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RELAÇÕES DE PODER NO CONTO “FLOR DE CERRADO”1*

Alan Marcio Vitorino2**

RESUMO: A literatura contemporânea traz uma forma peculiar de denunciar os problemas


existentes na sociedade de um modo geral, com este artigo proponho fazer uma análise no
conto, de Maria Amélia Mello, “Flor de cerrado” numa perspectiva social e psicológica,
enfocando a temática das relações de poder.
PALAVRAS-CHAVE: Violência social, carência afetiva, relações de poder, literatura
contemporânea.

A leitura de um texto literário, desperta em nós um sentimento novo, revigora


nosso ânimo, enche-nos de prazer, transferindo-nos para um mundo idealizado.
Esse é um dos motivos que fazem o escritor compor cada vez mais novos escritos
para seus leitores. A partir dessa atenção conquistada desses adeptos da leitura que
eles colocam em suas produções denúncias da vida real. Frente ao exposto,
passemos a analise o conto “Flor de cerrado”, da contemporânea Maria Amélia
Mello, destacando alguns conflitos presentes no texto.
Publicado em 1984 no livro “Ás oito, em ponto” e posteriormente, em Buenos
Aires no ano de 2005, editado numa antologia de contos brasileiros como “Flor del
Desierto” e posteriormente selecionado para fazer parte do livro “Os cem melhores
contos brasileiros do século” organizado por Ítalo Moriconi, que engloba grandes
nomes da literatura contemporânea no Brasil á exemplo de Mello, comunicadora,
professora, jornalista, editora e escritora, e publicou também, além do citado acima,
o livro “Compasso de espera” (poemas, 1973) e atualmente faz palestras e edita
grandes nomes da literatura brasileira e internacional, através da editora José
Olympio, que nos presenteou com este conto sensacional, uma alusão as atitudes
do ser humano na contemporaneidade.

1 * Artigo apresentado ao Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias do Campus XXI-UNEB,


Ipiaú como Trabalho de Conclusão do Curso de Licenciatura em Letras / Habilitação em Língua
Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa, sob orientação do Profº Mestrando Tarcísio
Cordeiro.
2** Aluno concluinte do curso de Letras da Universidade do Estado da Bahia, Campus XXi, Ipiaú.
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Em “Flor do cerrado”, Maria Amélia Mello se insere no quadro contemporâneo


dos temas relacionados à análise dos comportamentos humanos. A autora utiliza-se,
no aspecto formal, do conto, gênero que desponta com força estética nas últimas
décadas da literatura brasileira. A respeito desta estrutura literária convém lembrar
que sua origem está relacionada a tradição oral das sociedades primitivas, passando
por reformulações até chegar aos nossos dias com acendrado caráter estético,
segundo Reis (1987, p.10) o conto pode ser entendido:

(...) como forma simples, expressão do maravilhoso, linguagem que


fala de prodígios fantásticos, oralmente transmitidos de gerações a
gerações, (...) adquirindo uma formulação artística, literária,
escorregando do domínio coletivo da linguagem para o universo do
estilo individual de um certo escritor.

Desta forma, simples e maravilhosa, ele tem uma característica peculiar em


relação a outras expressões textuais e vem acompanhando a humanidade em sua
trajetória no espaço e no tempo. Piglia (2001, p. 24), diz ainda que a construção do
conto faz transparecer, de forma artificial, algo que estava oculto, reproduzindo, de
modo renovado, buscar sempre uma experiência única que nos permita ver, sob a
superfície opaca da vida, uma verdade secreta.
O conto contemporâneo reflete as crises políticas e sociais, o
desenvolvimento tecnológico e industrial e a busca incessante da liberdade e
democracia. Uma nova narrativa emerge, reflexo do que se foi vivenciado nas
últimas décadas, substitui-se a estrutura clássica pela construção de um texto curto,
com o objetivo de conduzir o leitor para além do dito, para a descoberta de um
sentido do não-dito. A ação se torna ainda mais reduzida, surgem monólogos, a
exploração de um tempo interior, psicológico. A linguagem pode, muitas vezes
chocar pela rudeza, pela denúncia do que não se quer ver. Desaparece a
construção dramática tradicional que exigia um desenvolvimento, um clímax e um
desenlace. Em contrapartida, cobra a participação do leitor, para que os aspectos
constitutivos da narrativa possam por ele ser encontrados e apreciados. Exige uma
leitura que descortina não só o que é contado, mas, principalmente, a forma como o
fato é contado, a forma como o texto se realiza.
Em “Flor de cerrado”, é possível perceber marcas contemporâneas desde o
título dado ao texto. Uma vez que flor de cerrado é uma flor típica da região dos
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cerrados cujo clima é quente, semi-úmido e notadamente sazonal, com verão


chuvoso e inverno seco. A flor do cerrado também é conhecida como flor do diabo.
O titulo remete para algo que sobrevive em um lugar de pouca vegetação,
pela péssima qualidade nutricional de seu solo para o plantio de variedades
herbáceas. “Depois de tanta água, tanto sal, a seca rachando a terra, flor enfiada no
meio do barro, resistindo sabe lá o que” (MELLO, 2001, p. 467). Considerando a
realidade do homem na sociedade e o lugar em que vive, o solo onde pisa e seus
problemas do cotidiano, de cada um trazidos para o texto, nos grandes centros
urbanos. É a narrativa de uma história que ocorre com freqüência nesses espaços.
Em síntese, o enredo do conto apresenta a história em que a personagem
feminina é assaltada por um jovem. O primeiro ato do rapaz é olhar para o sapato
dela, conforme o narrador conta e reafirma no final. Os artifícios usados pelo jovem
são determinantes no reconhecimento e na condução do assalto: “(...) anda logo pra
cá e fica quietinha ou te passo fogo.(...)” (MELLO, 2001, p. 466).
No entanto, chega um momento em que a personagem protagonista, no caso
a mulher, depois de refeita do susto inicial, acaba aproveitando-se da situação.
Seduz o jovem por meio de conversas, do tipo “Me diz seu nome”, “Por que é que
você assalta” (MELLO, 2001, p. 467), tentando atrair a atenção dele. Eles trocam
palavras, cada um tentando dominar a situação naquilo que tem interesse. E isso
culmina em um ato sexual, no meio da rua.
Tudo o que acontece, o narrador detalha cada instante minuciosamente, ora
narrando o que cada personagem faz e o ambiente, ora descrevendo o que a
personagem principal e o jovem falam, traços típicos da contemporaneidade. Em
alguns momentos o narrador se confunde com a personagem. Segundo DAL
FARRA (1978, p.19), o narrador representa o autor, sendo uma espécie de porta
voz, sempre presente e sabedor do mundo romanesco; quando numa seqüência
narrativa, alterna-se narrador-personagem e narrador-observador, a dimensão dessa
onipresença é ampliada, pois, ao mesmo tempo em que a personagem revela seu
mundo interior, o leitor tem a possibilidade de analisar os fatos sob o ponto de vista
neutro sem interferir ou se envolver. Neste conto, observa-se essa característica da
literatura contemporânea quando o narrador se quer pessoal e objetivo, mas, no
fundo, se confessa envolvido ao tomar para si a fala da personagem. Fica
estruturada , então, uma estratégia que ao mesmo tempo assegura a atenção do
leitor, e rompe com a tradição clássica do narrador em 3ª pessoa.
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Os traços metalingüísticos são muito usados, fazendo relação dos próprios


personagens com objetos: “Eu estava aberta, vasculhada, escancarada pra rua, a
policia entrando sala adentro, sem ordem, invadindo as dependências, virando livros
e papéis no chão.” (MELLO, 2001, p. 469). Essa literatura está aberta, escancarada,
pronta para ser invadida pelo leitor na busca de entender seu cotidiano, com suas
divergências e seus conflitos que imperam na busca egocêntrica de cada um pelo
poder dentro da narrativa.
E nessa narrativa fica clara a relação de poder em duas vertentes: A violência
e a sedução. Inicia-se com a personagem adolescente na abordagem de seu alvo, a
protagonista, anunciando o assalto: “anda logo pra cá e fica quietinha ou te passo
fogo” (MELLO, 2001, p. 466). Prontamente exerce o poder com brutalidade, levando
tudo que é de seu interesse, além da tranqüilidade de sua vítima. Com o
desenvolvimento da ação, a personagem vitimada pelo assalto, desperta interesse
pelo garoto, tomando para si, parcialmente, o controle da situação. Essa troca de
poder é relatada pelo narrador, “Foi a primeira troca, a vantagem estava comigo”
(MELLO, 2001, p. 467).
Esse conflito na troca de dominação, submete o ser. Inconscientemente fica
esse vai-e-vem na troca de poder, passando ora no domínio de um, ora no domínio
do outro. Para Silveira (1999, p. 4):

A “relação de poder” é uma relação de intercambio, donde o poder


reside na margem de liberdade que disponha cada um dos atores
comprometidos, dado sua maior ou menor capacidade e
possibilidade de recusar o que o outro lhe pede ou incidir no curso de
suas ações ou decisões.

Nessa margem de liberdade é que reflete a ação de cada uma das


personagens. No momento em que o jovem anuncia o assalto, ele se sente livre, é o
dono da situação. A arma é a sua segurança, a qual lhe garante total poder sobre
quem ele aborda, apesar disso não lhe passa tranqüilidade: ”O olhar dele entregava
o medo e o medo vinha bater nos meus pés feito um gato ou outro bicho qualquer
que se ajeita diante do dono” (MELLO, 2001, p. 466).
Por outro lado, chega um certo momento em que a vitima se acalma,
percebendo o estado de emoção do seu agressor, reconhece a sua margem de
liberdade e começa a conduzir a situação.
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O jovem tenta retomar o poder com ameaças: ”Que que ta olhando, hein
dona? (...) Num se move não, moça, esse bicho aqui num gosta de conversa”
(MELLO, 2001, p. 467). No entanto, para conseguir o que queria, a personagem
feminina, usa da sedução para atingir seu objetivo.
Numa relação de dominação a pessoa com mais poder no momento
aproveita-se do mais fraco e tira vantagens. Essa relação de poder pode ser, física
ou psicológica.
No caso especifico da personagem feminina, a dominação foi psicológica,
onde o dominador previamente sabia como atuar. Através de uma análise da
situação ele ataca a pessoa a quem ele domina. Para Foucault (Apud CZESZAK,
2004), “não há relação de poder sem uma constituição correlata de um campo de
conhecimento (...)”. Cada personagem sabia o que estava fazendo. Com a margem
de liberdade e o conhecimento da situação, cada um conduziu a seu modo essa
relação de poder.
Segundo Mill (2004, p 15), as relações sociais existentes entre os sexos, não
deveriam estar condicionadas a subordinação de um indivíduo ao outro, pois esta
condição é um dos principais obstáculos para o desenvolvimento humano, mesmo
porque, deveria tal subordinação ser substituída por um principio de igualdade, sem
qualquer poder ou privilégio para um lado e incapacidade para o outro.
Falaremos sobre essas duas situações de relação de poder exercida por cada
personagem, com o objetivo de traduzir as possíveis evidências que os levaram a
cometer suas ações de violência e sedução.

VIOLÊNCIA SOCIAL

Ao mostrar o perigo encontrado nas grandes cidades, que de maneira


específica ou não deixa uma pessoa sobressaltada, a autora enfoca neste momento,
um medo iminente ao andar pelas ruas à noite. “Se eu dissesse que o medo nasce
no estômago como uma flor de cerrado, deveria acrescentar que nascia uma
plantação bem no meio da minha barriga” (MELLO, 2001, p. 466). Essa brutal
violência mexe com a emoção do ser humano, e o primeiro sentimento que vem é de
medo e pânico. Expõe, ainda, com precisão uma situação de violência típica das
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grandes cidades: o assalto, do qual é vitima a personagem, cuja semelhança com a


vida real não será mera coincidência.
A violência é um tema muito discutido hoje em dia e a produção de Maria
Amélia traz este tema. Tratando-se de um assalto, não se pode fugir da questão
violência, pois de modo geral, segundo Miranda (2006) pode ser considerada como
o uso de ações ou palavras que machucam as pessoas, o uso abusivo ou injusto do
poder, assim como o uso da força que resulta em ferimento, sofrimento, tortura ou
morte. Especificamente, no conto retrata a violência do tipo estrutural e sistêmica,
caracterizada:

pelo destaque na atuação das classes, grupos ou nações econômica


ou politicamente dominantes, que se utilizam de leis e instituições
para manter sua situação privilegiada, como se isso fosse um direito
natural.” (Apud MIRANDA, 2006)

Com isso, cria-se uma condição extremamente adversa e injusta da


sociedade para com a parcela menos favorecida de sua população. Expressa-se aí
pelo quadro de miséria, má distribuição de renda, exploração dos trabalhadores,
crianças nas ruas, falta de condições mínimas para a vida digna, falta de assistência
em educação e saúde. Trata-se de uma população de risco, sofrendo no dia-a-dia os
efeitos da violação dos direitos humanos. “Ele, me roubando, revelava sua miséria e
sua dor” (MELLO, 2001, p. 467).
Por conseqüência, milhares de jovens nesta situação de risco passam a
assaltar, roubar, matar pela própria sobrevivência e, portanto, o risco passa a ser
também do outro lado. Segundo as palavras atribuídas a Mahatma Gandhi: “a
pobreza é a pior forma de violência”. Essa situação de risco é bem colocada pelo
narrador quando a “grã-fina” com sua bolsa e roupas da melhor qualidade é
surpreendida pelo jovem assaltante.
A violência faz com que a democracia seja ofuscada, pois na verdade é
imposta. “Essa falência em implementar a lei enfraquece a vigência e dificulta o
fortalecimento da legitimidade do governo democrático como promotor da cidadania”
(Miranda, 2006). Por isso mesmo, sistêmica, porque grande parte dos governantes
nada faz para resolver esse problema estrutural, atingindo diretamente o foco
determinante da violência, seja ela contra o patrimônio ou de opressão. Muitas
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vezes com uma pratica autoritária, profundamente enraizada, ineficaz no combate


da mesma.
Em certo sentido, a explosão da violência urbana revelou-se de maneira
combinada com a desigualdade, o desemprego e a escassez de perspectiva da
mobilidade social ascensional, as condições de produção e reprodução da nova
exclusão social. Mesmo sem ter vencido plenamente a velha exclusão (pobreza,
analfabetismo e baixa escolaridade), o país passou a despontar pelo avanço mais
recente da nova exclusão social (desemprego, desigualdade de renda e como
conseqüência a violência) de acordo com Pochmann (2003).
Por esses fatores, alguns escritores vêem como uma forma alternativa de
mostrar a sociedade toda essa inquietação para com a segurança do ser humano: a
autora quis mostrar essa insegurança em seu conto, de uma linhagem
contemporânea. E a literatura vem denunciar toda essa indignação da sociedade de
uma forma prazerosa, por se tratar de um texto literário, e até um tanto satírica.
Surge a questão: As necessidades de cunho econômico e financeiro, em que
a personagem do jovem, poderia estar passando é uma forma de violência contra o
ser humano?
Perceba bem a proposição causal da violência contida em seu olhar [do
jovem]: “Ele me olhava como um menino, e ia pedir pão, dinheiro, trocado pro doce”
(MELLO, 2001, p. 467). Notadamente, a própria vitima sente a necessidade do seu
“carrasco”.

Pois bem, não é possível analisar a violência de uma única maneira, tomá-la
como um fenômeno isolado. Sua própria pluralidade é a única indicação do
politeísmo de valores, da polissemia do fato social investigado. O termo violência é
uma maneira cômoda de reunir tudo o que se refere à luta, ao conflito, ao controle,
ou seja, à parte sombria que sempre atormenta o corpo individual ou social. Assim,
segundo Miranda (2006) a violência pode, ainda, ser classificada como: conflitos
sociais e políticos, exclusão, repressão, terrorismo, guerras civis e tiranias. É uma
violência que gera outra violência. Muitos governos privilegiam a autoridade em
detrimento do consenso, da busca de soluções unilaterais. Por isso, em troca, vem-
se mais violência.

E como conseqüência disso, vários jovens na rua assaltando, matando,


seqüestrando, cometendo as maiores atrocidades contra a vida e a liberdade do ser
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humano em geral: “A ameaça vinda de um menino parecia um rio em busca do mar”


(MELLO, 2001, p. 466). Isto é um reflexo da situação econômica ou da própria
violência praticada contra si e sua família na comunidade. São essas as condições
encontradas na personagem adolescente no conto. É mais um que sai às ruas a
assaltar quem atravessa seu caminho, na esperança de conquistar muitas vezes o
que nem mesmo ele sabe.

Mesmo com tudo isso, a personagem feminina sentiu aflorar dentro de si um


desejo: ser possuída pelo jovem, nada comum numa situação como essa. Uma das
possibilidades para tal situação é a carência afetiva.

CARÊNCIA AFETIVA

A autora evidenciou em seu conto o jogo de sedução feito pela personagem


feminina. Tal jogo leva a um certo entendimento: havia uma carência afetiva na
personagem, que a leva a aproveitar-se da situação e usar de artimanhas para
conquistar o garoto. Veja este dialogo:

“Me diz seu nome, diz. Ele se espantou. Que qui há, dona? A
curiosidade começou a crescer. (...) É, o seu nome. Como você se
chama?(...)
A vantagem aumentava. Ele sem perceber cedia.(...)” (MELLO, 2001,
p. 467)

Muito embora a situação da personagem, no caso a mulher, fosse


complicada, a necessidade afetiva despontava naquele momento. E ela deixa-se
levar por aquele sentimento intimo.
O que poderia tê-la levado a tal ponto? Segundo Lewin (1999) o grau de
carência provoca uma tensão na pessoa. Uma necessidade em estado de carência
significa não só que uma região particular no íntimo da pessoa está sob tensão, mas
também que a pessoa, como um todo, se encontra em elevado nível de tensão. Isso
vale principalmente para as necessidades básicas, como sexo e segurança.
É bem provável que a personagem tenha entrado em seu estado de tensão
devido a uma carência afetiva muito grande. “E me batia uma vontade sem freios de
beijar ele todinho, lamber aquela fome toda, saquear todos aqueles
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assaltos(...)”(MELLO, 2001, p. 468). A afetividade determina, em muitos casos, a


atitude geral da pessoa diante de qualquer experiência vivencial. Promove os
impulsos motivadores e inibidores, percebe os fatos de maneira agradável ou
sofrível, confere uma disposição indiferente ou entusiasmada e determina
sentimentos que oscilam entre dois pólos, a depressão e a euforia, segundo Ballone
(2003): “A voz dele batia na minha pele e eu deixava escorrer, fazendo ele pensar
que comandava o espetáculo” (MELLO, 2001, p. 467). Com isso não houve limite
para tamanha petulância. Ela sequer deu conta do risco que estava correndo: “Esse
bicho(...) chove bala e fura seu corpinho todo. (...) Ele falou ‘corpinho todo’” (MELLO,
2001, p. 467). Embora diferentes pessoas possam viver os mesmos fatos e
acontecimentos, elas sentirão tais fatos e acontecimentos de maneira diferente e
pessoal. Perder um mesmo objeto, sofrer a perda de um mesmo familiar, ouvir uma
mesma música, comer uma mesma comida, etc., poderão causar diferentes
sentimentos em diferentes pessoas. “Eu saboreava aquele fruto silvestre e ele
pensava que transava com uma grã-fina, como gemia pra dentro” (MELLO, 2001, p.
469).
Qualquer um faria de tudo para terminar aquela situação, e que o seu algoz
fosse embora o mais rápido possível. “A ameaça era mais uma tentação” (MELLO,
2001, p. 467). Contudo, naquele momento ela encontrou uma oportunidade para
realizar seus desejos, aprisionados dentro do seu íntimo: “A fome dele (de assaltar)
não parecia ter destino. A minha esperava, estava aprisionada e gritava no cerrado”
(MELLO, 2001, p. 467).
É bem provável que essa carência acompanhava-a a tempos, fruto de alguma
repressão, vinda de si própria ou de outrem, despertado naquele momento: “E agora
esse menino vem mexer nas minhas veias e ativar meu sangue(...)” (MELLO, 2001,
p. 468). Para Kokken (1973, p 10-11), Enquanto um jovem na sua mais tenra idade
pode facilmente conter o desejo sexual, por causa das diversas atividades, como o
esporte, o estudo, sendo estes um modo de escoamento de energia, um homem ou
mulher mantém-se reprimido ou tem ausência afetiva depois da idade núbil 32, tornar-
se-á frustrado em conseqüência de desejos irrealizados. Esta é uma provável causa
dessa atitude, pois o sexo é um estabilizador indispensável e age como um
tranqüilizador de coração ardente de paixão, contribuindo de diversas maneiras para
o desenvolvimento emocional e físico na idade adulta e assegurando o
32 Até os trinta anos.
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desenvolvimento de uma mente sadia e a preservação de um corpo saudável. O


oposto resulta dos vários abusos.
Nessas atitudes tão conflitantes de violência e sedução, percebe-se a busca
deliberada de cada personagem por aquilo que está decido a fazer, sem se importar
com as conseqüências, com o outro, exercendo piamente a relação de poder entre o
dominador e o dominado.
“A primeira coisa que ele fez foi olhar para o meu sapato. Ele podia ter me
matado, eu sei. Ele bem que podia ter me salvado”. (MELLO, 2001, p. 470)

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