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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura

A “redescoberta” da Baixada Fluminense:


Reflexões sobre as construções narrativas midiáticas
e as concepções acerca de um território físico e simbólico

El “redescubrimiento” de la Baixada Fluminense:


Reflexiones sobre las construcciones narrativas mediáticas
y las concepciones acerca de un territorio físico y simbólico

The “rediscovery” of the Baixada Fluminense:


Reflections about the narrative constructions of the media
and the conceptions of a physical and symbolic territory

Ana Lucia Enne1

Resumo:

Palavras chave: Neste artigo, busca-se pensar a relação entre as concepções acerca de
um território urbano – no caso, a Baixada Fluminense – e as construções
Cultura discursivas produzidas na imprensa carioca e brasileira no decorrer da
década de 1990. Analisando matérias jornalísticas que têm como objeto
Baixada Fluminense a Baixada, é possível perceber um deslocamento de sentidos acerca da
mesma, através dos quais os jornais atuam como agentes legitimadores
Discurso
tanto da memória/passado quanto do projeto/futuro acerca da região.
Identidade Neste sentido, entendemos que a conformação das identidades está
fortemente atravessada pela dimensão da cultura, fazendo com que
Disputa haja um embaralhamento entre as condições físicas e materiais de um
espaço e suas apropriações simbólicas, gerando uma luta permanente
em torno do imaginário acerca desse espaço enquanto lugar significado.

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Resumen:

En este artículo, se busca pensar la relación entre las concepciones Palabras clave:
acerca de un territorio urbano – en este caso, la Baixada Fluminense
– y las construcciones discursivas producidas en la prensa carioca y Cultura
brasileña con el transcurrir de la década de 1990. Analizando artículos
periodísticos que tienen como objeto la Baixada, es posible percibir un Baixada Fluminense
desplazamiento de sentidos acerca de la misma, a través de los cuales
Discurso
los periódicos actúan como agentes legitimadores tanto de la memoria/
pasado como del proyecto/futuro acerca de la región. En este sentido, Identidad
comprendemos que la conformación de las identidades está fuertemente
atravesada por la dimensión de la cultura, haciendo con que haya una Disputa
mezcla entre las condiciones físicas y materiales de un espacio y sus
apropiaciones simbólicas, generando una disputa permanente alrededor
del imaginario acerca de ese espacio como lugar significado.

Abstract:

Keywords: The aim of this article is to reflect on the relationship between


the conceptions of an urban territory – in this case, the Baixada
Culture Fluminense – and the discursive constructions produced in the Carioca
and Brazilian press throughout the 1990s. By analyzing journalistic
Baixada Fluminense articles that have as an object the Baixada Fluminense, it is possible
to notice a shift of meanings about it, by which the newspapers act
Discourse
as legitimizing agents of both memory/past and project/future of the
Identity region. In this sense, we understand that the conformation of identities
is heavily crossed by the cultural dimension, so that there is a shuffle
Dispute between the physical and material conditions of a space and its
symbolic appropriations, generating a constant dispute around the
imagery of this space as a signified place.

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Não se trata aqui de uma informação


A “redescoberta” da Baixada Fluminense: visual apenas, mas de uma informa-
Reflexões sobre as construções narrativas ção conceitual, uma construção ima-
midiáticas e as concepções acerca de um ginária complexa montada a partir de
território físico e simbólico fragmentos de realidade midiática que
apontam para um sentido. O conjun-
to de referências visuais, sonoras,
Em 30 de abril de 1992, foi inaugu- impressas, de expressões culturais
rada a primeira etapa da chamada Linha das mais diversas: críticas, elogios,
Vermelha, via expressa que liga a Baixada escândalos, belezas naturais, noções
Fluminense à cidade do Rio de Janeiro.2 de cidadania que geram imagens de
Em 1994, a obra foi finalmente apresenta- aspectos da cidade. As múltiplas ima-
da de forma completa aos moradores des- gens também condensam impressões,
sa região, fazendo a conexão direta com referências, sentidos, que por sua vez,
diversas outras vias expressas de grande no seu conjunto, geram uma imagem
importância, como a Avenida Brasil e as de toda a cidade. (2006, p.107)
Rodovias Washington Luiz e Presiden-
te Dutra. Com esta intervenção urbana, Da mesma forma, Atília Arantes
o tempo de percurso entre determinados nos lembra que o estudo do urbano “virou
municípios da Baixada e o Centro do Rio sobretudo matéria de discurso”, pois “se
de Janeiro reduziu-se consideravelmente, trata de atos de fala performativos, pois a
fazendo com que muitas vezes a distân- cidade também passou a ser aquilo que
cia entre a Baixada e a capital do Estado se diz dela” (2001, p.137). É neste sentido
fosse percorrida em menos de vinte mi- que temos pretendido, em nossas análises
nutos. No entanto, para além de ser uma sobre a construção de identidades para a
evidente transformação no tecido urbano Baixada Fluminense, refletir sobre o papel
e sua malha de transporte, a criação da dos múltiplos discursos e seus efeitos de
Linha Vermelha significou um importante sentido nesse processo.
marco na reconstrução simbólica do que
se entendia por Baixada Fluminense e de Como demonstrei em outros tra-
sua distância não só física como simbólica balhos,3 é possível perceber uma série
do Rio de Janeiro. de deslocamentos semânticos acerca da
categoria Baixada Fluminense na grande
Entendemos que as concepções imprensa carioca, indicando como, histo-
acerca do urbano não são estáticas e ricamente, as representações acerca da
sofrem variações a partir da construção região são transformadas, diluídas, ne-
e disputa de múltiplos discursos. Neste gociadas pela narrativa midiatizada, com
processo, os discursos midiáticos ocu- consequências claras não só nas concep-
pam lugar central. Como afirma Eduardo ções do senso comum sobre a Baixada,
Duarte, “o acúmulo de temporalidades mas na própria experiência vivida pelos
na urbe ganha uma dimensão ainda mais moradores da região. Assim, podemos de-
complexa quando sobre essa perspecti- tectar, no decorrer dos últimos cinquenta
va conceitual acrescentamos a dimensão anos do século XX, um deslocamento na
dos meios de comunicação de massa” percepção acerca da região, que, de um
(2006, p.107). São agentes fundamen- lugar ermo, até então agrário e que vinha
tais na constituição de imaginários na e sendo basicamente ocupado por sistemas
sobre a cidade. Mas, segundo Eduardo de loteamento para migrantes que traba-
Duarte, é fundamental definir o que se lhariam na capital, viria a ser representada
entende por “imagens”: na grande imprensa como um lugar mar-

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cado por diversos problemas, destacando- tiva novamente se desloque, gerando re-
-se, principalmente, a questão da violência presentações positivadas para a região.
e do abandono pelo poder público.
Alguns fatores, a meu ver, se desta-
Neste sentido, em especial no decor- cam quando pensamos neste processo de
rer das décadas de 1970 e 1980, a Baixada transformação do olhar acerca da Baixada
Fluminense foi regularmente caracterizada, Fluminense. Entendo, a partir de observa-
na grande imprensa carioca, como um “ou- ção no decorrer das pesquisas e, princi-
tro” exótico e perigoso, “terra sem lei”, “ter- palmente, das falas sobre esse ponto que
ra de ninguém”, lugar da falta de ação po- apareceram em diversas das entrevistas
lítica e policial, um espaço de desmandos, que realizei com moradores da Baixada em
pobreza, insegurança, valas negras, falta fins dos anos 1990, que a Linha Vermelha,
de cultura e atraso, dentre algumas das cuja inauguração abordei no início desse
muitas concepções negativizadoras que artigo, seja um marco fundamental nes-
encontramos no decorrer de nossos levan- te processo de deslocamento semântico
tamentos em pesquisas.4 Mais ainda: esse acerca da Baixada. Mas, para além desse
“outro”, temido e desvalorizado, se encon- aspecto, podemos perceber também que a
trava fisicamente distanciado, vivendo em Baixada passou a ser alvo de investimen-
lugares distantes da zona Sul, do centro do tos públicos e privados, como abordare-
Rio de Janeiro, de suas “belezas”, valores mos neste artigo, que lhes forneceram sig-
e pessoas. Tratava-se, de acordo com esse nos simbolicamente associados, via visão
sistema representacional hegemônico, de da grande mídia e suas posições políticas,
uma periferia no sentido territorial e cultu- aos ideais de modernização e progresso:
ral, tanto física quanto simbolicamente um remodelação de suas vias urbanas, che-
“outro” a ser temido, evitado, desprezado, gada de novas fábricas e empresas, sur-
ridicularizado, diminuído. gimento de shoppings centers e disponibi-
lidade de ofertas em termos de consumo
Mostrei em minha tese de Doutora- relacionadas a um crescimento no poder
do o quanto essa imagem negativa susci-
5
aquisitivo e cultural de seus moradores,
tou dolorosos e traumáticos estigmas, que dentre outros fatores. Para trabalharmos
irão reverberar em uma série de respostas esses aspectos, iremos analisar uma série
discursivas e práticas daqueles que a sen- de construções discursivas apresentadas
tiam mais fortemente, em especial os que em reportagens da grande imprensa ca-
viviam na Baixada e precisavam manter rioca no decorrer dos anos 1900 e início
um contato permanente com o “centro”, o da década de 2000. Antes, porém, preci-
Rio de Janeiro. samos tecer algumas considerações sobre
as relações entre a produção discursiva e
Sabemos, no entanto, que as atri- a semantização dos espaços físicos.
buições “centro” x “periferia”, bem como
a lista de valores que permitem classi-
ficar um objeto – seja ele uma pessoa, 1. Discursos e produção de sentido:
uma coisa, um lugar etc. – como melhor a transformação do espaço em lugar
ou pior, são historicamente construídas, significado
e, portanto, encontram-se permanente-
mente em processos de transformação. Sendo uma expressão socialmente
Neste artigo, enfocarei especialmente um construída, múltiplos agentes e agências
contexto histórico específico, a década de se apropriam desta categoria de “Baixada
1990, quando uma conjunção de fatores Fluminense” para emprestar-lhe os mais
irá permitir que essa configuração narra- diversos significados através de múltiplas

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construções discursivas. Todo discurso se- rios que atravessariam tais regiões baixas
ria constituído de processos parafrásticos exerceriam papéis fundamentais na confi-
e processos polissêmicos. A paráfrase re- guração econômica e social das mesmas,
laciona-se aos processos “pelos quais em tanto de forma positiva quanto negativa.
todo o dizer há sempre algo que se man-
tém, isto é, o dizível, a memória. A paráfra- As construções discursivas que
se representa assim o retorno aos mesmos apontam para a importância da rede fluvial
espaços do dizer.” Ela estaria, portanto, li- dentro da BF aparecem com frequência
gada à continuidade do discurso. Já a po- nos trabalhos produzidos acerca da Bai-
lissemia estaria ligada ao “deslocamento”, xada Fluminense, os quais examinei em
à “ruptura dos processos de significação.”6 minha tese (2002). Em alguns momentos,
os rios são vistos como fator de progresso,
Quando pensamos nas mais diver- permitindo a navegação e, consequente-
sas formas com que os muitos agentes mente, que a Baixada exercesse a função
que lidam com a categoria “Baixada Flumi- de “caminho” para a circulação de diversas
nense” irão utilizá-la, podemos perceber a produções, como o açúcar, os metais e o
presença de tais processos relativos à pa- café, embora para este já se utilizasse, de
ráfrase e à polissemia. Tal categoria terá forma mais sistemática, as ferrovias como
sentidos partilhados, especialmente quan- principal via de escoamento. Para exempli-
do relacionados a um contexto geográfi- ficar, podemos citar a seguinte passagem:
co ou como referência espacial. Mas, ao “a vasta bacia hidrográfica que (hoje) com-
mesmo tempo, são muitos os significados põe a chamada “Baixada Fluminense”, no
associados à mesma expressão, ultrapas- Estado do Rio de Janeiro, muito contribuiu
sando os sentidos partilhados e propondo para a fixação do homem à terra.”10
novas interpretações para a mesma cate-
goria. Portanto, embora os sujeitos este- Já em outros textos, são os rios – ou
jam falando de uma “Baixada Fluminense” melhor, as consequências de um processo
de forma geral – relacionada a um condi- de “abandono” das terras produtivas após
cionante geográfico -, ao examinarmos de a abolição da Escravidão e o surgimento
forma mais apurada as construções dis- das ferrovias, que teria resultado em asso-
cursivas apresentadas veremos que não reamento das redes fluviais e alagamento
se trata de uma “Baixada Fluminense”, das terras baixas, criando charcos que aju-
mas de diversas “Baixadas Fluminenses”. daram a proliferar as doenças endêmicas,
como muitos defendem – os responsáveis
Podemos pensar, neste sentido, a pela “decadência” da região, após sua
própria concepção de “baixada’. Geografi- “fase de opulência” no século XIX.
camente, esta seria definida, como “planí-
cie entre montanhas”.7 Dalva Lazaroni, por Portanto, a concepção da “Baixa-
exemplo, afirma que “as planícies, aqui, re- da Fluminense” como um conjunto de
ceberam o nome de Baixada Fluminense.”8 “terras baixas cortadas por rios” já traz
Já a categoria “fluminense” costuma ter a embutida uma concepção polissêmica
seguinte interpretação: a palavra seria de- acerca do sentido do segundo termo da
rivada de “flumen”, ou “rio” em latim.9 As- expressão, já que a ideia de que flumi-
sim, a região da “Baixada Fluminense” seria nense está associada aos rios pode ser
aquela em que terras baixas, planas, seriam pensada de forma positiva ou negativa,
recortadas por rios e em boa parte alaga- dependendo do enfoque. Da mesma for-
das, o que caracterizaria a área que iria do ma, como demonstrarei adiante, a con-
pé da serra e se estenderia por uma gran- cepção de “baixada” também será objeto
de parte do Estado do Rio. Dessa forma, os de múltiplas apropriações.

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A maior parte dos agentes sociais e “fluminense”, ambos de matriz geográfi-


que lidam com memória e história na Bai- ca, não podemos perder de vista que esse
xada opta por esta concepção geográfica é somente um dos campos de sentidos
e esta denominação – “Baixada Fluminen- com que nos defrontamos. A categoria
se” - para definir o que seria a região estu- “Baixada Fluminense” vai ser apropriada
dada ou descrita por eles, embora alguns a partir de muitas outras referências, e
autores defendam a denominação de “Re- em muitos casos associada a valores po-
côncavo da Guanabara”, “Recôncavo da sitivos e negativos. Só para citarmos um
Baía”, “Recôncavo guanabarino”, “Recôn- exemplo explícito de que os termos po-
cavo fluminense” ou ainda “Baixada da dem ser carregados de significados cono-
Guanabara”. Em termos gerais, no entan- tativos, a própria palavra “baixada”, que de
to, a classificação “Baixada Fluminense” é forma genérica designa geograficamente
a mais utilizada. Mas mesmo onde apa- uma “região de terras baixas”, tomando
rentemente se percebe um consenso, é como referência o nível do mar, para al-
possível perceber apropriações diversas, guns está diretamente associada a uma
que emprestam significados distintos a idéia estigmatizante: a região teria sido
essa mesma noção. denominada de “baixada” para indicá-la
como inferior, como “algo que está abai-
Em primeiro lugar, há uma prolifera- xo”. Neste sentido, podemos citar a decla-
ção de critérios para designar, a partir da ração de um dos entrevistados em minha
aceitação da denominação de que aquela tese: “a palavra baixa também se refere a
seria uma “baixada”, quais os municípios baixo, na realidade não tem nada a ver, é
que compõem este espaço. Podemos per- uma riqueza cultural muito grande.” Assim,
ceber, na análise do material jornalístico “baixada”, nesta acepção, seria associada
selecionado para este artigo, variações diretamente à idéia de “rebaixada”, algo
acerca desta composição, como demons- que está hierarquicamente abaixo. Ou ain-
tram os grifos que assinalei nas matérias. da a observação outro entrevistado de que
Essa variedade de critérios, como demons- a partir do momento que o “Recôncavo
trei em minha tese, pode ser encontrada da Guanabara” – para ele o nome corre-
também nos diversos textos acadêmicos to para a região – passou a ser chama-
que buscam refletir sobre a região. A partir do de “Baixada Fluminense”, ele passou
do mapeamento que realizei, detectei, no a receber um “tratamento pejorativo”. Tal
que tange ao estabelecimento de regras posição é compartilhada por um terceiro
para definir quantos e quais municípios entrevistado, que vai declarar que “Baixa-
iriam compor a região, alguns critérios di- da Fluminense passou a toponímia pejo-
ferenciados e, inclusive, antagônicos. rativa, não rara soando como sinônimo de
crime, corrupção e contravenção” (2002).
Mas, para além da diversidade em
termos de referências geográficas, a ca- Assim, muito mais do que nos de-
tegoria “Baixada Fluminense” vai assumir pararmos com uma região geografica-
também uma série de outros significados, mente delimitada, temos incidindo sobre
se apresentando como um signo em per- o conceito de região referências outras
manente construção semiológica, a partir que não a dessa ciência. Por isso, a BF
dos contextos e das interações. Ou seja, vai ser pensada tanto como uma “terra da
se em primeiro lugar é possível perceber violência” quanto um “local de importância
as divergências em termos da própria de- histórica para o Brasil”; ou como um “local
finição territorial do que seria a “região da distante e temido” ou, inversamente, um
Baixada Fluminense”, no seu sentido mais “bom lugar para se viver”; tanto quanto
fiel à própria origem dos termos “baixada” uma “região de problemas sociais crôni-

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cos” como uma “região com valores es- tais: em primeiro lugar, a classificação do
condidos que precisam ser descobertos”, que seria essa tal “Baixada Fluminense”,
entre outras conotações possíveis. As em termos espaciais, está longe de ser uma
características que são associadas à ca- unanimidade, ao contrário, é um ponto de
tegoria de “Baixada Fluminense” não são dispersão constante de interpretações que
estáticas, ao contrário, são fluidas, e estão ora se complementam, ora se chocam, po-
sendo construídas em fluxos e interações dendo ser percebida como uma categoria
dos mais diversos. objeto de conflito mais do que de consen-
so; em segundo lugar, não podemos perder
Portanto, há um nítido processo de vista que os espaços geográficos são,
polissêmico na produção da categoria antes de tudo, espaços sociais, resultantes
“Baixada Fluminense”, ou seja, há uma de intervenções e interpretações, motiva-
produção múltipla de sentidos para uma das muitas vezes por preocupações exter-
mesma unidade (ou diversas) verbal ou nas à própria lógica da Geografia.
não-verbal. Partindo do pressuposto de
que todo discurso é uma construção so- Sobre este segundo ponto, alguns
cial, em que os sujeitos, a partir de enun- conceitos se apresentam como fundamen-
ciados que lhes são anteriores e poste- tais, entre eles os de região, lugar, espaço
riores, vão produzir significados para as e território. Antes de tudo, precisamos pen-
palavras e imagens, podemos entender sar de que forma uma mesma área pode
que estas sempre são resultado de uma ser construída de forma múltipla a partir
produção social de sentidos.11 Ou, como das diferentes referências dos agentes so-
define M. Bakhtin, “o sentido da palavra é ciais. Uma cidade, ambiente urbano com-
totalmente determinado por seu contexto. plexo, deve ser pensada a partir da cons-
De fato, há tantas significações possíveis trução social que se faz dela. Da mesma
quantos contextos possíveis. No entanto, forma que pensamos as identidades como
nem por isso a palavra deixa de ser una.”12 construídas em perspectivas interrelacio-
nais, as noções de região, lugar e território
Assim, são muitas as apropriações, devem permitir um debate com os concei-
em termos de significados, da expressão tos mais estritamente ligados à Geografia e
“Baixada Fluminense”. Mas, sem dúvida, às noções que se estabelecem em outras
as referências de pertinência mais ime- ciências, especialmente na Antropologia.13
diata ao pensarmos a BF são as de cunho
geográfico, explicitamente pela referência O conceito de região passou, histo-
direta da categoria a marcos típicos des- ricamente, por diversas transformações no
ta disciplina, como as próprias noções de domínio da Geografia. De uma concepção
“baixada” e “fluminense”, além de pensar clássica, relacionada com os primórdios
os limites associados à sua composição, da disciplina, até as abordagens atuali-
em especial na escolha dos municípios zadas, o conceito foi alterado de maneira
que a integram. Entender a construção dos significativa. Assim, autores como Paulo
discursos polifônicos sobre a Baixada tem, Cesar Gomes e Marcel Roncayolo14 apon-
necessariamente, de partir deste campo tam para estas distinções e indicam um
geográfico para a percepção das diferen- desenvolvimento histórico para o conceito.
tes apropriações que serão feitas pelos
agentes e agências sociais estudados. De acordo com a geografia clássi-
ca, especialmente aquela defendida por
Porém, antes de explicarmos quais nomes como Vidal de La Blache, região
as concepções associadas a estes termos, remeteria primordialmente à noção de re-
é preciso lembrar alguns pontos fundamen- gião natural, onde o ambiente teria total

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influência sobre o padrão de vida que se parece pertinente para pensar a situação
estabeleceria nas diversas áreas. Neste da “Baixada Fluminense”, cuja definição
sentido, a natureza seria o aspecto domi- espacial, no entanto, se dá a partir de cri-
nante a definir de que se entenderia por térios naturais em um primeiro momento.
região, classificada de acordo com uma Mas o importante é pensar, a meu ver,
série de atributos distintivos que defini- como um conceito comporta tantas possi-
ria os diversos tipos de região (região da bilidades na maneira como será definido.
montanha, região das planícies, etc.).15 Os atores sociais constroem o espaço
que configura a Baixada de múltiplas for-
O conceito de região funcional, mas, inclusive a partir de referências ge-
como aquela que abriga os movimentos e ográficas no sentido mais literal do termo.
trocas que se organizam em um espaço Mas as fronteiras e os limites da Baixada
estrutural, paulatinamente vai substituindo são operados a partir de práticas e inte-
as primeiras explicações onde a natureza rações cotidianas, sendo reconstruídos
desempenha papel fundamental. No en- na experiência diária de seus moradores,
tanto, esta concepção será criticada por em situações de contato com outros mo-
aquela que ficou conhecida como geo- radores ou com pessoas de fora e a partir
grafia radical, que entra em voga a partir do discurso oficial (especificamente das
da década de 70. De inspiração marca- autoridades municipais e estaduais), da
damente marxista, esta vertente aponta mídia e das manifestações culturais.
para as concepções anteriores de região
como modelos impregnados de ideologia De certa maneira, estamos lidando
dominante, onde a diferenciação do espa- com operações de negociação onde os
ço é pensada de forma naturalizada e não agentes sociais estão buscando se apo-
como fruto da “divisão territorial do traba- derar de determinada noção que corres-
lho e do processo de acumulação capita- ponde à região. Neste sentido, podemos
lista que produz e distingue espacialmente nos remeter à raiz etimológica de região,
possuidores e despossuídos”.16 que tem em regio sua sustentação.18 É
importante reparar que o radical reg tam-
Em meados da década de 70, sur- bém funda palavras como regente, regina
ge uma nova corrente, de base humanis- (rainha) e regência, todas palavras que
ta. Autores diversos vão chamar a atenção remetem à domínio e a poder. De certa
para o papel do homem como constituidor forma, a luta pela apropriação do conceito
do espaço. Noções como “consciência de Baixada e de região, como demonstra-
regional”, “sentimento de pertencimento” rei adiante, remete ao sentido etimológico
e “mentalidades regionais” passam a ser da palavra. Trata-se de se apoderar de um
fundamentais. Sobre esta corrente, afirma domínio, de um território a ser construído
Gomes: “Neste sentido, a região existe cotidianamente, de ter uma base espacial
como um quadro de referência na cons- para a organização da ação política.
ciência das sociedades; o espaço ganha
uma espessura, ou seja, ele é uma teia de Aqui, o conceito de território tam-
significações de experiências, isto é, a re- bém merece uma avaliação. Marcelo
gião define um código social comum que José de Souza nos aponta um caminho a
tem uma base territorial”.17 ser traçado:

Esta última corrente, que passa O território (...) é fundamentalmente


a considerar a região como fruto da in- um espaço definido e delimitado por e
teração e definida a partir das relações a partir de relações de poder. A ques-
culturais e sociais que a envolvem, me tão primordial, aqui, não é, na realida-

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de, quais são as características geo- Territórios, que são no fundo antes
ecológicas e os recursos naturais de relações sociais projetadas no espa-
uma certa área, o que se produz ou ço que espaços concretos (os quais
quem produz em um dado espaço, ou são apenas os substratos materiais
ainda quais as ligações afetivas e de das territorialidades) (...), podem (...)
identidade entre um grupo social e seu formar-se e dissolver-se, constituir-se
espaço. Estes aspectos podem ser de e dissipar-se de modo relativamente
crucial importância para a compreen- rápido (ao invés de uma escala tempo-
são da gênese de um território ou do ral de séculos ou décadas, podem ser
interesse por tomá-lo ou mantê-lo, (...) simplesmente anos ou mesmo meses,
mas o verdadeiro Leimotiv é o seguin- semanas ou dias), ser antes instáveis
te: quem domina ou influencia e como que estáveis ou, mesmo, ter existência
domina e influencia esse espaço?19 regular mas apenas periódica, ou seja,
em alguns momentos – e isto apesar
Portanto, a questão central, no de que o substrato espacial permane-
que se refere à noção de território, é sua ce ou pode permanecer o mesmo.23
associação com a esfera do poder. Nes-
te sentido, o conceito de território, tanto Esta noção de território aponta para
quanto o de região, afasta-se do sentido “territorialidades flexíveis”24, flutuantes e
geográfico e aproxima-se mais de uma móveis. Para o autor, é impossível pensar a
noção política e administrativa. Assim, o noção de território em sociedades urbanas
controle sobre o território é fundamental complexas sem pensar, conjuntamente, a
para o estabelecimento do que Max We- noção de redes sociais.25 O autor propõe
ber vai chamar de comunidade política.20 que se trabalhe com territorialidades su-
Se, como Michel Foucault, entenderemos perpostas, que permitam perceber como
que “existe uma administração do saber, os atores em suas redes sociais constroem
uma política do saber, relações do poder e desconstroem seus territórios, estabele-
que passam pelo saber”, poderemos pen- cendo relações de poder e domínio que de
sar que elas remetem a “noções como fato implicam em significados diversos.
campo, posição, região, território” e que
o “termo político-estratégico indica como Uma interpretação proposta por Asa
o militar e o administrativo efetivamente Briggs nos permite trabalhar com a possi-
se inscrevem em um solo ou em formas bilidade da construção social da categoria
de discursos.”21 de lugar. Para o autor, é preciso distinguir
espaço de lugar,26 pois é através de pro-
Novamente, Souza, de maneira simi- cessos de definição e significação que o
lar a Gomes e Roncayolo, procura demons- espaço é transformado em lugar. Assim,
trar de que forma o conceito de território – à o lugar é sempre resultado da experiência
maneira de região – sofreu transformações sobre o espaço. Ele considera essencial
em seu desenvolvimento histórico. Assim, reiterar que as cidades seriam coleções de
território primeiramente era pensado como lugares tanto quanto a vivência do lugar em
“espaço concreto em si (com seus atributos si. Acredito que esta seja a concepção fun-
naturais e socialmente construídos) que é damental a ser pensada aqui. Para além de
apropriado, ocupado por um grupo social”.22 ser um espaço geograficamente demarca-
Para o autor, o senso comum – reiterado do, ou nos termos do autor, um lugar em
por alguns pensadores, especialmente os si mesmo, a “Baixada Fluminense” é uma
ligados à Geografia Política – tende a rela- coleção de lugares, todos resultantes dos
cionar território com Estado, o que empo- contextos de interação e das experiências
breceria o conceito. Para Souza, dos mais diversos agentes sociais. Portan-

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to, um lugar não é uma categoria estática, 2. Deslocando os sentidos acerca do


mas o resultado de fluxos e interpretações que se entende por Baixada Fluminense
diversas. Assim, ao analisar algumas re-
presentações verbais e imagéticas acerca “Terra sem lei”, “Terra de ninguém”,
de lugares, Asa Briggs aponta para o cará- “câncer vizinho”, lugar em que “a lei do gati-
ter polissêmico das mesmas: lugares são lho é tão natural quanto a lei da gravidade”.
carregados de interpretação, sendo portan- Estes são alguns dos termos que encontra-
to construídos socialmente, e não somente mos em jornais do Rio de Janeiro, no de-
espaços geograficamente dados. A seman- correr dos anos 70 e 80, para se referir à
tização do espaço, dessa forma, cria os Baixada Fluminense. No levantamento que
múltiplos sentidos para o que o autor cha- realizamos, detalhado em trabalhos anterio-
ma de lugar, e, exatamente por isso, Briggs res, o volume de referências negativas sobre
nos lembra que aos falarmos de lugares, a Baixada é quantitativa e qualitativamente
na verdade estamos falando sobre a vida. maior do que as referências positivas.

Partilhando das concepções desse No entanto, em fins dos anos 1980,


autor, podemos partir do princípio de que o dois grandes jornais do Rio de Janeiro, O
espaço no qual a BF está sendo pensada Globo e O Dia, criaram cadernos especiais
não é, portanto, somente um espaço físico, para cobrir a Baixada Fluminense. Nestes
mas antes de tudo um espaço social, um cadernos, a ênfase das matérias jornalís-
lugar socialmente experimentado pelos di- ticas, embora sem desconsiderar os pro-
versos agentes que com ele interagem.27 blemas locais, deveria recair mais sobre
Portanto, é preciso desnaturalizar as idéias boas notícias, aspectos positivos na vida
de região, território, lugar e espaço, que dos moradores da região. Como repórter
comumente aparecem relacionadas com a por cerca de dois anos de um desses ca-
“Baixada Fluminense”, para perceber como dernos, O Globo Baixada, lembro-me que
através de fluxos constantes esses concei- invariavelmente ficávamos entusiasmados
tos vêm sendo apropriados e reconstruídos. com a quantidade de coisas interessantes
e positivas que “descobríamos” em nossas
O discurso produzido acerca da reportagens. Claramente, estávamos imbuí-
concepção geográfica do que seria “Bai- dos do senso comum midiatizado acerca da
xada Fluminense” é, portanto, multivocal e Baixada Fluminense e nosso contato com
conflitante, lócus nítido de uma relação de aquele “outro” até então perigoso, só violên-
apropriação do significado e evocação de cia e pobreza, era sempre surpreendente.
um poder de fala. Neste sentido, podemos
pensar a indicação de Marcel de Certeau Esse mesmo tom aparece na repor-
de que são os relatos que dão sentido aos tagem de capa do Jornal do Brasil na Re-
espaços, transformando-os em lugares.28 vista de Domingo de 22 de julho de 1990.
O título é evidência do que apontamos: “O
A partir dessas reflexões mais teóri- outro lado da Baixada”, com o subtítulo es-
cas, buscaremos agora mapear e analisar, clarecedor: “A região mais pobre do estado
ainda que forma breve de acordo com o derrota as estatísticas negativas com bele-
cabível em um artigo, algumas das repre- za e trabalho” (grifos nossos). A partir disso,
sentações acerca da Baixada Fluminense a matéria toda gira em torno do deslumbra-
narradas no discurso da imprensa a partir mento do repórter com essa surpreendente
dos anos 1990, para entendermos como Baixada Fluminense capaz de ter lugares
este lugar foi sendo resignificado, a nos- bonitos, recantos pacíficos, quase interiora-
so ver de forma estratégica, dentro de um nos, gente vivendo normalmente, não que-
projeto econômico e político. rendo sair de lá, com locais para se divertir

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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura

e atividades tidas como exclusivas da zona te e inesperado. Por isso, após extensas
Sul acontecendo na região, como a moda sete páginas de reportagem, com textos e
e o funcionamento empresarial. Podemos imagens, mostrando esse “outro lado da
destacar, para ilustrar, o seguinte trecho da Baixada” através de referências à beleza
reportagem (os grifos são nossos): natural, calma, tranquilidade, “jeito de roça”,
passado histórico, música, poesia, empre-
Jaceruba, com sua paz e sua surpreen- sas de porte e espaços para a diversão, o
dente beleza natural, serve bem para repórter conclui que “tudo isso na Baixada
mostrar que a Baixada Fluminense não Fluminense, a 40 minutos do Rio. Um pe-
vive só de manchetes policiais, das daço de mundo que se aprendeu a chamar
estatísticas da miséria e da realidade de feio e violento”. O caráter pedagógico
das valas negras. A região, que já atra- da representação é admitido pelo repórter,
vessou o ciclo do ouro, teve grandes mas não de forma suficiente a fazê-lo ques-
fazendas de café, abrigou extensos la- tionar a possibilidade da não naturalização
ranjais e hoje é sinônimo de violência da Baixada e seu lado natural, ou seja, de-
e subdesenvolvimento, tem um lado gradada, violenta e abandonada.
desconhecido e fascinante, que vai do
reggae e da poesia das favelas à água Essas sete páginas em 1900, mos-
cristalina de rios e ao verde de matas trando que a Baixada tem “um outro lado”,
intocadas”. (...) “A pracinha de Jace- ainda não são capazes de cortar o espanto
ruba, na realidade um largo com chão de outros jornalistas com aspectos positi-
de terra, algumas árvores nos cantos vos encontrados em municípios da região.
e casinhas simples ao redor, não su- Em 24 de março de 1996, o Jornal do Brasil
gere um clima de bangue-bangue. Ao publicou uma extensa reportagem sobre o
contrário. No armazém da esquina até ranking de qualidade de vida na região me-
parece que o tempo parou. tropolitana do Estado do Rio de Janeiro fei-
to pelo IBGE, onde o município de Nilópolis,
Neste trecho, encontramos termos- localizado na Baixada Fluminense, aparece
-chave desta relação com o outro des- em 3º lugar, só sendo superado por Nite-
conhecido, mas já cristalizado em uma rói e pelo Rio de Janeiro, respectivamente
natureza negativada. O “lado bom” da primeiro e segundo lugar. O estranhamento
Baixada é um “outro lado”, “desconhecido que tal colocação causou pode ser medido
e fascinante”. Porque ela já tem um lado pela própria caracterização dada pelo JB à
consolidado, “hoje sinônimo de violência informação, pois na chamada superior da
e subdesenvolvimento”. Neste sentido, a página destinada a Nilópolis podíamos ler:
dimensão negativa não é pensada como “a cidade-surpresa”.
representação, mas como natureza dada
e constituída. A representação é o esforço Em 20 de dezembro de 2001,
simbólico do repórter, de oferecer mais um uma nova matéria publicada pelo Jornal
sentido àquele já consagrado. Assim, o re- do Brasil apresentava os dados levan-
pórter confessa que: “o visitante toma um tados pelo IBGE no Censo 2000 acerca
susto quando chega a Jaceruba. Afinal, vai das condições de vida nas cidades do
levando na bagagem informações nada oti- Estado do Rio, em que Nilópolis e Nite-
mistas”. A realidade desmente, em parte, as rói aparecem nos primeiros lugares nos
construções discursivas do senso comum, índices de saneamento e alfabetização,
mas não têm o poder de apagá-las. Elas superando o Rio de Janeiro. O título “Rio
permanecem, como a referência de fundo, é lindo, mas Nilópolis é melhor”, embo-
de base, sobre a qual se constrói a ideia de ra apresente a classificação da segunda
que se está frente a um outro surpreenden- tomando a capital como referência, não

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Ano 3, número 4, semestral, março 2013

parece apresentar, de forma explícita e mais exigente, com hábitos modernos e


à primeira vista, uma possível surpresa preferência por griffes típicas dos consu-
com o lugar obtido pelo município da Bai- midores da zona sul do Rio de Janeiro.
xada. No entanto, no segundo parágrafo Existe até uma high society emergente,
da matéria, o tom de surpresa se reve- que frequenta os points mais badalados
la novamente: “Na Baixada Fluminense, da Cidade Maravilhosa e viaja frequente-
Região Metropolitana do Rio, o município mente ao Exterior, mas não abandona a
de Nilópolis surpreende”. Cinco anos de- Baixada por nada deste mundo. Para es-
pois, o próprio jornal desconsidera maté- ses, o lugar está mais para Miami do que
ria divulgada nele mesmo em que a quali- para o Velho Oeste”.
dade de vida do município já era atestada
pelo IBGE e continua se “surpreendendo” - “A rigor, o grosso dos investimen-
com a colocação obtida por Nilópolis. tos ainda está por vir. Mas a progressiva
melhora dos serviços disponíveis já é sufi-
Podemos ver, com estes exemplos, ciente para resgatar a auto-estima da Bai-
o quanto é difícil desconstruir estigmas e xada. “A única diferença entre Nova Igua-
preconceitos cristalizados discursivamen- çu e Ipanema é a praia”, exagera Carlos
te. No entanto, mesmo com as surpresas Emílio Targueta, 34 anos, frequentador do
acima demonstradas, é possível perceber, aeroclube local”.
no decorrer dos anos 1990, um esforço
via grande imprensa carioca e nacional - “Esse orgulho de viver na Baixada
de apresentar a Baixada como um lugar bate de frente com a ideia ainda arraigada
em transformação, prestes a perder suas na maioria dos cariocas sobre a região”.
características negativas e se transformar
no “novo ABC”, em um lugar de promisso- - “Na verdade, quando se fala em
res investimentos e condições de merca- poder aquisitivo, Nova Iguaçu, a “capital”
do, como veremos nos exemplos a seguir, da Baixada, já chega perto da badalada
que se sucedem no decorrer da década Barra da Tijuca”.
de 90 (grifos nossos).
- “Nova Iguaçu está levantando um
Exemplo 1 – Matéria da Revista moderno shopping Center à beira da rodo-
Isto É, de 16/8/1995 (duas páginas) via Presidente Dutra, que liga o Rio a São
Título: “Baixada em alta” Paulo, em uma área de 103 mil metros qua-
Subtítulo: “Famosa pelos índices drados. (...) Mais três shoppings estão sen-
de criminalidade, a Baixada Fluminense do construídos em Duque de Caxias e são
dá meia-volta rumo ao desenvolvimento” João de Meriti. Um deles, o Grande Rio,
Trechos em destaque: chega a requintes de sofisticação (...)”.
- “A Baixada Fluminense está pre-
parando uma surpresa para aqueles que “Esse lado chique da Baixada não
guardam da região a imagem de um ce- surgiu do dia para a noite. Pesquisadores
nário de bangue-bangue – lugar empo- da Universidade Federal do Rio de Janei-
eirado, sem infra-estrutura e com tiros ro afirmam que o fenômeno é resultado
zunindo por todos os lados. Embalados da migração da classe média, insatisfeita
por investimentos públicos e privados, os com a decadência da metrópole carioca”.
sete municípios onde habitam cerca de
quatro milhões de pessoas experimentam “Até mesmo no fechado círculo da
um surto de desenvolvimento e otimismo moda, o conceito de Baixada Fluminense
nunca visto. Aos poucos, a carência abre mudou. Há alguns anos, seria impensá-
espaço para uma classe média cada vez vel que um estilista da região conseguis-

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se sucesso nas luxuosas passarelas da investimentos de empresas privadas, em


zona sul do Rio” todo o Estado, que foi destinado para a
região: os onze municípios da Baixada
Temos, nesse exemplo, interessan- ficarão com um terço do total”.
tes marcos discursivos para analisar. A pa-
lavra “surpresa” está lá, mas não é mais - “Uma das principais vantagens
o repórter que se confessa surpreso, mas que a Baixada oferece às indústrias em
sim será o leitor a ser surpreendido com as fase de instalação é o preço relativamen-
mudanças que estão se operando na re- te baixo dos terrenos (...). A proximidade
gião, e o repórter sabe o porquê: um enor- do município do Rio de Janeiro – segundo
me investimento público e privado, uma maior mercado do país – e a confluência
classe média emergente, hábitos de con- na região de vias de transportes para os
sumo modernos etc. Mas o repórter tem outros grandes mercados são atrativos
dúvidas: estão lá as pistas discursivas que fortes o suficiente para segurar muitas
nos permitem que ele considera “exagera- empresas na Baixada”.
do” comparar Nova Iguaçu com Ipanema e
o uso da palavra “até” nos mostra o quão Mais uma vez, o uso de expressões
impensável é a existência de uma “high so- estratégicas como “quem diria” e “nada
ciety” local e o fato dessa descoberta atin- menos” denuncia a falta de credibilidade e
gir “até mesmo” o mundo da moda, signos o espanto do jornalista com o fato dos in-
incontestes, na visão de mundo do autor da vestimentos estarem indo para a região da
matéria, de modernidade e sofisticação. E Baixada Fluminense. De “mais conhecida
o shopping chega até a “requintes de sofis- pela violência e a pobreza” à “ABC Flumi-
ticação” porque tem “a comunicação visual nense” é a transformação digna de nota,
a cargo da Suzman Perejza – empresa que ainda que anteriormente já existissem, na
trabalha para a Walt Disney Corporation região, como demonstram matérias que se
-, iluminação planejada pela Teo Konduis, preocuparam, como indicamos, de mostrar
uma das companhias mais famosas do “o outro lado”, investimentos industriais e
mundo, e desenho paisagístico dos criado- empresariais. Mas agora é outro contexto:
res de parques e jardins de San Francis- trata-se de uma virada, de uma transforma-
co, nos Estados Unidos”. Convenhamos, ção expressiva, facilitada porque a Baixa-
parece nos dizer o repórter, é mais do que da tem “vantagens” a oferecer. Além da lo-
poderíamos esperar para uma região que calização estratégica em termos espaciais,
sempre se pareceu com o “Velho Oeste”. como via de escoamento da produção do
Rio de Janeiro, é preciso levar em consi-
Exemplo 2 – Caderno Economia deração também o “preço relativamente
de O Globo, de 26/01/1995 baixo dos terrenos”, que, obviamente, não
Título: “Investimentos de US$ 920 pode ser pensado sem levar em considera-
milhões fazem da Baixada o ABC flumi- ção o quanto a valorização/desvalorização
nense”. dos mesmos esteve atrelada a constru-
Trechos em destaque: ções imaginárias acerca da região. O que
- “O mais novo polo de desenvolvi- nos leva a refletir sobre um ponto-chave:
mento do Estado do Rio, quem diria, não a quem interessou, durante décadas, a
fica na área da capital nem no Vale do Pa- afirmação de uma imagem negativa sobre
raíba. Mais conhecida pela violência e a a Baixada Fluminense, atrelada a ideias
pobreza, a Baixada Fluminense vai rece- como violência e pobreza, quando em sua
ber nada menos do que US$ 920 milhões história a região sempre se mostrou muito
em investimentos industriais em 1996. mais complexa e diversa? Neste sentido, a
Ainda mais significativo é o percentual dos mídia cumpre aí um duplo papel bastante

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significativo: sua retórica narrativa acerca uma resposta concreta: qual o interesse
das condições insalubres da Baixada, tan- específico de O Globo nas ações empre-
to material quanto socialmente, ajudaram a sariais na Baixada Fluminense em mea-
desvalorizar as terras na região; e em me- dos da década de 1990 a ponto do jornal
ados dessa mesma década, essa mesma explicitamente promover um Seminário de
mídia, através da construção de uma re- estímulos a investimentos na localidade?
presentação que visa positivar a Baixada,
irá ajudar a fermentar os negócios e inves- O apoio às ações do governo fede-
timentos nas localidades que a compõem. ral e do governo estadual, ambos naquele
Essa relação entre a ação midiática e a contexto nas mãos de políticos do PSDB
prática mercadológica fica mais evidente (Fernando Henrique Cardoso e Marcello
quando analisamos o exemplo a seguir. Alencar, respectivamente) é explícito e
engajado. As palavras que encerram a
Exemplo 3 – matéria de O Globo, matéria, por exemplo, são de José Carlos
de 27 de agosto de 1996 Lacerda, secretário estadual de Desenvol-
Título: “Potencial de investimentos vimento da Baixada Fluminense e de Mu-
da Baixada é tema de seminário” nicípios Adjacentes, que declara: “Eventos
Subtítulo: “Evento do jornal O Glo- como estes só vêm confirmar o que tem
bo-Baixada visa a promover a região” se verificado nos últimos anos: o interesse
Trecho em destaque: na Baixada aumenta a cada dia. A região
-“Para mostrar a investidores, em- ainda vai dar o que falar”. Se entendemos
presários e entidades representativas da que a construção da identidade, neste
Baixada Fluminense que a região, apesar caso no que tange à região, é uma narrati-
dos problemas sociais, é uma excelente va que envolve uma tríplice mimese, pode-
área de negócios, o GLOBO-Baixada, jor- mos perceber tanto a dimensão retrospec-
nal de bairro do GLOBO, promove ama- tiva, associada à paulatina construção de
nhã o seminário “As novas perspectivas uma memória negativa acerca da Baixada,
econômicas da Baixada”. quanto uma dimensão prospectiva, uma
configuração projetiva em que o que se
O jornal O Globo, neste caso, mais espera em termos de reconfiguração (os
do que um narrador da realidade, é o pro- investimentos e uma “nova” Baixada Flu-
motor da mesma, em especial em uma minense) já foram antecipados no texto.
dimensão projetiva, visando “mostrar a in-
vestidores, empresários e entidades” que Exemplo 4 - matéria no Cader-
a região “é uma excelente área de negó- no Finanças da Folha de São Paulo,
cios”, “apesar dos problemas sociais”, que 15/10/1995
a não ser como referência de um passado/ Título: “Rio redescobre a Baixada
presente em superação ou a ser supera- Fluminense”
do, não recebem maiores atenções em Subtítulo: ”A região, antes identifi-
nenhum dos exemplos jornalísticos anali- cada com crimes de grande repercussão,
sados neste artigo. O tom agora é ufanista deverá receber investimentos de mais de
e celebratório. Trata-se de uma região em R$ 3 bilhões até 1999”
desenvolvimento, pronta a prosperar, so- Trecho em destaque:
bre a qual não cabem análises que a des- - “Na busca de alternativas para a
valorizem, ainda que este agora um “outro recuperação econômica do Estado, em-
lado”, um “apesar de”, ainda sejam pro- presários, investidores e governo estão
blemas sociais que deveriam merecer, por apostando em uma das regiões mais
parte do jornalismo, um olhar atento. A per- problemáticas e conturbadas do Rio de
gunta prossegue, embora seja impossível Janeiro, a Baixada Fluminense. Depois

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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura

de passar anos identificada apenas com No entanto, a Folha de São Paulo


crimes que tiveram repercussão nacional é um pouco mais parcimoniosa acerca da
e internacional, como os extermínios do transformação da Baixada Fluminense e
Esquadrão da Morte, o conjunto de dez teme que o processo de empoderamento
municípios que forma a Baixada se pre- de sua classe média esteja aumentando o
para ara receber investimentos de mais de fosso social entre novos-ricos e pobres na
R$ 3 bilhões até 1999”. região. Para explicar esse fenômeno, bus-
ca apoio nas declarações do professor Luiz
“Redescoberta” é uma boa palavra Cezar Queiróz Andrade, do Observatório
para pensarmos as ações midiáticas em de Políticas Urbanas e Gestão Municipal
torno deste “novo momento” da Baixada da UFRJ, que diagnostica que “os shop-
Fluminense. É como se a grande impren- pings (...) e alguns condomínios fechados
sa também “redescobrisse” esse objeto começam a explicitar a separação entre ri-
narrativo, que quase sempre, nas décadas cos e pobres na Baixada”. Mas termina a
anteriores, somente aparecia nas páginas matéria com a fala do mesmo professor, di-
policiais e excepcionalmente em uma ma- zendo que “Queiróz, no entanto, relativiza
téria especial acerca de algum “outro lado”, o risco de exacerbação da violência a par-
como vimos, “apenas” identificada com cri- tir desses guetos em gestação. “O Brasil
mes, em uma evidente confissão, via texto não tem a cultura da segregação, como os
jornalístico, da simplificação da realidade Estados Unidos”, tranquiliza”. Tranquiliza-
social. Em meados de 1990, o jornalismo da, portanto, pelo especialista de que não
econômico “redescobre” a Baixada, que há problemas em um aumento entre ricos
passa ser matéria em cadernos de finanças e pobres com esse boom de investimentos
e negócios. Mas o “estão apostando” nos na Baixada porque os pobres não ficarão
lembra, discursivamente, que se trata de mais violentos se segregados, a Folha pro-
uma ação de risco por parte dos empresá- cura tranquilizar também investidores e o
rios, já que a região é uma das mais “pro- leitor. E na retranca que se segue a essa
blemáticas e conturbadas” do Rio de Janei- matéria aborda diretamente a questão dos
ro. Mas aparece, na matéria, novamente investimentos, mostrando que “o polo gás-
a referência a um item tranquilizador para -químico de Duque de Caxias é a “menina
atestar a modernidade: os shoppings (“O dos olhos” do governo do Estado do Rio de
primeiro deve ser inaugurado ainda neste Janeiro para o desenvolvimento da Baixa-
mês e os outros dois, em 1996”). Há ain- da Fluminense”. Nesta matéria, mais uma
da um box com a trajetória do empresário e vez chamando atenção para a questão
morador da Baixada Carlos Duarte, que de das vias de acesso e escoamento na re-
motorista de ônibus estava, naquele con- gião, o repórter nos informa que “na área
texto, construindo um dos 3 shoppings da de transportes, o governo tem um projeto
Baixada, o Nova Shopping (os outros dois conhecido como Faixa Light”, que, assim
são o Shopping Grande Rio e o Iguaçu Top como a Linha Vermelha, será outro marco
Shopping), e que, “nascido em Nilópolis, cri- espacial e simbólico importante na mudan-
tica quem deixa a região”. Em outro box, a ça acerca do imaginário sobre a Baixada.29
trajetória de Ana Paula Nardelli, que traba-
lha na fábrica do refrigerante RC Cola, sen- Exemplo 5 - O Globo, Rio, 7/05/1995
do filha do dono, mostra que a “herdeira se Título: “Baixada deixa a periferia
sente segura na região”, afastando narrati- para trás”
vamente o medo da violência, e detalha que Trechos em destaque:
“ela gasta R$1.200 em vestido de festa”, in- “A Baixada Fluminense começa a
dicando claramente seu alto poder aquisiti- despertar de um sono de muitas mazelas e
vo e sua vivência de consumidora moderna. pouco dinheiro. Tal qual a bela adormecida,

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Ano 3, número 4, semestral, março 2013

que volta à vida após um beijo apaixonado, de crescimento expressivo”. Interessante


as conhecidas cidades-dormitórios estão pensar que a ideia de que a Baixada não
sendo seduzidas pelo governador Marcello pertencia, em termos de imobiliários, a
Alencar.(...) A Baixada começa a dar a vol- “ninguém”, de certa forma favorece a não
ta por cima com a implantação de fábricas, apuração, por exemplo, acerca de quem
shopping centers e casas noturnas.” teria se beneficiado com a valorização dos
terrenos locais. O baixo preço das terras
O tom do texto pode ser mais lírico, aparece, no entanto, nas palavras finais
mas a mensagem é a mesma dos demais do sub-secretário (indicando, ao contrário,
exemplos que aqui estamos analisando: de que tratava de “terra de alguém”), que
a Baixada estaria deixando seu passado faz também, mais uma vez, a remissão às
para trás. E fábricas, shoppings e casas vias de transporte, nos lembrando o pa-
noturnas seriam seu salvo conduto para pel central da criação da Linha Vermelha:
a modernidade e para a inserção no esti- “Ele também aponta outras vantagens para
lo de vida metropolitano do Rio de Janei- atrair novos investimentos: o preço da terra
ro. A periferia, ao menos simbolicamente, mais barato que em outros lugares, como
“fica para trás”. Mas é preciso um príncipe a Zona Oeste, por exemplo; facilidade de
encantado para despertar essa donzela acesso pelas Rodovias Presidente Dutra e
adormecida em meio a “muitas mazelas e Washington Luiz, além da Linha Vermelha,
pouco dinheiro”. E para a repórter que assi- e mão-de-obra perto do local de trabalho”.
na a matéria, o grande sedutor seria o go-
vernador Marcello Alencar, que teria dado Fechando a matéria, uma retranca
“longos passeios” na região na campanha com o título “Diversão é o mais novo fi-
eleitoral realizada no ano anterior e depois lão da Baixada” e um box com o perfil de
enviado, já eleito, emissários semanalmen- um “estilista que conquistou a Zona Sul”,
te, culminando no fato de que “o Governo mais uma vez associando a questão da
aposta todos os trunfos nos 11 municípios moda ao modelo consumista de ascen-
que são lembrados mais como redutos de são e modernidade.
notícias policiais ou doenças contagiosas”.
Para a repórter, trata-se também de uma Exemplo 6 - Jornal do Brasil, cader-
aposta, o que implica em riscos. Mas se “se no Especial no domingo, dia 11/05/1996
a economia e a cultura prometem, o poder (12 páginas)
político é evidente na Assembleia Legislati- Especial “Baixada, um novo olhar”
va, onde 25.5% dos 70 parlamentares são Título da matéria principal: “Baixa-
da Baixada. Um bloco de 18 deputados de da sacode a poeira e dá a volta por cima”
fazer inveja com seus 500.772 votos”. Ou Trechos em destaque:
seja, no campo da política não se tem mais - “A Baixada Fluminense sempre foi
dúvidas: a Baixada já deixou “a periferia um emblema da indigência brasileira. Ora
para trás” e está, nas palavras do deputa- lembrada por suas carências, ora por seus
do federal e Secretário Estadual da Baixa- índices de violência ou pela condição de
da, Nelson Burnier, “decolando´, inclusive, região-dormitório de uma massa de traba-
como nos informa o box da matéria, com lhadores que todo dia sai de casa ainda
ampliação do aeroporto de Nova Iguaçu.30 no escuro para dar duro no Rio. Mas já
Somados a isso, outros investimentos e não pode ser apresentada apenas as-
atitudes políticas (“as prefeituras adotam sim. A Baixada da poeira e da lama foi à
um novo estilo de governo”) fazem com luta e, hoje, à custa de um rio de investi-
que “para o subsecretário da Baixada, Vi- mentos privados – shoppings, indústrias,
cente Loureiro, a região está deixando de serviços... -, já e o quarto maior polo de
ser terra de ninguém e tem um potencial consumo do país.”

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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura

“Durante seis semanas, o JORNAL bre o que ele não conhece), já que este
DO BRASIL conviveu com a realidade dos imaginário é “emblemático” da “indigência
sete municípios que compõem a Baixada brasileira”. Mas há algo de novo no que
Fluminense (...). Constatou que a deman- tange à Baixada Fluminense: ela “já não
da social é praticamente a mesma de dez pode ser apresentada apenas assim”. O
anos atrás – só 5% das ruas, por exemplo, texto jornalístico facilita nossa interpreta-
são asfaltadas -, mas descobriu um pro- ção e não deixa dúvidas: trata-se de uma
cesso silencioso, e vertiginoso, de desen- disputa em torno da representação do que
volvimento econômico”. se entende por Baixada, e esse jogo se
reconfigurou. Um indicativo forte, neste
“Some-se a isso a localização pri- sentido, que aponta claramente para a ne-
vilegiada – bem no eixo Rio-São Paulo-, o cessidade dessa nova representação, em
aumento do poder de consumo das clas- dimensão projetiva, é a retranca “Jovens
ses C e D; a fartura de terrenos vazios, as esperanças”, com um retrato da juventu-
melhorias na Via Dutra e a consolidação de na Baixada, cujo título “Para eles, tudo
da Linha Vermelha, e aí está uma receita vai dar pé”, juntamente com o subtítulo
que explica as transformações que a re- “Juventude da Baixada acredita no futuro,
gião experimenta.” gosta do lugar onde mora e curta a vida
no ‘Baixo Iguaçu’” são exemplos claros de
Em suas doze páginas especial- um esforço narrativo de dissociar a fórmu-
mente dedicadas às transformações ocor- la lembrança/passado = negativo da fór-
ridas na Baixada Fluminense, o caderno mula projeto/futuro = positivo.
editado pelo Jornal do Brasil, por si só,
mereceria uma análise detalhada que ex- A violência e os problemas sociais,
trapola o proposto neste artigo. Estão lá to- que evidentemente não haviam desapare-
dos os pontos que temos destacado. Mas cido enquanto realidade social na Baixada
focaremos nossas observações na maté- em meados dos anos 1990, não deixam de
ria principal e em uma retranca dedicada ser retratados no Caderno Especial do JB,
aos jovens da Baixada, porque trazem ainda que de forma tímida e quantitativa-
elementos que nos parecem importantes mente bem menor do que os pontos valori-
aqui. Na matéria que abre o caderno, a ex- zados positivamente. Mas nada que próxi-
pressão “um novo olhar” sugere um ângu- mo ao que sugere, por exemplo, o quadro
lo bem diferente da expressão “um outro descrito na reportagem que se segue, pu-
lado”, fazendo a conexão com outro espe- blicada um ano depois pelo mesmo JB, em
cial sobre a Baixada editado pelo mesmo que a lembrança dos dias de passado es-
JB seis anos antes, como mostramos aqui. tigmatizado pela violência na região apare-
As referências ao passado negativo estão ce ainda muito fortemente como presença.
lá: a Baixada ora é “lembrada” por suas
“carências”, “seus índices de violência” ou Exemplo 7 - Jornal do Brasil, Cida-
sua “condição de região-dormitório”. Não de, 8/11/1998
há como fazer com que esse imaginário Título; “Baixada conta os seus
desapareça de uma hora para outra, pa- mortos”.
recem nos dizer os dois repórteres que Selo: “Terra sem lei”
assinam a edição, fruto de seis semanas Subtítulo: “Entre 1994 e 1997, o nú-
de mergulho jornalístico, como se preocu- mero de homicídios na região manteve uma
pam em esclarecer (trata-se, portanto, de média superior a dois mil casos por ano”.
um produto do conhecimento, um “novo Trechos em destaque:
olhar” construído pela vivência, e não so- “Enquanto no município do Rio o
mente a fala de um sujeito de “fora” so- número de homicídios vem diminuindo,

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a Baixada se mantém firme como região Subtítulo: “Perfil do consumidor


mais violenta do Estado”. muda e cada vez mais aumenta a exigên-
cia por qualidade de produtos e serviços”
“A Baixada Fluminense é a coroa Trechos em destaque:
de espinhos na cabeça da Cidade Mara- - “É bom os empresários que pen-
vilhosa” – compara Dom Mauro Morelli, sam em investir na Baixada Fluminense fi-
bispo da Igreja Católica de São João de carem atentos. A população de 3,5 milhões
Meriti e de Nova Iguaçu”. de habitantes está cada vez mais exigente
em relação aos produtos que consume.
”Apesar do discurso de que a re- A qualidade vem em primeiro lugar. Pelo
gião está crescendo, a Baixada continua menos, é isso que apontam pesquisas
a ser um lugar invisível, que só apare- que estudam a região”.
ce em época de eleição”, sustenta José
Claudio”.31 “O perfil das pessoas que moram
na Baixada está mudando gradativamen-
O que podemos perceber, analisan- te. “A mudança pode ser sentida com
do os exemplos mapeados, é um esforço mais intensidade de uns 20 anos para cá.
de apagamento desses traços desabona- Aconteceu uma migração da classe mé-
dores. Assim, o sociólogo José Claudio dia que não tinha condições de pagar alu-
Alves, entrevistado na matéria, identifica guel em outros locais e que encontrou na
uma continuidade entre a prática discur- Baixada uma área apropriada”, afirma Or-
siva (“de que a região está crescendo”) e lando Junior, sociólogo da Federação de
a invisibilidade no olhar sobre a Baixada, Órgãos para Assistência Social e Educa-
gerando representações reducionistas cional (FASE). Ele aponta também a Linha
e simplificadoras de qualquer forma. Só Vermelha como um fator importante para
que, como vimos, o esforço no decorrer da essa mudança na Baixada”.
década de 1990 é de apagamento dos in-
dícios negativos, que só devem ser perce- “Apesar do avanço, o sociólogo Or-
bidos como lembrança e passado, embo- lando Junior lembra que essa mudança no
ra permaneçam na prática. Neste sentido, perfil da população da Baixada Fluminen-
troca-se um estereótipo por outro. se é ainda pequena diante do que pode
vir a ser feito. No entanto, para esse novo
Os dois exemplos que se seguem e salto, acrescenta, é necessário um grande
encerram o nosso artigo são evidência cla- investimento, principalmente nas áreas de
ra neste sentido. Neles, vemos um espaço Saúde e Educação”
resignificado, gerando uma nova compre-
ensão, via jornalismo, do que se entende Segundo o jornal, os empresários,
por Baixada. Já praticamente não há ne- agora, precisam estar atentos. Não se trata
cessidade de remissão às lembranças de mais de uma potência adormecida, arrasa-
um passado de desditas. A Baixada já “de- da por mazelas e pobreza. São consumi-
colou”, já se modernizou, “deixou a periferia dores exigentes, que se preocupam com
para trás”, já entrou definitivamente na or- a qualidade. Segundo o especialista, são
dem do consumo e da sociedade emergen- migrantes, pessoas que já tinham esse per-
te, na percepção dos jornalistas. Vejamos: fil quando moravam fora da Baixada, não
são originados de lá. A Linha Vermelha,
Exemplo 8: Caderno de Economia novamente, é apontada como marco funda-
de O Dia, 21/05/2000 mental nesse processo, que precisa de in-
Título: “Baixada emergente e sofis- vestimentos mais sociais, também na con-
ticada” cepção do sociólogo entrevistado, para dar

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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura

um “novo salto”. Mas no uso da expressão 3. Considerações finais


“pelo menos é isso que apontam pesqui-
sas”, o repórter deixa escapar sua parcela Como procuramos demonstrar nesse
de dúvida acerca da capacidade qualitativa artigo, não é possível descolar os processos
do consumidor da Baixada. Teria ele, de identitários acerca da região da Baixada Flu-
fato, mudado tanto? Mesmo não dito, o dis- minense das narrativas que os conformam.
curso memorável deixa suas marcas. Escolhemos, como foco deste trabalho, dis-
cursos midiáticos, recolhidos na grande im-
Exemplo 9 – Jornal Extra, 4/07/2002 prensa carioca e brasileira, no decorrer da
– caderno especial com 4 páginas, dentro década de 1990, para evidenciar como, pau-
da rubrica “Extra Projetos de Marketing” latinamente, houve um esforço de realoca-
Título: “Panorama econômico da ção das imagens sobre a Baixada, que em
Baixada Fluminense” um primeiro momento ainda aparece muito
Subtítulo: “Programa injeta U$ 300 atravessada pelos estigmas negativos que
milhões na região” a descreveram fortemente no decorrer das
“Formada por 13 municípios, a Bai- décadas de 1970 e 1980, sendo ainda ne-
xada é hoje um dos polos de desenvolvi- cessário um esforço para mostrar seu “outro
mento do Rio de Janeiro. Com mais de 3,5 lado” positivo e surpreendente, passando por
milhões de habitantes – a maior concentra- um embate entre representações negativas
ção da área metropolitana – a região procu- e positivas, com a superação das primeiras
ra deixar no passado os motivos que a le- (relegadas ao lugar de lembrança/passado)
varam a ser conhecida como uma das mais pelas segundas (projeto/futuro), até a con-
violentas do país e começa a exibir indica- sagração dessa nova Baixada “emergente e
dores mais atraentes. Uma das iniciativas sofisticada”, preocupada com a “qualidade”
que demonstram a atenção que a região e que não aceita mais qualquer coisa, estan-
vem recebendo é o Programa Nova Baixa- do ainda pronta para crescer mais.
da (PNB), orçado em US$ 300 milhões”.
Alguns pontos nos parecem fun-
Novamente, vemos com clareza o damentais nestes exemplos. O primeiro é
interesse direto de um jornal, nesse caso O o caráter permanentemente processual e
Extra, na mudança de perfil acerca do que discursivo das identidades. Assim, os des-
se entende por Baixada Fluminense. Trata- locamentos perceptivos via jornalismo so-
-se de um explicitado projeto de marketing. bre a Baixada incidem fortemente sobre o
Portanto, é fundamental que a região “pro- senso comum, como ele dialogando e o al-
cure deixar no passado os motivos que a le- terando. Neste sentido, acompanhando os
varam a ser conhecida como uma das mais principais estudos sobre memória e narra-
violentas do país” e comece “a exibir indi- tiva, entendemos que existem trabalhos de
cadores mais atraentes”. Novamente, in- seleção, enquadramento, apagamento e
vestimentos públicos e privados se revelam realce atuando neste processo. A escolha
essenciais. Na retranca principal, o título das palavras, das imagens, dos temas nos
consolida essa “nova Baixada”: “A Baixada textos jornalísticos analisados, bem como a
vai às compras”, em que mais uma vez são angulação das composições, nos permitem
os shopping centers os grandes ícones des- entender como os trabalhos da memória
sa modernização e mudança de perfil. Para são importantes, na tessitura narrativa, para
fechar o caderno especial, matérias sobre gerar as interpretações e reconfigurações.
indústrias e o enaltecimento de Nova Igua-
çu tanto como “’pólo de cosméticos” como Neste sentido, para além de um es-
fonte de preservação ecológica, através da paço fisicamente demarcado, composto
criação da Reserva Biológica do Tinguá. por municípios, distritos, bairros (o que por

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si só já configura uma dimensão de luta, claros do lugar central da cultura em todas


como foi possível observar quando perce- as dimensões da vida cotidiana, em especial
bemos, via grifos no decorrer dos exem- na economia e na política (HALL, 2003), que
plos, a variedade quantitativa como que a não podem, a nosso ver, ser tomadas sem
Baixada ia sendo representada em termos levar em consideração a produção simbólica
de municípios que a constituem), a Baixa- da realidade social, ao custo de simplificá-la
da Fluminense é um território atravessado, e não compreendê-la em seus múltiplos as-
material e simbolicamente, por processos pectos e desdobramentos.
de disputas semânticas, de atribuição de
sentidos, fazendo com que aquele espaço
se transforme em lugares diferenciados,
de acordo com as redes interativas e con-
textuais. Trata-se, portanto, de um lugar no
sentido amplo do termo, um espaço signifi- Bibliografia:
cado, a partir de disputas diversas.
ARANTES, Otília. Urbanismo em fim de linha. São
Paulo: EDUSP, 2001.
Por fim, gostaria de atentar para o
quanto está luta semântica está incorpora- BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Lin-
da a outras dimensões de luta, como a eco- guagem. São Paulo: Hucitec, 1979.
nômica e a política. Novamente, podemos
BOURDIEU, Pierre. “A identidade e a representação.
nos perguntar: econômica e politicamente, a
Elementos para uma reflexão crítica sobre a idéia de
quem interessava a longa construção repre- região”. In: O Poder Simbólico. Lisboa: Difel, 1989.
sentativa da Baixada Fluminense como uma
“terra de ninguém”, uma “terra sem lei”? Da BRIGGS, Asa. “The Sense of Place”. In: The Col-
mesma forma, a quem interessava a mu- lected Essays of Asa Briggs. Great Britain: The
dança deste perfil a partir de uma série de Harverster Press, 1985.
reportagens e cadernos especiais que cele-
CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano. Pe-
bravam o advento de uma “nova Baixada”? trópolis, RJ: Vozes, 1998.
Quem ganhou com a especulação de seus
terrenos desvalorizados no seu momento de DUARTE, Eduardo. “Desejo de cidade – múltiplos
boom econômico? Quem foram os agentes tempos, das múltiplas cidades, de uma mesma ci-
politicamente ativos nesse processo e quais dade”. IN: PRYSTHON, Angela (org.). Imagens da
cidade. Espaços urbanos na comunicação e cul-
os seus ganhos em todos os sentidos, dos
tura contemporâneas. Porto Alegre: Sulina, 2006.
pessoais aos partidários? O que significa,
em termos práticos, a associação direta dos ENNE, Ana Lucia. “Fluxos e interações da rede de
jornais O Globo e O Extra com os projetos memória e história na Baixada Fluminense”. Revis-
de investimento na Baixada Fluminense? ta Pilares da História, Duque de Caxias, v. Ano II, n.
nº 2, p. 37-52, 2003.
Podemos pensar, considerando o que
ENNE, Ana Lucia. “Imprensa e Baixada Fluminen-
abordamos aqui, que mapeamos, neste arti- se: múltiplas representações”. Revista Ciberlegen-
go, um exemplo claro de como as identidades da, n.14, 2004a.
se configuram e se reconfiguram no campo
discursivo, dentro de embates diversos, o ENNE, Ana Lucia. “Lugar, meu amigo, é minha
que nos parece consolidar a constatação de Baixada”: memória, representações sociais e
identidades. Tese de Doutorado em Antropologia
que identidades são sempre processos cultu-
Social, PPGAS/MN/UFRJ, 2002.
rais. Mas, mais do que isso, nos parece que o
caso que analisamos neste trabalho, os des- ENNE, Ana Lucia. “Memória, identidade e impren-
locamentos em torno da representação midi- sa em uma perspectiva relacional”. Revista Fron-
ática da Baixada Fluminense, são exemplos teiras, Unisinos, v. VI, n. 2, p. 101-116, 2004b.

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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura

ENNE, Ana Lucia. “Memória e Identidade Social”. 3


ENNE (2002) e ENNE (2004).
Revista Contracampo, Niterói, v. 6, 2002.
4
Venho pesquisando a questão da construção de imaginá-
ENNE, Ana Lucia. Umbanda e Assistencialismo: rios sobre a Baixada Fluminense desde 1993, quando ini-
um estudo sobre Representação e Identidade em ciei meu percurso acadêmico no mestrado em Antropologia
(PPGAS/MN/UFRJ), com dissertação sobre uma instituição
uma Instituição da Baixada Fluminense. Disserta-
beneficente em Nilópolis, a SOBENCO (ENNE, 1995). Pos-
ção de Mestrado em Antropologia Social, PPGAS/ teriormente, defendemos tese em Antropologia, também no
MN/UFRJ, 1995. Museu Nacional, sobre a temática da memória, história e
identidade na Baixada Fluminense (ENNE, 2002). Com o
GOMES, Paulo C., CASTRO, Iná e CORRÊA, Ro- apoio do edital PRODOC/CAPES e do edital Primeiros Pro-
berto (orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de jetos/FAPERJ, desenvolvemos pesquisa sobre “imagens
Janeiro: Bertrand Brasil, 1995 da Baixada na imprensa fluminense”. Com o apoio da FA-
PERJ, através do edital Direitos Humanos, desenvolvemos,
FOUCAULT, Michel. “Sobre a Geografia”. In: em uma parceria entre o LACED, do PPGAS/Museu Nacio-
__________. Microfísica do Poder. Rio de Janei- nal, e o LAMI, do PPGCOM/UFF, uma pesquisa sobre ado-
ro: edições Graal, 1986. lescentes e práticas institucionais na Baixada. E estamos
fechando agora, com apoio do Edital Jovens Cientistas do
Nosso Estado/FAPERJ, pesquisa sobre o tema “Das casas
HALL, Stuart. Da Diáspora. Belo Horizonte: ED. de cultura às ONGs na Baixada Fluminense: uma reflexão
UFMG, 2003. sobre cultura, política, mídia, mercado e juventude”.

HEREDIA, Beatriz Maria Alasia de. “Região regi- 5


ENNE (2002).
ões: visões e classificações do espaço social”. In:
ESTERCI, Neide, FRY, Peter e GOLDENBERG, 6
ORLANDI, 1999, p. 36. Neste sentido, podemos pen-
Mirian (org.). Fazendo Antropologia no Brasil. Rio sar também as contribuições de M. Bakhtin acerca do
de Janeiro: DP&A Editora, 2001. caráter dialógico e polifônico do discurso.

7
ORLANDI, Eni. Análise de Discurso. Campinas, FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Verbete
“Baixada”. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portugue-
SP: Pontes, 1999.
sa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 220.

POLLACK, Michael. “Memória e identidade social”. 8


LAZARONI, Dalva. O município de Duque de Caxias.
In: Estudos Históricos, 5 (10). Rio de Janeiro, 1992. Sua terra, sua gente, sua economia, sua história. Rio de
Janeiro: Ao Livro Técnico, 1990, p. 23.
RONCAYOLO, Marcel. “Região”. In: Região. Enci-
clopédia Einaudi, vol. 8. Lisboa: Imprensa Nacional 9
Ver, por exemplo, Ney Alberto, no artigo “De Iguassú a
– Casa da Moeda, 1986. Iguaçu (II)”, no item “Por que somos Fluminenses?”, em
que ele explica que “Fluminense vem de “flumen, rio em
SOUZA, Marcelo José Lopes de. “O território: sobre Latim, porque os exploradores da Baia de Guanabara,
espaço e poder, autonomia e desenvolvimento”. In: no mês de janeiro, julgaram que tais águas eram de um
caudaloso rio...”. In: Revista Memória, Ano I, nº 2, 1998,
CASTRO, Iná, GOMES, Paulo C. e CORRÊA, Ro-
p. 15. É interessante observar que alguns dos agentes
berto (orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de também indicam que “Iguassu” teria, na etimologia tupi,
Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. o significado de “grande água”, apontando também para
o mesmo ponto que o termo latino.
VERÓN, Eliseo. A produção do sentido. São Pau-
lo: Cultrix/USP, 1980. 10
Revista Memória. “Tipos e Aspectos na Baixada Flu-
minense”. Separata I, junho/98, p. 1.
WEBER, Max. “Las Comunidades Politicas”. In:
11
Economia y Sociedad. México: Fondo de Cultura Como demonstrarei em outros momentos desse tra-
Económica, 1944. balho, a produção de sentidos é marcada por condições
de produção e posicionamentos dos sujeitos envolvidos
nessa produção, o que implica em uma relação de for-
ças e uma disputa em termos de poder, principalmen-
te de uma autoridade sobre o que se fala. Eliseo Verón
1
Doutora em Antropologia e professora de Estudos de Mí- aponta para a importância de refletirmos sobre “a ques-
dia e da Pós-graduação em Cultura e Territorialidades da tão do sistema produtivo dos discursos sociais, o qual é,
Universidade Federal Fluminense. por sua vez, um fragmento do campo de produção social
do sentido.” Cf. VERÓN, 1980, p. 103.
2
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Linha_Vermelha_
12
(Rio_de_Janeiro), acessada em janeiro de 2013. BAKHTIN, 1979, p. 91.

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Ano 3, número 4, semestral, março 2013

13 21
Michel Foucault aponta, por exemplo, para outras FOUCAULT, Michel, op. cit, p. 158.
possibilidades de pensar as noções de território e região
22
sem relacioná-las somente ao universo da Geografia. SOUZA, op. cit., p. 84.
Neste sentido, ele afirma que “o território é sem dúvida
23
uma noção geográfica, mas é antes de tudo uma no- Idem, p. 87, grifos do autor.
ção jurídico-política: aquilo que é controlado por um cer-
24
to tipo de poder”. Da mesma forma, região seria uma Idem, p. 87.
“noção fiscal, administrativa, militar”. FOUCAULT, 1986,
25
p.157. Sobre o conceito de redes sociais, ver ENNE (2002).

14 26
Este autor apresenta um balanço das diversas con- A distinção entre as duas categorias é também explo-
cepções associadas à categoria região, em que primei- rada por Michel de Certeau, para quem “o espaço é um
ramente ela seria pensada a partir de um critério natural. lugar praticado”. CERTEAU, 1998, pp.202-203.
Em um segundo momento, seria associada a uma certa
27
concepção étnica. Ambas seriam superadas pela con- A mesma idéia associada a território aparece no texto
cepção de região econômica, para finalmente começar de Marcel Roncayolo, no volume já citado da enciclo-
a ser pensada como um “princípio relativamente abstra- pédia Einaudi, mas no verbete “Território”, no qual este
to”, como um local de representações sociais. Cf. RON- “identifica-se então com o espaço vivido, subjectivo, re-
CAYOLO, 1986, pp. 161-189. conhecido ao longo de experiências individuais e múlti-
plas. O conceito de território é substituído, em certa me-
15
Beatriz Heredia, ao analisar as definições regionais em dida, pelo de percepção do espaço.” Cf. RONCAYOLO,
áreas de plantio em Alagoas, vai apontar para o perigo de M., op. cit., p. 265.
naturalizar o conceito, pelo seu uso frequente, e, como con-
28
sequência, contribuir “para legitimar determinadas maneiras “Na Atenas contemporânea, os transportes coletivos
de pensar e classificar que também se tornam formas “natu- se chamam metaphorai. Para ir para o trabalho ou vol-
rais” de ver e observar a realidade”. Por isso, lembra que o tar para casa, toma-se uma “metáfora” – um ônibus ou
conceito de região, “como todo conceito é também objeto de um trem. Os relatos poderiam igualmente ter esse belo
uma construção”, o que vai obrigar, em termos de análise, a nome: todo dia, eles atravessam e organizam lugares;
uma “desnaturalização”. Cf. HEREDIA, 2001, p. 168. eles os selecionam e os reúnem num só conjunto; deles
fazem frases e itinerários. São percursos de espaços.”
16
Paulo Cesar Gomes observa, comparando as duas CERTEAU, Michel, op. cit., p. 199. Grifo do autor.
concepções, a funcionalista e a marxista, sobre região:
29
“É importante perceber aqui o fato de que, embora re- Em 2002, por exemplo, a Via Light já está consolidada
cusando o funcionalismo como critério para a divisão do e é percebida, na matéria do jornal O dia, de 16 de maio,
espaço, esta nova corrente radical aceita que a região como um fator fundamental na ligação entre o Rio e a
seja um processo de classificação do espaço segundo região, como demonstram o título “Madureira mais perto
diferentes variáveis. Em outras palavras, a controvérsia da Baixada” e o subtítulo “Prefeitura vai ampliar Via Li-
se dá em relação ao conteúdo, ou seja, em relação à ght. Ligação entre regiões será feita em 15 minutos”. Mais
escolha dos critérios, a forma de proceder metodologica- uma vez, uma intervenção urbana alterará o imaginário
mente, no entanto, é preservada”. GOMES, 1995, p. 65. em termos de distância social entre as duas localidades.

17 30
GOMES, idem., p. 67. A ampliação do aeroporto também será tema de ma-
téria em A Gazeta Mercantil de 17/1/1999, com o título:
18
Sobre a etimologia da palavra, ver BOURDIEU, 1989, p. 113. “Começa a nascer ponte aérea entre Baixada e Rio”.

19 31
SOUZA, 1995, pp. 78-79. Na matéria há uma entrevista com o sociólogo e profes-
sor José Claudio Souza Alves, autor da tese de doutorado
20
WEBER, 1944, p. 663. “Baixada Fluminense: a violência na construção do poder”.

Contato:
- anaenne@gmail.com

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