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Obras Literárias
UNICAMP 2023
professor Gilmar
LITERATURA BRASILEIRA
E PORTUGUESA
Sumário
Exercícios 14
Exercícios 31
Exercícios 47
Exercícios 67
Exercícios 91
2022
Material organizado pelo Professor Gilmar Ramos.
Contato: gilmarliteratura@gmail.com
Apresentação
Boa leitura!
Professor Gilmar
2022
LYGIA FAGUNDES TELLES
− Ainda que seja responsável pelo Bem- 3. Diretor das Classes Conservadoras
estar Público e Privado, o personagem Armadas e Desarmadas
permanece recluso em uma suíte.
No contexto de publicação da obra os
− Não participa da abertura do Seminário ideais conservadores eram latentes
por estar sofrendo de uma crise de gota. e qualquer oposição era punida
severamente no meio familiar ou
nas ruas;
“- É algo... grave?
- A gota.
*Ver referências.
LYGIA FAGUNDES TELLES
- Mas são essas as críticas mais — Boa tática, meu jovem, é influenciar
severas, Excelência. Bisonhices. Ah, e no começo e no fim todos os meios de
aquela eterna tecla que não cansam de comunicação do país. Esse é o objetivo.
bater, que já estamos no VII Seminário Que já está prejudicado com esse
e até agora, nada de objetivo, que a assessor de perna quebrada.” (p.176)*
população ratal já se multiplicou sete
mil vezes depois do primeiro Seminário,
que temos agora cem ratos para cada
habitante, que nas favelas não são as Ao longo da narrativa a autora coloca
Marias, mas as ratazanas que andam de várias pistas para indicar quem são
LYGIA FAGUNDES TELLES
EXERCÍCIOS
galho de árvore, as folhas se desenhando Telles.
nas minúcias sobre o fundo opaco. Era
uma lua ou um sol apagado? Difícil saber
se estava anoitecendo ou se já era manhã 4. (UFPR) Analise as afirmativas a seguir e
no jardim que tinha a luminosidade fosca assinale a correta.
de uma antiga moeda de cobre. Estranhou
o úmido perfume de ervas. E o silêncio a) Os focos narrativos de “Leão-de-
cristalizado como num quadro, com chácara” representam uma visão de
um homem (ele próprio) fazendo parte mundo distanciada do universo retratado:
do cenário. Foi andando pela alameda ambientes e pessoas marginalizadas pela
atapetada de folhas cor de brasa, mas não parcela mais rica da sociedade.
era outono.”
b) Em “Como e por que sou romancista”,
Assinale a alternativa correta. descobrimos que a literatura, para José
de Alencar, deve reproduzir fielmente sua
a) Assim como em livros publicados nos visão de mundo, pois ela é, antes de tudo,
anos 70 por Dalton Trevisan e Clarice um documento político.
Lispector, os elementos fantásticos dos
contos de “Seminário dos ratos” são c) “O pagador de promessas” – ao
resultado de uma estratégia para driblar contrário de “O santo e a porca”, que
a vigilância da censura no período da apresenta uma compreensão política do
ditadura militar. mundo – faz uma opção pela religiosidade
como condutora da moral social.
b) A presença de um estranho jardim
aproxima “A mão no ombro” do conto d) “Seminário dos ratos” apresenta
“Herbarium”, narrativa em que as plantas uma multiplicidade de personagens e
igualmente colaboram para a composição diferentes contextos sociais, mas há
de um cenário denso, pouco objetivo. um fio condutor para o conjunto de
contos: uma sensação de absurdo e de
c) A atmosfera de mistério relaciona-se deslocamento característicos do nosso
com a psicologia da personagem que – tempo.
assim como diversos protagonistas de
LYGIA FAGUNDES TELLES
e) “Em Terras do sem fim”, a violenta a) Em “Seminário dos Ratos”, o Chefe das
luta pela terra é um ingrediente em Relações Públicas marca um encontro
uma história em que a afetividade e a secreto com o Secretário do Bem-
sensualidade definem o enredo. Estar Público e Privado e tramam uma
estratégia para provocar uma epidemia de
ratos que assolará a região.
5. (UFRS) Considere as afirmações abaixo.
b) Em “A Consulta”, o médico que tratava
I – Antonio Callado, autor de vários dos loucos da clínica troca de lugar com
16 romances e peças de teatro, escreveu um de seus pacientes, Maximiliano,
“Quarup”, narrativa que mergulha nas permitindo que este o analise, revelando,
profundezas da realidade brasileira pós- apesar de louco, sua perspicácia e
EXERCÍCIOS
64. inteligência.
e) I, II e III.
1500
“Caminha não era um cosmógrafo. O que transformasse o estilo e, por isso mesmo,
ele redigiu para recreio e esclarecimento a maneira de ver o mundo. Dir-se-ia que
do rei foi uma narrativa impressionista o literato que nele existia, latente ou não,
em que revela aquela cultura literária vem à tona, mercê do deslumbramento
tão própria dos portugueses da sua perante a visão edênica oferecida pela
grande época, e aquela capacidade terra desconhecida. Daí,a descrição,
de observação, e aquela faculdade de fluentemente literária, do gentio e uma
compreender e descrever judiciosamente, narração de igual teor, centrada na
que constituem o mais esplêndido entrevista que que o aborígene concede
18 encanto dos cronistas”. (DIAS, 1923, p. 77) aos navegantes”.(MASSAUD, 2012, p.15)
“Porém, o melhor fruto que dela se pode e andava tinto de tintura vermelha pelos
tirar, me parece que será salvar essa peitos, espáduas, quadris, coxas e pernas
gente. E esta deve ser a principal semente até baixo, mas os vazios com a barriga e
que vossa Alteza nela deve lançar”.(p.14)* estômago eram de sua própria cor. E a
tintura era assim vermelha que a água a
não comia nem desfazia, antes, quando
saía da água, parecia mais vermelha”.
As vertentes real e ficcional estão (p.07)*
presentes no texto de Caminha,
20 mesclando o histórico e o literário, como
observa Maria A. Ribeiro.
− Percebe-se que a carta de Caminha
considerada fundadora da Literatura
Brasileira, foi escrita sob a visão de um
“Não se pode deixar de observar que português, sustentando a ilusão de
o próprio Caminha indica esta posição que a terra “descoberta” era o próprio
quando, ao falar do ouro e da catequese, paraíso perdido descoberto justamente
opõe ver a desejar, que corresponde, de pelos portugueses, definindo assim, uma
certa forma, a uma vertente real e a outra nacionalidade que não corresponde,
ficcional. As ideias de fertilidade da terra porém, a formação étnica e cultural do
e do barbarismo da gente veiculadas pelo país tornando-se uma imposição de uma
texto inauguram um filão temático na minoria sobre a maioria.
literatura brasileira, do qual é exemplo o
ufanismo, e o processo de colonização − O descobrimento do Brasil foi,
de que ele dá conta é parodiando, no sobretudo, uma ficção histórica, pois ia se
Modernismo, em vários poems, em alguns descobrir o já descoberto?
dos quais utiliza fragmentos da Carta.”
(RIBEIRO, 1995) − O fundamental não era o
“descobrimento”, mas a apropriação da
terra.
reverenciá-la. Essa atitude fez com que o Antes de encerrar a longa missiva,
escrivão tivesse a certeza da boa índole Caminha faz seu pedido pessoal: trazer
daquela gente, pronta para receber em seu genro de volta da África.
seus corações o que ele considerava a
religião verdadeira.
V. O Estilo
Os portugueses aproveitaram essa
confiança e a boa disposição dos índios Em linhas gerais, alguns traços do autor
para usá-los como força de trabalho, já que e de seu estilo podem ser exemplificados
24 a ansiada noticia sobre metais preciosos com passagens de seu texto:
não lhes foi dada.
− Modéstia:
Apesar da utilização da mão de obra
indígena, Pero Vaz reitera ao rei que uma “Posto que o Capitão-mor desta vossa
das mas elevadas missões de Sua Alteza frota, e assim os outros capitães escrevam
era cuidar da salvação daquela gente. a Vossa Alteza a nova do achamento desta
vossa terra nova, que ora nesta navegação
X. 01 de Maio: Segunda Missa e se achou, não deixarei também de dar
Despedidas. disso minha conta a Vossa Alteza, assim
como eu melhor puder, ainda que — para
Logo cedo, os marinheiros saíram para o bem contar e falar — o saiba pior que
terra para fixar a enorme cruz que fora todos fazer.” (p.01)*
construída pelos carpinteiros. Além
da representação da fé católica, a cruz
serviria também como um marco a ser
utilizado por outras expedições para − Comedimento no relato, no sentido de
localizar o lugar onde os degredados não deformar a verdade:
seriam deixados.
“Tome Vossa Alteza, porém, minha
Acompanhados de cerca de oitenta ignorância por boa vontade, e creia bem
indígenas, os portugueses caminharam por certo que, para aformosear nem afear,
solenemente pela praia, em forma de não porei aqui mais do que aquilo que vi e
procissão, entoando hinos religiosos, até me pareceu”. (p.01)*
chegaram ao lugar indicado pelo capitão
para fixar a cruz.
− Para Caminha, o contato entre culturas KOTHE, Flávio R. O Cânone colonial. Brasília:
diferentes foi marcado por muito Editora Universidade de Brasília, 1997.
escambo, muita dança, muita festa e
amizade, aliás, muito mais da parte dos MACIEL, Luiz Carlos Junqueira e XAVIER,
homens da terra do que dos homens do Gilberto. Cadernos de Literatura Comentada
mar... – Intercampos. Ano I N º1. BH: Edições Horta
Grande Ltda.2005.
− O texto de Caminha, conforme aponta
Flávio Kothe, inaugura: MARQUES, Reinaldo Martiniano. A Carta de
Caminha in Extensão, Cadernos da Pró-reitoria
“(...) uma grande fantasia quanto à de Extensão da PUC-MG, volume 2, n.3. Junho
colonização lusitana: de que teria sido de 1992.
pacifica, como se cada um procurasse
no outro o paraíso: o europeu, no contato MASSAUD, Moisés. A literatura brasileira
com a natureza, em forma de locus através de textos. 29 ed. rev. e ampl. – São
amoenus, Eldorado ou harmonia primária; Paulo: Cultrix, 2012.
o indígena, no conforto da civilização e do
céu cristão”. (KOTHE, 1997, p. 249) MENDES, Murilo. História do Brasil.
Organização, introdução e notas de Luciana S.
Picchio. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
PERO VAZ DE CAMINHA
EXERCÍCIOS
Caminha, em seu relato: e) a exposição dos pensamentos
luxuriosos dos portugueses, apresentados
a) mostra as ações calculadas dos sem culpa.
europeus com os índios.
Esse trecho da carta de Caminha nos a mim. Ou então como um grupo social
permite concluir que o contato entre as concreto ao qual nós não pertencemos.
culturas indígena e europeia foi: Este grupo, por sua vez, pode estar
contido numa sociedade: as mulheres,
a) favorecido pelo interesse que ambas para os homens; os ricos, para os pobres;
as partes demonstravam em realizar os loucos para os “normais”. Ou pode ser
transações comerciais: os indígenas se exterior a ela, uma outra sociedade que,
integrariam ao sistema de colonização, dependendo do caso, será próxima ou
abastecendo as feitorias, voltadas ao longínqua.” (Tzvetan Todorov, A Conquista
32 comércio do pau-brasil, e se miscigenando da América, p.3)
com os colonizadores.
Com base nesse trecho, redija um texto
EXERCÍCIOS
* Ver referências.
OLAVO BILAC
Não se mostre na fábrica o suplício “A busca da perfeição pela correção
Do mestre. E, natural, o efeito agrade, gramatical, a volta aos clássicos e o
Sem lembrar os andaimes do edifício: rebuscamento marcam uma atitude de
tipo aristocrático e constituem um traço
Porque a Beleza, gêmea da Verdade, saliente da fase que vai dos anos de 1880
Arte pura, inimiga do artifício, até a altura de 1920, correspondendo a um
É a força e a graça na simplicidade”. (p.44- desejo generalizado de elegância ligado à
45)* modernização urbana do país, sobretudo
sua capital, Rio de Janeiro. Do ponto de
vista da literatura, foi uma barreira que 35
petrificou a expressão, criando um hiato
− Poema dos mais objetivos, sem a largo entre a língua falada e a língua
presença do sentimentalismo. escrita, além de favorecer o artificialismo
que satisfaz as elites, porque marca
− O autor faz uso da metalinguagem, distância em relação ao povo; e pode
o ponto mais forte desse escrito: é um satisfazer a este, parecendo admiti-
poema sobre o poema. lo em terreno reservado. Essa cultura
acadêmica, geralmente sancionada pelos
− Em uma linguagem mais simples, o Poderes, teve a utilidade de estimular,
texto nos apresenta os caminhos de como por reação, o surto transformador do
fazer um bom poema, ao estilo parnasiano. Modernismo, a partir de 1922” (CÂNDIDO,
1999, p. 61)
atti nelli loro tempi e etadi siccome a forma impõe a concisão, de modo que o
al’ultimo suo frutto sono ordinati.” soneto normalmente assuma tendência
descritiva ou argumentativa.
(Dante, Il Convito, trat. Quarto, cap. XXIV)
Pode-se dizer que a inclinação para a
argumentação predomina no livro, pois
nesse título o poeta se abre, embora
discretamente, para interesses mais
IV. A Obra metafísicos, que problematizam a
36 existência humana.
Publicado em 1910, Tarde mistura motivos
líricos e filosóficos, no qual é constante a
preocupação com a morte e o sentido
da vida. “Na trilha dos ideais parnasianos de
contenção emotiva por meio da técnica, e
Os poemas do livro reúnem-se sob um da descrição objetiva de cenas e objetos
título que logo anuncia o tom crepuscular em contraponto à expressão desenfreada
predominante nas composições. do eu lírico, o poeta desenvolve os temas
de sua predileção: o amor e a beleza física
Com redação concluída no ano da morte da mulher; a pátria e os grandiosos eventos
de Bilac, o livro confirma o domínio desse da história nacional; a exaltação do trabalho
parnasiano sobre o verso, e revela um e do progresso. E, na esteira do conjunto
sujeito às voltas com a “antevelhice”, da obra, então reunida em Poesias (1902)
nostálgico e mais reflexivo do que em sua há a impressão de uma emoção singela e
produção anterior. espontânea, mesmo que conformada aos
limites da forma poética fixa”.1
Trata-se de uma sequência de 99 sonetos
petrarquianos – todos os poemas
apresentam dois quartetos e dois
tercetos, somando 14 versos, decassílabos “A tarde da vida não aflige somente as
ou dodecassílabos (alexandrinos), e grandes almas, os espíritos superiores.
rigorosamente rimados. Esta inquietação do ocaso, esta incerteza
da hora dúbia, esta saudade e esta
A conclusão dos sonetos em verso final desesperação, acabrunham todos os
com tom elevado e de efeito é outra homens. A ânsia pela perfeição impossível,
constante. Embora se trate de recurso o descontentamento pelas decepções do
caro aos parnasianos de modo geral,
o emprego intenso da chave de ouro
constitui, para alguns críticos, sinal de 1 TARDE. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural
que em Tarde, Bilac já esgotava seus de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo:
procedimentos. Itaú Cultural, 2021. Disponível em: http://
enciclopedia.itaucultural.org.br/obra43829/
Essa configuração tem, é claro, tarde. Acesso em: 22 de julho de 2021. Verbete
consequências no sentido – por ser breve, da Enciclopédia.
OLAVO BILAC
trabalho, as desilusões do amor enganado., Observemos mais um poema na mesma
a tristeza que causa o espetáculo das linha temática:
inevitáveis injustiças do viver, a tortura
que suscitam as perguntas sem respostas “Não sei. Duvido e espero. Na ansiedade,
e os mistérios sem solução do mundo Vago, entre vagas sombras. Se não rezo,
físico e do mundo moral – todos estes Sonho; e invejo dos crentes a humildade
sentimentos, que sempre dominam o E o orgulho dos filósofos desprezo.
espírito durante a existência, agravam-se
exacerbam-se nesta hora dolorosa em que Com um Jó miserável da verdade
começa a velhice”. (JORGE, 1972, p. 234) E de receios farto como um Creso, 37
Adormeço a tristeza que me invade
E engano o coração cansado e leso...
“`Às vezes, uma dor me desespera... Talvez haja na morte o eterno olvido,
Nestas ânsias e dúvidas em que ando, Talvez seja ilusão na vida tudo...
Cismo e padeço, neste outono, quando Ou geme um deus em cada ser ferido...
Calculo o que perdi na primavera.
Não afirmo, não nego. É vão o estudo.
Versos e amores sufoquei calando, Quero clamar de horror, porque duvido:
Sem os gozar numa explosão sincera... Mas, porque espero, - espero, e fico mudo”
Ah! mais cem vidas! com que ardor quisera (Sperate, creperi!, p. 30)*
Mais viver, mais pensar e amar cantando!
“Manhã. Sangue em delírio, verde gomo, Não te amo! Nem a ti, canícula bravia,
Promessa ardente, berço e liminar: Que a ti mesma te estruis no fogo que
A árvore pulsa, no primeiro assomo [derramas!
Da vida, inchando a seiva ao sol... Sonhar!
Amo-te, hora hesitante em que se preludia
Dia. A flor, - o noivado e o beijo, como O adágio vesperal, - tumba que te recamas
Em perfumes um tálamo e um altar: De luto e de esplendor, de crepes e
A árvore abre-se em riso, espera o pomo, [auriflamas,
E canta à voz dos pássaros... Amar! Moribunda que ris sobre a própria agonia!
38
Tarde. Messe e esplendor, glória e tributo; Amo-te, ó tarde triste, ó tarde augusta,
A árvore maternal levanta o fruto, [que, entre
A hóstia da ideia em perfeição... Pensar! Os primeiros clarões das estrelas, no
[ventre,
Noite. Oh! saudade!... A dolorosa rama Sob os véus do mistério e da sombra
Da árvore aflita pelo chão derrama [orvalhada,
As folhas, como lágrimas... Lembrar!”
(p.10)* Trazes a palpitar, como um fruto do
[outono,
A noite, alma nutriz da volúpia e do sono,
Perpetuação da vida e iniciação do nada...”
Não é difícil perceber que esse poema (p.10)*
não está vinculado à estética ortodoxa
parnasiana do autor, pois ele já encerra
uma ideia de sentimento, de senhor, de
necessidade de extravasar o sentimento 2. Nacionalismo
romântico que o eu-lírico possui.
− A veia nacionalista do livro começa
No entanto, as rimas, a métrica regular, como o texto Pátria.
a palavra elegante, a sobriedade
aristocrática do texto parnasiano − O autor começa seu ufanismo de forma
permanece. inflamada, afirmando que “lateja” na
própria pátria.
Essa explicação valerá para todos os
textos dessa coletânea que se encaixem − Isso quer dizer que ele pulsa, vibra no
nessa vertente. espaço geográfico-simbólico Brasil.
“Glória jovem do sol no berço de ouro em “Pátria, latejo em ti, no teu lenho, por onde
[chamas, Círculo! e sou perfume, e sombra, e sol, e
Alva! Natal da luz, primavera do dia, [orvalho!
OLAVO BILAC
E, em seiva, ao teu clamor a minha voz Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza
[responde, Dos desertos, das matas e do oceano:
E subo do teu cerne ao céu de galho em Bárbara poracé, banzo africano,
[galho! E soluços de trova portuguesa.
Dos teus liquens, dos teus cipós, da tua És samba e jongo, xiba e fado, cujos
[fronde, Acordes são desejos e orfandades
Do ninho que gorjeia em teu doce De selvagens, cativos e marujos:
[agasalho,
Do fruto a amadurar que em teu seio se E em nostalgias e paixões consistes, 39
[esconde, Lasciva dor, beijo de três saudades,
De ti, - rebento em luz e em cânticos me Flor amorosa de três raças tristes”.
[espalho! (p.13-14)*
Na mesma linha temática, ainda temos Entrando as brenhas, teu amor procura
Língua Portuguesa, já analisado, e o Os índios, ora filhos, ora algozes,
poema Música Brasileira: Aves pela inocência, e onças ferozes
Pela bruteza, na floresta escura.
“Tens, às vezes, o fogo soberano
Do amor: encerras na cadência, acesa Semeador de esperanças e quimeras,
Em requebros e encantos de impureza, Bandeirante de “entradas” mais suaves,
Todo o feitiço do pecado humano. Nos espinhos a carne dilaceras:
OLAVO BILAC
Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo, Deus transmite o seu hálito aos amantes:
batismo e extrema-unção, naquele instante Cada beijo é a sanção dos Sete Dias,
por que, feliz, eu não morri contigo? E a Gênese fulgura em cada abraço;
Ama! e frui o delírio, a febre, o ciúme, Que eu morra assim feliz, tudo de ti
E todo o amor! E morre como um dia [querendo:
Em fogo, como um dia que resume Mal e bem, desespero e ideal, veneno e
[pomo,
Toda a vida, em anseios, em poesia, Pecados e perdões, beijos puros e impuros!
Em glória, em luz, em música, em perfume,
Em beijos, numa esplêndida agonia!” E os astros sobre mim caiam de ti,
(Messidoro, p.50)* [chovendo,
Como os teus crimes, como as tuas
[bênçãos, como
A doçura e o travor de teus cachos
Poema que exalta e valoriza os amores e maduros!” (Oração à Cibele, p. 66)*
alegrias da mocidade.
Cibele é identificada no poema como TARDE. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte
divindade destruidora que, através de seu e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural,
dualismo, seduz e encanta seu observador 2021. Disponível em: http://enciclopedia.
46 ao mesmo tempo em que o maltrata. itaucultural.org.br/obra43829/tarde.
Acesso em: 22 de julho de 2021. Verbete da
Enciclopédia.
EXERCÍCIOS
De tal modo, que a imagem fique nua, [nobre;
Rica, mas sóbria, como um templo grego. E cada cicatriz brilha como um brasão.
Sobre o poema de Olavo Bilac, é correto Podemos reconhecer nas estrofes acima
afirmar apenas: do poema Vila Rica, de Olavo Bilac, as
seguintes características do estilo de
a) É um soneto metalinguístico, pois nele época que marcou sua poesia:
o poeta trata do próprio ato de escrever
poemas. Há uma preocupação excessiva a) Interesse pela descrição pormenorizada
com a forma e, para alcançar a perfeição, da paisagem, numa linguagem que procura
o poeta trabalha, e teima, e lima, e sofre, e impressionar os sentidos.
sua, conforme o último verso do primeiro
quarteto do soneto. b) Uso do vocabulário próprio para
acentuar o mistério, a realidade oculta das
b) Há um manejo especial de ritmos da coisas, que deve ser sugerida por meio de
linguagem com estranha combinação de símbolos.
rimas e recursos sonoros, como aliteração
e assonância. c) Valorização do passado histórico, em
busca da definição da nacionalidade
c) O irracionalismo dos versos parnasianos brasileira.
facilita a compreensão e interpretação do
poema, escrito em tom denotativo. d) Utilização exagerada de hipérboles,
perífrases e antíteses, no desejo de não
OLAVO BILAC
nomear diretamente as coisas, mas de discurso poético de Olavo Bilac ecoa esse
fazer alusão a elas. projeto, na medida em que:
Criança! não verás nenhum país como este! devem ser aplicados também aos ícones
Olha que céu! que mar! que rios! que nacionais.
[floresta!
A Natureza, aqui, perpetuamente em festa, d) a capacidade produtiva da terra garante
É um seio de mãe a transbordar carinhos. ao país a riqueza que se verifica naquele
Vê que vida há no chão! vê que vida há nos momento.
[ninhos,
Que se balançam no ar, entre os ramos e) a valorização do trabalhador passa a
[inquietos! integrar o conceito de bem-estar social
Vê que luz, que calor, que multidão de experimentado.
[insetos!
Vê que grande extensão de matas, onde
[impera, 4. Texto para a questão.
Fecunda e luminosa, a eterna primavera!
Boa terra! jamais negou a quem trabalha “Não se mostre na fábrica o suplício
O pão que mata a fome, o teto que Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
[agasalha... Sem lembrar os andaimes do edifício:
Quem como seu suor a fecunda e
[umedece, Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Vê pago o seu esforço, e é feliz, e Arte pura, inimiga do artifício,
[enriquece! E a força e a graça na simplicidade”.
EXERCÍCIOS
marcada pela complexidade que, nos
versos, se manifesta em vocabulário
seleto.
MACHADO DE ASSIS
Machado de Assis
(1839-1908)
Bons dias!, 1888-1889
50
23 de maio: fim do ministério João Alfredo, − Dessa forma, é razoável pressupor que o
impossibilitado de governar em razão das público para o qual Machado se dirigia não
divisões no partido conservador. Seguem só esperava opiniões críticas à instituição
várias tentativas de compor um governo escravidão, como também via na
conservador, que falham, e terminam República uma saída óbvia para os dilemas
com a chamada do Partido Liberal, com o do país. Ter em mente que Machado se
visconde de Ouro Preto como presidente dirige, em grande medida, a Abolicionistas
do Conselho: para mais detalhes ver e Republicanos é vital para compreender
crónica 43, nota 6. como ele organiza sua série de forma a
provocar os leitores.
07 de junho: o visconde de Ouro Preto
assume a presidência do Conselho. − Todas começavam com a saudação
“Bons dias!” e acabavam na despedida
11 de junho: Ouro Preto apresenta o seu com “Boas noites!”, funcionando como
programa, com muitas propostas liberais, assinatura-pseudônimo.
mas sem adotar um sistema federal.
“É impossível exagerar a importância
17 de junho: dissolve-se a Câmara dos desse verdadeiro anonimato para a
Deputados e convocam-se novas eleições; série; não se trata apenas de um novo
a nova Câmara devia reunir-se em 20 de pseudônimo, como parecia acreditar
novembro.
Magalhães Júnior. Parece claro que claramente o que é que vai fazer; o melhor
Machado ia dizer algumas coisas duras, é fazer calado. Nisto pareço-me com o
mesmo sob a capa da ironia, e queria princípe (sempre é bom parecer-se a
poder dizer essas coisas com uma gente com príncipes, em alguma coisa, dá
margem extra de liberdade, sem sofrer certa dignidade, e faz lembrar um sujeito
consequências mais imediatas. Parece muito alto e louro parecidíssimo com o
que o disfarce funcionou à perfeição: imperador, que há cerca de trinta anos ia
como vimos, só nos anos 1950 é que a todas as festas da Capela Imperial, pour
se soube que essas crônicas eram de étonner de bourgeois; os fiéis levavam a
54 Machado”.2 olhar para um e para outro, e a compará-
los, admirados, e ele teso, grave, movendo
a cabeça à maneira de Sua Majestade. São
gostos de Bismark. O príncipe de Bismark
V. O Cronista tem feito tudo sem programa público; a
única orelha que o ouviu, foi a do finado
imperador, — e talvez só a direita, com
ordem de o não repetir à esquerda. O
“05 de abril de 1888 parlamento e o país viram só o resto.
1. Abolição da Escravatura
Podemos observar uma crítica dirigida a
quem tem opiniões facilmente, apoiando
ou negando a Abolição, sem procurar mais
“Machado de Assis enquanto cronista atentamente a razão dos acontecimentos.
seria um flâneur profeta. Não seria apenas,
como nos diz o dicionário, o “[...] passeante, Logo depois, ao dizer que chegou a uma
o que passa o tempo passeando sem opinião racional e a seus fundamentos
destino pelas ruas e praças.” (AZEVEDO, sobre a questão da liberdade e da
1989, p.694). Machado é um passeante propriedade, o cronista irá contar casos
com destino, além de observar, ele de escravos fugidos que acabaram
remexe o mais íntimo das consciências, sendo alugados por outros senhores de
esforçando-se para entender e prever os escravos, já prenunciando e denunciando
acontecimentos. Esse olhar sagaz será o que iria acontecer após a Abolição.
tematizado em sua crônica do dia 11 de
maio de 1888, dois dias antes da abolição Os escravos ao serem libertos seriam
da escravatura”. (PINHEIRO, 2012) alugados, por salário que a ironia
machadiana define muito bem.
MACHADO DE ASSIS
Sendo assim, Machado critica a euforia me os pés. Um dos meus amigos (creio
geral em relação ao abolicionismo, que ainda é meu sobrinho), pegou de outra
relativizando-o. taça, e pediu à ilustre assembleia que
correspondesse ao ato que eu acabava
de publicar, brindando ao primeiro dos
cariocas. Ouvi cabisbaixo; fiz outro
“Não é novidade para ninguém, que os discurso agradecendo, e entreguei a carta
escravos fugidos, em Campos, eram ao molecote. Todos os lenços comovidos
alugados. Em Ouro Preto fez-se a mesma apanharam as lágrimas de admiração. Caí
58 coisa, mas por um modo mais particular. na cadeira e não vi mais nada. De noite,
Estavam ali muitos escravos fugidos. recebi muitos cartões. Creio que estão
Escravos, isto é, indivíduos que, pela pintando o meu retrato, e suponho que a
legislação em vigor, eram obrigados a óleo”. (p.109-110)*
servir a uma pessoa; e fugidos, isto é,
que se haviam subtraído ao poder do
senhor, contra as disposições legais. Esses
escravos fugidos não tinham ocupação; − Machado relativiza o abolicionismo ao
lá veio, porém, um dia em que acharam reproduzir o discurso capitalista, que tem
salário, e parece que bom salário”. (p.104)* o narrador-personagem como porta-voz.
— Vai pessimamente. Está saindo dos “Com isso, John Gledson (1986) observa
eixos; é preciso que isto seja, senão com que a República nascerá da oligarquia,
a monarquia, ao menos com a república, o que mostra que a mudança de regime
aquilo que dizia o Rio-Post de 21 de junho será, simplesmente, uma mudança
do ano passado. Você sabe alemão? de rótulo: antes e depois, a oligarquia
governará.
— Não. Sem dúvida para um leitor que
não lê alemão, a citação torna-se
— Não sabe alemão? incompreensível, todavia há uma pista
de seu significado nas expressões
E dizendo-lhe eu outra vez que não transparentes: konstitutionelle Monarchie
sabia, ele imitando o médico de Molière. e absolute Oligarchie”. (PINHEIRO, 2012)
dispara-me na cara esta algaravia do
diabo:
interior da Bahia, onde a pedra caíra mais se bem que os Estados Confederados,
de um século antes, a fim de trazê-la para quando redigiram a sua constituição,
o Rio. declararam no preâmbulo:
- Não é?
Na crônica 05, do dia 4 de maio de 1888,
o tema da ausência de princípios políticos - Claríssimo”. (p.100)*
MACHADO DE ASSIS
ou não, hábil em cooptar inclusive as reflexão crítica de Bons Dias! Revista Letras,
manifestações intelectuais com “espírito Curitiba, n. 62, p. 11-25. jan./abr. 2004. Editora
de oposição histórica”. As crônicas de UFPR.
Machado de Assis demonstram uma
consciência do caráter cíclico e repetitivo
da história, incluindo a repetição do
movimento de “cooptação pela direita”
ou de “migração da ‘esquerda’” no cenário
político-social brasileiro. É bem verdade
66 que as teses, as deduções e o dogmatismo
conservadores seriam atualizados,
isto é, os produtos dos pactos liberais-
conservadores seriam “readequados”,
na medida em que atendessem aos
interesses tecnocráticos de poder”.
(BETELLA, 2004)
Referências:
EXERCÍCIOS
vista das ruínas de uma civilização. Não é era nada; entendi que, perdido por mil,
a saudade piegas, mas a recomposição do perdido por mil e quinhentos, e dei um
extinto, a revivescência do passado”. jantar.
EXERCÍCIOS
A partir da leitura de Bons dias!, de rompue; está começada a crônica.
Machado de Assis, e do seu conhecimento
sobre a obra do autor, assinale a Mas, leitor amigo, esse meio é mais
alternativa que contém uma característica velho ainda do que as crônicas, que
da sua escrita presente no trecho em apenas datam de Esdras. Antes de Esdras,
destaque: antes de Moisés, antes de Abraão, Isaque
e Jacó, antes mesmo de Noé, houve calor
a) Ambiguidade e pessimismo, notável na e crônicas. No paraíso é provável, é certo
metáfora da natureza como representação que o calor era mediano, e não é prova do
dos partidos conservador e liberal. contrário o fato de Adão andar nu. Adão
andava nu por duas razões, uma capital
b) Crítica à sociedade burguesa e e outra provincial. A primeira é que não
sua superficialidade, representada havia alfaiates, não havia sequer casimiras;
pela indiferença quanto aos princípios a segunda é que, ainda havendo-os,
fundadores dos ideais republicanos. Adão andava baldo ao naipe. Digo que
esta razão é provincial, porque as nossas
c) Ironia e angústia, devido às manobras províncias estão nas circunstâncias do
políticas diante da iminente queda do primeiro homem”.
Império.
(ASSIS, M. In: SANTOS,J .F. As cem melhores
d) Metalinguagem, observada em “jamais crônicas brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva,
consentiria que nenhuma das duas formas 2007)
de governo se sacrificasse por mim; eu é
que era por ambas”. Um dos traços fundamentais da vasta
obra literária de Machado de Assis
e) Proximidade com leitor, presente no reside na preocupação com a expressão
jogo teatral do trecho “Vede uma floresta! e com a técnica de composição. Em O
(exclamaria, levantando os braços). Que nascimento da crônica, Machado permite
potente liberdade!”. ao leitor entrever um escritor ciente das
características da crônica, como:
MACHADO DE ASSIS
poligamia. Cristianizou-se. Jurou deixar os “Penso muito nessa tal Julieta ou Juliana.
costumes bárbaros de casar com muitas Mulher bonita, ouvi dizer. Tem com o meu
mulheres para tornar-se monógamo ou Tony muitos filhos, não sei quantos. É
celibatário. Tinha o poder e renunciou. A um segundo lar, sólido e fixo. Na minha
prática mostrou que com uma só esposa mente correm ideias macabras. De
não se faz um grande patriarca. Por isso repente apetece-me ferver um pote de
os homens deste povo hoje reclamam óleo e derramar na cara dessa Julieta ou
o estatuto perdido e querem regressar Juliana, para eliminá-la do meu caminho.
às raízes. Praticam uma poligamia tipo Apetece-me andar à pancadaria como
78 ilegal, informal sem cumprir os devidos uma peixeira. Rezo. Rezo com todo o
mandamentos. Um dia dizem não aos fervor para que essa mulher morra e vá
costumes, sim ao cristianismo e à lei. para o inferno. Mas ela não morre e nem o
No momento seguinte, dizem não onde romance acaba. Enquanto ela viver, nunca
disseram sim, ou sim onde disseram não. terei o meu marido por completo e eu não
Contradizem-se, mas é fácil de entender o quero dividir com ela. Marido não é pão
A poligamia dá privilégios. Ter mordomia é que se corta com faca de pão, uma fatia
coisa boa: uma mulher para cozinhar, outra por cada mulher. Só o corpo de Cristo é
para lavar os pés, uma para passear, outra que se espreme em gotas do tamanho do
para passar a noite. Ter reprodutoras de mundo para saciar o universo de crentes
mão-de-obra, para as pastagens e gado, na comunhão de sangue”. (p.18)*
para os campos de cereais, para tudo, sem
o menor esforço, pelos simples facto de
ter nascido homem”. (p.81-82)*
− Luísa:
— Muito, muito!
− Gaby:
— O que te faz então procurar uma
nova mulher? Mulher com quem Tony viaja para a
França, enquanto todos acreditavam que
— Nova quê? ele tinha morrido.
Foi a 25ª esposa de um rei, a quem foi A obra tem seu tempo situado por volta
entregue como pagamento de uma dívida de 2002, portanto, próximo à libertação
de seu pai. colonial e à guerra civil moçambicana.
Teve dois filhos de um guarda e na velhice “Um estrondo ouve-se do lado de lá.
mantém dois maridos vivendo juntos. Uma bomba. Mina antipessoal. Deve ser
a guerra a regressar outra vez. Penso
Ajudará Rami na decisão de tornar-se a em esconder-me. Em fugir. O estrondo
primeira esposa de um polígamo. espanta os pássaros que voam para a
segurança das alturas. Não. Não deve
ser o projétil de uma bala. Talvez sejam
dois carros em colisão pela estrada fora.
PAULINA CHIZIANE
Lanço os olhos curiosos para a estrada. nobre, com o irmão de circuncisão. Esposa
Não vejo nada. Apenas silêncio. Sinto um é água que se serve ao caminhante, ao
tremor ligeiro dentro do peito e fico imóvel visitante. A relação de amor é uma pegada
por uns instantes. Um bando de vizinhas na areia do mar que as ondas apagam. Mas
caminham na minha direção. deixa marcas. Uma só família pode ser um
mosaico de cores e raças de acordo com
— Rami! o tipo de visitas que a família tem, porque
mulher é fertilidade. É por isso que em
— O que foi? muitas regiões os filhos recebem o apelido
da mãe. Na reprodução humana, só a mãe 85
— O carro”. (p.09)* é certa. No sul, a situação é bem outra. Só
se entrega a mulher ao irmão de sangue
ou de circuncisão quando o homem é
estéril”. (p.35-36)*
“O tempo transcorrido Na ação de
Niketche não tem marcas claras, assim
também como não são oferecidas
marcações temporais que permitem ao “As vozes das mulheres do norte
leitor localizar mais precisamente a obra. censuram em uníssono. No sul a
A opção da autora por manter nebuloso sociedade é habitada por mulheres
esse aspecto da narrativa contribui para a nostálgicas. Dementes. Fantasmas. No sul
noção de atemporalidade que, associadas as mulheres são exiladas no seu próprio
à contemporaneidade, torna ainda mais mundo, condenadas a morrer sem saber o
chocante o desenrolar do enredo. Pela que é amor e vida. No sul as mulheres são
profusão de acontecimentos incluídos na tristes, são mais escravas. Caminham de
ação do livro, compreende-se que toda a cabeça baixa. Inseguras. Não conhecem
narrativa se desenvolve por mais de um a alegria de viver. Não cuidam do corpo,
ano na vida das personagens. Apenas nem fazem massagens ou uma pintura
um aniversário de Tony é mencionado e para alegrar o rosto. Somos mais alegres,
não há outras referências a outras festas lá no norte. Vestimos de cor, de fantasia.
anuais”. (SOARES, 2021) Pintamo-nos, cuidamo-nos, enfeitamo-
nos. Pisamos o chão com segurança. Os
homens nos oferecem prendas, ai deles
se não nos dão uma prenda. Na hora do
casamento o homem vem construir o
VIII. Linhas Temáticas lar na nossa casa materna e quando o
amor acaba, é ele quem parte. No norte
1. Cultura das regiões Sul e Norte. as mulheres são mais belas. No norte,
ninguém escraviza ninguém, porque tanto
“As culturas são fronteiras invisíveis homens como mulheres são filhos do
construindo a fortaleza do mundo. Em mesmo Deus. Mas norte, o homem é Deus
algumas regiões do norte de Moçambique, também. Não um deus opressor mas um
o amor é feito e partilhas. Partilha-se deus amigo, um deus confidente, um deus
mulher com o amigo, com o visitante companheiro”. (p.152-153)*
PAULINA CHIZIANE
Referências
https://www.brasildefato.com.br/2016/09/21/a-
escrita-sagrada-da-romancista-mocambicana-
paulina-chiziane, acessado em 16/09/2021.
90
SOARES Filho, Maurício. Niketche/Paulina
Chiziane: Análise de Maurício Soares Filho – 1
ed.- São Paulo: SOMOS Sistema de Ensino,
2021.
EXERCÍCIOS
para o Norte da África, já que nessa região
as mulheres eram mais respeitadas. c) Somente as afirmativas I e II estão
corretas.
b) Abandona o lar e vai para o Sul da
África, torna--se escritora que denuncia as d) Somente as afirmativas III, IV e V estão
condições das mulheres africanas. corretas.
I e III.
II.
92 II e III.
EXERCÍCIOS