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A FILHA

PRIMITIVA
EDJEFERSON SANTOS LIMA

LAURA MENESES FIGUEREDO


VANESSA PASSOS
Fico pensando que escrever é um
parto infinito. A gente vai parindo
devagarzinho, letra por letra, que se
não saem ficam encruadas dentro
fazendo mal, ferindo a gente feito
felpa que entra no dedo. Tem que
tirar com agulha, espremer o pus. Dói
parir palavras. Dói mais ainda viver
com elas dentro.

A filha primitiva
- Vanessa Paulino Venancio Passos nasceu em Fortaleza em 13 de abril de 1993
e atualmente encontra-se vivendo em Porto Alegre com sua filha Bela Paulino
e seu marido Paulo Henrique Passos;

- Começou sua carreira acadêmica em 2010 ao ingressar no curso de Letras da


Universidade Federal do Ceará;

- Atualmente faz pós-doutorado em Escrita Criativa na Pontifícia Universidade


Católica do Rio Grande do Sul;

- Profissionalmente, a autora iniciou sua carreira como professora em 2013,


lecionando Língua Portuguesa;
- Vanessa é professora de Escrita Criativa e idealizadora do projeto Pintura das
Palavras e do curso online 321escreva;

- Em 2022, a autora estreou uma coluna no jornal O Povo, onde conta sobre as
experiências de uma mulher na carreira literária;

- Entre os livros publicados de Vanessa tem-se: seu livro dissertativo Manual de


estilo e criação literária com a artesã Lygia Bojunga (2018) a peça Fábrica de
histórias (2019), o livro de contos A mulher mais amada do mundo (2020), e seu
romance A filha primitiva (2021);

- A filha primitiva se destaca como sua maior obra até então, tendo ganhado a
6ª edição do Prêmio Kindle de Literatura.
SOBRE SUA
ESCRITA
- Como pontuado pela própria autora, sua escrita “direta, nua e crua”
no começo foi alvo de críticas, com uma linguagem visceral e o uso
constante de palavras obscenas, explícitas e mundanas. Para a
escritora cearense Kah Dantas, Vanessa Passos possui uma escrita
potente, que nos faz sair da indiferença ou negação. Já a escritora e
psiquiatra Natalia Timerman aponta que a linguagem em A filha
primitiva escancara verdades sem amparo;

- Em suas obras, questões de gênero e raça são apresentadas com


muita profundidade, pois fazem parte de sua vivência e experiência
como mulher. Andréa del Fuego, escritora brasileira, fala que o
romance A filha primitiva costura muito bem a escrita com
orfandade, violência, miséria e luta social;
- Vanessa demonstra uma preferência por protagonistas femininas e
a pluralidade de realidades dessas mulheres, com ênfase no tema da
maternidade. Na introdução de coletânea de contos A mulher mais
amada do mundo, a professora e escritora Tércia Montenegro inicia
com “Um livro dedicado às mulheres, sobre mulheres, escrito por
uma mulher [...]”;

- Tendo poucas passagens de descrição geográfica e mais descrições


dos sentimentos e pensamentos das personagens, é possível notar
o foco na linguagem psicológica que a escritora tem.
A TEMÁTICA DE
SUAS OBRAS
- Protagonismo feminino (todas as obras da autora possuem protagonistas
femininas, incluindo seu livro infanto-juvenil, Fábrica de histórias);

- Investigação do feminino (em entrevista de lançamento de seu primeiro


romance, A filha primitiva, Vanessa relatou que era o que ela buscava em
suas obras);

- Sexualidade feminina (podendo ser observado nos contos Coisas que não
mudam e Palavras no papel presente na coletânea de contos A mulher mais
amada do mundo);

- Maternidade, com ênfase na maternidade não planejada (como visto no


romance A filha primitiva e contos da coletânea Progenitora, Solidão e
Máscaras);

- Vulnerabilidade social (visto em A filha primitiva e no conto História de cor).


- Questões raciais (observado em A filha primitiva e o conto História de cor);

- Abandono parental (encontra-se em A filha primitiva);

- Questões existenciais (presentes em A filha primitiva e nos contos Presa


para escapar, Fome, Solidão, A mulher mais amada do mundo, Máscaras,
Hora do café, Miopia e Chamando os mortos);

- Metalinguagem, uma vez que suas protagonistas sentem a necessidade de


contar histórias, suas próprias histórias (como nos contos: Palavras no
papel, Meu nome era Alice e nos livros Fábrica de histórias e A filha
primitiva);

- Memórias reais transformadas em ficção (como no conto Meu nome era


Alice e no livro Fábrica de histórias);
AQUELES QUE
INFLUENCIARAM
VANESSA A ESCREVER
- Sendo sua maior inspiração para o ato de escrever, Vanessa
frequentemente conta o quão importante Rainer Maria Rilke foi para ela.
Trazendo um relato seu, a autora fala que “Descobri que escrever era o que
eu mais queria fazer na vida quando li Cartas a um jovem poeta, de Rainer
Maria Rilke, e ele me perguntou: ‘Você morreria se deixasse de escrever?’”;

- Da mesma forma, Lygia Bojunga também foi uma das maiores influências
na vida autoral de Vanessa, já que foi a grande motivação para a criação de
seu primeiro livro Manual de estilo e criação literária com a artesã Lygia
Bojunga. Nas similaridades de escrita, Lygia também é caracterizada pelas
questões sociais, familiares e de gênero em suas obras;
- Sendo sempre muito citada, Vanessa parece resgatar em Clarice
Lispector todos os devaneios existencialistas e psicológicos que Clarice
escrevia com suas personagens. Através de protagonistas femininas, as
duas criam assuntos íntimos e individuais que podem perseguir a mente
de uma mulher, como solidão, perda, amor próprio, busca da identidade,
etc.

Rainer Maria Rilke Lygia Bojunga Clarice Lispector


UM RESUMO DE
A FILHA PRIMITIVA
Sem linearidade temporal bem definida, três personagens principais não
nomeadas, e uma ambientação com descrições propositalmente vagas, é um
trabalho bem difícil resumir a história de A filha primitiva.
Temos aqui três peças que nos guiam pelo livro, que são também as
divisórias das unidades: uma avó, uma mãe e uma filha. A mãe, a figura que está
no centro dessa história, nos narrando a vida das três, é uma filha amargurada e
uma mãe que odeia ter uma filha. Tendo passado a infância sem conhecimento
algum do resto da família, principalmente do pai, que nunca conheceu nem
mesmo sabe o seu nome, a narradora não esconde a culpa que põe em sua mãe
por essa falta de conhecimento. Ela é uma figura extremamente amargurada, não
só com a mãe, mas com toda sua vida. Estando em pleno mestrado na
universidade, com filha para criar e uma casa para sustentar, a mulher, que conta
seu cotidiano, não se proíbe de nada que queira falar, fazendo exatamente isso
com sua mãe, quando se cansa de não saber nada sobre sua árvore genealógica e
começa a pressioná-la e até mesmo usar de sua filha para ameaçá-la e assim
fazê-la falar sobre tudo aquilo que ela por tanto tempo escondeu.
A avó da história, mãe da narradora, muito devota a sua religião, em certos
momentos também passa a ter o papel de narrar. Quando faz isso, descobrimos
que a sua vida não é tão diferente como a de sua filha. Na verdade, ela mostra que
sua vida foi ainda mais difícil e complicada. Ela conta que logo ao nascer foi
abandonada pelos seus pais em uma lata de lixo, e que as pessoas que a adotaram
eram racistas e só a queriam para fazê-la se tornar a empregada da casa, já que
era uma mulher negra. Ela conta que ao fim do serviço, quando já era jovem, tinha
o costume de ir à rodoviária do interior em que vivia para observar os ônibus e as
pessoas passarem, na esperança de que sua mãe um dia voltasse. Foi assim que
conheceu o pai de sua filha. Ele reparou nela no meio da rodoviária e foi a
encantando com o tempo. Depois de estar apaixonada, revelou a ele que queria
estudar para não ser dona de casa, e ele se enfureceu. Ela achou que nunca mais
fosse o ver, mas viu ele uma última vez, quando ele a agrediu violentamente e a
estuprou, o que a fez ficar grávida. Assim, ela envelheceu tendo o objetivo de que
sua filha pudesse ter o destino que ela nunca pôde ter, que pudesse ser
professora, doutora, e muito bem sucedida. Depois da filha ter engravidado jovem
também, ela passa a ter sua neta como mais um objetivo de vida, sendo este bebê
o maior laço que une a mãe e a avó durante a história.
Quando finalmente descobre toda a verdade, a narradora principal, a mãe do
livro, percebe que os sentimentos ruins que sente por sua mãe talvez não sejam
muito racionais. Como alguém que sofreu tanto poderia simplesmente contar
toda uma história de dor e sofrimento para uma criança? E além disso, sua mãe
tinha muito mais similaridades com ela do que ela pensava. Sua mãe também
tinha sido atacada por homens, invalidada pela sociedade em que vivia e tendo
que lutar muito mais do que devia para sobreviver.
Ao concluir sua narrativa, a narradora percebe que, talvez, em toda a sua
vida, só teria essas duas figuras importantes a quem poderia para sempre se
apoiar: a mãe e a filha. De uma forma simples, mas muito tocante, a história se
encerra em um começo de dia comum, num acontecimento comum, com a avó
fazendo capitão para comer, enquanto a mãe assiste à cena como uma das
melhores coisas para se ver na vida. A narradora, enfim, percebe o sentimento
gritante que sente pela sua mãe, terminando sua narrativa caótica da forma mais
pacífica que ela poderia conseguir.
COMENTÁRIOS
SOBRE O LIVRO
- As protagonistas são ligadas pela violência e pelo trauma, esses que se
assemelham bastante, porém afloram personalidades distintas. Enquanto a
mãe (avó) é passiva e extremamente religiosa, a filha se impõe, é cética e
extremamente amargurada;

- Os episódios sofridos pelas três protagonistas acontecem com mais


frequência do que realmente deveriam, e por esse motivo nenhuma delas
possui um nome próprio. Certamente numa tentativa de suas vivências
representarem as mulheres no geral, leitoras se enxergarem ou verem
outras mulheres do seu meio, através das duras palavras que externalizam
tantas dores e lutas contra o preconceito racial e de gênero, a desigualdade
social e o abandono parental e estatal;
- No caso da filha da narradora, a ausência de um nome é ainda mais visível. A
menina é chamada apenas de menina, quase como se esse fosse o nome
dela. A escolha de chamá-la dessa forma acaba trazendo o sentimento de
desprezo que sua mãe parece ter com ela por boa parte do livro, o que pode
causar ainda mais desconforto (“Um personagem só ganha vida, só se
materializa com o nome. Por isso nunca chamei a menina pelo nome. Talvez
ela não vingue.” - A filha primitiva);

- Os homens que possuem nome auxiliam na identificação das classes sociais


das personagens. Assim, o amante da mãe é um acadêmico e tem um nome
distinto (Otton), enquanto que o ex-companheiro da avó é um nome comum
(José), denunciando a falta de poder aquisitivo do homem;
- A autora abusa do discurso indireto livre, em que muitas vezes as falas dos
personagens se entrelaçam com os pensamentos e narração da
protagonista, o que causa o sentimento apressado e caótico em que a
protagonista vive;

- A divisão dos capítulos, sem tanta ligação com o capítulo antecessor e


sucessor, se assemelha ao desejo da protagonista de contar histórias. Ela
vai escrevendo como lapsos de memória, como forma de se encontrar após
tantas dúvidas da sua identidade. Escrevendo sua própria história, ela se
sente mais pertencente.
SUGESTÃO DE TEMAS PARA O DESENVOLVIMENTO DE UM TRABALHO
ACADÊMICO
- Um outro olhar da mulher sobre a maternidade na contemporaneidade,
baseado no romance A filha primitiva.

Sendo esse o tema principal da obra, a maternidade é a matéria-prima que


pode ser dissertada e estudada no livro de Vanessa. Questões sobre o
tratamento da narradora com sua filha ainda bebê, ou como sua mãe a
trata e vice-versa, podem ser discutidas por páginas e páginas a fio.

“a menina me rasgou de dentro pra fora, comeu a placenta, o cordão


umbilical, a carne, até partir minha barriga ao meio.” - A filha primitiva
- As dificuldades de ser uma mulher negra na sociedade contemporânea:
uma reflexão através da avó de A filha primitiva.

Através da narração da avó, é possível ver o quanto ela sofreu na sua vida
por ser uma mulher negra e pobre, que teve que se submeter a várias
situações ruins para conseguir sobreviver. Acima de todos os outros
personagens, ela parece ser a mais realista do livro. É uma mulher
religiosa, com uma certa ignorância para os assuntos sociais, mas que
ainda assim tem consciência de quem é, do que viveu e do que sofreu.
Fora do livro, são milhões de mulheres que existem no Brasil exatamente
no mesmo cenário, e essas mulheres merecem ter reflexão e estudo sobre
suas histórias.
“Antes de ir, eu raspei o cabelo feito minha mãe e prometi que nunca mais ia
deixar crescer pra homem nenhum no mundo querer arrancar aquilo que era
meu. Quando fui embora e me viram com o cabelo raspado, sorriram de um
jeito debochado, depois disseram que agora mais do que nunca eu parecia
uma escrava. Gente preta não presta nem pra ser empregada; ou vira bandido
ou vira prostituta!” - A filha primitiva
OBRIGADO

Come, filha, vai esfriar.

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