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JANEIRO
FACULDADE DE LETRAS
DISCIPLINA: FICÇÃO AFRICANA EM L.P.
DOCENTE: MARIA TERESA SALGADO
DISCENTE: FERNANDO S. CARVALHO
DRE: 114030555
“Então fiz uma compilação dos textos que tivessem uma mesma identificação em termos
de proposta de mensagem. O meu objectivo era falar da sociedade cabo-verdiana e
sobretudo dos problemas que nessa altura ainda não se falava muito como o abuso de
menores, violência doméstica, violência contra as mulheres e crianças” (SALÚSTIO apud
GOMES, 2013)
Em “Filhos és, pai serás”, a autora aborda com um certo tom cômico sua criação, a
relação com sua mãe no lugar de filha e com seu filho no lugar de mãe, a partir do
uso de provérbios em português utilizados por sua mãe como uma ferramenta de
correção. A língua portuguesa é a língua oficial em Cabo Verde, mas também a
língua do colonizador, e usá-la em um contexto informal onde se usa o crioulo, traz
um peso ao que se é falado. A autora usa o termo “sentença suprema” para salientar
o peso opressivo dessa língua invadindo o informal. “filhos és, pai serás, assim como
fizeres assim acharás”. O interessante é que o provérbio remete exatamente a ideia
de construção das relações entre pais e filhos e como se conduzem os
ensinamentos, e aqui no conto o uso do português como estratégia de chamar
atenção a gravidade do que se fala, toma nuances diferentes com a vinda da nova
geração, não que ganhe naturalidade, mas porque o riso entre mãe e filho quebra a
tensão que pairava antes entre a narradora criança e sua mãe depois das sentenças
em portugues. Esse conto traz pra dentro do livro uma temática íntima, aqui temos
um conto com uma inclinação forte para a crônica. E uma narradora que não se
descola da autora.
Em “foram as dores que o mataram” conto que circula o trauma com a repetição da
frase “eu amava-o, por que matá-lo?” traz na repetição uma negação que se
afrouxa, quanto mais e repete mais fica tensionado a autoria do assassinato. é um
contexto forte, matar quem se ama, as dores do corpo falam mais alto nesse conto,
e a narradora entrega que o marido matou-se a criar esse espaço onde se misturava
violencia e carinho, se misturava o animalesco e o humano, assim diante disso, ela
não tinha outra escolha. É possível perceber como Dina tem uma escrita que
consegue abordar a temática da mulher, da família, de forma ampla, com textos
curtos que conseguem trazer a complexidade dos problemas em que os sujeitos
estão inseridos. Isso só parece possível pela sagacidade sensível do olhar feminino.
Como no conto “Campeão de qualquer coisa” onde é abordada a necessidade
masculina de se impor, de se colocar como o melhor, numa competição que não
leva a nada. A narradora, numa brincadeira, tenta impulsionar o personagem
masculino a dizer em que ele seria campeão. Pois para ela todos os homens se
colocavam como campeões em alguma coisa. Ele desconstrói essa atitude que se
espera do masculino para dizer que já tinha superado esse impulso porque na vida
adulta, um homem precisa olhar as coisas para além da competição, para além de
ser o melhor. O conto se passa no contexto de uma festa, e um certo ar de flerte se
faz presente entre esse homem e essa mulher. Talvez por isso, a brincadeira da
narradora que faz chacota da forma de agir do homem, tratava-se de uma análise da
forma do masculino se aproximar do feminino. Ao desconstruir a lógica imposta, o
personagem masculino traz uma reflexão de como devemos nos portar perante os
outros.
SALÚSTIO, Dina. Morna eram as noites. 3.ed. Praia: Instituto da Biblioteca Nacional, 2002.