Essa ação coletiva de afetividade e sentimentos da qual enfatizo, é de muitas formas
transplantada e petrificada para resgate e reflexões da memória. Assim, o patrimônio histórico
está diretamente entrelaçado com sentimentos instituídos pela memória coletiva por uma ação
psíquica e de relação social.

Na tradição européia do século XIX, em Halbwachs, a nação é a forma mais acabada


de um grupo, e a memória nacional, a forma mais completa de uma memória coletiva.7

5
Ibidem. POLLAK, Michael. p. 200-212.
6
LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução Bernardo Leitão - (Coleção Repertórios) - Campinas, SP,
Editora da UNICAMP, 1990. p. 423.
7
POLLAK,Michael. Memória, Esquecimento, silêncio. Tradução é de Dora Rocha Flaksman. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.
5
Apesar das ideias defendidas, os autores de modo geral têm em comum a coletividade
e o processo de construção da memória. Processo que por sinal é compreendido de forma
ampla no pensamento com a aldeia de javé.
Entretanto, patrimônio histórico é preso a questões estatais que no Brasil é alvo de
grandes discussões. Maria Clementina Pereira Cunha num congresso8 levanta esse debate
chamando a atenção para o papel fundamental que possui a memória para a cidadania:

Nos planos federal, estadual e municipal práticas diferenciadas e orientações


por vezes opostas indicam ainda que a memória constitua um campo
privilegiado da política - e em torno dela se desenvolve surdamente um
embate nem sempre explicitado. Nesta perspectiva, à nossa condição de
sujeitos do conhecimento deve se juntar a de sujeitos da história. A questão
da memória cormo uma dimensão fundamental da cidadania aparece aqui
como um eixo fundamental da discussão capaz de associar nosso papel
profissional com a dimensão política de nosso trabalho. 9

Carla Mühlhaus em um artigo para a revista nossa História questiona se essa forma
seria a melhor de proteger as principais expressões culturais do Brasil. Nesse mesmo artigo o
ex-presidente do IPHAN Glauco Campello afirma que “quem mantém a tradição é o povo”. Já
para o Historiador Joel Rufino dos Santos, “O Patrimônio cultural simbólico não é imaterial,
ele assenta no fenômeno físico do território. Isso tudo tem um lugar. O conceito de Patrimônio
Imaterial não é neutro nem inofensivo”. 10
Em 1988, a Constituição Federal também acertou o passo, segundo Carla Mühlhaus,
criando o artigo 216, que define o patrimônio cultural brasileiro como o conjunto de bens
culturais de natureza material e imaterial que se referem à ação, à memória e à identidade dos
grupos formadores da sociedade brasileira.
Por outro lado um evento que foi produzido pelo IPHAN, Lévi-Strauss, lembrou que
se globalização geral crescente interdependência econômica e intensificação dos
intercâmbios, pode também acelerar o desaparecimento de numerosas expressões culturais
como a oratura e outras formas de expressão que formam a identidade cultural dos povos. Daí
a necessidade urgente de protegê-los de alguma forma. Segundo a UNESCO patrimônio

8
Na obra Patrimônio Histórico e Cidadania: Uma Discussão Necessária, Maria Cunha expôs no Congresso
CONPRESP, algumas questões sobre a memória chamando a atenção para pontos que envolveram a conjuntura
política e econômica no momento de maior transformação e conflitos políticos em todo o mundo. A autora se
refere a inúmeros esforços de governantes para que a ação pública em torno dos patrimônios históricos seja mais
que uma burocracia estatal.
9
CUNHA, M. C. P. Patrimônio Histórico e Cidadania: Uma Discussão Necessária. In: Maria Clementina
Pereira Cunha. (Org.). O direito a memória. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992, v., p. 13.
10
Ibidem. MÜHLHAUS, Carla. [2004] ano 02; pp. 65-67.
6
imaterial é fonte de identidade, na medida em que carrega a filosofia, os modos de vida e as
formas de pesar da vida comunitária.

7
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A população de Javé tentou escrever sua história para se ajustar a uma Modernidade, a
qual não pertence, já que, neste caso, a diferença é vista como sinal de atraso e é usada para
legitimar o seu aniquilamento. Como não conseguem atender às exigências do “progresso” e
da civilização, desapareceriam.
Na era do capitalismo, o resgate da memória tem sido cada vez mais difícil de ser
mantido na sociedade urbana. Os valores culturais, lembranças, costumes tem se perdido nesta
“terrível” onda da globalização. Entretanto, consideramos que a memória, os patrimônios
históricos e as atividades culturais são de grande importância para afirmação de um povo,
como nação e principalmente para reflexão da história do tempo presente.
Seja a história escrita ou oral, as duas possuem considerável papel na sociedade. Tais
valores são os que nos une e nos fortalece. Entendemos que a história memória, na sua relação
muitas vezes de forma equivocada entendida como conflituosa com a história escrita, não
pode ser coloca em patamares por sua distinção metodológica.

8
REFERÊNCIAS

CUNHA, M. C. P. Patrimônio Histórico e Cidadania: Uma Discussão Necessária. In:


Maria Clementina Pereira Cunha. (Org.). O direito a memória. São Paulo: Secretaria
Municipal de Cultura, 1992,
LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução Bernardo Leitão - (Coleção
Repertórios) - Campinas, SP, Editora da UNICAMP, 1990.
MÜHLHAUS, Carla. Para além da Pedra e Cal. Ed. 13 Rio de janeiro (RJ) novembro
de [2004] ano 02.
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
vol. 5, n. 10, 1992
http: // enciclopédiawikipédia.br. Acesso: 24/05/2013 às 21h46min.
HTTP: //cinema.terra.com.br. Acesso: 24/05/2013 às 22h46min.
http://www.upf.com.br/assessoria/noticias/noticia.php?codNoticia=6896

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