Você está na página 1de 4

OBRAS LITERÁRIAS UFSC:

TORTO ARADO

TEXTO 1
Para que essa simbiose ocorresse e produzisse um efeito duradouro, as disputas ficaram, naturalmente e por
um tempo, de lado. Ocupávamos o tempo com as apreensões do corpo da outra. No começo foi difícil, muito difícil.
Era necessário que se repetissem palavras, que se levantassem objetos, que se apontasse para as coisas que nos
cercavam, tentando apreender a expressão desejada. Com o passar dos anos, esse gesto se tornou uma extensão
das nossas expressões, até quase nos tornarmos uma a outra, sem perder a nossa essência. Às vezes nos
aborrecíamos por algo, mas logo a necessidade de comunicar o que uma irmã precisava, a mesma necessidade de
comunicar à outra irmã o que precisava ser expressado, fazia com que esquecêssemos a causa de nossas queixas.
Foi assim que me tornei parte de Belonísia, da mesma forma que ela se tornou parte de mim. Foi assim que
crescemos, aprendemos a roçar, observamos as rezas de nossos pais, cuidamos dos irmãos mais novos. Foi assim
que vimos os anos passarem e nos sentimos quase siamesas ao dividir o mesmo órgão para produzir os sons que
manifestavam o que precisávamos ser.

1- (EDIR LITERATURA) Considerando o fragmento acima, bem como a totalidade da obra “Torto Arado” e seu
contexto de produção, avalie as assertivas abaixo e some o que for correto.
01. Torto Arado é um romance regionalista negro, que compreende elementos culturais e identitários dos
descendentes de escravizados da região da Chapada Diamantina.
02. As protagonistas, Bibiana e Belonísia, são irmãs gêmeas que se revezam como narradoras. No relato de Bibiana
predominam os eventos da infância e da adolescência, enquanto a narrativa de Belonísia aprofunda o drama vivido
pela mulher sertaneja.
04. A mutilação de Belonísia, faz com que Bibiana assuma o papel de compreender os anseios e necessidades da
irmã para expressá-los, antecipando a condição de liderança que assumirá, ao lado de Severo, na luta pelos direitos
dos trabalhadores.
08. As rezas referidas no último parágrafo remetem às práticas do jarê, vertente do candomblé liderada na região
por Zeca Chapéu Grande.
16. O mutismo de Belonísia reflete também a sua condição de submissão: casada com Tobias, passa a suportar as
agressões físicas do marido reproduzindo a condição de passividade de outras mulheres de Água Negra, como Maria

CURSO DE LITERATURA – PROF. EDIR: ANÁLISE DAS OBRAS LITERÁRIAS


Cabocla.

TEXTO 2
Na escola, sem Bibiana ao meu lado para me ajudar, minha vida se tornou um tormento. Desde o início,
minha mãe avisou à dona Lourdes, a nova professora, da minha mudez. Ela foi cuidadosa, no começo, e bastante
generosa para me ensinar as tarefas. Àquela altura eu já sabia ler, graças muito mais aos esforços de minha irmã
mais velha e minha mãe, do que da professora sem paciência que dava aula na casa de dona Firmina. Para mim era o
suficiente. Diferente de Bibiana, que falava em ser professora, eu gostava mesmo era da roça, da cozinha, de fazer
azeite e de despolpar o buriti. Não me atraía a matemática, muito menos as letras de dona Lourdes. Não me
interessava por suas aulas em que contava a história do Brasil, em que falava da mistura entre índios, negros e
brancos, de como éramos felizes, de como nosso país era abençoado. Não aprendi uma linha do Hino Nacional, não
me serviria, porque eu mesma não posso cantar. Muitas crianças também não aprenderam, pude perceber, estavam
com a cabeça na comida ou na diversão que estavam perdendo na beira do rio, para ouvir aquelas histórias
fantasiosas e enfadonhas sobre os heróis bandeirantes, depois os militares, as heranças dos portugueses e outros
assuntos que não nos diziam muita coisa. (VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto arado. São Paulo: Todavia, 2019. p. 97.)

2- (UNICENTRO - ADAPTADA) Com base no trecho de Torto arado e na totalidade da obra, assinale a
alternativa correta.

01. O preconceito racial, aliado ao sentimento de inferioridade que a personagem Belonísia sente por ser mulher e
por haver perdido seu maior instrumento de luta contra a dominação social e masculina – sua língua – não permite
que ela abaixe a cabeça frente às injustiças que sofre junto de sua família.
02. O trecho, assim como o restante do romance, é narrado em primeira pessoa por Belonísia, irmã de Bibiana.
1
OBRAS LITERÁRIAS UFSC:
TORTO ARADO

04. A ressalva quanto ao cuidado e à generosidade da professora no início daquela experiência escolar aponta para
as grandes expectativas de aprendizagem em Belonísia.
08. O desinteresse pelas aulas decorre da pouca relevância atribuída àqueles assuntos e da distância daquilo em
relação à realidade vivida por Belonísia e por seus colegas.
16. O tempo histórico da narrativa é amplo, abarcando desde o período pouco depois da abolição da escravidão até
os dias atuais.

TEXTO 3
Meu cavalo morreu e não tenho mais montaria para caminhar como devo, da forma que um encantado deve
se apresentar entre os homens, como deve aparecer por esse mundo. Desde então, passei a vagar sem rumo,
arrodeando aqui, arrodeando acolá, procurando um corpo que pudesse me acolher. Meu cavalo era uma mulher
chamada Miúda, mas quando me apossava de sua carne seu nome era Santa Rita Pescadeira. Foi nela que cavalguei
por tempo, não conto o tempo, mas montei o corpo de Miúda, solitária. Sou muito mais antiga que os cem anos de
Miúda. Antes dela, me abriguei em muitos corpos, desde que a gente adentrou matas e rios, adentrou serras e
lagoas, desde que a cobiça cavou buracos profundos e o povo se embrenhou no chão como tatus, buscando a pedra
brilhante. O diamante se tornou um enorme feitiço, maldito, porque tudo que é bonito carrega em si a maldição.

3- (EDIR LITERATURA) Considerando o fragmento acima, bem como a totalidade da obra “Torto Arado” e seu
contexto de produção, avalie as assertivas abaixo e some o que for correto.
01. O fragmento acima integra a segunda parte do livro, denominada “Fio de Corte”, em que a narradora é uma
encantada, isto é, uma entidade mítica ligada à religiosidade afro-brasileira.
02. As expressões “cavalo”, “montaria” e “cavalguei” são empregadas conotativamente e metaforizam o fenômeno
da possessão espiritual.
04. A expressão “a cobiça cavou buracos profundos” remete à exploração de diamantes testemunhada pela
narradora no século XIX e cujos impactos sociais ligados à exploração do trabalho escravo ainda se fazem presentes
na região em que se passa a trama.

CURSO DE LITERATURA – PROF. EDIR: ANÁLISE DAS OBRAS LITERÁRIAS


08. A expressão “tudo o que é bonito carrega em si a maldição” pode ser estendida também à faca de cabo de
marfim, tomada por Donana na Fazenda Caxangá e que atravessa a história das protagonistas.
16. A intervenção de entidades espirituais na realidade pode explicar a morte de Salomão ao final da trama, fazendo
com que o romance possa ser percebido no âmbito do realismo fantástico.

TEXTO 4
Quando o médico nos levou para a sala e meu pai lhe mostrou a língua como uma flor murcha entre as
mãos, vi sua cabeça balançar num sinal de negação. Vi também o suspiro que deu ao abrir nossas bocas quase ao
mesmo tempo. Ela terá que ficar aqui. Terá problemas na fala, para deglutir. Não tem como reimplantar. Hoje sei
que se diz assim, mas à época nem passava por minha cabeça o que tudo aquilo significava, e muito menos na
cabeça de meu pai e de minha mãe. Belonísia nesse instante nem sequer me olhava, mas ainda continuávamos
unidas. Nossas feridas foram suturadas, e permanecemos juntas por mais dois dias. Saímos com um carregamento
de antibióticos e analgésicos nas mãos. Teríamos que voltar dali a duas semanas para retirar os pontos. Teríamos
que comer mingaus e purês, alimentos pastosos. Minha mãe deixaria o trabalho na roça nas semanas que se
seguiriam para se dedicar integralmente aos nossos cuidados. Somente uma das filhas teria a fala e a deglutição
prejudicadas. Mas o silêncio passaria a ser o nosso mais proeminente estado a partir desse evento. Nunca havíamos
saído da fazenda. Nunca tínhamos visto uma estrada larga com carros passando para os dois lados, seguindo para os
mais distantes lugares da Terra. [...]. (VIEIRA JUNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019. p. 19.)

4- (UEL) Acerca do fragmento, considere as afirmativas a seguir.

I. O diagnóstico sobre problemas na fala e na deglutição é breve, mas representa momento de grande tensão na
narrativa.

2
OBRAS LITERÁRIAS UFSC:
TORTO ARADO

II. A falta de conhecimento do mundo experimentada pelas meninas pobres reflete-se nas duas frases finais do
trecho transcrito.
III. A alusão ao fato de continuarem unidas já prepara para ocasiões de brigas que resultam no desfecho trágico do
relacionamento entre as irmãs.
IV. O silêncio é explicado pela dificuldade de superar o trauma de terem sofrido violência infligida pelo gerente da
fazenda.

Assinale a alternativa correta.


a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
b) Somente as afirmativas I e IV são corretas.
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas

5- (FCM-MG) Assinale a passagem do romance de Itamar Vieira Junior em que aparece a expressão que dá
título à sua terceira parte.

A) "Era um arado torto, deformado, que penetrava a terra de tal forma a deixá-la infértil, destruída, dilacerada.”.
B) “Meu pai não sabia nem mesmo assinar o nome, e fez o que estava ao seu alcance para trazer uma escola para a
fazenda, para que aprendêssemos letra e matemática.".
C) “Severo estava caído. A terra seca aos seus pés havia se tornado uma fenda aberta e nela corria um rio de
sangue.”.
D) “Vou trabalhar no arado.” “Vou arar a terra.” “Seria bom ter um arado novo, esse arado está troncho e velho.”

Leia o trecho a seguir


Encontrei Severo no mesmo lugar de sempre. A jaqueira fazia uma sombra rara, considerando a estiagem
que se prolongava além do esperado. Comuniquei que havia começado a separar algumas roupas para nossa

CURSO DE LITERATURA – PROF. EDIR: ANÁLISE DAS OBRAS LITERÁRIAS


viagem, mas que Belonísia tinha me surpreendido. Gesticulei muito para expressar o quanto não estava segura da
viagem. Para tentar fazê-lo compreender que eu era muito nova. Minhas mãos iam à cabeça e ao peito numa
urgência que o deixou sobressaltado. Quis fazer com que soubesse que aquela fuga seria uma ruptura -– e cruzei
meus braços para depois separá-los -– e a traição imperdoável por meus pais. Por tudo que eles haviam vivido, por
tudo que fizeram por nós. Que não era certo com Tio Servó e tia Hermelina, da mesma forma. Que eles ficariam
aflitos -– levei a mão direita ao meu rosto — e que eu não sabia como cuidar de uma criança sem ter minha mãe por
perto, apesar de ser a mais velha e de ter cuidado um pouco de todos os outros irmãos.
Severo apenas se aproximou e me acolheu em seus braços. Disse que era normal que estivesse aflita, mas
que já se sentia homem e pronto para deixar a fazenda. Que não falaria de imediato aos pais porque enfrentaria
resistência, mas que em breve, quando encontrasse pouso e trabalho, mandaria notícias e diria qual era o seu
destino. Senti vontade de dizer que ele poderia ir só, que eu permaneceria ali, esperaria a criança nascer. Ficaria com
meus pais, trabalharia em Água Negra. Quando ele estivesse estabelecido, iria encontrá-lo, com as bênçãos de Zeca
e Salu. Mas me faltou coragem. Estava com o coração quebrantado com a iminência da separação, seja de Severo ou
da minha família. Com muito sofrimento, nos despedimos sem decidir nossos destinos. (VIEIRA JÚNIOR, Itamar.
Torto arado. São Paulo: Todavia Editora, p. 84-85.)

6- (UNICENTRO) Com base nos conhecimentos sobre o romance Torto arado, de Itamar Vieira Júnior, bem
como no excerto citado, considere as afirmativas a seguir.

I. Na cena descrita, a narradora não usa verbos dicendi (que se referem ao ato de dizer) quando descreve a sua
comunicação com a família. Isso é parte da estratégia narrativa para manter em segredo qual das duas irmãs é a
que ficou muda.
II. As injustiças que os trabalhadores de Torto arado sofrem nas mãos de Sutério, o dono da terra, só cessam
quando a administração dos negócios passa para as mãos de seus filhos, que têm pensamento mais igualitário.
3
OBRAS LITERÁRIAS UFSC:
TORTO ARADO

III. Os primos Bibiana e Severo se apaixonam ainda muito jovens, mas precisam enfrentar a resistência da
família, que só aceitará o relacionamento dos dois após a fuga do casal e o nascimento dos filhos.
IV. Severo, diante das injustiças que enfrenta como trabalhador rural, engaja-se na luta por melhores condições
de vida e, por isso, será assassinado.

Assinale a alternativa correta.


a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
b) Somente as afirmativas I e III são corretas.
c) Somente as afirmativas I, III e IV são corretas.
d) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.

GABARITO

1- 13
2- 25
3- 30
4- A
5- C
6- C

CURSO DE LITERATURA – PROF. EDIR: ANÁLISE DAS OBRAS LITERÁRIAS

Você também pode gostar