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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS


FACULDADE DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS

Disciplina: Introdução à Linguística Descritiva


Professora: Maria Sueli de Aguiar
Aluno: Afonso Henrique Stoko Data: 04/11/2023

Narradores de Javé

O filme “Narradores de Javé’ conta a história da pequena cidade de Javé que será
submersa pelas águas de uma represa. Seus moradores não serão indenizados e não foram
sequer notificados porque não possuem registros nem documentos das terras. Inconformados,
descobrem que o local poderia ser preservado se tivesse um patrimônio histórico de valor
comprovado em "documento científico". Decidem então escrever a história da cidade - mas
poucos sabem ler e só um morador, o carteiro, sabe escrever. Depois disso, o que se vê é uma
tremenda confusão, pois todos procuram Antônio Biá, o escrivão da obra de cunho histórico,
para acrescentar algumas linhas e ter o seu nome citado.
Contextualizando o preconceito linguístico dentro de nossa língua, o filme Narradores
de Javé apresenta um belo ensaio sobre a linguagem e sua ludicidade, na maneira do
protagonista brincar com o ato de escrever ao poetizar a respeito do papel e da tinta. Os seus
escritos na parede, seus poemas, isso tudo mostra a relação dele com a escrita, sua defesa por
uma língua que liberta e que não aprisiona. Um dos grandes méritos do filme é enfocar as
dificuldades que vivem os grupos sociais fundados na oralidade em preservar a memória e, ao
mesmo tempo, reviver a tradição das narrativas orais populares transmitidas de geração para
geração. Além de criar um espaço de reflexão sobre as tensões estabelecidas entre práticas do
mundo da oralidade e do mundo da escrita.
A oralidade utilizada pelas pessoas no filme, bastante marcante devido a fatores sociais,
nos mostra que apesar de ser vista por muitos como preconceitos por estarem de certa forma
erradas para as gramáticas normativas, tem que ser respeitadas e aceitas, pois seus usuários
conseguem se fazer entender, passam uma mensagem e revelam expressões de um grupo
característico. Tornou-se algo marcante e normais para eles.
Travagia (2009) explica que um domínio social é um espaço físico onde as pessoas
interagem assumindo papéis sociais. Ou seja, os papéis sociais são um conjunto de obrigações e
de direitos definidos por normas socioculturais que são construídos no próprio processo de
interação humana. No filme, percebemos claramente que não havia por parte da comunidade
local essa preocupação pelos direitos e normas socioculturais, somente quando se veem na
iminência de perder suas terras saem em busca dos papéis sociais, que são, segundo o autor
acima citado um conjunto de obrigações.
Durante os discursos das personagens, podemos perceber a questões da oralidade que
caracterizará aquele povo, pois estes desprovidos de qualquer instrução normativa,
semianalfabetos, fazem uso do linguajar popular, típico daquela região, a exemplo das
seguintes falas “Então eu perguntei pros home na nossa frente e explicaram tudinho nos
pormenores. Elas quem, diacho?” O fato é que preconceito existe. O uso da língua tem sido
sempre marcado por intolerância e preocupação. A variação é constitutiva das línguas humanas,
ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá independente de qualquer
situação. Assim quando se fala em “Língua Portuguesa” está se falando de uma unidade que se
constitui variedades.
É possível observar que o filme nos transmite uma linguagem de norma popular, com
sua diversidade no que se refere à língua, visto que as condições sociais, culturais e geográficas
influenciam em tal diversidade. Não podemos fugir da realidade na qual estamos inseridos, pois
a repressão linguística é igualmente caminho para a repressão social e cidadã. Ela contribui
para a reprodução das desigualdades sociais.
A nossa relação com o mundo e as pessoas é determinada mais pelas versões dadas pela
linguagem do que pelos acontecimentos reais. A realidade, ao ser narrada, de fato nos escapa.
O real é a linguagem. Fiorin (2007) diz que a língua é edificada por seus usuários, que buscam
exprimir novas significações, que procuram expressar sua maneira particular de ver o mundo,
que querem marcar sua identidade social e, por isso, erigem consensos e diferenças. No filme
Narradores de Javé, a população daquele lugarejo, Javé, se reúne para salvar o povoado da
inundação de uma represa, usando a língua como um instrumento de persuasão, através da
história escrita baseada em relatos orais.
A simples oralidade dos moradores constrói a identidade dos mesmos à medida que vão
sendo relembradas as histórias dos fundadores de Javé. Os feitos históricos desses fundadores
são relatos extraídos das memórias dos habitantes e são narrados epicamente, de forma mítica e
lendária. A eloquência com que cada um conta a sua versão dos fatos mostra a importância das
raízes primitivas e populares. Conhecer o passado é a base para entender o presente e preparar
o futuro. Ignorar o passado é ignorar o futuro e a memória de um povo, rico em cultura. As
lembranças podem dar uma imensa contribuição à sociedade na construção de uma cultura e de
sua história e têm como função maior justapor o passado, o presente e o futuro, ou seja,
estabelecer o vínculo do que passou com o presente e com o que está por vir.
No filme em estudo, a história se passa no interior da Bahia, região nordeste, sendo tal
região típica em sofrer desvalorização em todos os sentidos. Bagno (1999) afirma que existe o
preconceito contra a fala de determinadas classes sociais. A fala nordestina é um exemplo
disso, e Eliane Caffé (2003), produtora do filme, apresenta cada personagem justamente da
forma que eles são vistos pelos excludentes: são tipos grotescos, rústicos, atrasados que
provocam riso, escárnio e deboche.

“No meu subconsciente, todas cores juntas remetem a paz.”


Afonso Henrique Stoko

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